O antigo Presidente da República escolheu justamente o dia em que o país celebrava o Dia da Paz e da Reconciliação - 4 de Outubro - para, no seu mural no Facebook, fazer um post algo enigmático e de alcance e profundidade extraordinários, tais que não podem passar despercebidos a todo aquele moçambicano minimamente preocupado com o seu país. Como diríamos, usando a linguagem politicamente correcta, a todo o moçambicano patriota.
Escreveu Armando Emílio Guebuza que “Paz é quando nós, individualmente, nas nossas famílias, e nas instituições e órgãos formais do nosso Estado, não usamos as nossas posições (políticas, sociais, econômicas, ou de qualquer outra natureza) para produzirmos, ou projectarmos sobre os outros, um poder disconforme, discriminatório, selectivo…” Frase própria de um bom cultor da língua portuguesa… um poeta! Falou um poeta que, aliás, o é Armando Guebuza. A propósito, para quando mais poesia do poeta Armando Emílio Guebuza, autor de “Os Tambores Cantam”? Ou não teremos mais, o homem poeta foi completamente esmagado pelo animal político!…
A frase é de uma profundidade tal - um comentador na página do antigo chefe de Estado diz que se trata de uma “mensagem poderosa” - que precisamos de recorrer à semântica pura, um departamento da linguística, para interpretar e entendermos melhor o seu sentido. Está a dizer, o ex-Presidente da República, que a paz, o sossego, a tranquilidade é quando nós como indivíduos não usamos as nossas posições políticas (dirigentes políticos), sociais (líderes ou figuras de prestígio), econômicas (empresários, ou com emprego bem remunerado), ou outras, nas nossas famílias, instituições e órgãos formais do Estado para arremessar, fazer reflectir sobre os outros situações de desconforto, de discriminação, de exclusão ou segregação. Ou seja, quando não usamos a nossa posição para não deixar à vontade os outros à nossa volta, para não promovermos discriminação seja de que natureza for; não patrocinamos a exclusão e ou a segregação. É isto que o Presidente Guebuza está a dizer.
Podemos assumir que o antigo Presidente não quis dizer directamente que não estamos em paz, mas deixar a assertividade ao critério do leitor. E a inferência a fazer das palavras do post é mesmo que não estamos em paz porque não estamos a usar as nossas posições para promover a união, a coesão e a harmonia familiar e social entre os moçambicanos; não usamos as nossas posições para proporcionar o à vontade aos concidadãos (a disconformidade/desconformidade); para não proporcionar oportunidades iguais a todos os moçambicanos e para não incluir a todos na vida do nosso país! Esta é a mensagem clara ainda que não directamente enunciada (statement) do nosso antigo presidente!
Mensagem clara e corajosa.
Se o Ex-Presidente recorreu, nesta oportunidade, às suas capacidades poéticas para sofisticar a sua mensagem crítica, já no anterior Comitê Central não se fez de velado. Denunciou aberta e duramente o que chamou de ressurgimento do tribalismo dentro do partido de que é membro e foi dirigente, a Frelimo, e, por consequência, na sociedade moçambicana em geral. Pronunciou-se igualmente sobre o que considerou de caça às bruxas de que aparentemente ele próprio estava a ser vítima.
Assino por baixo das mensagens do nosso antigo Presidente da República, na totalidade. Hoje por hoje, a proveniência geográfica é informação importante para certas oportunidades. A paz ainda está bem distante da Pérola do Índico - a paz como tal e a paz espiritual. As armas ainda troam, estrondam vigorosas, seja ao nível individual, seja ao nível de estado.
Não haverá paz no nosso solo pátrio enquanto tivermos uma sociedade em que se desenvolve uma política de perseguição (mas não sei bem quem está a perseguir a quem), enquanto as famílias não estiverem à vontade, as oportunidades de vida não forem proporcionais para todos os compatriotas; enquanto praticarmos uma sociedade de exclusão, tribalista, de segregação, de discriminação, de nepotismos e de intolerância. Acrescentaria mais: não haverá paz enquanto não nos considerarmos todos moçambicanos, não estivermos reconciliados e não vermos permanentemente nos outros falta de patriotismo e nós os mais patriotas que os outros.
Mas nota importante aqui impõe-se. Não deixa de ser bastante interessante que seja quem é a levantar estas questões de fundo, estruturantes e lamentáveis na nossa sociedade. Não uma pessoa qualquer. Uma pessoa que teve tudo nas mãos! Agora, a pergunta inevitável que se (lhe) coloca é: tendo sido ele quem foi, mais alto dirigente do país, líder da sua formação política, que mecanismos procurou ele para que, como disse na reunião partidária, a Frelimo não volte àquela de 62 e para que em Moçambique o tribalismo não volte a ser uma questão que venha ao de cima, fluorescente; para que Moçambique seja declarado livre do tribalismo? Que estratégia encetou ou promoveu para que a exclusão, a segregação, a discriminação e a desconformidade voltem hoje a ser tristemente uma prática a que assistimos todos os dias. Ou durante o tempo em que esteve ao leme estas atitudes não se manifestavam?
Os líderes políticos não só devem deixar para os seus povos escolas, hospitais, estradas e pontes, mas devem também deixar uma sociedade de harmonia, de inclusão e em que as oportunidades são proporcionadas de igual para todos os membros da sociedade.
ME Mabunda
“Uma fronteira existe justamente para ser cruzada” (Achile Membembe)
Antes de mais gostava de deixar claro que ainda continuo a espera que o mwalimu Ngugi Wa Thiong’o, autor do livro Matigari (ainda está disponível nas livrarias moçambicanas) seja vencedor do prémio nóbel da literatura. Será uma grande injustiça se tal facto não acontecer. Entretanto, o facto do nóbel da literatura ter sido a um escritor não muito conhecido levanta enormes debates e posições, por um lado, pela sua imprevisibilidade e por outro, porque cresce um esforço de afastá-lo de suas origens.
Há 8 anos que concentrei a minha atenção ao pensamento africano. Basicamente ocupo 70% das minhas leituras a autores africanos, o que tem sido um momento de descoberta e reencontro comigo mesmo. Há dois anos tive a oportunidade de ler numa casa de hóspedes na Ilha de Moçambique, o livro “Memory of Departure” da autoria de Abdulrazak Gurnah.
Havia muitos livros na casa, mas este despertou-me por ter visto na biografia do autor que o mesmo era natural de Zanzibar e vivia na Inglaterra onde era professor na Universidade de Kent. Li o livro, registei o autor na minha base de dados e continuei a minha viagem. Há um mês comecei uma série de conversas com autores que não são conhecidos em Moçambique. Para o desenvolvimento desse trabalho tenho tido apoio do Manuel Matola que comprou para mim os livros “The eternal audience of one” de Remy Ngamije, “Uburu dead with song” de Mukoma Wa Ngugi e “Gravel Heart” de Abdulrazak Gurnah.
Li o primeiro e realizei um Ethale Talks com Remy. O programa pode ser visto no canal do Youtube Ethale Books com legendas em Português (basta procurar com o título Being an African Witer). Agora estou a ler Mukoma Wa Ngugi (também estou a ler o mapeador de ausências de Mia Couto) e estou a viajar entre Nairobi e Etiopia a seguir a trajectória dos seus personagens que querem vencer uma competição de etiopian blues. E o passo seguinte é ler “Gravel Heart” de Gurnah.
Todavia, Abdulrazak Gurnah foi esta semana anunciado como o venceu do Nóbel. Todo mundo, inclusive ele mesmo ficou supreso. Mas em meio a celebração, foi provocada uma grade discussão identitária. Aliás, pergunta-se se é ou não africano. Aqui recordei-me da conversa que tive com o escritor namíbio Remy Ngamije que definia aquilo que é, em sua perspectiva, um escritor africano.
Abdulrzak Gurnah como muitos escritores africanos não são conhecidos no continente africano. Aliás, a carreira de um escritor africano é basicamente feita fora de África. Entretanto, parece que ficou mais fácil considerar Gurnah como escritor “não africano” pelo facto da sua carreira estar a ser feita fora do continente, pese embora o mesmo se passe com autores como Ngugi, Mudimbe e Chimamanda (para citar alguns exemplos), mas também pelo facto de ele ter saído do seu país aos 20 anos na altura em que perseguiam-se os cidadaos de origem árabe a quando da revolução do Zanzibar. Também, acrescenta-se que ele não é negro, mas mestiço.
No livro “Memory of Departure”, Gurnah conta a história de um jovem que cresce num pequeno vilarejo, tendo a oportunidade de assistir a ciclos de violência durante a revolução de Zanzibar. Hassan Omar, personagem de Gurnah vive uma vida turbulenta. Seu pai é bébado, ditador e dirige a família a ferro e fogo, sua irmã perde-se na promiscuidade, seu irmão mais velho morre num acidente e claro, sua mãe vive de torturas do marido. Para além da violência que se vivia no seu vilarejo, havia violência dentro da sua própria casa. Hassan consegue escapar para viver com seu tio em Nairobi onde descobre a possibilidade de um mundo melhor, claro também cruel, mas onde a menos se pode sonhar e surge decisão que convive com a ansiedade e a tentativa de migrar.
O livro de Gurnah pode nos dizer um pouco de si. Claro que apesar de as lutas pelas independências nos serem vendidas como um momento em que todos pensavam da mesma forma, há quem não se identificava com isso e tenha decido sair em busca daquilo que constituiam seus ideias. Pode ser o caso de Gurnah. Assim como, muitos moçambicanos saíram do país para tentar a vida noutras latitudes e paradas, mas isso não os retira o estatuto de serem identificados como moçambicanos.
Para evitar me alongar deixo aqui aspectos importantes. A identidade é um conceito cuja realização deve partir do indíviduo, ou seja, é assim como me vejo e não assim como os outros me vêm e Gurnah escreveu no twitter que deseja este prémio a todos africanos, o que pressupõe que ele considera-se africano. Da mesma forma como colabora com a SOAS (uma professora do deprtamento de Swahili com quem falei ontem está aos pulos) e ensina “post colonial studies”, para além de participar em conferências e festivais. Este ano Gurnah é um dos convidados para o Ake Festival, para além de suas histórias acontecerem em África, com personagens, nomes e lugares africanos e sobre a condição dos africanos imigrantes . Gurnah fala Swahili e demonstra no livro “memory of departure” ser um bom conhecedor da cultura Swahili (tenho o privilégio de ser Nahara o que me permite identificar-me um pouco com a cultura Swahili). Por isso, não vejo porque não celebrar um nóbel africano. E para nós, nortenhos do litoral do Nampula, temos mais motivos para celebrar porque Zanzibar é mais perto de Memba (meu distrito) que Maputo (a capital do meu país).
Jessemusse Cacinda
Maputo, 9 de Outubro de 2021
Abdulrazak Gurnah foi anunciado hoje como Prémio Nobel da Literatura deste ano. A Academia Sueca prossegue, nestes últimos anos, a sua estratégia disruptiva em relação aos favoritos, laureando nomes totalmente inesperados. Sabia que hoje seria anunciado o vencedor deste ano e tinha a ideia de que o mesmo pudesse ser um autor oriundo de uma zona diversa daquela que acumula mais prémios: o Ocidente.
Eu diria que esse propósito não foi cabalmente cumprido. Gurnah nasceu, em 1948, no antigo Sultanato de Zanzibar e de lá saiu aos 20 anos, tendo feito a sua vida e a sua carreira no Reino Unido. É um escritor britânico. Parece-me um dislate quando se diz que se premiou um escritor tanzaniano. Quando ele nasceu, a ilha de Zanzibar nem sequer pertencia à Tanzania. Existia a Tanganyika e o Arquipélago de Zanzibar, que teve sempre um estatuto e jurisdição colonial independente. E mais: aqueles que abandonaram a ilha na sequência da revolução, quase todos, nunca se identificam como tanzanianos. Sobretudo os de origem indiana. Eram e são cidadãos britânicos.
Este autor parece-me ser um caso semelhante ao de V.S. Naipaul, que ganhou o Nobel há precisamente 20 anos, e que nascera em Trindade e Tobago e sempre se viu britânico. Também chegou jovem e fez toda a carreira no Reino Unido. Foi provavelmente o mais virtuoso cultor da língua inglesa entre o século passado e este. Aliás, o intrépido V.S. Naipaul chegou a cortar com uma editora (a Secker) por esta ter redigido na contra-capa de um livro (“Guerrillas”) que ele era um “romancista das Índias Ocidentais”.
Esta tarde ligou-me uma jornalista da RTP a pedir a minha opinião sobre Gurnah. Disse-lhe que falaria na contra-corrente, como anoto agora. Qual era importância do tema colonial, que estava no centro da obra deste escritor? – quis ela saber. Pessoalmente – disse-lhe - não sou um entusiasta das temáticas coloniais e/ou das perspectivas pós-coloniais em voga na Europa. Creio ser uma forma ocidental de ver a História. Nós subscrevemos a perspectiva da libertação: luta de libertação e não guerra colonial, independência versus descolonização, pós-independência e não pós-colonial. Os africanos veem a História numa óptica divergente ou até mesmo antagónica.
Para mim não é importante destacar a origem ou querer forçar uma certa nacionalidade, mas sim a sua obra. E mais: não vejo, por conseguinte, neste prémio, uma distinção a um escritor africano. Nem sequer falo do facto de ele ser mestiço e não ver nisso um impedimento para o considerarem britânico. Coibo-me até de interrogar: será por essa razão (o facto de ele ser mestiço) que o querem forçosamente tanzaniano? Ele é britânico. Escreveu sempre no Reino Unido, foi lá publicado e consagrado. Na Tanzania ninguém o conhece e nem sequer é lá editado.
Vi, aliás, algures referido que depois de Wole Soyinka (Nobel em 1986) ele era o segundo escritor africano negro a ganhar o prémio. Outro disparate. Abdulrazak Gurnah não é negro. Não me parece sequer que isso seja importante, no caso. Nem creio ter sido esse o critério. Premiou a obra. A Academia, caso quisesse outorgar a láurea a um escritor negro africano, cuja escrita fosse de raiz marcadamente africana, tinha, quanto a mim, duas possibilidades: ou dar o prémio ao queniano e veterano Ngugi wa Thiong´o (eterno candidato) ou premiar Chimamanda Adije Ngozi, autora nigeriana, das mais brilhantes da nova literatura africana.
Pergunto-me, agora e a terminar, sem sequer fazer chacota: passa mesmo pela cabeça de alguém considerar Freddie Mercury – que é, curiosamente, o meu mais favorito cantor -, nascido também em Zanzibar, justamente dois anos antes de Abdulrazak Gurnah, um cantor tanzaniano?
Maputo, 7 de Outubro de 2021
Falar da vida e obra de Sua Eminência O Cardeal Dom Alexandre José Maria dos Santos é, e será sempre um exercício que exige elevada capacidade de abstração para narrar todo um percurso e uma trajectória (caracterizados por suas incansáveis lutas, suas vitórias e porque não suas derrotas), e todos eventos que caracterizaram a odisseia religiosa, educacional e humanística desta que é uma figura incontornável na história do nosso vasto Moçambique. Para não pecar por soberba, e não perder de vista o objectivo deste texto de agradecimento, enaltecimento e despedida, focar-me-ei apenas no cerne - Um Homem ao serviço de muitas causas.
A Época Medieval é cronologicamente considerada o período mais longo da História da Humanidade (com mais de 1000 anos). Período este que viu florescer o surgimento das primeiras Universidades no mundo. Nesta época, a Filosofia e a Teologia viveram de forma única a rivalidade entre a fé religiosa e a razão científica; um conflito que opunha a religião à ciência e desafiava a cada instante a tentativas de conciliação e harmonização destes dois domínios do saber sem necessariamente anulá-los, numa fórmula traduzida na fé alicerçada na razão e, na razão que ajudaria a perceber a fé. (Intellectus quaerens fidem, et fides quarens intellectum.
Um dos mais brilhantes e notáveis pensadores da época em alusão foi São Tomás de Aquino - (figura que desempenhara tremenda influência na cosmovisão teológica e educação de Sua Eminência O Senhor Cardeal Dom Alexandre), que durante o seu percurso académico foi instruído por Alexandre Magno (Ou Alexandre o Grande). Curiosamente, o nome Alexandre, mestre de Tomás de Aquino é o nome de baptismo do Senhor Cardeal - Aproximações e coincidências que corroboram para ideia da grandeza do nome em referência.
De certo, nestas breves linhas será complicado trazer o espelho dos 103 anos em que o Cardeal viveu e fez viver, disseminando a fé, espalhando a esperança, semeando amor, educando o seu povo e proliferando ensinamentos. E nesses 103 anos teve o prazer de colher os primeiros frutos da sua incansável luta por uma sociedade mais capaz, mais justa e intelectualmente emancipada. E são esses frutos que devem se encarregar de assegurar e alargar o escopo do outrora iniciado.
Dom Alexandre foi muito mais do que uma figura religiosa e eclesiástica destacada, e comprometida na causa do bem estar social, do crescimento, da coesão no seio da Igreja Católica e do catolicismo em Moçambique, do Ecumenismo vibrante e da difusão da mensagem de Deus por todo o lado e em várias línguas. Para ele a fé tinha o poder de quebrar barreiras e unir povos (sejam eles considerados civilizados ou indígenas), e para isso as línguas nativas serviram de veículo e ferramenta estratégica de penetração e evangelização nas comunidades.
Foi um incansável peregrino da paz; astuto e apaixonado amante pela ideia de uma educação para todos e em todos níveis. Sua filosofia e ideia transformadora era clara – somente investindo mais e expandindo a educação se poderia criar bases sólidas para emancipar e desenvolver a nação, e consequentemente sonhar com um Moçambique mais inclusivo e mais próspero. Daí a sua luta assaz contra a pobreza absoluta e o seu compromisso vincado com a formação sistemática do Homem.
Sua grandeza transcende a imagem que muitos de nós temos – Patriarca da Igreja, primeiro Sacerdote e Bispo moçambicano. Na verdade Dom Alexandre foi um cultor, um educador visionário e um humanista douto com visão ampla da realidade do país e com cega convicção de que a educação do homem conduziria à libertação e à emancipação das mentes dos moçambicanos.
Dos vários momentos de partilha, fossem eles na Universidade, na Igreja e nos Seminários bem como em eventos vários públicos e privados, algo deliberadamente se repetia, entre a preocupação presente e os sonhos futuros: o paradoxo entre a riqueza do país e a incapacidade de transformar essa riqueza em algo útil para os moçambicanos. Segundo ele, Moçambique não é um país pobre; muito pelo contrário, é muito rico e mal explorado. O problema reside na falta de preparo e no défice enorme de conhecimento e precisa de mentes para transformar sua riqueza no bem-estar de todos.
As lentes visionárias do futuro, a crença na mudança de paradigma social, económico e educacional, e a transversalidade primeiro do seu pensamento, e depois da sua acção fizeram de Dom Alexandre José Maria dos Santos uma das figuras de Moçambique Contemporâneo de maior destaque, com projectos e obras transgeracionais que vão desde a formação de Padres dentro e fora do país, passando pela intermediação do conflito entre a FRELIMO e a RENAMO que culminou com a assinatura dos Acordos Gerais de Paz (1992), à formação de vários quadros superiores em várias áreas e domínios do saber.
Dom Alexandre, fora um dos mais sagazes impulsionadores das artes liberais e ciências do espírito no país, e desafiou centenas de jovens estudantes universitários e seminaristas (fazendo uso de ferramentas éticas, teológicas, filosóficas, e humanísticas) a pensarem com liberdade intelectual, e de forma crítica e analítica contribuírem para edificação de um Moçambique melhor. Fora um cultor do saber Ser, saber Estar e saber Fazer. Fora acima de tudo alguém muito preocupado com as questões éticas e com a dimensão da dignidade humana– ditames estes herdados da Filosofia Escolástico-Medieval de São Tomás de Aquino.
E é sobre estes e outros feitos de Sua Eminência O Cardeal Dom Alexandre, que nós, a geração do hoje devemos assentar a nossa reflexão e acção. Replicar vivamente sobre as gerações vindouras e incutir a necessidade permanente de pensar no Outro; Uma reflexão centrada no homem concreto como um fim e não como um meio. Viver e ensinar a criação de modalidades e estratégias de desenvolvimento do que fora iniciado por Dom Alexandre.
A coragem para iniciar novos e ambiciosos projectos, a ideia viva e prática do altruísmo, o espírito de criar e buscar novas realidades, e o desejo de ver um país mais educado, desenvolvido e próspero são algumas das licções práticas que Sua Eminência o Cardeal Dom Alexandre nos deixa. Foi mais de um século de um Homem talhado para a vida do bem estar do próximo. Saibamos viver e honrar os seus feitos, os seus ensinamentos e imortalizar sua obra fazendo do nosso país uma referência no rendezvous civilizacional.
Obrigado e até sempre Cardeal Dom Alexandre
Por: Hélio Guiliche (Filósofo)
Passam sensivelmente três meses depois que tivemos, na Manhiça, província de Maputo, segundo os escribas, o pior acidente de viação de sempre no nosso solo pátrio. Estávamos na primeira semana de Julho passado. Um autocarro da Transportes Nhancale tentou ultrapassar um camião numa curva e foi chocar com outro que vinha no sentido contrário e trinta e duas vidas foram ceifadas! Foi o alvoroço e pânico jamais vistos. Choque e tristeza absolutas. Foi muita morte de uma vez nas nossas estradas. Uma comissão de inquérito foi instituída e, em cerca de dez dias, trouxe o relatório: tratou-se de erro humano! O automobilista desrespeitou a fraca visibilidade, a curva e excedeu a velocidade! Esta foi a causa principal apontada pela comissão. A propósito, o que mais aconteceu aos sujeitos deste acidente: a transportadora, os perecidos, os feridos, as viaturas danificadas e as pessoas afectadas? Entre nós, o silêncio não significa que está tudo bem, não!
Confesso que não tive acesso ao relatório, portanto, não o li. Mas confesso também que concordo plenamente com a constatação da comissão de inquérito. Pretender uma ultrapassagem numa curva mais ou menos apertada; um autocarro de passageiros de grande calibre a andar a grande velocidade; um camião avariado mal sinalizado na berma da estrada; e passageiros viajando no autocarro a ser mal conduzido por um motorista mas mantendo-se silenciosos e até a encorajarem-no… tudo isto são, efectivamente, erros humanos! Ingredientes mais do que bastantes para termos um aparatoso acidente. E como são. E tivemos o acidente!
Semana passada tive de percorrer a estrada nacional número um (EN1) por imperativos de serviço. Foi uma viagem que me levou de Maputo a Temane (Inhassoro). Íamos três colegas na viatura, uma Ford Ranger dupla cabine novinha em folha. Na ida, conduzia o meu colega, até Maxixe, a partir de onde me sentei ao volante até Vilankulo, onde pernoitamos e depois fomos a Inhassoro. No regresso, aí sim, senti bem todas as peripécias, provei e bem o "pão da massa que o diabo amassou”!.
Depois desta longa viagem, cerca de 1600 quilómetros (800 na ida e outros tantos no regresso), estou em condições de dizer de viva voz que estamos diante de um corredor de morte. Esta via é um corredor de morte! Há mais causas dos acidentes de viação nas nossas estradas, sobretudo neste troço do que as apontadas. Incluindo o erro humano.
Conduzir na nossa EN1 é um calvário. Ê conduzir num precipício. Isso mesmo: conduzir num precipício. E nesse sofrimento todo acaba ocorrendo o erro humano. O piso da nossa estrada, sobretudo de Maluana até Incoluane, não está bom. NÃO ESTÁ BOM! Não dá estabilidade nem segurança à viatura seja ela de que natureza ou calibre for. É um piso instável, não liso, em que a viatura abana perigosamente. Este estado de piso, só ele, é ingrediente mais do que bastante, quando conjugado com uma velocidade acima de 100 quilómetros por hora, para a ocorrência de acidentes. Pior numa situação de fraca ou pouca visibilidade. E também quando conjugada com a estreiteza (pequenez) da faixa: quando é que teremos uma espécie de circular de Maputo até… Nampula/Pemba/Lichinga? Receio que seja no Dia de São Nunca!
A outra causa de acidentes neste troço é a falta de marcação no pavimento, no chão; a falta de sinalização. Parece que as fábricas de cal fecharam entre nós. Daqui até Inhassoro, a nossa pobre “auto-estrada” ou näo está marcada simplesmente, ou a tinta branca está bastante gasta, invisível. Aquelas linhas brancas que orientam e facilitam ao motorista NÃO EXISTEM! E à noite a condução torna-se muitíssimo difícil, bastante propenso ao “erro humano”! Que tal se cada província pintasse o troço que atravessa o seu território, já que a ANE inexiste? Teríamos a nossa estrada… qual corredor de morte… em condições mínimas! Que tal?
Mas os nossos “erros humanos” não se esgotam com a falta de marcação/sinalização da estrada. Já agora, devíamos esmiuçar o que entendemos por erro humano, ou alargar um pouco o seu sentido. Tudo o que se enumerou até aqui são erros humanos: piso não em condições, excesso de velocidade, ultrapassagem em curvas, desrespeito à fraca visibilidade, não marcação do chão da estrada, etc., etc.!
A falta de informação, a ignorância no motorista em viagem é outra das causas de acidentes nas nossas estradas. Em viagem, o automobilista nunca tem informação de espécie alguma. Não há nenhum aviso sobre as condições do piso (por exemplo, na região entre Manhiça e 3 de Fevereiro), nem da estreiteza da faixa. Há chapas que nos avisam sobre a curva e velocidade a observar, embora escassas, pois há mais chapas a indicarem a velocidade limite do que a indicar o fim daquela limitação. Não são suficientes! Saindo de Maputo, são escassas, bastante escassas as chapas indicando distâncias; nunca sabes regularmente quantos quilômetros faltam para chegares a um ou outro sítio, ou mesmo ao seu destino. Só andar, andar, andar e mais andar! Entre Maputo e Xai-Xai, há-de encontrar uma ou duas; entre Xai-Xai e Maxixe… uma, ou não há nada!; entre Maxixe e Pambara, uma ou nada! Ora, isto não é bom para um motorista; cria ansiedade e nervosismo, o que traz instabilidade emocional, que um motorista não deve ter enquanto ao volante!
E colocar chapas de distância a cada 100 quilômetros não custa absolutamente nada! Mesmo custando, são imperiosas para a nossa segurança rodoviária. Será que só vamos ver chapas de distância somente na África do Sul e Suazilândia? Nós não conseguimos colocar nas nossas estradas?!...
Para mim, são mais estas as causas dos acidentes na nossa única estrada… corredor de morte! Assim, estamos à espera do próximo desastre!
ME Mabunda
Viver em Moçambique é maning nice. Você tem tudo que quiser, a qualquer hora e momento, desde que tenha condições para tal. Viver em Moçambique exige coragem e coração de ferro. As histórias de vida de cada moçambicano, se forem transmitidas como uma série televisiva diária, vencem qualquer concurso cinematográfico.
A juventude moçambicana vive nos extremos entre o bem e o mal. Entre o certo e o errado. Entre o real e o aparente. Alguns labutam por 12 horas para ter apenas 50 Meticais diários. As prostitutas de cá enfrentam um mandingo com a pila de cavalo em troca de um pão com badjia. As famílias mais necessitadas e residentes em comunidades recônditas oferecem as suas filhas donzelas e em idade escolar a idosos sedentos de sangue jovem para diferentes destinos. Geralmente, o que a família quer é apenas se livrar de um “fardo” ou em busca de um cabo de enxada para cultivar a terra. Enfim, a pobreza propicia fórmulas erradas na Pérola do Índico.
Para os mais informados e formados, na Pérola do Índico, existem diferentes fórmulas para vencer o problema. Para os políticos, a estratégia é prometer e não cumprir. Dirigir, no seu tempo, e roubar até o direito de o povo descansar em paz, quando morre. Falar que luta contra a corrupção, mas, na verdade, é o “CR7 da corrupção”. Nas telas televisivas, eles dizem que estão interessados na paz efectiva, porém, por detrás das cortinas, encomendam perseguições políticas e sociais aos críticos ou opositores – A questão é fazer de conta que estão comprometidos no desenvolvimento integral do País, enquanto, na verdade, é apenas uma fórmula – fazer de conta!
Durante muito tempo, o povo quis saber sobre os contornos do maior calote em Moçambique. Chegando ao julgamento, algumas figuras mais esperadas procuram outras fórmulas para zarpar da acusação, levando o assunto para a lama – Outros activam o neurônio da negação e, até, dizem que não se lembram das suas contas bancárias chorudas de notas de rand e dólar. A trama está montada. Os cálculos estão feitos – Levar o assunto para uma mata perigosa, onde só existem leões e leopardos – É uma fórmula que pode vir a resultar – A fim de fazer com que o caso perca o rumo e a culpa morra solteira.
É assim que se faz na Pérola do Índico, onde se saqueia mais de 170 milhões de meticais ao Estado, vai-se ao julgamento, é-se condenado, recorre-se da sentença e, no dia seguinte, torna-se palestrante sobre como ser um empresário de sucesso – Assim a vida anda na Pérola do Índico.
As fórmulas, aqui, são várias. Das boas às más. Alguns conseguem os seus primeiros milhões e andam pela cidade distribuindo notas pelas ruas ao estilo de Muammar Khadafi. Dias depois, percebesse que a ideia era ganhar mais seguidores nas redes sociais, vendendo uma falsa imagem de boa vida e de homem de negócios com sucesso. Tudo é uma fórmula de exaltação e reconhecimento social baseado na falsa aparência e de venda de identidades robóticas a custo da fama.
Nas redes sociais, em particular o Facebook, os sabichões são vários. Existem aqueles que tudo sabem e sempre têm a razão. Experimenta desmentir-lhe algo, será bloqueado ou banalizado. A ideia é fazer de conta que sabe tudo mesmo. O engraçado é que parte deles perde oportunidades de emprego porque só tem um nome sonante devido a certos trabalhos realizados em tempos secos, mesmo nesta época que em cada área existem mais quadros formados e especializados, tudo fica claro.
Na Pérola do Índico, você encontra pesquisadores que se apoderam de pesquisas dos outros sem remorso. Que coragem é esta de levar um trabalho feito com sacrifício e publicar taxativamente como seu e, ainda, ir à Televisão vender a ideia naturalmente – Quanta sacanagem, nem!?
Ontem, todos criticavam os que mamaram a massa das dívidas ocultas. Entretanto, o engraçado é que alguns estão lá do lado daqueles que combateram e lideraram marchas contra eles, exigindo “Direito à esperança”. E o que a esperança fez!? – Colocou-os nas folhas de pagamento dos destratados de ontem – Aqui a vida é assim, não há vergonha. Outros dirão que é tudo em nome da profissão! Será?
Na Pérola do Índico, a corrida para a riqueza fácil trouxe fórmulas hediondas de enriquecimento. Hoje, policiais e oficiais do SERNIC lideram gangues do crime organizado que sequestram, matam e até violam mulheres. Militares desertam para as fileiras do terrorismo que está a destruir a esperança do povo e criou traumas insuportáveis para alguns dos sobreviventes (...).
No julgamento televisionado, a ideia que já se vendeu é que todos que estão a ser julgados são culpados, o que pode ser e não ser verdade. O julgamento do momento não é a solução das nossas desgraças (...), pelo menos, enquanto forem os “consultores/ intermediários” que estão a ser julgados – O engraçado é que só se fala dos 50 milhões de dólares do success fee e o verdadeiro dinheiro mamado parece já ter sido recuperado e os envolvidos, condenados, o que não é verdade.
Seria bom que todos os que diabolizaram está Pátria estivessem, hoje, vestidos da laranja mecânica, naquele pátio, onde se encontram presos os maiores bandidos do País. Seria interessante que todos aqueles que constam na “Tabela de Nhangumele”, conforme nos elucidou Juma Aiuba, estivessem naquela tenda, contando-nos quantos iates e resorts construíram com a mola das dívidas ocultas.
Mas o cálculo já foi feito, com fórmulas devidamente criadas. Leva estes tipos para o julgamento, condena-os e, depois, cada um irá se virar no Tribunal Superior de Recursos. Outros integrantes da quadrilha continuam a fazer das suas e a criar novas dívidas naturalmente – ninguém vai piar.
Na Pérola do Índico, experimente seguir viagem ao longo da EN1 ou em qualquer estrada dita nacional. Meu caro, se o bolso não está preparado, você será exemplo de combate à corrupção para alguém. Contudo, se alimentar a fila no troço como Nampula–Mocuba, pode até passar com drogas pesadas na bagageira e ninguém o irá incomodar.
Ademais, ainda prevalece a famosa sopa, que circula em tudo que é sector de actividade do Estado e dos privados. Nos hospitais públicos e privados, se você não molha a mão do Médico ou da Enfermeira, o anjo da morte virá levá-lo. É preciso ter uma mente de psicopata para se viver nesta terra, meu caro, onde os narcotraficantes, actualmente, já enterram drogas nos quintais das casas onde arrendam e vendem a droga a preço de amendoim, de tanto armazenarem.
As nossas fórmulas de vida são várias, aqui, na Pérola do Índico, onde um Inspector da Acção Social consegue viajar 500km para ir doar 800 Meticais a uma família e a sua ajuda de custo seja de 30 mil Meticais. Onde o Secretário do Bairro, em conluio com funcionários da Acção Social, apoderam-se dos subsídios da Covid-19. Onde as raparigas e mulheres, nas zonas de conflitos, recebem comidas em troca de magostoso (relações sexuais). Onde, no período eleitoral, a CNE e o STAE levam meses, supostamente, a contar votos, enquanto, na verdade, o processo deveria ser de uma semana. Onde a EDM e a PRM entram em acção, em cada pleito eleitoral, para mostrar as suas habilidades – É assim na Pérola do Índico – Pergunte aos Madjermanes, os trabalhadores da secreta, alguns da CFM e as famílias das pessoas que morreram no campo 25 de Setembro, em Nampula, durante um showmício de campanha eleitoral, o que é feito dele(as) – Assim a vida anda na Pérola do Índico!