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Não é para gerar polémica! Vivemos um período muito conturbado causado pelo triunfo momentâneo de um vírus mutante, que conseguiu juntar 3 em 1: a agressividade (virulência) do HIV, a transmissibilidade do vírus da gripe comum e  o factor novidade, que implica que ninguém tenha ainda desenvolvido imunidade natural ao mesmo. Um cocktail mortífero para uma doença transmitida por um organismo tão pandémico como o SarsCoV-2.

 

Se nós ajuntarmos o quarto factor, o da comunicação prolífica devida à omnipresença das redes sociais, como fruto de um milagroso desenvolvimento em exponencial das TIC´s, teremos a componente social importante para poder gerar a catástrofe. De facto, a existência de uma miríade de plataformas digitais, a internet rápida e o fabrico em série de smartphones faz com que qualquer pessoa, em qualquer momento e lugar, possa se tornar num “jornalista”, num fazedor de opinião. Aqui surge o primeiro grande desafio: todos dispomos de meios potentes de jornalismo, mas não das ferramentas éticas para exercer essa nobre profissão.

 

Assistimos muito recentemente, ao abuso ad nauseam da plataforma Twitter, para destituir ministros e conselheiros, emanar ordens presidenciais e discursos profanos e incitar ao assalto a símbolos democráticos, numa importante e próspera nação ocidental, o que prova que o risco de abuso das redes sociais pode até vir de pessoas que, à partida, deveriam ter o tal kit ético.

 

A influência e abrangência deste meio de comunicação rápida são muito grandes. Quando comecei a me interessar com política a sério, na década 70 do século passado, entendi que sempre que houvesse golpes de estado na África e América Latina, as prioridades eram a ocupação do palácio presidencial, do edifício da rádio e do estado maior general do exército. Aqui, via-se claramente que o “quarto poder”, era mais forte que o segundo e o terceiro (legislativo e judicial). A rádio aparecia como a melhor forma de chegar às pessoas, de lançar o discurso, influenciar o pensamento. Nos tempos da Internet 5G (nós em Moçambique ainda nos contentamos com 3G ou 3,5G por enquanto), é muito natural que os governos em tempos de crise, desliguem a Intenet para dificultar a comunicação entre as pessoas. Vimos isso em África, mas também na Europa e na Ásia.

 

O segundo desafio vem de outro tipo de abusadores das redes: pessoas que de forma deliberada, sentam-se e inventam os famosos “memes”. Estes, são pequeníssimos textos (chamemos-lhe textículos), alguns deles com um conteúdo humorístico muito apurado, mas infelizmente, quase sempre todos estão direccionados para expressar aquela repulsa social que existe ente grupos (ou para com grupos) e que de alguma maneira acabam reflectindo os problemas sociais em ebulição. São memes homofóbicos, contra as marhandzas, contra os Xingondos, os Makuas, os manhembanas, os machanganas e por aí, trazendo ao de cima aquilo que talvez devesse merecer lugar de prioridade nos nossos programas sociais.

 

O problema da comunicação rápida do tipo mensagem de WhatsApp é o efeito psicológico de “não pensar muito, não se bater a cabeça” que ela gera. Na verdade, a mensagem curta, com resposta rápida e muitas vezes lacónica do estilo “gosto”, actua no nosso cérebro com injecções abundantes de dopamina, própria para as acções de motivação/recompensa, igual ao cão que deve ser dado um biscoito cada vez que acerta no gesto num treino.

 

E isto, para além de estimular o prazer, vicia.

 

Assim, podem estar viciados de postar memes os que diariamente abusam das redes sociais, aproveitam-se da situação de calamidade pública em que nos encontramos no país e passam o tempo todo a enviar mensagens de perigos diversos, de incertezas científicas justificadas sobre a pandemia, de problemas técnicos com a(s) vacina(s) a serem desenvolvidas em diversos laboratórios no mundo  e de supostas mortes de personalidades públicas.

 

De repente, em pouco menos de um ano, habituais analfabetos técnicos e desléxicos titubeantes, têm um amplo domínio da microbiologia, da virologia, da saúde pública, do sequenciamento genético dos vírus e mutações, da farmacologia dos testes de vacinas e da estatística demográfica e multivariada. Este é o grande desafio das redes sociais neste momento da pandemia. Diariamente somos fustigados com GigaBytes de informação digitalizada, circulando de um grupo para o outro das redes e misturando a notícia, o alarmismo, o sensacionalismo e a morte.

 

Tenho dúvidas que esta mistura ajude-nos a combater o vírus. Mantenhamo-nos vigilantes contra esta doença da CoviD-19 que está sendo transformada, também, em doença do pânico.

 

Rogério José Uthui, 25 de Janeiro de 2021.

terça-feira, 19 janeiro 2021 09:44

Mário Ferro

Um dia, tinha eu 20 anos, a idade da minha filha Mayisha hoje, desci a pé pela Vladimir Lenine abaixo e fui ter ao mítico jornal Notícias, na vetusta Joaquim Lapa. Pedi para falar com o Chefe de Redacção e este recebeu-me de imediato. Ouviu-me com parcimónia. Creio, a esta distância, que fui bastante ousado: propunha-me a ser colunista do jornal. Levava comigo duas laudas.

 

Mário Ferro assentiu e deu-me uma coluna. Advertiu-me que seria na página 3. Ele cogitava abrir portas para jovens escritores e fê-lo com denodo. Na última página pontificam os nomes estelares, entre eles o Albino Magaia, o Leite de Vasconcelos ou o Mia Couto.

 

Aprendi a batucar prosas literárias com velhos mestres brasileiros. Carlos Drummond de Andrade, antes de todos. O seu livro Fala, Amendoeira serviu-me de viático para a jornada. Lia-o com método. Lia outros tantos cronistas: Rubem Braga, Fernando Sabino e Paulo Mendes Campos. Quase todos mineiros, à excepção do velho Braga. Outro grande mestre no género foi o meu amigo Baptista-Bastos. Provavelmente, o maior cronista português do século passado. O livro Cidade Diária foi um verdadeiro manual.

 

Aqueles dias aturdidos, aqueles meses longos, aqueles anos intermináveis, vívidos e sofridos. O quotidiano, o nosso quotidiano, enchia-nos de vozes que habitavam os nossos textos. Era um quotidiano duro, difícil, dias do fim de um tempo, dias do fim de uma era. Mas havia uma coisa que não vejo hoje: humanismo. Éramos solidários, próximos, humanos.

 

Porfiávamos, naqueles textos breves e urgentes, a nossa esperança. Escrever, naqueles dias, por aqueles dias, era uma espécie de um sobressalto de quem apostava no futuro. Eram dias duros, disse-o. Os de hoje não são menos. As nossas crónicas, as nossas histórias, recortavam-se nessa gente anónima, viviam dessas vozes sussurradas, de gente humilde.

 

Vivíamos, escrevíamos, amávamos sem um manual de sobrevivência. Contudo, éramos lidos. Hoje quem nos lê? Com o advento da televisão e as telenovelas, primeiro, e, depois, com a revolução dos telemóveis e de seus avatares, a leitura tornou-se obsoleta. A esta distância, digo, éramos felizes e não sabíamos. Que belos e pungentes tempos!

 

Devo ao Mário Ferro a realização daquele sonho de Escrevedor de Destinos. Num livro que leva esse título, redigi um texto em sua homenagem. Num país onde praticamos o descaso em relacção aos nossos melhores, quis lembrar-me dele em vida. A omissão, o olvido e a desmemória são práticas comuns na Pátria. Cá por mim, curvo-me ao Mário Ferro. Obrigado, meu velho Mestre, por teres acolhido a minha canhestra “tabuleta da oficina”, que saía justamente às terças-feiras, como hoje, no dia em que te lembro e exulto, comovidamente, a tua memória.

 

Nelson Saúte

quarta-feira, 16 dezembro 2020 07:14

Afinal: ainda trocamos ouro por missangas?

quinta-feira, 10 dezembro 2020 05:46

Corrupção no desporto ou no “procurement”?

Filipe Nyusi surpreendeu bastante ontem. Para celebrar o Dia Mundial de Luta contra a Corrupção, ele escolheu como tema a corrupção no desporto. Incrível! Num país em que o desporto produz quase nada para o PIB e sobrevive de quinhentas de caridade (e logo, as transações corruptivas no sector movimentam também quinhentas; e, ainda por cima, o enfoque do Presidente foi a manipulação de resultados e não uma certa corrupção na economia do desporto centrada nas negociatas de terrenos, nunca investigadas pela justiça, ou seja, completamente impunes!), cremos que Filipe Nyusi só escolheu esse tema porque ele é um aficcionado do futebol. Mas, como Presidente da República, ele devia ter tocado na ferida. E falado do que realmente conta. Do procurement público. Dos concursos falaciosos. Sobretudo agora com os ajustes directos dos fundos do Covid 19, um festança em curso.

 

Mas não! Ele preferiu assobiar para o lado, brincando no futebolês. Em Moçambique Andamos a fingir que controlamos a corrupção. E agora que a reacção penal prendeu meia dúzia de ex-ministros (nalguns casos para prosseguir sua investigação, embora não haja risco de fuga nem perturbação da investigação, como no caso do Eng. Paulo Zucula) andamos a cantar vitórias. Mas não há como cantar vitórias com presos preventivos.Não!  Quantos condenados de verdade por corrupção temos por detrás das grades? Contém! Onde está a Setina Titosse? E os nossos dignos diplomatas? E para onde regressou o senhor Cambaza.

 

A grande corrupção está aí, incólume. Os concursos públicos são um cancro. Ninguém quer abordá-los porque eles são a interface da relação promíscua entre política e negócios. É lá onde os governantes amealham suas rendas, decidindo a favor de quem paga mais. Corrupção no desporto? Não, isso não é assunto, Senhor Presidente.

 

O Presidente disse também que a corrupção não compensa! Em Moçambique? Apontem um único caso de grande corrupção com condenado na cela. Nenhum! Está todo o mundo amealhando protecção política de um regime que se financia na corrupção a troco da garantia de impunidade dos homens de colarinho branco que controlam a UGEAS. Duvidamos que não compense!

 

Mas corrupção no desporto mesmo?! Isso são "peanuts", senhor Presidente. 

Um pouco pelo mundo, ganha corpo o debate sobre o terceiro contracto de Educação Social ou o novo Pacto Educativo. Um movimento que envolve especialistas, professores, decisores, governos e universidades e, até, o próprio Papa Francisco, que deveria ter realizado o Congresso sobre educação em Maio deste ano.

 

O pressuposto para este manifesto é o de que em nenhum momento da nossa história, o mundo teve tantos avanços inimagináveis, vertiginosos e exponenciais da ciência e tecnologia, tais como biotecnologia, nanotecnologia, infotecnologia, robótica, ciências espaciais, neurociências, entre outros. Porém, existem, contradições e desigualdades inaceitáveis diante de tantos avanços. O mundo ainda assiste aos milhões de pessoas que sofrem de fome, pobreza extrema, desnutrição, migração, racismo, xenofobia, injustiça e violência nas suas mais diversas expressões e consequências.

 

A pandemia SARS-COV 2 provou, em muito pouco tempo, como os seres humanos continuam altamente vulneráveis e que apesar de estarmos no século XXI, a meio destes grandes avanços científicos e tecnológicos, a humanidade continua vulnerável, independentemente da cor da sua pele, das crenças, religiões e posições geográficas. Por outro lado, a pandemia permitiu, também, conhecer a importância que as tecnologias podem ter neste mundo pós-moderno, sobretudo, com as experiências da telesaúde, educação à distância, e-governo, e-comércio, e-banking, etc. que abriram espaço para a criatividade, inovação, empreendedorismo, nos seus níveis pessoais, familiares, comunitários e institucionais.

 

As bases para este terceiro contracto de educação social são os anteriores grandes acordos sociais de educação que permitiram um conviver e um progredir do bem-estar da sociedade e da humanidade. Em grande medida, o novo acordo baseia-se nas necessidades crescentes da revolução cientifico-cultural, que terá que produzir uma nova disciplina laboral e, na essência, cada pessoa deverá descobrir a sua paixão, aprender ao longo da vida, cultivar novas competências e habilidades, desenvolver todo o seu potencial, encarregar-se de inventar o seu trabalho e dirigir a sua vida.

 

O primeiro contracto social teve por base a aquisição de competências básicas para um desenvolvimento pessoal e profissional. A promessa era de que ao aprender de coisas básicas, todos poderiam se desenvolver na vida, tendo disciplina e obediência, e ganhariam um trabalho digno para o resto da vida. O segundo contracto, por sua vez, baseava-se na aquisição de competências técnicas e profissionais que foram fomentas pelo crescimento de universidades, centros de estudos técnicos e superiores, em todo o mundo. A promessa era sustentada nos seguintes argumentos: estude muito, faça esforço, tire boas notas, siga uma carreira e terá um bom trabalho para toda a vida.

 

O final do seculo XX e o início do seculo XXI, criaram realidades diferentes em que as circunstâncias tecnológicas, económicas e laborais transformaram-se radicalmente e o contracto social da educação não foi renovado e gerou disfuncionalidades e, até, uma anomalia histórica.

 

Ainda que o terceiro contracto de educação social não esteja definido, certamente que é possível delinear os seus traços fundamentais. Assim, aos estudantes será exigido o desenvolvimento de competências, de criatividade, inteligência emocional, inovação, empreendedorismo e, sobretudo, liderança. Quer aos estudantes, quer aos professores, será exigido o domínio das novas tecnologias, das línguas e, principalmente, que se encarreguem de inventar o seu próprio trabalho.

 

Também, nesta fase, a escola e os centros de ensino superior terão que potencializar sujeitos pensantes, livres e responsáveis. Dito por outras palavras, teremos que enveredar por uma educação que corresponda as condições de vida do século XXI, que eleve a condição humana das pessoas e contribua para a construção de sociedades democráticas, equitativas e sustentáveis. Essa será uma educação que compromete a todos actores sociais em torno de um ecossistema em que estejam presentes e sejam protagonistas, quer dizer, serão convocados a comunidade, as famílias, os trabalhadores não docentes, os meios de comunicação e as próprias autoridades. Todos estes, terão que contribuir nesta acção multifocal, para ajudar aos jovens a se desenvolverem plenamente na sua dimensão pessoal e profissional.

 

O terceiro contracto de educação social tem em vista a mudança da agenda educacional e um redesenho gradual de todos os programas de estudo, com base na inovação educativa. Moçambique, brevemente, precisará de adaptar-se a estas realidades. Teremos que aprender a saltar do primeiro contracto de educação social para um terceiro, considerando que o segundo nunca foi explorado no máximo das suas potencialidades e que continuamos a ter um ensino que forma profissionais dependentes do empenho. Mas é, sobretudo, a administração pública que precisa de rever os seus critérios de ingresso nas careiras profissionais, que não olhem apenas a certificados e diplomas, mas que busquem competência, capacidade técnica e inovação.

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