Director: Marcelo Mosse

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Actualizado de Segunda a Sexta

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Carta do Fim do Mundo

O último aumento dos combustíveis no país desencadeou uma onda generalizada de instabilidade em quase todos os sectores nevrálgicos da nossa sociedade, particularmente na economia. É que, logo a seguir ao aumento do preço na “boca” das bombas, os transportadores deixaram imediatamente clara a sua intenção de aumentar os preços que cobram aos utentes - e chegaram mesmo a aumentar em muitas cidades e vilas do país, apesar das manobras do governo de tentar impedir ou inviabilizar. Para surpresa geral, as próprias gasolineiras que acabavam de aumentar o preço dos combustíveis vieram a público  indicar que poderiam paralisar as suas actividades caso o governo não lhes canalizasse o subsídio acordado, cujos valores, segundo as gasolineiras, andavam pelos 120 milhões de dólares na altura. Argumentam eles que o aumento efectuado continua aquém do pretendido e, assim, continuam a incorrer em prejuízos.

 

Os combustíveis são, sem dúvida, a parte mais sensível do sector dos transportes, este que é, por excelência, o “sangue” da economia de um país. Sem um eficaz e eficiente sector de transportes, nenhuma economia tem vitalidade. O transporte é central na economia; sem ele, não funciona, não se desenvolve. Não acontece nada. É através de transporte que um investimento é feito num determinado ponto, ou região; é através de transporte que se levam os factores de produção para os centros de produção; é através de transporte que se leva a produção para armazenamento e deste para a comercialização, seja ele interno ou externo/exportações.

 

E estes transportes podem ser rodoviários - ie., usam estradas; ferroviários - ie., usam as linhas/vias férreas; aéreos - ie., usam aviões; e marítimos - ie., usam as águas do mar ou dos rios. Todos estes meios têm um denominador comum: usam combustíveis.

 

Cada tipo de transporte tem as suas vantagens, mas complementam-se. Os transportes ferroviários (comboios) e os marítimos são mais vantajosos no transporte de carga, regra geral transportam enormes quantidades de carga diversa e por longas distâncias; os aéreos (aviões) são mais rápidos para longas distâncias; os automóveis são mais práticos no transporte intra e inter-urbano, não se tratando de longuíssimas distâncias.

 

Uma economia que se preze e que se quer mais robusta a longo prazo, que se pretende desenvolver, tem que fazer a combinação destes diversos meios de transporte. Não pode apostar em um único, não seria nem eficiente, nem eficaz. Temos de ter linhas férreas pelo país; temos de ter transporte marítimo (ao longo da costa e fluvial); temos de ter estradas em condições (auto-estradas, primárias, secundárias e terciárias). Isto é fundamental para uma economia.

 

Dito de outro modo, o sector de transportes de um país, de uma economia, deve ser robusto, pujante e em desenvolvimento. O movimento de pessoas e de mercadorias não pode ser constrangido por nenhum factor. As mercadorias devem chegar a qualquer ponto dessa economia em condições menos onerosas e em tempo útil; as pessoas devem poder movimentar-se para qualquer que for o ponto que pretendam, com custos que não onerem muito o negócio que pretendem ou estão a desenvolver. Isto é a dinâmica de economia.

 

Chegados aqui, a pergunta é: qual é o nosso plano estratégico para o desenvolvimento e robustecimento do nosso sector de transportes? Mais directamente: quando é que teremos uma linha férrea nacional? Ou linhas férreas ligando as capitais provinciais? Já ouvimos que a construção de uma linha férrea é muito cara; mas, vamos ser claros, os países que são desenvolvidos, são-o porque detém um parque ferroviário com robustez. Não reclamamos que se construa num ápice… claro que é impossível. Mas, no mínimo, que nos dissessem quando é que teremos uma linha férrea ligando o sul ao centro e ao norte, ou vice-versa, se preferirmos.

 

Pelo menos que nos dissessem quando é que teremos cabotagem. Quando é que teremos navios transportando mercadorias e/ou passageiros ao longo da nossa costa. Vários navios aportam nos nossos diferentes portos, vindos de todo o mundo. E a nós isso não nos excita, não nos dá que pensar. Assistimos impávidos e serenos!

 

Não faz sentido que toda a mercadoria do norte para o centro e sul e vice-versa tenha que estar a ser transportada por camiões pela EN1. Uma das consequências visíveis a olho nu é que a nossa estrada está sempre a degradar-se. É muito camião a andar pelas estradas e com mercadoria em quantidades bastante grandes.

 

O que pretendemos no nosso sector de transportes é o que vemos no sector de energia… infelizmente, não em muitos outros! Sabemos que em 2030, a energia vai chegar a todos os moçambicanos. Sabemos que, até ao fim do mandato do Presidente Nyusi, todos os postos administrativos vão ter energia eléctrica e que em pouco tempo Moçambique vai-se tornar num pólo regional de produção de energia. Mas não sabemos nada sobre o sector dos transportes e outros. Não sabemos nada sobre o sector ferro-portuário. Queremos um plano estratégico de desenvolvimento dos nossos caminhos de ferro. Uma abordagem integral dos transportes no país, a expansão dos caminhos de ferro, das estradas, a cabotagem… uma Estratégia Nacional do Desenvolvimento do Sector dos Transportes na sua globalidade.

 

Temos que ter um instrumento orientador, se não, não vamos longe! Não é porque no sector de energia erguer infra-estruturas seja menos caro, ou porque a EDM está cheia de fundos para investir; tem o seu plano director, que é um orientador do desenvolvimento do sector!

 

ME Mabunda

Existe uma história de um animal pequeno, chamado porco-espinho. Conta a lenda que num dia de frio, alguns destes porcos-espinhos juntaram-se para se aquecerem com o calor dos seus corpos. Mas, logo, viram que se espetavam e se afastaram. Ficaram com frio. Na tentativa de reaproximação, descobriram a distância adequada.

 

Assim, também, acontece na nossa sociedade. O vazio, a descrença, a pobreza, a mingua e as amarguras existenciais, aproximam as famílias e o cidadão comum. Porém, muitos de seus defeitos desagradáveis os repelem. Por outras palavras, toleramos a proximidade dos outros só quando é necessária à nossa própria sobrevivência e bem-estar, porém, de outro modo, evitamo-nos.

 

É comum a abordagem dos nexos e conexões que se estabelecem entre os diferentes grupos religiosos, pois é nesses nexos e conexões que se encontram as linhas estruturantes para o diálogo intra-religioso, elemento fundamental para uma convivência pacífica entre eles. Para Moçambique, em particular, intriga e fascina rever o processo de construção do Estado moçambicano e a interacção com os diferentes grupos religiosos. Com a implantação do Estado colonial, viu-se que, por exemplo, a igreja católica era parte integrante do processo de espacialização, territorialização do aparelho burocrático-administrativo, nos espaços assumidos como Moçambique. É certo que a igreja católica teve essa relação íntima com o Estado colonial, porém, outras confissões religiosas, os protestantes e os de confissão islâmica, em particular, foram parte integrante da construção do Estado.

 

As relações entre o Estado colonial e as duas confissões retrocitadas nunca foram pacificas, ou seja, foram de desconfiança, de conflito e de confrontações. Este tipo de relações conflituosas ou de desconfiança manteve-se durante a primeira República.  Foi, portanto, uma relação com rupturas, mas, desde os finais dos anos 1980, mormente, depois da constituição de 1990, muito esforço e empenho para entendimentos foram feitos, com o fito de aproximar as confissões religiosas, na sua diversidade, ao Estado.

 

Em boa hora, foi celebrada, a jornada Mundial da Religião, que teve o beneplácito das Nações Unidas, apelidada como dia internacional da fraternidade humana. Esta celebração serviu, para o nosso país rever os diálogos que englobam as diferentes confissões religiosas, repensar suas raízes e percursos. Foi, sobretudo, uma reflexão sobre a multiplicidade de religiões e o seu papel no processo de pacificação de um país que tarda a encontrar os caminhos da paz, da tranquilidade, da justiça social e da reconciliação.

 

Considerando a diversidade religiosa em Moçambique, subdividida entre cristianismo, islamismo e animismos, e outras formas de religiosidade, constatou-se que os distintos grupos são constituídos por pessoas de fé e, até, inegável alcance espiritual. Os discursos podem, salvaguardadas as devidas proporções, seguir  na contramão dessa religiosidade e espiritualidade sã e estruturante para o bem do nosso país. No fundo, os diferentes discursos das confissões religiosas ainda ajudam a amolecer os corações, encaminham seus rebanhos para o bem supremo, veiculam união, fraternidade e amor entre os homens.

 

Acedi, gentilmente, o desafio de debater a fraternidade humana e o diálogo religioso, no contexto moçambicano, à semelhança dos vários seminários e conferências que ocorrem, um pouco pelo país, promovidos pela academia ou pelas organizações da sociedade civil. Convocar o diálogo religioso, ou a utopia de um diálogo religioso, que englobasse mais do que a fé, mas, que tivesse subjacente a reconciliação nacional, a paz efectiva, a concórdia e harmonia social. Quer dizer, revisitar a ideia da ausência de hierarquias entre as profissões ou confissões religiosas, a inexistência, portanto, de religiões superiores ou inferiores, de convicções mais ou menos comuns e incomuns, que perpassam a vontade de aglutinar os seus fiéis.

 

Comecei, precisamente, por uma revisão conceptual sobre a misantropia, quer dizer, como se posicionariam as nossas congregações e confissões religiosas diante de tantas desilusões, planos económicos e sociais falidos ou falhados e, até, pelo crescente vilipêndio pelas liberdades civis e pela vida.  Indaguei se o diálogo religioso serviria de trampolim para libertar os crentes e fiéis das desconfianças, do sarcasmo do pessimismo e das aporias de um Moçambique que tarda a se reencontrar com o destino que deveria ser o seu, um Moçambique onde reina a concórdia, a justiça social e o progresso económico inclusivo.

 

Iniciei as minhas reflexões retomando conceitos clássicos sobre a fraternidade humana, rebuscando diferentes autores e o próprio “frater”. Concordamos que essa fraternidade era um pouco mais que irmandade, pois, abarcava aspectos relacionados com os direitos humanos, o respeito pela dignidade da pessoa humana e, sobretudo, a igualdade de direitos e deveres. Ou seja, a consagração da própria ideia de ser Homem, tanto no plano filosófico como no antropológico. 

 

Revisitamos outrossim as encíclicas do Papa Francisco, que exalta a “Fratelli Tutti”, uma ideia que ele buscou em São Francisco de Assis. A propósito, o Papa Francisco afirma que a humanidade  “cresceu em muitos aspectos, porém continuava analfabeta no acompanhar, cuidar e sustentar os mais frágeis e vulneráveis nas sociedades desenvolvidas”. Então, essa fraternidade não se reflecte num convívio social são, muito menos no amor, na convivência ou no reencontro são e fraterno. O Papa Francisco, ao voltar ao século XII para buscar as raízes da ideia que encerra a “Fratelli Tutti”, indaga-se sobre o sentido de humanidade nas sociedades pós-modernas, onde o individualismo excessivo, a indiferença e as desigualdades sociais tornaram-se a característica fundamental dos tempos hodiernos.

 

O livro a “Origem” do romancista e escrito americano, Dan Brown, ajuda-nos a percorrer os caminhos das religiões abraâmicas, ou seja, religiões monoteístas. Concebidas por Abraão, e com tradições e identidades e princípios muito aproximadas. Elas, à semelhança das religiões asiáticas, sobretudo, a Indiana, Darma, se espalham por todo o mundo e dominaram as diferentes crenças humanas que se estabeleceram.

 

O Cristianismo, o Judaísmo e o Islamismo converteram-se nas religiões com o maior número de seguidores e espalharam-se globalmente. Neste século são contabilizados mais de 3.8 biliões de seguidores das três principais religiões monoteístas. Cerca de 54% da população mundial. Portanto, se 16% da população não professa uma  religião, significa que os restantes 30% professam outras religiões.

 

Extrapolando estes indicadores no contexto Moçambicano, em particular, podemos dizer que as tendências globais podem ter algumas parecenças. Moçambique é, também, monoteísta, sem descurar o animismo que mora em todos nós.

 

Numa conversa que fluiu, e na qual fomos unânimes em muitos aspectos, discordamos noutros, fomos fundo nalgumas questões fundamentais, sobretudo, na utopia, no sentido que o cultor do deste termo, Thomas More, quis dar, de um diálogo mais consentâneo, mais inclusivo e pacífico.

 

Um primeiro questionamento, cingia a obrigatoriedade de entender a comunhão do diálogo religioso, e ao surgimento de uma teologia contemporânea africana centrada, tal como nos foi proposta por Mbog Bassong no seu livro “La réligion africaine: de la cosmologie quantique à la symbologie de Dieu (2014). Como seria que os africanos poderiam criar uma fraternidade religiosa, sem deixar de ser africanos; como é que essa fraternidade, poderia ser evocada, sem deixarmos de ser moçambicanos. Estas duas interrogações integram-se nas primeiras interrogações, da primeira e segunda gerações dos que desenvolveram a teologia africana, a teologia que assumia que se o cristianismo é único, ele é vivido de forma diferente, em função das praticas culturais de cada contexto. Há aqui questões de ordem meramente teológico-religiosas, mas igualmente de ordem epistemológicas profundas.

 

Em segundo lugar, tocamos nas nossas crenças animistas e avaliamos como elas conflituam com o processo de evangelização que foi apanágio dos diferentes missionários e pregadores, geralmente vindos do ocidente, que criaram as diferentes seitas religiosas no nosso país. Vivemos com o animismo impregnado em nossas consciências, em nossas práticas culturais e sociais. Podemos, por isso, dizer que o animismo é parte integrante da nossa percepção sobre o mundo, no geral, e do mundo religioso, em particular. É habitus, no sentido que lhe dá  Pierre Bourdieu. Os momentos mais difíceis nos levam de volta às origens, porque é nelas que se encontram as estruturas e as potenciais respostas às nossas principais indagações existenciais e religiosas.

 

Aliás, os escritos de Desmond Tutu testemunham uma variedade de teólogos africanos que estudaram essa transição de interculturalidade entre as religiões monoteístas e as religiões animistas africanas. Existem precursores bem conhecidos como Joseph-Albert Malula, Meirand Hegba, Vicent Mulago, Engelbert Mveng, Jean-Marc Ela, John Mbiti e Fabien Eboussi Boulaga.

 

Uma terceira questão estava relacionada com a questão da misantropia, nas relações humanas, e como este espírito de fraternidade religiosa, que nos deveria unir, por vezes, nos separa. Diante de tantos problemas, pobreza, guerras e terrorismo, esse espaço de religião converteu-se num refúgio. Então, a normalidade da vida e da produção vai retirar os fiéis de suas igrejas?

 

Em quarto lugar, verificamos que uma postura misantropa e pouco solidária, já adoptada, tem feito dos moçambicanos concidadãos pouco solidários com as angústias e vicissitudes vividas dos outros. Dividimo-nos por questões de ideologia ou, ainda, por uma questão de supremacia de determinados partidos sobre os outros, ou ainda de aspirações pseudo-religiosas sobre os outros. É a própria ideia de Moçambique que tem sido desafiada quando estas clivagens se tornam normais e comuns na nossa sociedade, pois somos, como país, um projecto cujo sucesso depende do que formos capazes de fazer, e que a ideia de ser moçambique signifique aceitar e aquiescer o outro como sua própria continuidade. Somos solidários tão somente em casos de desastres naturais.

 

E esta postura que desperdiça oportunidades, convívio fraternal  e um assumir de não fazermos parte do mesmo grupo. Mantemos um diálogo estéril e de desproveitos. Por vezes, consideramos que os contactos, para além dos mesmo grupos, são contaminação ou violação, o que é contrario aos fundamentos fundacionais da ideia de Unidade Nacional, elemento que nos é muito caro como moçambicanos.

 

Não poucas vezes, olhamos para irmãos e concidadãos, de diferentes ideologias e ideais, e achamos a aproximação inaceitável e perigosa. Acontece no plano politico, social, étnico e, agora, no religioso. Atitudes que são exacerbadas por discursos inflamados e produtores de rupturas e conflitos entre as pessoas. Aqueles jovens que passam pela doutrinação, sobretudo no norte do país, respaldam-se num discurso religioso fanático, teologicamente irracional, socialmente inconcebível, antropologicamente diruptivo e violento. Essas escolas religiosas, cuja liderança, assente em pessoas nacionais e estrangeiras mais radicais, têm fabricado fanáticos religiosos perigosos para a nossa unidade, para o nosso contrato social, para a fraternidade que tentamos, tão bem construir e consolidar.

 

As confissões religiosas necessitam de prestar mais atenção a estes processos que criam problemas até de sua própria legitimidade, de sua imagem social. Existem relatos assustadores de promoção de ódio e vingança, com base no sentimento de pertença religiosa. A questão da religião é hoje, como nunca foi, um problema central no processo de construção e formação do Estado moçambicano, de construção e consolidação da Unidade Nacional, do aprofundamento no nosso contrato social.

 

Existe muito interesse, em muitos de nós, em procurar o espírito da tradição para que possamos encontrar o espírito da reconciliação. Isto tem sido parte das subjectivações, quer das nossas classes mais esclarecidas, como do cidadão comum. Será que o diálogo inter-religioso e intra-religioso da paz, irmandade e  reconciliação, ajudaria na difusão dos  valores essenciais dessa narrativa de fraternidade humana?

 

Encerrei a conversa, com os líderes de todas as confissões religiosas ali presentes, regressando aos tempos de infância e adolescência. Passei uma parte da adolescência na cidade de Nampula, convivendo com jovens cristãos e islâmicos. O meu discernimento juvenil jamais encontrou diferenças entre um lado e o outro da fé e espiritualidade.

 

Numa das missas, na S. Catedral, ainda com o Bispo Dom Manuel Vieira Pinto, dei conta de um jovem cujo nome era Omar Momad, que foi chamado para uma das leituras sagradas. Só, anos mais tarde, dei conta do significado desse gesto.

 

Este foi dos exemplos que mais e melhor me remeteu à questão da solidariedade humana e do convívio religioso que perpassa todos os valores e preceitos. Mas foi, também, um ponto de partida e de ruptura, para entender como nos podemos  reconciliar e aniquilar preconceitos, como moçambicanos, e manter os exemplos de convivência religiosa que nos tipificam. Abraçar essa fraternidade como um dos principais factores nas nossas relações.

 

O nosso país tem muito mais conflito e muito mais dissonância entre políticos, do que propriamente entre religiosos. Precisamos de uma nova utopia, de uma moçambitopia, e de um diálogo que nos una, não apenas como moçambicanos, mas como irmãos e pessoas de fé e espiritualidade. A fé africana de Desmond Tutu, que despe de preconceitos e desconfianças. (X)

segunda-feira, 09 maio 2022 14:18

Tanta ladroagem junta!

É tanta ladroagem junta. Tanta, tanta, mesmo. Até parece aquela situação em que tomba um camião gigante transportando um enorme contentor cheio de dinheiro em notas e nós, à nossa maneira africana, esbulhamo-lo. Atiramo-nos a ele, ao contentor, cada um de nós abocanha o que pode e como pode; quem tem bolsos grandes, gigantes, quem tem bolsinhos, quem tem saco ou sacos… enche como pode. Exactaqualmente como quando tomba um camião da 2M cheio, ou uma camioneta cheia de produtos de mercearia. Ė como parece ser a ladroagem que está a ocorrer no nosso país. Ladroagem aos fundos do nosso Estado. Dá a ideia de o gigante camião do nosso Estado ter tombado numa autoestrada que não temos e quem pode apodera-se do que pode… sem regras nem limite!

sexta-feira, 06 maio 2022 07:53

As lições que a COVID-19 nos deixa

MoisesMabunda

Pelos dados de (não) contaminação, (não) internamentos e (não) óbitos, que vão sendo reportados nos últimos quatro a seis meses, tanto internamente no país, como internacionalmente, assim como pelas decisões que diferentes Estados vão tomando pelo mundo fora, comumente de relaxamento das medidas (muitas vezes drásticas) anteriormente tomadas, parece claro que a pandemia do coronavírus está em sentido regressivo - cada vez menos contaminações, menos internamentos e menos ocorrência de óbitos; menos pressão social.

 

Trata-se de um colossal alívio nas nossas mentes, da nossa sociedade e da comunidade mundial em geral, tendo em conta o que se viveu no planeta nos últimos dois anos e meio a três! Nunca nos passara pela cabeça que um dia passaríamos por aquilo que passamos. Melhor, nem tínhamos ideia que tal coisa existisse ou pudesse ser possível no mundo. A nossa geração dos 100 anos de idade - os que têm 110, 100 anos para cá - praticamente não conhece/eu uma verdadeira pandemia como esta que estamos vivenciando, afectando humanos. A gripe espanhola remonta a 1918, cerca de cem anos atrás, tendo tido, segundo relatos, entre 40 a 50 milhões de mortes. Pouco registo tem entre nós em África e particularmente em Moçambique.

 

Na quarta-feira passada, 20 de Abril, foi a vez do Estado moçambicano praticamente relaxar as medidas de segurança que tomara quase desde o início do terror da COVID-19. É, digamos assim, o retomar da vida interrompido em Janeiro/Fevereiro de 2020 que o Presidente Filipe Nyusi proclamou aos moçambicanos, ao levantar o Estado de Calamidade Pública.

 

Não que a terrível doença tenha chegado ao fim, nem pouco mais ou menos! Ninguém autorizado, seja OMS, ou outra instituição especializada com reputação internacional, disse semelhante coisa. Até porque a própria China, a… progenitora da catástrofe, regista numa das suas regiões, estes dias, mais uma onda de ressurgimento da doença, com contaminações crescentes; e na África do Sul há igualmente uma nova espiral de números… esta semana houve relato de mais de quatro mil contaminações num determinado dia. Bastante preocupante ainda!

 

Para trás ficam as muitas más memórias de um pandemônio mundial total. Fica a imensa dor da perda de nossos familiares directos e não directos; a perda de muitos amigos íntimos e não íntimos; a perda de conhecidos e desconhecidos; a perda de vizinhos; a perda de compatriotas, ilustres e não ilustres. Conosco fica, em nossas mãos - e não para trás, esquecido, arquivado - este terrível legado: uma sociedade amputada, meio decapitada, profundamente ferida. Muitas famílias completamente destroçadas, mutiladas; que jamais se reconstituirão da perda de membros queridos. Perdemos uma parte de nós próprios!

 

Não é, esta, nem se pretenda como tal, uma mensagem pós-hecatombe, de consolação depois de uma tragédia. A hecatombe que se abateu sobre nós ainda não pertence ao passado. Amanhã, podemos ser infectados; amanhã, podemos ser encaminhados para uma unidade sanitária. Não devemos, nem podemos e nem estamos autorizados, por enquanto, a considerar esta tragédia como “algo que passou"!

 

Temos, isso sim, que continuar a observar zelosamente todas as medidas que as autoridades de saúde nos recomendam. Observar todas as recomendações que nos deram, dão ou que nos venham a dar. A começar pelas aglomerações sociais.

Evitarmos aglomerações, sobretudo as desnecessárias - mesmo até as necessárias, cerimônias fúnebres, casamentos, aniversários, comemorações e coisas que tais, temos que ver como as fazemos e gerimos. Evitarmos provocar enchentes.

Temos que desafiar o nosso sentido de festa. Para nós, festa é aquela para a qual convidamos todo o mundo, enchente total. Temos que rever esta nossa tradicional forma de fazer festa. Temos igualmente de rever o nosso sentido de ‘colectivo’ - um desafio bastante colossal. É contrário ao espírito da nossa tradição, o comunitarismo. Para nós, a vida é estarmos em colectivo, juntos, bem apertadinhos! Certo. Mas temos que rever. Ou revemos, ou… morremos! Menos sábia é aquela sociedade que não consegue ir-se adaptando às mudanças que a natureza vai impondo.

Temos, igualmente, que tomar como legado algumas das recomendações que temos em mãos. EVITAR O APERTO DE MÃOS! É, também, difícil. Mas é necessário. Muito necessário. Diz o ditado, que nós bem conhecemos, mas olvidamos, que pela boca morre o peixe! O que leva as bactérias à boca não é a própria boca, são as mãos! Muitas vezes, levamos o alimento da mão directamente para a boca e aí… ficamos propensos a sermos contaminados! As mãos! As mãos são a chave de muita coisa: de sucesso, de riqueza, de bem estar; mas também, de insucesso, de fracasso e de… morte!

 

Vamos continuar a abstermo-nos de abraços. Abraços efusivos. Também é difícil para a nossa cultura. Mas é uma questão de optarmos: ou aderimos (abstermo-nos de apertar as mãos, abraçar), ou pomos em risco a nossa própria vida. Dizem os experts que o coronavírus veio para ficar!

 

A máscara. Vamos continuar a pôr a máscara. Como disse o Presidente Nyusi, “a máscara não dói”!

 

É o legado que a COVID-19 nos deixa!

terça-feira, 26 abril 2022 08:46

Em socorro dos empregados de mesa!

Uma das prestimosas lições que o meu falecido pai deixou foi a de que nunca, NUNCA MESMO, devia trabalhar, em qualquer que fosse a circunstância ou empreitada, com uma pessoa esfomeada. Antes de iniciarmos o trabalho, fosse qual fosse a dimensão, recomendava o velho Eugénio que devia procurar saber se a pessoa (ou pessoas) com quem ia trabalhar teriam comido alguma coisa já ou não. Extremamente importante isto, vim a constatar anos mais tarde! Não só nas pequenas empreitadas domésticas, mas também na vida profissional.

 

Não estamos a falar de grandes empreitadas, mas de afazeres domésticos. Muitas vezes, lá em casa rural em Xipadja era necessário ou (re)construir um simples celeiro, ou uma capoeira, um curral; mas, às vezes, era preciso construir ou reconstruir uma palhota mesmo. Era nestas pequenas empreitadas domésticas em que se cingia a recomendação do professor Eugénio. Não estou a falar das empreitadas profissionais… essas foram poucas lá em casa.

 

É que, reza o ensinamento, uma pessoa com fome ou pode perder sentidos e cair e morrer até, ao longo do trabalho, portanto, nas tuas mãos; ou pode cair em cima de ti… causando-te lesões inesperadas e de dimensões incalculáveis; ou, ainda, cair embaixo dos paus, blocos, na cova, consoante o trabalho em execução e haver consequências dramáticas, que até podem ser de perda de vidas; ou, ainda mais, cair com os paus e estes irem em cima de ti… Mas, mais uma possibilidade ainda… sendo seu empregado, ou subordinado, por alguma razão, declarada ou não mas mal resolvida para uma das partes, pode ter uma raiva com o patrão/empregador… e, com fome, mau conselheiro na vida, pode ser mais arrojado, mais suicida… ele tem muito pouco a perder!

 

Esta lição persegue-me a vida toda. Hoje por hoje, para desencadear qualquer que seja um projecto, o mais micro que seja, pessoal, profissional ou outro, olho sempre para os aspectos logísticos, incluindo ou sobretudo o estado físico e emocional dos executores/colaboradores. Não fico bem disposto quando a assistente doméstica lá de casa fica muito tempo sem comer, ainda que seja uma chávena de chá.

 

Vem este arrazoado todo na sequência de uma informação que me chegou aos ouvidos, não me perguntem como… Esta coisa de falar na rádio e televisão tem o que se lhe diga. A tomar o copinho e petisquinho da ordem, em algumas das esquinas da cidade, os empregados de mesa aproveitam-se do reconhecimento que fazem da figura que “fala na rádio e televisão” ali diante delas para pedirem que “fale também da nossa situação”. Situação? - retorqui, atônito, completamente ignorante e completamente impreparado para ouvir tal situação… ou melhor, longe de imaginar que tal pudesse acontecer no século XXI! “Sim, nossa situação” - desafiou sem rodeios o empregado interpelador. Machanganamente. “Trabalhamos oito horas consecutivas e os nossos patrões não nos dão um simples prato de comida. Servimos comida toda a hora a clientes de todas as categorias, mas o nosso patrão não nos dá absolutamente nada para comermos. Os bons cheiros só passam pelas nossas mãos e narinas… Só temos direito a uma chávena de chá e uma arrufada! Imagina… entramos às 7, 8 e vamos até 15, 16 horas, a comer só uma arrufada e uma chávena de chá?"

 

Mama mia! Algo que nunca na vida tinha esperado ouvir. Sobretudo, trazendo comigo a lição de meu falecido pai! Os meus ouvidos foram feitos ouvir esta… (abominável) mensagem… com estas ou outras palavras, em três restaurantes de categoria na cidade de Maputo, CIDADE DE MAPUTO NO SÉCULO XXI. Em surdina e com toda a vigilância, com medo que os patrões ouvissem e lhes pusessem na rua, ou lhes ralhassem desrespeitosamente, me passaram a mensagem.

 

NUNCA MAIS ME REENCONTREI! O QUE APRENDI DE MEU PAI É O CONTRÁRIO!

 

Quero acreditar que esta queixa seja verídica. Não tenho razões para pensar que… os empregados estejam a mentir diante de alguém que “fala na rádio e televisão”. Sei de restaurantes onde os patrões dão um prato de comida aos seus empregados. Mas também sei de outros onde os patrões não dão a comida constante do menu, mas mandam fazer outra à parte e disponibilizam para os empregados de mesa. Menos mal!

 

Agora, que há aqueles outros que, pura e simplesmente, não dão um prato de comida aos empregados... Um prato de comida! Os empregados trabalham sete, oito horas de barriga vazia… o que é uma arrufada e uma chávena de chá? NÃO SABIA E NUNCA TINHA IMAGINADO QUE HOUVESSE EM PLENO SÉCULO XXI! UM PRATO DE COMIDA…

 

Eixxi! Que desumanidade!

 

Já entendo a razão do mau atendimento em muitas casas de pasto. Como podem as pessoas trabalhar com fome? Como podem levar pratos de comida de toda a espécie e tipo de um lado para o outro, da cozinha para os clientes, permanentemente, sete, oito horas, se desde manhã cedo não comeram nada? Como querem os patrões que os empregados de mesa dêem tudo para que a casa tenha mais receita/renda se os serventes estão com fome? Como esperam que os serventes tenham bom humor, riam e sorriam, muita disposição, agradem os clientes com a barriga vazia? Saco vazio fica em pé?… NEVER!

 

Não sei qual é a (i)legalidade desta prática. Se houver alguma ilegalidade… eis o pedido de socorro para que as instituições de direito intervenham. Se não houver nenhuma ilegalidade, fica aqui a denúncia de uma imoralidade com cheiro à monstruosa desumanidade. Não acredito que por darem um prato de comida a meia dúzia (ou a uma dezena) de empregados de mesa deixem de ter lucro!

 

Haja humanismo!

Como para muitas crianças das zonas rurais de então - não sei se digo e de agora também… muita coisa já mudou! - o futebol foi o meu maior divertimento. Jogávamos o nosso xingufu fosse qual fosse o número de jogadores, quatro, seis, oito e por aí… raramente chegávamos a onze onze cada equipa. Campo, não era problema. A Escola Primária de Munhangane tinha pátio bastante. Mas não eram todos os jogos que ocorriam na escola. Muitas vezes, qualquer espaço disponível transformávamos em campo. Um pequeno espaço aberto algures, um caminho mais ou menos largo serviam de campo; e se não tivéssemos isso, inventávamos - tirávamos os arbustos, depois o capim e ficava um espaço baldio; de seguida era só colocar dois caniços ou paus em posições opostas… eram as balizas. Muitas vezes, nem delimitávamos o tamanho do campo, mas não chegava a ser tão grande assim.

 

Depois, era só o esférico a rolar, cada um mostrar as suas abilidades. Ao contrário de outros “esportes”, que precisam de equipamentos especiais, ou condições especiais; o “nosso” futebol era bem mais fácil e prático. Não precisávamos - nem tínhamos - sapatilhas ou botas, os nossos pézinhos serviam de botas;  guarda-redes, depende, se alguém não gostasse de jogar com os pés… e se não houvesse dois, um da equipa contrária tinha que fazer o papel de jogador-guarda-resdes. Árbitro… nada… não havia árbitro ali! Todos nós éramos árbitros, com toda a confusão que isso dava. E o nosso jogo não tinha apenas 90 minutos. Tinha, sim, o nosso tempo disponível. Podia ser uma hora, ou uma manhã inteira, ou mesmo o dia inteiro. Muitas vezes, até sermos chamados em casa para realizarmos alguma tarefa…

 

É assim como em muitos de nós o futebol se tornou “ópio”! Dali, continuamos a jogar em muitas das escolas por onde passamos: Malehice, Xai-Xai, Chókwè e Maputo (Manyanga e Munhuana). Ainda cheguei a federado, mas tive que optar; em Chókwè, pelo CAIL - Complexo Agro Industrial do Limpopo. O CAIL fez furor em Gaza nos princípios dos anos oitenta (1981, 82 e 83), não tendo ganho campeonato provincial porque o Clube de Gaza e o Ferroviário local eram os dominadores. Mas acabou conseguindo o segundo lugar! Chegado a Maputo, ainda tentei ensaiar uma carreira de futebolista… mas não deu. No internato onde ficávamos, Munhuana, a hora de recolha era 18:30, mais tardar 19. Depois disso, fechavam-se as portas. Pus-me ao fresco: desisti do futebol profissional, não tive coragem de ir dizer ao pai que deixara a escola e abraçara o futebol… algo que ele não queria - e eu já sabia que o velho não queria nada com futebóis…!

 

A paixão pelo futebol empurrou a que tivesse uma equipa favorita. Não há nenhum adepto que não tenha uma equipa favorita. Pode omitir, mas no seu íntimo tem uma equipa pela qual torce. E eu acabei torcedor do Sporting Clube de Portugal. Como? Nos principios dos anos setenta, a partir de Munhangane mesmo, algures no distrito de Chibuto. Meu pai não era de futebol. Certo sábado, no seu aparelho de rádio de marca National, no princípio da noite, dão relato de um jogo do Sporting. Aquele devia ser o primeiro relato que eu ouvia já em alguma consciência. Gostei de ouvir o relato do jogo e do Sporting, fiquei maravilhado com o guarda-redes Vítor Damas. E assim ficou a paixão pelo Sporting.

 

Como apreciadores de futebol, ou de qualquer outra modalidade, gostamos de futebol de nível. De muito bom futebol. É assim em todas as modalidades. Gostamos de ver um bom jogo. Polêmica à parte, o futebol europeu é dos mais desenvolvidos que há neste planeta. E assim temos estado a nos deliciar com o futebol europeu ao longo de todos estes tempos, quatro a cinco décadas.

 

Não somos dos tempos em que Eusébio, Coluna, Matateu e outros poucos brilharam nos palcos europeus de futebol. As nossas referências são os nossos hinos Calton Banze, Artur Semedo, Chiquinho Conde, Sergito e Aly. Grandes jogadores que são, não chegaram, no entanto, a grandes emblemas do velho continente. Não tiveram o brilho que Eusėbio, Coluna e Matateu tiveram. Não se lhes proporcionaram oportunidades para exibir todos os seus talentos! Foi pena.

 

E eis que agora nos aparece Reinildo Mandava! Uma bênção. Os jogos da “Champion” eram/são muito apetitosos, víamo-los (vemo-los) com todo o gosto e prazer. Mas os deste ano tiveram um sabor muito especial. Um sabor moçambicano!

 

Obrigado Reinildo Mandava por nos ter feito sentir parte da “Champion Europeu”!

 

Continue a elevar o nome do seu Moçambique!

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