Director: Marcelo Mosse

Maputo -

Actualizado de Segunda a Sexta

Co'Licença

Infelizmente, o ser humano não é tão organizado, sensível e solidário quanto parece. Em 2001, durante as cheias que devastaram a zona centro do país, particularmente os distritos ao longo do rio Zambeze, participei dos trabalhos de apoio aos afectados, como voluntário. Éramos quatro moçambicanos contratos às pressas, por uma organização humanitária americana na cidade de Quelimane, para trabalharmos como tradutores (na verdade, queriam gajos que "tolkavam" um pouco de inglês), mas acabamos fazendo trabalhos logísticos, sanitários (tratar água e ajudar as pessoas a tomarem correctamente os medicamentos) e outros que o momento requeria. Na verdade, fizemos de tudo. O nosso quartel-general era Luabo, na altura, Posto Administrativo do Distrito de Chinde. A partir dali, dávamos assistência aos mais de uma dúzia de centros de reassentamento implantados naquela zona. Foi uma experiência e tanto. 

 

Dizia, então, não somos assim tão organizados e bem intencionados quanto aparentamos ser. Circulam vídeos nas redes sociais que mostram pessoas (aparentemente vítimas do ciclone IDAI) lutando para conseguirem comida ou assaltando armazéns de viveres. E os comentários dizem que aquilo deve-se a demora e má distribuição da comida ou então esquemas de corrupção das equipas de gestão dos bens. NÃO É BEM ASSIM. 

 

A ajuda humanitária é dividida em duas fases: período de cheias e período pós-cheias. A primeira fase é a mais complicada e difícil. Nesta fase ninguém tem certeza que a comida é suficiente para todos. Nem a pessoa que distribui, muito menos os que vão receber. É que neste primeiro período não há números concretos das vítimas, os centros são improvisados e há muita desinformação e desconfiança e, por isso, muito oportunismo. É o período do caos. Gera-se muita ansiedade e insegurança nos beneficiários que acaba gerando nervosismo nos gestores e que, as vezes, acaba em confusão. Pior quando se envolve a Polícia. 

 

Já a segunda fase é mais soft para todos. A vida começa a reerguer-se, os centros estão melhor organizados, já se sabe com exactidão o número de beneficiários de cada centro, os gestores já têm listas dos beneficiários (organizados em homens, mulheres, crianças, idosos, viúvos, órfãos e chefes de família, etecetera). Nesta fase, já se sabe com exactidão as quantidades necessárias para cada comunidade e já há confiança entre as partes. Tudo flui a contento. 

 

Infelizmente, têm havido muitos oportunistas em momentos de crise. Há pessoas que viajam de locais não afectados para criar confusão nos centros de distribuição de comida para venderem os produtos à preços especulativos nos mercados de outros distritos. Eu vivi isso. A comida (arroz, farinha, feijão, óleos, etecetera) que distribuiamos vinham da África do Sul, mas nós encontrávamos nos mercados a venda. Até medicamentos, as vezes. 

 

Os assaltos aos armazéns de produtos muitas vezes não têm nada a ver com a demora na distribuição. As vezes nem é naquele local que os produtos são distribuídos. A desinformação, a fome, a ansiedade, a insegurança, a desconfiança, mas também - muitas vezes - a má fé, contribuem para isso. É claro que também há factores organizacionais dos próprios gestores dos produtos e corrupção. Por isso não consigo julgar os cenários com base nos vídeos que circulam. Seria muita leviandade da minha parte. Não estaria a ser justo. Há muita gente se solidarizando e se entregando para ajudar os nossos irmãos. Há pessoas que deixaram as suas vidas em Maputo, por exemplo, para irem ao terreno para prestarem o seu apoio a custo zero, assim como eu e meus conterrâneos fizemos há dezoito anos. Não é nada fácil. Distribuir comida em tempos de crise não é tarefa fácil. Só quem já esteve no terreno sabe do que falo. Muita calma nessa hora! 

- Co'licença!

Ontem liguei para um tio meu residente na cidade da Beira para saber como estava a sua vida pós IDAI. Depois daqueles salamaleques de início de conversa, o cota entrou automaticamente num festival de lamentações dos comerciantes locais que inflacionaram tudo. O velhote atribuiu todos adjectivos pejorativos em português, ndau, emacua, elómuè, inglês, árabe, alemão (é madgermane), e uns outros idiomas que eu não conheço. Falou do descaso do governo perante a situação: este governo é assado, frito e cozido. 

 

E eu: Mas, tio, qual é o espanto? Por quê tanta indignação? Onde está a novidade nisso tudo que acabou de falar? Tio, aqui no nosso país quem tem moral suficiente para repreender esses especuladores de preços? É que este país já anda inflacionado faz muito tempo com o próprio Estado/Governo na linha da frente. O Estado/Governo passa a vida a sobrefaturar as suas próprias obras. Estradas, escolas, hospitais, pontes, viaturas, equipamentos, e tudo, anda com valores superiores àquele que efectivamente devia ser cobrado. 

 

Ahhh, porque isso é burla. Burla é também aquilo que a É-Dê-Eme, a FIPAG  e a Ele-A-Eme fazem com os seus clientes. Na verdade, a energia da nossa É-Dê-Eme nem devia ser vendida pela quantidade de cortes e pela qualidade de estragos que faz aos nossos electrodomésticos. Num país normal aquela água da FIPAG não se dá ninguém para beber nem de borla. Quanto é que pagamos pelos voos domésticos da Ele-A-Eme? Isso é roubo. Roubo também são os juros praticados pelos bancos da praça. Chegam até a ter mil por cento de lucro anual. Os nossos bancos não têm pena. Como se chama aquilo que as farmácias privadas fazem? Paracetamol a preço de uma operação plástica. Aqui funciona a política do mar: quem tem boca grande engole o outro. No dia que camarão tiver boca grande vai engolir tubarão. 

 

Estamos todos inflacionados. Até no governo temos ministros inflacionados. Há ministros que você não se dá conta da sua existência até ser acusado de desvio de fundos. Neste mandato temos um ministro que apenas trabalhou no dia em que uma adolescente pendurou bandeira algures no rabo. Temos alunos da primária inflacionados em licenciados e agora andam por aqui insultando ideias  contrárias e citando livros que ainda não foram escritos. Estamos a pagar balúrdios a um "seleciona-a-dor" que devia estar a treinar cortes e penteados no "Mozambique-Feixon-Wik". Isso também é especulação. 

 

Quem tem moral para repreender os inflacionadores da Beira? Alguém diria "as autoridades". Que autoridades? O ciclone IDAI só trouxe o mesmo velho debate com esses especuladores de preços em miniatura. O país foi oficialmente vendido a um preço especulativo desde a implantação do cabritismo. Hoje alguns cabritos se transformaram em girafas; você amarra aqui e, graças ao seu pescoço, o gajo come ali. Há outros que já comeram a própria corda que os amarrava e agora andam soltos e comem em qualquer lugar. Enquanto falamos dos comerciantes oportunistas da Beira, há quem já deve estar a inflacionar os próprios donativos: entrega um quilo e reporta dez. 

 

Está tudo especulado. Eu próprio sou um produto inflacionado dessas redes digitais. O mano Marcelo Mosse só veio carimbar a inflação dando-me um espaço no seu prestigiado jornal, deixando-me escrever ao lado de grandes celebridades como o Mia Couto. E agora eis-me aqui feito um grande intelectual, pensador, analista e sei-lá-mais-o-quê (de acordo com a ilusão) dando-me o direito de falar dos outros burladores desta "mátria". Capitalismo, dizem. 

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quinta-feira, 21 março 2019 07:34

Dorme, RENAMO! Dorme que a FRELIMO agradece!

"A Renamo diz que não correspondem a verdade os números até aqui tornados públicos sobre os estragos provocados pelo ciclone tropical IDAI (...). Apesar de discordar dos números anunciados pelo governo, Juliano Picardo, assessor político do Presidente da Renamo, Ossufo Momade, afirmou durante uma conferência de imprensa realizada está quarta-feira (20), em Maputo, que é prematuro avançar números porque estaríamos a ser hipócritas" - "Carta", 20/03/2019.



Arri!!! Convocar uma conferência de imprensa para desmentir uma informação que também não sabe a verdade? Convocar jornalistas para lhes encher de fofocas e mentiras do "feicibuki"? Não faça isso, ó RENAMO. Olha, senhor assessor, não é isso que as pessoas querem ouvir da RENAMO neste momento. O próprio Pê-Ere Filipe Nyusi já reconheceu que os números que se propalam não são reais. Contra todas expectativas, Nyusi foi o primeiro a reconhecer que o número de mortos pode chegar a mil. Nyusi já disse que a situação é muito mais grave do que parece, tanto que se decretou o estado de emergência nacional. 



O senhor assessor já devia saber que este assunto é fraco e sem novidade. A sociedade espera da RENAMO muito mais do que esse "esconde-esconde". A RENAMO tem de começar a fazer política a sério. A RENAMO tem de começar a farejar oportunidades e aproveitá-las. Não é tempo para apontar erros dos que estão a trabalhar. As moças querem ver o rapaz que está na pista de dança a dançar. Querem saber o seu nome, onde mora, onde estuda. As meninas querem saber quem é esse rapaz atrevido, não querem saber de quem está a falar mal dele. Se não quer dançar, ao menos aplaude então! É que amanhã, depois da babalaza, as pessoas só se lembrarão daquele que estava a dançar (bem ou mal), ou daquele que estava a aplaudir maningue tipo louco.

 

Para um partido sério, esta é uma "boa" oportunidade de fazer aproveitamento político. É oportunidade para fazer populismo positivo (não sei se isso existe em ciências políticas). É uma oportunidade para estar no terreno ajudando as pessoas. É oportunidade para mobilizar os seus membros, simpatizantes e parceiros internacionais para porém a mão na massa, angariarem donativos e mostrarem solidariedade. É oportunidade para a Liga da Juventude do partido aparecer com jovens ajudando na colecta de bens. Chamem aqueles latagões que estavam a protagonizar espectáculos de karaté na sede do partido na Beira para, desta vez, salvarem os seus irmãos. É oportunidade para inundaram à mídia. É oportunidade para mostrarem que vocês estão aqui com o povo. É oportunidade para socorrer as pessoas e serem vistos que estão a socorrer de verdade. É hora de pôr ovo e cacarejar. 



Não é tempo para conferências de imprensa sem assunto, sem sentido e sem novidade. As pessoas esperavam ouvir que "falamos com os nossos amigos da Europa e da Ásia e estão a enviar medicamentos e comida". Não é tempo para comunicados e posicionamentos ocus. Não é tempo para perder tempo. Que assessor é esse que convida jornalistas para falar do sexo dos anjos num ano eleitoral? Que assessor é esse que não faz leitura do cenário num ano eleitoral? Já vai uma semana depois do ciclone que a RENAMO não aparece com algo de concreto, algo que faça dela assunto. Até parece que estão a espera que o pior aconteça para dizerem "nós sabíamos!".



Quer queiramos quer não, a FRELIMO soma e segue no teatro das operações. A FRELIMO está a ganhar pontos. Esses membros do governo que estão aí são da FRELIMO. Essas caras que estão sendo vistas aí na Ponta-Gea, no Maquinino, no Luabo, em Mopeia, etecetera, são do governo da FRELIMO. Serão essas mesmas caras que em Setembro e Outubro estarão no mesmo terreno angariando votos. A própria directora do I-Ene-Gê-Cê ha-de voltar para pedir votos para o seu partido: FRELIMO. Isso é uma realidade. E temos que admitir que a FRELIMO tem essa maturidade política. Ela consegue fazer boa leitura do contexto. 



Dorme, RENAMO! Dooorme! Quando acordares, a FRELIMO já estará a matabichar. 

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quarta-feira, 20 março 2019 07:02

Estamos todos aqui!

Moçambique é dos moçambicanos. Este país é nosso. Nós todos. Não há moçambicanos de gema nem de clara, de primeira nem de segunga. Somos todos moçambicanos, os donos deste Moçambique. 

 

Aqueles famosos mercenários do Ocidente estão aqui. Os assalariados dos americanos também estão aqui. Os conspiradores e vendedores da pátria estão aqui. Os que estão a fazer "check-in" de Manuel Chang estão aqui também. Aqueles que não querem pagar as dívidas ocultas também estão aqui em peso. Os apóstolos da desgraça estão todos aqui.

quinta-feira, 14 março 2019 07:04

Este país já anda bêbado demais

É impressão minha ou é mesmo difícil convencer um investidor da área de processamento de frutas, por exemplo, a se instalar em Moçambique? Será que não existem indústrias de produção de sumos e polpas de frutas por aí interessadas em fazer negócio neste vasto e rico território? Não existem ou não há vontade política de apadrinhar esses investidores? Não dão boas comissões? (já que tudo funciona com comissões por aqui).



Em Dezembro, ananás apodreceu em Nicoadala. Há bem pouco tempo, em todo o país mangas apodreceram e agora já nem parece que já houve mangas aqui. Neste momento, abacate está a apodrecer em Mugulama, no Ile. Daqui a nada a vila da Maganja da Costa estará a cheirar à laranja podre. Quando você encontra, em Nacata, Malema, tomate sem compradores sendo levado para o lixo, é de partir o coração. Será que não é possível encontrar quem queira processar e conservar estas coisas? 



Provavelmente eu sou das raríssimas pessoas que não está muito empolgada com a nova fábrica de cerveja construída em Marracuene. Não rendi nem um bocadinho. Nada contra!



Vão dizer que é bom porque dá emprego e paga impostos. Vão dizer que na Holanda, na Alemanha, na Rússia, etecetera, esse tipo de indústrias é assado ou frito e contribui com isto ou aquilo aos cofres do Estado. Mas eu não sei se isso vale a pena. É que eu acho que já andamos "piffs" o suficiente para estarmos a celebrar efusivamente a inauguração de mais uma indústria de álcool. Mas também porque acho que existem outras áreas importantes por investir que podem dar-nos empregos e contribuírem com impostos da mesma maneira. 



Nada contra os que bebem. Até porque eu também bebo. Mas não sei se vale a pena a ideia de nos anestesiarmos ainda mais. Parece que, para uma sociedade normal e do bem, a demanda já supera de longe a procura. Ou seja, o que se oferece já é mais do que suficiente. É que fora essas indústrias inauguradas com pompa e circunstância também existem aquelas de bebidas-secas de alto teor alcoólico que funcionam sem nenhuma fiscalização do Estado e da sociedade. 



Longe de mim querer me fazer passar por sentimentalista ou moralista de ocasião. Como disse, nada contra. Não quero misturar nada com nada, nem quero ser escolástico. Só acho que somos uma sociedade inerte. Uma sociedade de descaso com o bem colectivo. Não pode haver "unidade nacional" sem lucidez. Se estivéssemos no tempo colonial, não haveria a ideia de união e luta pela independência. Não há sobriedade para isso. Até parece que há quem tem medo que a nossa babalaza acabe. Parece que há quem nos quer assim. Parece que estamos a fazer agenda de alguém. Esta cena de um ministro confundir 14 com 400 é reflexo de um desequilíbrio colectivo voluntário do topo à base. Até o governo anda "djez".



Por fim, gostaria de lembrar que as zonas centro e norte estão a ser afectadas pela Lagarta do Funil do Milho (spodoptera frugiperda), uma praga que está a devastar culturas, principalmente milho, arroz e mapira. Camponeses estão a perder as suas machambas e vão perder ainda mais porque a broca ataca a planta em qualquer idade. É uma praga que vai levar algum tempo para erradicar. Precisamos de incrementar a assistência medicamentosa e técnica aos camponeses. 



Dizem que a nova fábrica vai produzir cerveja também à base de milho de mais de mil agricultores de Catandica, distrito de Barué, em Manica. Em Nampula tem a Impala que também compra dos camponeses. Isso é muito bom (juro!). Mas temos para comer? 



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As notícias dizem: 



"A Justiça norte-americana confirmou, esta sexta-feira, o envolvimento do gabinete do antigo Presidente de Moçambique, Armando Guebuza, acusando Teófilo Nhangumele de ter agido em nome da Presidência no caso que corre em Nova Iorque sobre as dívidas não-declaradas. (...) 'Teófilo Nhangumele, 50, cidadão e residente em Moçambique, agiu em nome do Gabinete do Presidente de Moçambique' (...)".



E assim a Polícia já foi mobilizada e está atrás do gabinete e da presidência que se encontram a monte. A Polícia canina está em todas as esquinas. Diligências estão sendo feitas e já foi decretado o recolher obrigatório em todo território nacional. A Polícia está a trabalhar no assunto. Está a envidar esforços. Procura-se um gabinete e uma presidência de dois mandatos, os principais culpados das dívidas ocultas que deixaram o país a travar com jantes de segunda-mão. 



É um caos total. Estão em curso muitas, diversas, diferentes e multifacetadas operações: terra-mar-ar. Tem de se encontrar o gabinete e a presidência onde quer que estejam. Os parceiros históricos já foram contactados. A Rússia enviou os seus melhores mergulhadores que estão a procurar os dois arguidos algures no mar. Tubarões estão sendo confundidos com atuns, mas eles juram que nunca burlaram ninguém e os seus nomes não aparecem em nenhum documento oficial do calote. Por sua vez, a China diz que os foragidos só podem estar escondidos na Serra da Gorongosa. Helicópteros inundam o céu. Leões e gazelas se abraçam de medo. Nunca tinham visto, nem nos tempos da guerra dos dezasseis anos nem nas recentes instabilidades intermitentes. Enquanto isso, os búzios divinatórios da Ametramo sentenciam que o gabinete está junto com a presidência, numa wella, a exaltarem a pátria numa dessas praças da capital. E o povo confirma. 



Todas as evidências indicam que a autoria moral das dívidas ocultas recai sobre o gabinete e a presidência, pelo que vão responder criminalmente. Se forem encontrados, vão aguardar o julgamento em prisão preventiva. O mundo parou, finalmente os verdadeiros culpados das dívidas ocultas foram revelados. A mídia não fala de outra coisa. Diz-se que, nos últimos tempos, o gabinete vive uma vida de rei e a sua comparsa presidência anda em festas fastuosas. Compraram mansões e carros de alto calibre de último grito. O gabinete e a presidência colocaram o país na sarjeta. E agora, cadê eles? 



Gratifica-se com um prato de atum em água e sal e mangas secas com xima de mapira a quem indicar o paradeiro desses dois autores morais desta cómica maracutaia. Mas atenção: não é para pegarem naquele que foi o dono do gabinete e presidente da presidência em causa. Não! Esse não tem culpa. 

- Co'licença!

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