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INTRODUÇÃO

 

O judiciário em Moçambique, pelo menos ao nível dos diferentes tribunais e do Ministério Público, mostra-se sobrecarregada de processos, desde os mais simples aos mais complexos, incluindo os mediáticos, o chamados “processos quentes” pela natureza e dimensão do objecto dos mesmos, as vezes ligados à corrupção, desvio de fundos públicos ou má gestão da coisa pública, violação sexual, furto, roubo, violação de direitos humanos de diversa natureza, responsabilidade civil do Estado, matérias sensíveis de família, processos laborais, etc.

 

Ora, não obstante o reconhecimento público de que os magistrados judiciais e do Ministério Público estão assoberbados de trabalho, para além da problemática da escassez dos mesmos a nível nacional, tendo em conta a elevada demanda processual, ou seja, a cada vez mais intensa procura pela justiça pelos cidadãos; dúvidas não restam de que a tramitação dos processos nos tribunais e no Ministério público é excessiva e abusadamente morosa, com alguma cobertura legal e de certa maneira institucionalizada, entanto que uma prática reiterada sem nenhuma consequência do ponto de vista de responsabilização de quem pratica a morosidade processual.

 

Em bom rigor a lei define prazo para a prática de actos dos juízes, bem como prazo geral para as promoções ou pareceres do Ministério Público nos termos seguintes: “Na falta de disposição especial, os despachos que não sejam de mero expediente serão proferidos dentro do prazo de cinco dias. Os despachos de mero expediente serão proferidos no próprio dia, salvo o caso de manifesta impossibilidade.” (Cfr. n.º 2 do artigo 159 do Código do Processo Civil). “As promoções do Ministério Público são dadas dentro do prazo de três dias, salvo se outro for fixado por lei ou pelo juiz.” (Cfr. artigo 160 do Código do Processo Civil). Por sua vez, o artigo 658.º do Código em referência estabelece que: “Concluída a discussão do aspecto jurídico da causa, vai o processo concluso ao juiz, que proferirá sentença dentro de quinze dias.”

 

O PALCO DA MOROSIDADE PROCESSUAL

 

Há processos que duram por mais de cinco ou dez anos a serem tramitados e em muitos casos apenas aguardando a realização de julgamento ou da proferição da decisão final. Os tribunais comuns, cujo órgão superior da hierarquia é o Tribunal Supremo, e o Tribunal Administrativo revelam-se os campeões da morosidade processual. Estes tribunais constituem uma espécie de local onde os processos entram em estado de coma prolongado, ou seja, sine die, sobretudo quando se trata processos de interesse público de matérias de natureza económica/financeira, política ou que envolve altos dirigentes do Estado ou ainda processos que visam a protecção dos direitos humanos, incluindo processos relativos ao pagamento de indeminização, acesso à saúde, educação e ao emprego por parte dos cidadãos, só para dar alguns exemplos que relevam para o prejuízo da salvaguarda do efeito útil dos processo judiciais ou da justiça. Os processos no âmbito da proteção dos direitos das comunidades afectadas pelos grandes investimentos, com destaque para a indústria extractiva são evidências da morosidade processual propositada. O Tribunal Administrativo leva uma eternidade para decidir sobre determinado processo e muitas das vezes profere seus Acórdãos, excessivamente demorados, escudando-se em questões meramente formais que obstam ao conhecimento do mérito da causa, como é o caso da falta de constituição de advogado ou falta de indicação da parte contra-interessada no processo ou caducidade do direito de interposição do processo ou ainda incompetência do tribunal. Ora, não é compreensível durar com um processo cinco, dez ou mais anos para decidir com base em questões de mera formalidade, sem discutir o fundo da causa, quando apreciação processual das questões formais pode ser feita em poucos meses.

 

Outrossim, o Ministério Público tem dificuldades em tramitar, com a necessária celeridade, os referidos processos quentes em que estão implicados altos dirigentes do Estado ou em que estão em causa os interesses políticos do Partido no poder ou ainda em que está em causa a responsabilidade do Estado por violação dos direitos humanos e liberdades fundamentais dos cidadãos.

 

As providências cautelares, que são processos de natureza urgente nos termos da lei, também são remetidas para as gavetas judiciais da morosidade processual e aqui o Tribunal Administrativo também se destaca pela negativa, na medida em que os Juízes Conselheiros do mesmo têm plena consciência de que não vão ser sujeitos a qualquer responsabilização por essa conduta ociosa em prejuízo da realização da justiça pelo cidadão. 

 

A lei não é clara quanto a responsabilização contra os magistrados pela prática da morosidade processual em prejuízo do acesso à justiça. O juiz pode ficar uma eternidade sem proferir sentença ou Acórdão e não é responsabilizado por isso. A lei não indica de forma expressa e inequívoca a sanção a aplicar aos magistrados judiciais por violação das normas sobre o prazo judicial para a práctica de actos pelos mesmos.

 

No mesmo sentido, a lei não especifica a sansão a aplicar os magistrados do Ministério Público por violação dos prazos processuais a que estão obrigados a cumprir nos termos da lei.

 

Na jurisdição laboral, os processos também tendem a ser objecto de excessiva morosidade para a realização de julgamento, uma vez praticados todos os actos processuais necessários para o efeito. Há cidadãos que aguardam a realização de julgamento dos seus casos há mais de dois anos. Nos casos de despedimento dos trabalhadores e que reivindicam indeminização no tribunal por despedimento sem justa causa é extremamente doloroso e injusto a longa espera, sobretudo quando devem pagar os elevados encargos judiciais enquanto estão na condição de desempregados e sobretudo quando são a parte vencida no processo.

 

Regar geral, do ponto de vista de normas internas da corporação, os magistrados judiciais são obrigados a cumprir metas em termos de números de processos julgados, o que releva para a avaliação do desempenho do magistrado e por vezes são distinguidos por atingir essas metas, uma espécie de premiação. Curiosamente, trata-se de uma avaliação quantitativa e não necessariamente qualitativa. Não interessa a qualidade das decisões, o tipo e a complexidade do processo em causa. Daí que, por exemplo, nos processos crimes, o juiz ou juíza que julga vários processos sumários-crime, que geralmente não são complexos, independentemente de julgar sem fundamentar devidamente as suas decisões, é percebida como tendo bom desempenho processual.

 

CONCLUINDO

 

São significativos os casos em que os cidadãos perdem interesse pelos seus processos judiciais devido a irrazoável morosidade chegando ao ponto dos tribunais julgarem extinto o processo por alegada falta de interesse do autor do mesmo. O pior é que com essa decisão o tribunal cobra coercivamente as custas do processo à vítima da morosidade processual. Curiosamente, nestes casos de cobrança do valor das custas judiciais os tribunais são altamente céleres e implacáveis.

 

Os tribunais hipotecam as vidas dos cidadãos que vivem reféns do desfecho dos seus casos numa difícil e penosa gestão de expectativas.

 

Pelo que, urge uma “task force” séria e eficaz que congregue advogados, magistrados judicias e do ministério público, Provedor de Justiça, Comissão Nacional dos Direitos Humanos, bem organizações da sociedade civil relevantes para esta matéria com vista a uma investigação e monitoria da morosidade processual, bem como para a reforma legal sobre a responsabilização dos magistrados pela morosidade dos processos. É, pois, preciso colocar fim a esta prática injusta, legalizada, institucionalizada e recorrente no judiciário.

 

Por: João Nhampossa

 

Human Rights Lawyer

 

Advogado e Defensor dos Direitos Humanos

quarta-feira, 30 junho 2021 07:14

Dorotéia

Vi a miúda agachando-se com leveza e apanhou um caco que sobrou de uma garrafa partida na rua de pavet que sai da Fonte Azul à Escola Primária 1º de Maio. Havia outros pequenos pedaços de vidro  espalhados no chão,  e a menina recolheu tudo, com as mãos nuas. Tirou da pasta um caderno de onde rasgou uma folha e juntou nela os fragmentos, depois caminhou em direcção ao depósito de lixo que serve o mercado ali perto,  e atirou delicadamente o embrulho.

 

Deve ter por aí nove/dez anos, é por isso que aquele gesto comoveu-me. Fiquei mais sentido ainda porque a menina, pelas características, provavelmente vem de uma família pobre, deduzi isso pelos chinelos de borracha que usava, velhos, segurados por arames em ambos os pés. Outro detalhe que notei nela é a camisa de uniforme, remendada, e a saia azul desbotada, com a baínha mal feita.

 

Faz frio por estes dias  e a menina não está agasalhada, segura a pasta apertada ao peito para aquecer os pulmões, e naquela posição parece um um jogador de rugby que corre. Ao encontro da luz.  A pele dela não brilha, então pode estar a passar privações em alimentação e sobre isso eu não tenho a menor dúvida. Mas mais do que todas essas contrariedades, podemos estar perante o samaritano que atrasou a sua ida à Igreja para salvar um homem bêbado ferido pelos bandidos. E esta menina atrasa à escola para retirar cacos da rua.

 

Invadiu-me a vontade de persegui-la, mas ela corria, alegre, com os livros sobre o peito, e vi-a depois encaixada no cacho dos colegas que também corriam ao chamamento do sino. Era assim que começava a minha manhã, desvancendo-me os pensamentos de que não vale a pena lutar porque o sinal está fechado para nós. Afinal vale a pena! Tudo a vale a pena quando a alma não é pequena, como a desta menina que caminha por cima de todos os cactos, com os pés nus, sem ser ferida.

 

Passado um tempo volto a vê-la no mesmo lugar, a voltar da escola, meu coração perdeu o compasso. Em vez de chama-la ao ponto onde eu estava, fui ter com ela, mesmo assim com medo de que as minhas palavras fossem inconsequentes.

 

 - Olá, menina!

 

- Olá.

 

- Tudo bem?

 

- Estou bem, obrigada.

 

- Como é que te chamas?

 

- Dorotéia.

 

Perguntei-a se se lembrava do dia em que ali mesmo retirou cacos de vidro espalhados no chão, e ela disse que não. Não se lembrava. E é isso mesmo, quem faz o bem com toda a alma, não faz para se recordar, nem para ser visto!

 

- És uma menina abençoada.

 

- Porquê?

 

Se eu a dissesse que Dorotéia significa “Dádiva Divina”, eventualmente a miúda podia não entender. Mas eu entendi que Dorotéia é uma menina profunda. Tem um rio abundante por dentro, e uma enorme albufeira nos olhos-

terça-feira, 29 junho 2021 08:24

Os caminhos da encruzilhada e da esperança

segunda-feira, 28 junho 2021 09:06

Conflitos, Mulher e os riscos da radicalização

Para concorrer a cargos de governação pública, em particular dos sujeitos ao escrutínio do povo, existem candidatos por iniciativa própria e os que concorrem sob proposta de terceiros (grupos e pessoas). No país escasseiam os primeiros e abundam os segundos. Contudo, e especificamente para os últimos, existem sinais prévios, a priori inocentes, que observados à lupa, provam que de facto “...ali vai um (silencioso) interessado por um cargo público”.

 

Os primeiros sinais ocorrem na família, a nuclear e a extensiva. Do nada (para quem vê) ele passa a ter mais tempo para a família nuclear e com ela aparece mais vezes em público (recintos culturais, desportivos e comerciais), transbordando beleza, coesão, felicidade e dado a grandes e efusivos cumprimentos e abraços, a largos e contagiantes sorrisos, incluindo com quem nunca se avistara. A nível da família extensiva (e amigos), assinalar o abrupto interesse do visado em fazer parte de diversos “Xitiques”, cerimónias e outras actividades, incluindo as de lazer, nas quais inflaciona a simpatia e as contribuições de ordem financeira e logística.

 

A aparição constante na imprensa é também um sinal e com apostas em actividades de prestígio e visibilidade, sendo normal que a imprensa passe a cobrir o lançamento de seus cirúrgicos livros e comunicações em conferências bem como na publicação de textos, entre literários e científicos, e na sua requisição, na qualidade de um reputado analista, para participação em debates, entrevistas e comentários ocasionais. Nestas aparições o seu CV é majestosamente exposto, focalizando estrategicamente matérias que se enquadram ao pretendido.

 

As redes sociais são igualmente uma outra montra. Para o efeito é até contratado um gestor ou uma equipe que se ocupa da trajetória do interessado cujas imagens e vídeos de arquivo com figuras importantes, nacionais e internacionais, e da participação em grandes eventos, no país e no estrangeiro, bem como de diversas acções e intervenções públicas, constituem o prato forte da divulgação. Uma outra característica, e de grande alcance mediático, é a súbita sensibilidade do interessado por causas sociais, passando a ser um renomado solidário no apoio aos mais desfavorecidos e de pessoas com necessidades especiais.

 

Estes e outros sinais não deixam dúvidas de que algo esteja a acontecer, embora nunca transpareçam o que move de facto o ilustre interessado. Entre portas, este tipo de comportamento é característico de alguns quadros nacionais, até entre os mais qualificados, que penosamente, e até certo ponto a roçar a mendicidade, expectam por convites para grandes cargos (ministeriais) de governação política e económica (empresas públicas), sobretudo em vésperas da formação e vigência de um determinado governo ou ainda da aproximação de etapas cruciais de processos eleitorais, incluindo a da realização de eleições (presidenciais, legislativas, provinciais e municipais).

 

Posto isto, e uma vez que o país caminha para processos partidários e oficiais no quadro das diversas eleições que se seguem, é recomendado que se fique atento para os “Sinais de que ali vai um (silencioso) interessado por um cargo público”. E para o caso das eleições presidenciais, a atenção deve ser redobrada para os sinais que sopram do centro (quiçá dos bons sinais) a menos que as águas do vasto Zambeze, que se preveem turbulentas, levem a lógica da alternância para outros estuários.

 

PS1: As candidaturas por iniciativa pessoal, que de tanto escassearem no país, passam a impressão de que sejam informalmente proibidas ou, no mínimo, que não sejam bem-vindas (é só recordar o enredo com Samora Jr. no seu partido). Destas, e a nível do partidão, apenas retenho como iniciativas de sucesso a de Armando Emílio Guebuza, para a Ponta Vermelha, e a do saudoso Carlos Tembe, para o Município da Matola (estranho que os palácios municipais não tenham nome/marca), destacando que ambos mobilizaram os militantes do partido e franjas da sociedade para os respectivos projectos ou visão do que pensavam fazer nos seus mandatos. Assim devia ser o normal.

 

PS2: Das candidaturas por iniciativa de terceiros, o grosso ou a globalidade dos candidatos justificam que não tiveram como esquivar a confiança depositada, existindo (i) os que dizem terem sido apanhados de surpresa, e (ii) os que deliberadamente prepararam a surpresa, porém ambos capturados pelos grupos e pessoas que tomam e controlam as iniciativas. Isto é o normal e, deste contexto e tipo de candidatos, dificilmente brota alguma originalidade, fora o habitual e grotesco refrão de que concorrem em cumprimento de mais uma missão.

quinta-feira, 24 junho 2021 12:24

O tiro para a independência económica

Em texto anterior partilhara uma história extraída de um livro do sociólogo Elísio Macamo, na qual uma anciã rural da província de Gaza, que desesperada e frustrada pelo rumo do país depois da independência, questiona: “Para quando o fim da independência?” Por acaso, há dias e em conversa ocasional sobre o assunto com um contemporâneo da anciã, mas urbano, este disse que a saída não é o fim da independência, mas a conquista de uma outra independência: a independência económica. Segundo ele, a independência de 1975, e desde então, é apenas política. 
 
Do pouco da conversa deu para perceber que o argumento central do cota é o de que não se pode fazer política/governar e ser, em simultâneo, um empresário ou um agente económico. “Foi isto que tramou o país”. Sentença exarada. Para ele, o país saiu ainda mais lesado porque, e nas duas áreas, o desconhecimento fora a premissa de partida. E como alternativa, quiçá uma premissa de chegada, ele aponta que para a conquista da independência económica é necessário que haja um movimento para a libertação económica cujo objecto é a separação do exercício simultâneo da governação política com o exercício da actividade económica. Quem dá o primeiro tiro? “Cabe ainda a  Nachingweia, enquanto geração/processo, essa responsabilidade”. Assim respondeu o cota da urbe.
 
E assim, para terminar, vou aproveitar o feriado dos festejos do dia da independência, que se assinala amanhã, 25 de Junho, e fazer uma viagem a Gaza. A ideia é procurar convencer a anciã rural a ter um pouco mais de paciência e acreditar que possivelmente as coisas possam melhorar e que para tal basta um pouco de colaboração de “Nachingweia”. E mesmo a terminar: espero que encontre a anciã rural ainda em vida (biológica), caso não, certamente que a encontre eleitoralmente viva.