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quinta-feira, 02 setembro 2021 08:15

Este juiz tem dentes de tigre

Mas também como é que você queria que um homem que passou a sua infância na cidade Beira, não tivesse dentes de tigre! Este senhor, apesar de ter nascido na Zambézia, o sangue dele, na prática, é sena. Escute bem o sotaque dele, veja a sua determinação, e a sua capacidade de entrar na cova dos leões e sair intacto. Como Daniel, após o decreto do rei Dario.

 

Eu não vim aqui falar de Direito, não sei nada de Leis, mas apenas manifestar a minha admiração pela forma como Efigénio Baptista, brilha, com luz própria, sem precisar de usar o martelo. Aliás, ele bem dizia ao Ndambi Guebuza, “você não precisa  ser malcriado para fazer valer os seus direitos, não precisa ser mal educado”.

 

Efigénio Baptista não vocifera, mesmo que em muitos momentos, até aqui, tenha havido motivos para ele bater com o martelo na mesa e erguer a voz. Este felino não precisa mostrar os dentes para dizer às pessoas que ele é um dos animais  mais letais da selva. Quem se encarrega disso é a sua perfomance, a sua serenidade e a sua argumentação demolidora, que não poupa nem os gurus da advocacia.

 

Este magistrado  usa a sabedoria para desconstruir a narrativa de prováveis mafiosos. Uns mostrando astúcia, outros valendo-se da arrogância e malcriadice para dizerem que valem alguma coisa, ou valem muito, quando no fundo não conseguem ver longe. Efigénio Baptista está acima desse terreno, que agora engole, aos poucos, aqueles que nele se fundamenta(vam).

 

Eu não vim aqui fazer qualquer juizo de valor, mas apenas repetir aquilo que todos dizem na rua e nos chapas e em todo o chão. Há uma euforia global incontida perante um julgamento conduzido, como o povo diz, por um homem que tem “os dois” no lugar.  Efigénio Baptista, não tem “matchende ya mbuzi” (testículos de cabrito), mas “matchende de tigre”. Para além de ser o orgulho dos senas e dos matchuabos, é o orgulho de todos os moçambicanos.

 

Há uma ovação estrondosa em vénia a este jovem, mesmo antes de o julgamento chegar ao fim. E no meio deste entusiamo popular, diz-se que estão arrependidos aqueles que puseram Efigénio Baptista à frente deste processo. Aliás, para além dos que dizem que este juiz tem dentes de tigre, há outros que preferem afirmar que ele é um boi furioso dentro de um supermercado, está a deitar abaixo todas as prateleiras que afinal só estão douradas por fora. Por dentro é ferro velho que pretende estupidificar-nos a todos.

 

Mas eu estou aqui apenas para bater palmas, como todos aqueles que estão ávidos de justiça. E não vou dizer mais do que aquilo que é dito pelo povo, do qual faço parte. Ou seja, também canto essa música, cujo refrão é “este juiz é lixado!”

quarta-feira, 01 setembro 2021 09:24

A Tanzania virou-nos as costas? Virou?

 

PRÉVIO: ESTE TEXTO FOI PRODUZIDO ANTES DE O GOVERNO NORTE-AMERICANO REVELAR ALGUNS NOMES DE TERRORISTAS E DA DECISÃO DA SADC DE ENVIAR TROPAS PARA AJUDAR MOÇAMBIQUE A COMBATER O TERRORISMO EM CABO DELGADO.

 

Há a sensação geral de que a Tanzania, o berço da nossa República, virou-nos as costas. Do apoio incondicional que dispensou antes e durante a luta de libertação nacional e depois da proclamação da independência nacional, hoje, pouco ou nada quer saber de nós!

 

De facto, os desenvolvimentos dos últimos anos levam a essa conclusão. A Tanzania proclamou em vários fora que a responsabilidade de garantir segurança, paz e estabilidade de Moçambique é dos moçambicanos e que não vai apoiar uma guerra cujo inimigo não tem rosto. Mais do que mera retórica, os nossos irmãos (ou ex-irmãos?) têm-se recusado terminantemente a abrir centro de refugiados para albergar moçambicanos fugidos de terrorismo no norte de Cabo Delgado, repatriando-os compulsivamente e nem sequer lhes dando assistência humanitária!

 

E esta foi a atitude que atraiu muitas críticas e condenações internacionais e de muitos moçambicanos em particular. Dados do ACNUR indicam que mais de 9.600 deslocados foram repatriados à força de Janeiro a Junho deste ano, sendo que cerca de 900 foram literalmente “empurrados” de regresso a Moçambique em apenas alguns dias de Junho.

 

A Tanzania tem razão: o inimigo que devasta a zona norte da província de Cabo Delgado não tem rosto. Sabe-se que é terrorismo! Grupos de insurgentes ou terroristas aqui e acolá… De concreto, identificado e assumido, nada! Muito estudo foi e continua a ser feito, mas ainda não apontou um nome em concreto! Serviços secretos de todo o mundo batem as cabeças para encontrar rasto, identidade e localização… quase nada! Continuamos completamente no escuro. Mas isto (a inexistência de rosto dos grupos dos terroristas) não é motivo para os nossos irmãos tanzanianos não juntarem os seus braços aos dos outros da Região e do mundo no combate a este pesadelo. E muito menos para escorraçar humilhantemente todo e qualquer refugiado que em suas terras pouse o pé, contra todas as disposições legais internacionais e contra os valores básicos de humanismo! Menos ainda de nos virar as costas!

 

A Tanzania é o berço do nosso Moçambique independente! Acolheu no seu solo pátrio todos os moçambicanos fugidos das atrocidades do colonialismo português em Moçambique, entre os quais jovens que iam lutar para libertar a sua terra e os que simplesmente se refugiavam, os refugiados. A Tanzania co-organizou os moçambicanos aglomerados no seu território para lutarem contra o colonialismo português. Ajudou os moçambicanos a lutarem contra o colonialismo português. A Tanzania recebeu no seu território todas as formas de ajuda à luta armada de libertação de Moçambique, incluindo material de guerra. A Tanzania aceitou e aguentou todas as acções hostis de retaliação do governo colonial português em Moçambique. Numa palavra: a Tanzania fez tudo o possível e o impossível para Moçambique ser independente! Conquistada a independência, a Tanzania ocupou a chapa número um dos registos diplomáticos de embaixadas! Samora e Nyerere eram… irmãos!

 

E, como diriam os ingleses, what went wrong?

 

À parte o viranço ou não das costas por parte das autoridades tanzanianas, temos a obrigação de fazermos uma introspecção. Vermos o que podíamos ter feito de outra maneira, não necessariamente para agradar os irmãos tanzanianos, mas para evitar que estivéssemos nesta situação em que nos encontramos hoje, de lutar com um inimigo sem rosto, mas que está claro que se trata de terrorismo com ligações ao terrorismo internacional!

 

Na minha linha de pensamento, um grande erro foi a não reconstituição e apetrechamento de um grande e forte exército nacional, depois do Acordo Geral de Paz de Roma, de Outubro de 1992. Não há nenhum Estado em segurança e estabilidade sem um exército forte. Enquanto não tivermos, a nossa vida, como Estado ou sociedade, será porosa. Este foi e continua o erro capital que continuamos a cometer gritantemente!

 

A segunda coisa nociva para nós próprios, no meu entender, foi a abertura do centro de refugiados em nosso solo pátrio - e este centro continua lá imponente. A sairmos de uma guerra sangrenta que a Renamo moveu e sem termos as condições apropriadas, tivemos a vaidade de abrir um centro de refugiados e ‘convidamos’ todo o mundo para cá vir refugira-se - estávamos a mostrar a nossa solidariedade. E todo o mundo cá veio, mesmo pessoas que não qualificavam. Chegamos a admitir pessoas que tivessem atravessado seis fronteiras, o que contraria as regras internacionais. Depois, a nossa capacidade de controlar essa gente toda que pulula para o nosso país… era e continua diminuta! Muito precária. Muitos dos tais “refugiados” não tinham nada de refugiados, estavam, sim, à procura/espera de oportunidades para seguirem os seus planos e destinos completamente desconhecidos para nós. Aglomerámos tanta gente ali e hoje é o que vemos/choramos com os nossos próprios olhos! Quantos países têm centros de refugiados funcionais em seus territórios? A propósito, por quê não encerramos aquele centro em Marretane? Ganhamos o quê? Trar-nos-á piores custos que estes que estamos a viver no sangue, o terrorismo?

 

A outra menos bem pensada foi a proliferação de aeroportos internacionais. E esta tendência até hoje ainda se verifica. Quase todos os aeroportos nas capitais provinciais são aeroportos internacionais… só não há voos internacionais regulares porque os operadores não viram/vêem vantagens nisso. Decretamos aeroportos internacionais sem a acompanhante necessária e fundamental de controlo de entradas de estrangeiros nesses pontos: segurança. Nalguns deles nem scanners havia, nem aquela vara detectora de metais… As coisas foram acontecendo, os estrangeiros foram entrando… aos magotes e hoje estamos aqui: terrorismo! Por quê não escolhemos três a quatro aeroportos (Maputo, Beira e Pemba, por exemplo?) e ficamos por aí...

 

E este é um elemento crítico: a falta de controlo sério nas nossas fronteiras. De tempo a tempo, não muito distante um do outro, temos notícias de estrangeiros detidos em algum lugar do nosso país… etíopes, somalis, nigerianos, ruandeses, etc., etc. e em quantidades assustadoras. Ou a caminho da África do Sul, ou de um outro ponto. Preocupantemente, com a facilitação e ou envolvimento dos nossos agentes de segurança. Temos que encarar com muita seriedade a questão da segurança nas fronteiras!

 

Depois da nossa introspecção profunda, aí, sim, podemos procurar o tesouro perdido some where! Ou apontar o dedo a… Tanzania! Encontrando-o ou não, uma coisa impõe-se: sentarmos à mesma mesa com os irmãos tanzanianos  e conversar a sério com eles. Não podemos deixar morrer uma fraternidade genuína como esta, seja por causa de recursos ou não. A Tanzania e os tanzanianos são um povo muito generoso!

 

ME Mabunda

Não se pretende explorar conceptualmente numa praxe académica os conceitos de ciências de riscos, mas faz-se um empréstimo para ilustrar o histórico territorial de risco para suportar a afirmação. Na região centro de Moçambique há uma situação multirrisco de ponto vista físico-climático e outros problemas societais em combinação e se mal geridos podem conduzir a uma crise humanitária profunda. Aliás não querendo ser catastrofista essa região vive permanente em crise desde a primeira república em poucas evidências de gestão integrada de riscos. Entende-se por região centro de Moçambique as províncias de Sofala, Manica, Tete e Zambézia.

 

Primeiro, vale apenas definir-se cientificamente os conceitos de “bacia de riscos” como a região ou território onde há convergência de dois ou mais riscos que até podem vir a manifestar-se ao mesmo tempo originando crises complexas (Rebelo, 2003 Apud Dagnino & Junior, 2007). E o “sistema de riscos” é utilizado para enfatizar quando um risco é fortemente interligado a outros no espaço e/ou no tempo (Perrow, 1983 Apud Dagnino & Junior, 2007). A situação actual da região Centro de Moçambique principalmente as províncias de Manica, Sofala e Tete encontra um ajuste destes dois conceitos que seguidamente se tenta demonstrar de modo a sencebilizar as lideranças locais, centrais e parceiros estratégicos a ser mais proactivos nas acções de redução do risco de desastres.

 

Algumas constatações condicionantes para fatalidades e desastres na região centro

 

  1. Ciclicamente afectado por tempestades, inundações e seca

 

A região centro comporta vários rios importantes do ponto de vista hidrográfico em Moçambique. Os que mais afectam a região do ponto de vista de inundações e colocam em risco as populações e seus bens são rio Zambeze, Licungo, Save, Pùngué e Rovubwe. Estes rios de uma frequência de inundabilidade de 1 a 10 em média; querendo dizer que a região anualmente tem casos de cheias/inundações. Esta região é porta de entrada de ciclones do canal de Moçambique e por conceito os ventos fortes são acompanhadas por precipitações intensas terminam sempre em fatalidades (Figura. Alguns exemplos).

 

 

Apenas no ano de 2019, antes do mortífero ciclone Idai a região já tinha sido afectado pelas inundações do rio Licungo na Zambézia, Save e Púnguè em Sofala, Zambeze e Rovubwe em Tete. Enquanto as populações se recuperavam das inundações foram afectadas pelo ciclone Idai que passado mais de 2 anos ainda se encontram num processo de reconstrução pelo impacto que teve e ainda este 2021 tiveram outros dois eventos extremos.

 

  1. Região com alta dependência de recursos naturais e regularidade pluviométrica

 

Os recursos naturais (florestas, pesca, fauna bravia, etc), a agricultura familiar de pequena escala são as actividades que garantem o sustento das comunidades locais e geram muita renda informal nas famílias em quase toda a região centro e a província de Manica ainda com maior produção de citrinos e produtos de avicultura. Estas actividades têm época própria porque dependem especificamente do período chuvoso. E por questão de sobrevivência as comunidades se instalam nas planícies inundáveis e locais com potencial de deslizamento devido a exploração artesanal de recursos minerais.

 

  1. Região com conflitos políticos militares pós-eleitorais e desde 2014 latentes.

 

A região vem sofrendo sevícias e incursões militares desde 2014 com altos e baixos que nunca pararam completamente. Todas condições agro-ecológicas, recursos naturais e recurso mineiras que podiam ou podem colocar esta região mais desenvolvida e com comunidades mais imponderadas são menos exploradas.

 

Os conflitos militares impedem o desenvolvimento das comunidades, inibem investimentos e colocam o ritmo de desenvolvimento desta região bastante lento.

 

Com as três constatações referenciadas acima fica óbvio que o centro é “bacia de risco” que se associam e podem conduzir a uma crise humanitária profunda se por exemplo os conflitos políticos militares prevalecerem, porque os eventos extremos estes sim vão se repetir (inundações, seca/estiagem e ciclones/tempestades) sem dúvida alguma.

 

Algumas sugestões para reduzir o risco de desastre na região centro de Moçambique

 

A discussão actual na área de Redução do Risco de Desastres caminhou para o consenso de que avaliar a vulnerabilidade social de um determinado território, ou região, é chave para ações de prevenção e redução de desastres, bem como para a promoção de uma cultura de resiliência (Oliveira et al, 2020).

 

Com todas as adversidades acima elencadas na região sugere-se:

 

  1. Envolver as lideranças locais e descentralizadas para acções de redução de risco de desastres. Vezes sem conta as comunidades recebem doações, ajudas humanitárias e projectos de empoderamento comunitário que muitas vezes não se enquadram com o seu contexto. Fraco envolvimento dos actores locais gera soluções fracas. O modelo centralista na gestão de risco de desastre se mostra menos eficaz em maior parte do mundo.
  1. Capitalizar o uso sustentável dos recursos por parte das comunidades de modo a tirarem maior proveito para reduzir os níveis de desemprego e pobreza na região; isso evitará uma provável manipulação das comunidades para se associar a conflitos com motivações “ocultas”.
  1. Encontrar uma plataforma de governação de riscos na região que possam incorporar os aspectos culturais e étnicos para reduzir as assimetrias regiões, bem como quebrar as narrativas seculares a esse respeito.
  1. Estabelecer uma paz sustentável durante e pós-eleições, porque esta região tem sido palco de qualquer revindicação eleitoral (mesmo dentro do mesmo partido) e coloca a região fragilizada. É preciso que as acções humanitárias se limite ao alívio. A reabilitação e recuperação são parte integrante da acção humanitária e devem ser dadas a atenção necessária e recursos suficientes. A acção humanitária deve ir para além da resposta de emergência e ser entendida como parte de uma estratégia de paz e estabilidade e de desenvolvimento a longo prazo (Africana, 2016).

 

Hélio Nganhane

 

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Aluno do Doutoramento em Geologia na Especialidade do Ambiente na Universidade de Coimbra, assistente universitário na Universidade Pùngué.

 

Referencias

 

Africana, U. (2016). Posição comum Africana (PCA) sobre a eficácia da ajuda humanitária. Addis Ababa.

 

Dagnino, R. D. S., & Junior, C. S. (2007). Risco Ambiental: Conceitos E Aplicações. CLIMEP – Climatologia e Estudos Da Paisagem2(2).

 

Dgedge, G., & Chemana, C. (2018). Os comités locais de gestão do risco de calamidades e a educação sobre inundações no Baixo Limpopo, Moçambique. Revista Internacional de RiscosII, 123–132. Https://doi.org/10.14195/1647-7723_25-2_10

 

GFDRR, & PNUD. (2014). A recuperação de cheias recorrentes 2000-2013 MOÇAMBIQUE Estudo do Caso para o Quadro de Recuperação de Desastres. Retrieved from https://www.gfdrr.org/sites/default/files/publication/report-mocambique-recuperacao-cheias-recorrentes-2014_0.pdf

 

INGC, I. N. de G. de C. (2009). Estudo sobre o impacto das alterações climáticas no risco de calamidades em Moçambique Relatório Síntese. Retrieved from www.ingc.gov.mz

 

Oliveira, S. S., Portella, S. L. D., Antunes, M. N., & Zezere, J. L. (2020). Dimensões da vulnerabilidade de populações expostas a inundação: apontamentos da literatura. In (Org.). Redução do Risco de Desastres ea Resiliência no Meio Rural e Urbano (Vol. 1, pp. 1-22). Unifesp São Paulo.

segunda-feira, 30 agosto 2021 14:33

A psicologia da negação em Ndambi Guebuza

O primogénito de Armando Guebuza barricou-se na negação. Ele nega tudo, não explica nada. Mesmo diante de evidências documentadas. O significado é um: desvalorizar todo o processo de produção de prova, invalidar o Tribunal, profanar a PGR e evitar o máximo possível que seus episódios no calote (como a compra de carros de luxo) se tornem alvo da chacota pública, penetrando profusamente no húmus do nosso anedotário colectivo.

 

Diferentemente de Teófilo, que preferiu defender-se usando o recurso da intelectualização (e tornando-se o protagonista principal da cena), Ndambi optou pela negação, deixando cinicamente o palco para o juiz. A estratégia é tornar sua audição uma brevidade.

 

A negação é um mecanismo de defesa proposto por Anna Freud, que envolve a recusa em aceitar a realidade, bloqueando assim os eventos externos da consciência. É um mecanismo que as pessoas usam para lidar com situações altamente stressantes.

 

Um “negacionista”: recusa-se em aceitar o problema (Ndambi fugiu à maioria das questões mais problemáticas); encontra maneiras de justificar seu comportamento (o Ministério Público “manipulou” a investigação); culpa outras pessoas ou forças externas por causar o problema (o procurador Alberto Paulo mentiu; sua assinatura foi falsificada); mantém esse comportamento apesar das consequências negativas (Ndambi investiu no mutismo perante evidências arrasadoras); evita pensar no problema (ele fez tábua rasa sobre seus investimentos no segmento automóvel de luxo, de Ferraris e outros, e no imobiliário sul africanos através da famigerada Pam Golding)

 

Ndambi vive um dilema profundo. A difícil escolha entre admitir e negar. É uma questão de tomada de decisão. Em condições normais, ele devia escolher a opção que lhe garantisse a utilidade máxima da decisão (tal como Mutota fez, consciente, em certa medida, de ter prevaricado e aceitar os factos imputáveis até à medida suportável de uma eventual condenação).

 

Mas Ndambi mostra seu medo em relação ao poder incriminador da admissão (confissão). Nele, a utilidade de um resultado possível não influencia sua admissão. Este comportamento decorre da narrativa que a família Guebuza tem vindo a vender: a de que este julgamento é uma farsa política, a ideia de que mesmo que ele colabore, o resultado esperado de uma admissão seria inútil.

 

O silêncio de Ndambi remete para uma estratégia: ganhar tempo até chegar a altura de comprometer Filipe Nyusi, forçando uma saída política para o dilema. Ou seja, o desprezo de Ndambi pelo tribunal é o desprezo ao Estado e ao regime vigente, antevendo-se nos próximos dias o agudizar das tensões entre Guebuza e Filipe Nyusi. (Marcelo Mosse)

segunda-feira, 30 agosto 2021 11:07

O destino dos melhores

Um tempo antes da criação da FRELIMO, consta que Marcelino dos Santos, que em tempo célere obtivera fundos e realizara em Dar es Salam, Tanzânia, um evento da UDENAMO, movimento em que ele acabara de se filiar e que até então não conseguira realizar o dito evento, recebera no aeroporto, de regresso à Rabat, Marrocos, um envelope de Adelino Guambe, líder da UDENAMO. A partida, Marcelino dos Santos desconfiara que o conteúdo fosse uma gratificação. Depois de aberto, no envelope constava uma carta da sua suspensão ou mesmo expulsão da UDENAMO.  

 

Um amigo ocasional de viagem é que me contara este episódio e jurara que lhe fora relatado pelo próprio Marcelino. Se este episódio é verdadeiro? Eu também não sei. Também não é sobre a veracidade que o trago. O mesmo veio-me à mente durante o julgamento sobre as “dívidas ocultas”, particularmente no momento em que o réu Teófilo Nhangumele dissera em Tribunal, a propósito da sua participação, enquanto consultor, facilitador ou intermediário, na elaboração do projecto de vigilância e recolha de informação denominando de Sistema Integrado de Monitoria e Protecção Costeira, que fora dispensado, em finais de 2012, pelo ministro da defesa nacional na altura.

 

E por ele dito, fora o facto de não pertencer as Forças de Defesa e Segurança (FDS) - e o projeto é da alçada da segurança nacional - o argumento usado para a sua desvinculação do projecto. E tal como acontecera com Marcelino dos Santos, suponho que o Teófilo esperasse por outra sorte por conta dos bons serviços prestados, considerando as suas declarações. Aliás, acredito que qualquer ser humano, depois que achar que prestara bons serviços a quem quer que seja, espere, mesmo que desinteressadamente, por alguma recompensa, incluindo um simples elogio.

 

Estes dois exemplos se juntam a outros da praça. Um deles é o do actual edil de Maputo que na sua primeira versão de presidente do Município fora preterido pelo seu partido (FRELIMO) como o candidato para um segundo mandato. O mesmo acontecera no Município da Beira com o falecido Deviz Simango em tempos da sua filiação no partido RENAMO.

 

Em fecho de papo, é caso para avisar de que por estas bandas do Índico, e não é de hoje e nem monopólio de ninguém, é normal que em política, e até em outras áreas, que o destino dos melhores seja o mesmo que é dado ao da verdade em tempos de guerra: abater!  

 

PS: Este final de semana, depois da passagem do mau tempo e de ter visto as fotografias do estado em que ficara parte do complexo de tendas instaladas na cadeia “BO”, onde está em funcionamento o Tribunal que julga as polémicas “dívidas ocultas”, concluo que o que está em pauta – o abortado projecto de vigilância e recolha de informação denominando de Sistema Integrado de Monitoria e Protecção Costeira – não teria nenhuma serventia mesmo que tivesse sido plenamente montado, pois, pelos vistos, o problema não é o da falta de informação. Caso fosse, o próprio Tribunal, que julga o caso, teria feito o uso da informação sobre o mau tempo durante o final de semana e que fora atempadamente disponibilizada pelos serviços mateológicos.

segunda-feira, 30 agosto 2021 06:10

DÍVIDAS OCULTAS. VILÕES EMBASBACADOS

Eu, apóstolo da desgraça

 

As três primeiras audiências a Mutota e Nhangumele foram muito interessantes. O autor não se debruça sobre o que cada referiu em particular. Apenas uma interpretação do que disseram e das atitudes dos réus.

 

Um, aparentemente algo colaborativo no primeiro dia da audição, mas com tropeços e incoerências no que era fundamental: afinal, quanto recebeu de “luvas” (corrupção), onde utilizou os 650 mil dólares americanos? Disse que não tinha nada e, nos gestos com as mãos, depreende-se “nada” de material. Mas fez machamba e gastou 650 mil dólares numa machamba, o que é muito dinheiro para o efeito. Quantos hectares, que investimentos em bens de capital, quanto produziu e o que lucrou? Um vazio de Mutota e uma pouca exploração do assunto por parte do juiz. No segundo dia, foi mais comedido e remeteu-se para a cortina da poeira, alegando segredo de Estado ou impedimento de responder por ordens do chefe. O Senhor Mutota dormiu, certamente, com indicações do seu advogado e com “orientações superiores”. Ou, os dois, lembravam-se de muitos detalhes, mesmo das comunicações (por exemplo, por via de e-mails), nos quais referia a palavra frangos (quer dizer dólares) aos milhões.

 

Seguiu-se o bem-falante Teófilo Nhangumele. Após um primeiro encontro com libanês Jean Boustani, referido muitas vezes como o Jean, Teófilo apresentou a ideia ao seu amigo de longa data Mutota, funcionário do SISE e, na altura, chefe do gabinete de estudos da secreta moçambicana, no sentido de saber a quem e como apresentar a ideia do projecto. A ideia de como vender o projecto ao governo foi fácil e veio na onda do que também disse Mutota: defesa da soberania, terrorismo, tráficos diversos na costa, espionagem, pirataria marítima, etc. Razões fortes!!

 

Seguiram-se estudos elaborados por Teófilo (que diz ter formação em “Gestão de Negócios”) e, entretanto, antes e depois do processo de elaboração do projecto final, várias reuniões a diferentes níveis, incluindo na Presidência da República com a presença de vários ministros, entre os quais o actual Presidente Filipe Nyusi. Foi este que, numa das reuniões, sugeriu que se avançasse com o projecto.

 

O senhor Boustani convidou Teófilo a vários centros de produção de equipamentos e de espionagem (“informação”), construção naval, etc. Pela fala de Teófilo, este ficou assombrado/embasbacado com o que viu! Na conversa sobre os pagamentos a Teófilo, abriu-se uma conta num país árabe que, para o efeito, devia apresentar um contrato de trabalho de Teófilo com uma empresa registada nesse país. Para manter a residência, deveria deslocar-se semestralmente a esse país.

 

O discurso de Teófilo revela arrogância com partes anedóticas e até com “piadas” em relação ao seu ex-amigo Mutota, a quem não pagou parte do suborno oferecido por Boustani. Revelou desprezo pelos formalismos perante um tribunal e o juiz, pela forma da exposição efectuada. Parecia que estava a “txilar” com os presentes em que ele seria o maestro. Mutota e Teófilo tinham duas empresas no mesmo local, numa casa arrendada, que, posteriormente, por desentendimentos entre ambos, separaram os locais das empresas, porém, mantendo Mutota alguns dossiers nos escritórios, agora só da empresa de Nhangumele. Ser funcionário do Estado (SISE) e criar uma empresa para efeitos de recebimentos relacionados com o projecto é, à partida, um forte indício de corrupção e um tratamento de vilão para engenharias financeiras complexas e de corrupção.

 

Nhangumele surge e parece que era o maestro da operação com o exterior, o intermediário (facilitador para o estabelecimento de canais de comunicação), serviço este pago por 50 milhões de dólares americanos como “taxa de sucesso” que, posteriormente, distribuiu por Mutota e Ndambi Guebuza (filho do então Presidente), ironicamente apelidado de Cinderela por Boustani. Ndambi reclamou um valor maior para pagar a outros de nome desconhecido até ao momento da última audiência de Teófilo (segredo de Estado?). Dos 50 milhões, “Cinderela”, que parece ter sido o menos activo lobista, mas eventualmente o mais relacionado com o(s) centro(s) do poder, ficou com 33 milhões de dólares. Quem serão esses, da “cadeia de valor” lobista e/ou de decisão, para fazer chegar as informações ao “chefe”?

 

Os “cabeças” das empresas de lobby (Mutota e Teófilo), possuíam formação em Relações Internacionais. Um deles, Nhangumele, que elaborou os projectos técnicos e financeiros disse ainda ser gestor de negócios. Não foi perguntado nem referido pelos dois réus (Mutota e Nhangumele), porque estas funções seriam exercidas por uma empresa, mesmo que do Estado (empresa pública de direito privado), ligadas aos ministérios da Defesa e Segurança. Por outro lado, como indivíduos com formação de base em Relações Internacionais e um deles, também em “gestão de negócios”, fazem ou apresentam projectos técnicos e económico-financeiros tão especializados.

 

Além do assombro perante centros industriais e tecnológicos de espionagem tão sofisticados, soma-se uma organização de venda do projecto realizada por lobistas e amadores profissionais nas áreas técnicas em questão, de influência securitária e “pressionados” / “orientados” por gangsters financeiros internacionais. O Estado e as instituições de defesa e segurança revelaram-se incompetentes para o tratamento da complexidade dos assuntos.

 

O financiamento externo deveria ser externo, pois, conforme disse Manuel Chang, o orçamento do Estado não teria disponibilidade para suportar volumes tão elevados de investimento. Surge então à superfície, o que certamente já estava equacionado por Boustani: de um concurso para financiamento externo, apenas surge interessado o Credid Suisse, com quem Boustani tinha relações habituais. Tudo perfeito: os dólares concedidos, contas abertas no exterior, transações financeiras estranhas (como por exemplo, por enquanto, as referidas transferências para Portugal para uma conta de Murali do Moza Banco e do mesmo Teófilo para uma conta de Mutemuke na Turquia, assunto ainda não devidamente averiguado nas audiências), e, luz verde para a autopista da corrupção mais escandalosa de Moçambique.

 

Dos valores recebidos (cerca de 8,5 milhões de dólares de Nhangumele e 980 mil para Mutota) foram aplicados de forma difusa. Das respostas ao juiz, Mutota disse o dinheiro foi aplicado numa machamba em Mocuba (que parece não existir), parte do dinheiro de Teófilo foi gasto em aquisição de imóveis em Moçambique e em Nelspruit, carros (a moto também?), quotas da empresa ligada ao sector do caju Tinkarossi, contas na África do Sul (FNB), em Maputo (Moza Banco) e uma outra em Abu Dhabi, e em “gastos correntes” (incluindo carros – “máquinas”), o que totaliza cerca de metade dos 8,5 milhões de dólares recebidos para “massagear o sistema” (considerado como a função de “facilitador de canais de informação”). Várias viagens foram realizadas e pagas por Boustani ao exterior, sendo, pelo menos numa delas realizada em jato particular.

 

Pode-se sintetizar que esta trama de corrupção foi orientada e manipulada de fora (gangs financeiras internacionais com agências secretas) com ideias “patrioticamente” cativantes, executada em Moçambique por pessoas amigas e “amadoras” nestes assuntos (amigos vilões), que utilizaram as fragilidades (incompetências) do Estado e envolvendo pessoas das hierarquias superiores para o saque de comissões (“taxas de sucesso”), constantes em contrato com Teófilo Nhangumele que, perante tanto dinheiro (embasbaque), fizeram aplicações, sobretudo em bens de manifestação exterior de riqueza e não em investimentos produtivos, o que revela comportamentos de “endinheiramento” fácil e rápido (vilões ricos). As alianças com base em amiguismos foram sendo quebradas devido à partilha do dinheiro (desavenças entre Nhangumele e Mutota por envolvimento de terceiros), por encerramento dos processos nas instituições securitárias e partidárias (saída de Nhangumele). Elementos do Estado, ou por estes pagos, montaram a máquina estatal e partidária de propaganda, de defesa dos objectivos, da camuflagem da corrupção e de ataque aos apóstolos da desgraça (gangsterização do Estado). Este aspectos justificam o título do texto, isto é, assuntos de elevada complexidade assumidos por incompetentes e desconhecedores das complexidades securitárias e o espanto nas visitas a centros de espionagem altamente sofisticados, embriagados por dinheiro cujos montantes, pelo menos de grande parte, não tinham a ideia das dimensões envolvidas e gastaram parte desses valores à boa maneira de novo/vilão rico. Com todo o respeito pelos camponeses, é como se lhes disséssemos que iria produzir mil toneladas de milho ou subir a Torre Eiffel, ou simplesmente mudar de um andar em tapete rolante num centro comercial de Maputo. Samora utilizava em muitas circunstâncias, para situações deste tipo, de comportamentos madjembenis.

 

João Mosca