Director: Marcelo Mosse

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segunda-feira, 01 abril 2019 05:35

Na estação de malas vazias

Nasceu nos meados da década de oitenta quando a utopia da juventude parecia inabalável. Acabava de morrer o paradigma do povo, Samora Machel, seguido por quase todos, não propriamente - se calhar - por aquilo que ele fazia, mas pela capacidade de contagiar através dos seus discursos caudalosos. Samora era, por assim dizer,  um grande actor projectado em palanques imensos que estravasavam para as ruas e mercados e todos os cantos, por isso não havia como não lhe seguir as peugadas. Ele vibrava de tal forma que parecia imortal, por debaixo da risada, porém, daqueles que o fariam sucumbir sem piedade.

 

Layitha foi dado à luz quando Samora estava no auge, mas pouco tempo depois a aurora de todos nós foi encoberta. Apagou-se o engajamento. O entusiasmo. Aquele que nos dava motivos para acordar sucumbiu aos algozes.  E até hoje, depois dessa tragédia nacional,  a impressão que subjaz é a de que ninguém tem a certeza do destino que nos espera. O pior ainda é que, mesmo sabendo das dúvidas que mais parecem a certeza de que vamos para lado nenhum, mostramo-nos incapazes de inventar um novo futuro.

quinta-feira, 28 março 2019 13:13

SEXO AUTO-ENFRAQUECIDO

-- País onde mulher é objecto decorativo é Nação condenada --

 

Quando foi dito "Por detrás de um grande homem está uma grande mulher", a moçambicana, acredito eu, auto-excluíu-se. Quando alguém aferiu que "o futuro de Moçambique está nas mãos dos jovens" deve ter sabido antes que a rapariga não quis essa responsabilidade que, no entender delas, é só dos rapazes. Conheço outros ditos e teorias importantes como o da ONU, através das suas agências, que acredita estar mais garantido o futuro da população (porque toda ela inicia na criança) quando se educa e privilegia. Mas a ONU deve ter auscultado as meninas moçambicanas, e elas pediram para não se preocuparem com elas. Não querem ser educadas.

Não posso me queixar do mérito do "casting" do filme "O Calote da Dívida"
porque foi muito bem feito, os actores são bons. Mas, não posso dizer o
mesmo do director/realizador. Onde já se viu um filme desta categoria sem
"Chefe dos Bandidos"!?


Depois destes minutos todos, algo me diz que este filme não vai animar. Num
filme da categoria de acção como este não pode chegar até ao meio sem se
conhecer o "Chefe dos Bandidos". Já é tempo do "Chefe dos Bandidos"
aparecer. Que seja Al Pacino ou Escobar ou Abdul-Jabbar, já é momento de
aparecer para dar mais acção ao filme. Esses malta Bolo Yeung, Tong Po,
etecetera, têm os seus chefes. Este tipo de suspense é típico filmes de
suspense mesmo ou de terror.


Estamos cansados desses vinte bandidinhos fosfóricos sem graça. Acho que o
papel deles nesta longa-metragem já terminou. Já não têm mais texto e estão
a virar figurantes. O filme está a ficar "mono". Só estamos a ouvir
"formação de quadrilha" para cá, "formação de quadrilha" para lá, mas o
próprio formador das tais quadrilhas, nada. Como é possível tantas
quadrilhas conectadas entre si, mas sem mandante?!


Se esta cena não tem "Chefe dos Bandidos" é melhor falarem de uma vez por
todas. Não nos criem expectativas em vão. Não gastem nossas pipocas. Se não
tem "Chefe dos Bandidos", digam, para mudarmos de filme. Queremos ver "A
Ladra de Turbante", essa película que foi lançada ontem em Angola.

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quarta-feira, 27 março 2019 06:16

O vendedor de zips

Encrustado no regaço de um cadeirão, ele embrenhara-se numa sesta quase de barriga vazia, mas esses são aqueles momentos em que o sono eclipsa a dor e a angústia das perdas arrastadas pelas águas na madrugada de uma noite em que, quem sabe, mais um zip se encravaria nas frabiquetas de orgasmos de cada um. E, depois, em cada despertar de cada sesta renasce sempre a esperança. 

 

O homem, encontrado na viela central de Buzi, não ronca. Seu sono parece profundo, a clientela ausente e a mercadoria amontoada numa mesinha bem junto de si. O homem é um dos vários heróis do Buzi. Aliás, no Buzi todos são heróis. Nenhuma hierarquia captaria uma diferenciação do heroísmo, a não ser por decreto oficial. 

Infelizmente, o ser humano não é tão organizado, sensível e solidário quanto parece. Em 2001, durante as cheias que devastaram a zona centro do país, particularmente os distritos ao longo do rio Zambeze, participei dos trabalhos de apoio aos afectados, como voluntário. Éramos quatro moçambicanos contratos às pressas, por uma organização humanitária americana na cidade de Quelimane, para trabalharmos como tradutores (na verdade, queriam gajos que "tolkavam" um pouco de inglês), mas acabamos fazendo trabalhos logísticos, sanitários (tratar água e ajudar as pessoas a tomarem correctamente os medicamentos) e outros que o momento requeria. Na verdade, fizemos de tudo. O nosso quartel-general era Luabo, na altura, Posto Administrativo do Distrito de Chinde. A partir dali, dávamos assistência aos mais de uma dúzia de centros de reassentamento implantados naquela zona. Foi uma experiência e tanto. 

 

Dizia, então, não somos assim tão organizados e bem intencionados quanto aparentamos ser. Circulam vídeos nas redes sociais que mostram pessoas (aparentemente vítimas do ciclone IDAI) lutando para conseguirem comida ou assaltando armazéns de viveres. E os comentários dizem que aquilo deve-se a demora e má distribuição da comida ou então esquemas de corrupção das equipas de gestão dos bens. NÃO É BEM ASSIM. 

 

A ajuda humanitária é dividida em duas fases: período de cheias e período pós-cheias. A primeira fase é a mais complicada e difícil. Nesta fase ninguém tem certeza que a comida é suficiente para todos. Nem a pessoa que distribui, muito menos os que vão receber. É que neste primeiro período não há números concretos das vítimas, os centros são improvisados e há muita desinformação e desconfiança e, por isso, muito oportunismo. É o período do caos. Gera-se muita ansiedade e insegurança nos beneficiários que acaba gerando nervosismo nos gestores e que, as vezes, acaba em confusão. Pior quando se envolve a Polícia. 

 

Já a segunda fase é mais soft para todos. A vida começa a reerguer-se, os centros estão melhor organizados, já se sabe com exactidão o número de beneficiários de cada centro, os gestores já têm listas dos beneficiários (organizados em homens, mulheres, crianças, idosos, viúvos, órfãos e chefes de família, etecetera). Nesta fase, já se sabe com exactidão as quantidades necessárias para cada comunidade e já há confiança entre as partes. Tudo flui a contento. 

 

Infelizmente, têm havido muitos oportunistas em momentos de crise. Há pessoas que viajam de locais não afectados para criar confusão nos centros de distribuição de comida para venderem os produtos à preços especulativos nos mercados de outros distritos. Eu vivi isso. A comida (arroz, farinha, feijão, óleos, etecetera) que distribuiamos vinham da África do Sul, mas nós encontrávamos nos mercados a venda. Até medicamentos, as vezes. 

 

Os assaltos aos armazéns de produtos muitas vezes não têm nada a ver com a demora na distribuição. As vezes nem é naquele local que os produtos são distribuídos. A desinformação, a fome, a ansiedade, a insegurança, a desconfiança, mas também - muitas vezes - a má fé, contribuem para isso. É claro que também há factores organizacionais dos próprios gestores dos produtos e corrupção. Por isso não consigo julgar os cenários com base nos vídeos que circulam. Seria muita leviandade da minha parte. Não estaria a ser justo. Há muita gente se solidarizando e se entregando para ajudar os nossos irmãos. Há pessoas que deixaram as suas vidas em Maputo, por exemplo, para irem ao terreno para prestarem o seu apoio a custo zero, assim como eu e meus conterrâneos fizemos há dezoito anos. Não é nada fácil. Distribuir comida em tempos de crise não é tarefa fácil. Só quem já esteve no terreno sabe do que falo. Muita calma nessa hora! 

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Ontem liguei para um tio meu residente na cidade da Beira para saber como estava a sua vida pós IDAI. Depois daqueles salamaleques de início de conversa, o cota entrou automaticamente num festival de lamentações dos comerciantes locais que inflacionaram tudo. O velhote atribuiu todos adjectivos pejorativos em português, ndau, emacua, elómuè, inglês, árabe, alemão (é madgermane), e uns outros idiomas que eu não conheço. Falou do descaso do governo perante a situação: este governo é assado, frito e cozido. 

 

E eu: Mas, tio, qual é o espanto? Por quê tanta indignação? Onde está a novidade nisso tudo que acabou de falar? Tio, aqui no nosso país quem tem moral suficiente para repreender esses especuladores de preços? É que este país já anda inflacionado faz muito tempo com o próprio Estado/Governo na linha da frente. O Estado/Governo passa a vida a sobrefaturar as suas próprias obras. Estradas, escolas, hospitais, pontes, viaturas, equipamentos, e tudo, anda com valores superiores àquele que efectivamente devia ser cobrado. 

 

Ahhh, porque isso é burla. Burla é também aquilo que a É-Dê-Eme, a FIPAG  e a Ele-A-Eme fazem com os seus clientes. Na verdade, a energia da nossa É-Dê-Eme nem devia ser vendida pela quantidade de cortes e pela qualidade de estragos que faz aos nossos electrodomésticos. Num país normal aquela água da FIPAG não se dá ninguém para beber nem de borla. Quanto é que pagamos pelos voos domésticos da Ele-A-Eme? Isso é roubo. Roubo também são os juros praticados pelos bancos da praça. Chegam até a ter mil por cento de lucro anual. Os nossos bancos não têm pena. Como se chama aquilo que as farmácias privadas fazem? Paracetamol a preço de uma operação plástica. Aqui funciona a política do mar: quem tem boca grande engole o outro. No dia que camarão tiver boca grande vai engolir tubarão. 

 

Estamos todos inflacionados. Até no governo temos ministros inflacionados. Há ministros que você não se dá conta da sua existência até ser acusado de desvio de fundos. Neste mandato temos um ministro que apenas trabalhou no dia em que uma adolescente pendurou bandeira algures no rabo. Temos alunos da primária inflacionados em licenciados e agora andam por aqui insultando ideias  contrárias e citando livros que ainda não foram escritos. Estamos a pagar balúrdios a um "seleciona-a-dor" que devia estar a treinar cortes e penteados no "Mozambique-Feixon-Wik". Isso também é especulação. 

 

Quem tem moral para repreender os inflacionadores da Beira? Alguém diria "as autoridades". Que autoridades? O ciclone IDAI só trouxe o mesmo velho debate com esses especuladores de preços em miniatura. O país foi oficialmente vendido a um preço especulativo desde a implantação do cabritismo. Hoje alguns cabritos se transformaram em girafas; você amarra aqui e, graças ao seu pescoço, o gajo come ali. Há outros que já comeram a própria corda que os amarrava e agora andam soltos e comem em qualquer lugar. Enquanto falamos dos comerciantes oportunistas da Beira, há quem já deve estar a inflacionar os próprios donativos: entrega um quilo e reporta dez. 

 

Está tudo especulado. Eu próprio sou um produto inflacionado dessas redes digitais. O mano Marcelo Mosse só veio carimbar a inflação dando-me um espaço no seu prestigiado jornal, deixando-me escrever ao lado de grandes celebridades como o Mia Couto. E agora eis-me aqui feito um grande intelectual, pensador, analista e sei-lá-mais-o-quê (de acordo com a ilusão) dando-me o direito de falar dos outros burladores desta "mátria". Capitalismo, dizem. 

- Co'licença!