Há 2500 anos Hipócrates disse: “Que o teu alimento seja o teu medicamento”. A OMS define a Saúde como “situação de perfeito bem-estar físico, mental e social”, e doença o inverso, ou seja, “perturbação do bem-estar físico, mental e social”.
Hoje, em meio à pandemia, continuamos ligados à leitura. Lemos de tudo um pouco. Da ficção à falsidade, da política ao desporto e do humor à genialidade. Lemos em diferentes formatos, desde o livro físico ao digital, do audiolivro às mensagens. Ainda assim, os entendidos ajuízam ausência de leituras. Lemos cada vez menos, argumentam.
Redes sociais parecem ter libertado vozes que não encontravam canal de expressão, em outras circunstâncias. São os clamores contra as limitações impostas por editoras, periódicos e jornais. Esses canais sociais vão construindo estes espaços democráticos e menos excludentes.
Mãe Janet Rae Johnson Mondlane, no topo das suas 86 primaveras, continua leitora assídua, tradicional e cibernética. Ao longo do dia, devora centenas de páginas e outras tantas mensagens. Por vezes, ainda encontra espaço para redigir breves comentários. Exorciza seu passado, suas leituras e, amiúde, continua activa, seguindo a essência do planeta e da nossa terra. No centenário de Mondlane, ela poderia e deveria ter sido mais referenciada e mais ouvida. Afinal, a maior companheira de Mondlane, sua confidente e amor eterno, continua com a sua mente lúcida e imaculada.
No passado, pela sua caneta e punhos, publicou O eco da tua voz, que retracta as longas conversas que manteve com Eduardo Mondlane. Quem os conheceu, e com o casal conviveu, sabe das milhares de cartas trocadas, no período de aproximação sentimental e, igualmente, depois de casados e, ainda, durante a luta armada. Eram, particularmente, obstinados por ler e escrever. Passamos, ainda, a conhecer a sua biografia, da autoria de Nadja Manghezi, O meu coração está nas mãos de um negro, aliás, referência obrigatória para os jovens que se interessam pelos contornos da luta de libertação de Moçambique.
No grupo WhatsApp em que ela participa, talvez num conjunto de outros grupos, os membros decidiram iniciar um processo de identificação. Uma forma de ajudar a mãe Janet a reconhecer, de entre familiares e amigos, gente próxima ou distante, aqueles cujos nomes ela ainda poderia associar. Neste exercício, os nomes viraram complementos, na descrição e narrativa, pois, as fotografias, se transformam em sujeitos e predicados. Esta foi uma oportunidade para rever o passado que, para ela, será indefinidamente presente. Um exercício que permite a matriarca do grupo saber com quem fala e responder a todos, simultaneamente.
Entrincheirados nesta quarentena coronária, tem sido um enorme prazer desfrutar dessa mulher missionária, conhecedora de tantas facetas e episódios da luta de libertação nacional, e alguém que teve a responsabilidade de fazer de Eduardo Mondlane, essa figura que a todo mundo impressiona e instiga a pesquisá-lo.
A mãe Janet Mondlane, na modernidade dos algoritmos, nos pregou uma boa rasteira. Estes grupos não costumam ser flor que se cheire. Por lá, circulam centenas de fake news. Até dou razão ao Yuval Noah Harari, pois a conectividade não escolhe idades e, muito menos, gerações, nem selecciona ou distingue o essencial. Mas, a presença da mãe Janet, ajuda a manter algum decoro.
Mas, este exercício foi para lá de sui generis. Tento, numa única foto, expressar minha identidade. Falar da matrilinearidade e dos montes Namúli. Expressar o quanto as nossas escolas carecem dos apoios do Instituto de Moçambique; que as bibliotecas andam despidas do essencial, livros. Nesta foto, também, queria poder falar das jovens mulheres que sentem na pele os desmandos e abusos de quem as deveria proteger. A fotografia precisaria minimizar tudo o que o Covid-19 destapou e revelou, a dureza da carência e da pobreza.
Igualmente, dizer que conheço o quilómetro zero e, que realizamos uma intensa jornada de comícios e visitas históricas a Nwadjahane. Nessa circunstância, ainda me recordo, foram sacrificados bois, para se manterem as tradições. Nesta foto, que também enviei, queria tanto dizer que num dos comícios, quando foi necessário fazer apresentação pública da comitiva, a Nyeleti Mondlane, sua caçula, estava ocupadíssima preparando as iguarias e cozinhados. Chamada para o palco e, sem que tivéssemos dado conta da sua ausência, alguém, bem-humorado, a meio do público, gritou: - “a Cda Vice-ministra está na cozinha”. Uma gargalhada sem limites. Assim será, sempre, esse pequeno lugar, que foi a escola de vida de Eduardo Mondlane.
Neste centenário de Eduardo Mondlane, que não deveria terminar, cada uma das fotos deveria expressar sua gratidão para com o arquitecto, mas, acima de tudo, entender a sua grandiosidade e re-significar a sua morte prematura. Quem sabe, teria sido oportuna a revelação dos contornos do seu assassinato e da perícia policial que determinaria o fatídico 3 de Fevereiro de 1969. Só se passaram 51 anos e parece que a nossa memória colectiva esquece, com facilidade, que a história precisa de ser reescrita.
Com o busto debruçado no parapeito de sua varanda no sexto andar, dona Mafalda vestia uma blusa de linho com alças e uma capulana amarrada à cintura cobria-lhe a parte inferior, toda esta vestimenta era por conta do calor tropical que assaltava a cidade.
Da sua varanda ia caçando uma aragem que não passava enquanto divisava um e outro quadro do filme que a cidade transmitia, carros atolados no asfalto ensopado ou com os capões abertos e radiadores fumegantes, meninas seminuas, sombreiros tentando amortecer os raios solares e proteger seus proprietários.
Olhava ali, via acolá, observava este e aquele entrosando-se com o dia soalheiro esperando que a temperatura logo amainasse.
De relance viu, não acreditou, socorreu-se dos binóculos que guardava na cabeceira e direccionou para a varanda do andar inferior direito, regulou a focagem e viu, o ser que observava movimentou-se. Continuou com os olhos arregalados colados aos binóculos, enrugou mais a testa envelhecida e segurou firme com as mãos caquéticas os binóculos até ter a certeza do que mirava.
-Mamanouu! – gritou ela buscando socorro.
Largou os binóculos que caíram para o chão da varanda.
- Carlos, Carlos – gritou pelo empregado doméstico que prontamente chegou, este levou os binóculos e deu a sua mirada para o ponto que a dona Mafalda indicava.
Depois de uma breve e atenta observação rematou convicto:
- É uma cobra grande sinhora . – conferiu – Muito grande mesmo. – Enfatizou assustado.
Despoletou-se um alarido doméstico comandado pela dona Mafalda e coadjuvado por Carlos que se alastrou pela vizinhança. Moradores mais próximos acudiram aos gritos e logo tomaram conhecimento da existência do inquilino reptil que se refrescava na varanda da casa de Susana.
Um rebuliço arrebatava o prédio e alguns moradores curiosos testemunharam a presença do animal na varada do quinto andar do apartamento ocupado pela dona Susana e sua filhota.
O mais prestativo dos moradores do prédio Monte & Silva, localizado na avenida 24 de Julho em Maputo, tratou logo de usar o seu telemóvel e fazer uma chamada para os serviços de bombeiros.
Os demais desceram e reuniram-se no átrio principal de acesso ao prédio e iniciaram pequenas conferências protagonizado pelos mais loquazes que especulavam sobre o aparecimento do animal.
O bulício ficou momentaneamente suspenso quando a sirene dos serviços dos bombeiros se fez ouvir.
Os bombeiros acompanhados de um especialista veterinário fizeram-se prontamente ao local onde o bicho se encontrava, procuram a todo o custo imobilizar e capturar o animal, mas sem sucesso, acabaram por abatê-la.
Silvino sentiu o segundo baque sacudir-lhe o peito com a chamada que Susana acabara de fazer a propósito do sucedido, o primeiro sentira horas antes.
- Arrumas todas tuas coisas e vai para a casa da tua mãe. – afirmou autoritário Silvino, o seu parceiro.
Susana era a segunda mulher de Silvino, que a sua esposa desconhecia e ele muitas vezes simulava viagens de trabalho para juntos alcovitarem-se no apartamento que alugara para ela. Já tinham uma filha de cinco anos.
Dias depois todos os pertences de Susana foram-na entregues e o apartamento abandonado por completo.
Ela continuava estupefacta e abalada com o sucedido. Vino, como ela tratava o seu parceiro, deixou de dar sinal nem sequer respondia as suas chamadas telefónicas.
Silvino, empresário bem-sucedido da praça, procurava efectuar este e aquele negócio, mas já não era bem-sucedido. Em uma semana os prejuízos acumulados eram na ordem de milhões, teve que se desfazer de alguns bens para suprir despesas pontuais.
A sua depreciação social era já comentada em círculos que ele já não frequentava.
Depois de uma certa ponderação e reflexão, ele decidiu conferenciar telefonicamente com o seu guia espiritual e fornecedor da cobra.
“ Mataram Ansuane” – alertou Silvino
“Já sabia” – conferiu relaxado o inhamessoro. – “Sabes das consequências para voltares aos negócios” – afirmou sereno o homem de contactos sobrenaturais.
Vinculado pela vontade arrebatadora de recuperar seu estatuto social, Silvino vingou o seu desejo e rumou para a terra do macangueiro.
Embarcou num machibombo, depois outro, saindo do sul para o norte do país, chegou finalmente ao destino levado por uma táxi-mota, era já meio da tarde.
No quintal da casa do inhamessoro, uma galinha debicava o chão duro, um bezerro chuchava o seio da progenitora, um galo cantou, Silvino encaminhou-se ao encontro de uma mulher que se abeirava do fogo e mexia uma panela de barro.
“Ele saiu, mas disse para esperar” – conferiu a mulher, oferendo uma cadeira de palha.
Tempos depois a mulher chegou oferendo uma toalha e indicando-o a casa de banho.
“Pode ir tomar banho” – rematou humildemente.
O sol já se tinha posto quando finalmente o dono da casa chegou, cumprimentou o hóspede e desenvolveram um breve paleio informal. Depois este retirou-se para a cabana dos espíritos onde efectuava os rituais. Uma hora se passou quando Silvino foi convidado a preparar-se para entrar.
O inhamessoro estava indumentado a preceito, uma batina de pele de zebra, uma tiara de pele de crocodilo reluzia na sua testa, um grande colar de missangas abraçava-lhe o pescoço.
Quando o cliente entrou encontrou-o sentada na esteira, este mandou tirar a capulana que envolvia seu corpo, ficando Silvino completamente nu. Espargiu-lhe com uma mistura usando um objecto feita na base da cauda de um animal.
Uma hora passou-se entre contactos com falas mediúnicas e interpretações de ossículos e conchas que terminaram com psicografia com os ditos que Silvino devia seguir. A noite já se adentrava quando o ritual terminou.
“ Vais tomar um banho com esta mistura, e depois dormiras aqui nesta cabana” – conferiu por fim o feiticeiro, dando por terminada o ritual.
Já alvorecia quando o galo quebrou o silêncio, uma brisa matinal oferecia frescura e a cacimba afrouxava a visibilidade.
“O táxi já chegou para te levar à paragem, nesta sacola esta o irmão mais novo de “Ansuane””
Ainda meio ensonado Silvino recebeu a encomenda e tratou imediatamente de se preparar para empreender a viagem de regresso.
“Muito obrigado” – afirmou Silvino subindo para o táxi-mota. Não esperou muito para embarcar num autocarro ido de Nampula com destino à Maputo.
Já acomodado no seu assento deu uma vista ao telemóvel e descobriu que estava sem cobertura, logo que se restabeleceu a transmissão com a torre celular, mensagens foram entrando com destaque para a sms de Susana com o seguinte teor “liga urgente” por isso Silvino tratou logo de ligar.
“ Olá tudo bem?” – questionou ele enaltecendo o timbre de voz para superar o som do motor do machibombo.
Ela demorou a responder, soluçou antes de prantear profusamente e quando reuniu forças disse:
“Per, per, demos nossa menina, é é ela se foi” – gaguejou sofridamente
“Tens que ser muito forte Susana” – rematou ele solidário e logo depois o contacto com a torre voltou a perde-se.
Quando entraram nas redondezas da vila da Massinga, o telemóvel voltou a readquirir o sinal e então outras mensagens entram com destaque para uma que dizia:
“ Podemos fechar aquele negócio”
Sorriu e olhou para o saco que o “inhamessoro” o havia entregue, este remexeu-se momentaneamente.
O conceito de Saúde
Saúde é o bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença. Qualquer estratégia de acção em saúde publica não se pode, em tempo de pandemia ou não, restringir a qualquer uma componente isoladamente sob pena de se estar a cometer um erro de elevado impacto. Controvérsias à parte, a actual epidemia do coronavírus coloca uma pressão sobre os órgãos de decisão que excede os limites da normalidade. Entre os perigos da contaminação generalizada e os efeitos nefastos das medidas que se tomem está o grande desafio das autoridades públicas. Um desafio que será tanto mais vitorioso quanto mais se tiver em atenção o conceito de Saúde no seu todo. Em termos objectivos, trata se de tomar medidas que mitiguem ao máximo possível a doença mas preservem a saúde no seu todo.
Apanhados no desconhecido e levados por um pânico à escala global, vimo-nos na contingência de medidas radicais de contenção do vírus que a quase todos pareceram inevitáveis. Fecho de fronteiras, encerramento de escolas, igrejas, ginásios, bares e casas de espectáculos, trabalho rotativo e proibição de ajuntamento. Por outro lado, iniciou se uma intensa campanha de “ficar em casa”, lavar as mãos, usar máscara e manter o distanciamento social. Todas estas medidas, inicialmente previstas no nosso imaginário por serem de curta duração, foram acompanhadas de um avassalador bombardeamento de informações que variaram entre as que anunciavam o perigo, a catástrofe e até mesmo o apocalipse. Os meses correram e o anunciado, pelo menos ainda, não aconteceu em Moçambique. O País tem flutuações semanais no número de infecções detectadas, e poucos casos hospitalares. Os dados dos estudos serológicos em Nampula e Pemba sugerem a existência de um elevado número de pessoas que já tiveram contacto com o vírus mas muito poucos a requerem cuidados hospitalares. Um cenário que surpreende e cujas causas são por enquanto do domínio das hipóteses e especulações.
Alguns enunciados que vaticinaram uma baixa taxa de complicações clínicas apostavam em vários tipos de explicações lógico-cientificas, nomeadamente em indicadores que relativamente aos países com taxas de morbilidade e mortalidade elevada nos colocavam em vantagem. Entre outros destacam-se a baixa média etária, a menor densidade populacional, a alimentação natural, os resultados indirectos de uma medicina preventiva histórica e o facto de os nossos mais velhos serem poucos e, na ausência de cuidados médicos avançados, se constituírem por uma população de sobreviventes, e por isso mais resistentes. Mais do que arriscar explicações sobre a relativa baixa taxa de doença (não de infecções porque essas já são elevadas), importa reflectir sobre o efeito das medidas num contexto de um conceito abrangente de Saúde, ou seja, no bem-estar físico, mental e social além da ausência de doença.
Os factores que afectam o estado de saúde são múltiplos e complexos. Importa, no contexto da pandemia actual, verificar como as medidas tomadas podem conduzir a uma protecção à contaminação por coronavírus sem provocar uma ruptura com o estado geral de Saúde. Para o efeito, seleccionámos alguns dos que são simultaneamente determinantes no estado de saúde e podem ser afectados pelas medidas relativas à contenção da pandemia, nomeadamente, a ansiedade, a actividade física, a nutrição e a utilização dos serviços de saúde. Todos eles, de diversas formas, são directamente dependentes de um quinto factor, o do rendimento familiar. Procuraremos analisar em que medida cada uma das medidas, e no seu conjunto, afectaram os “factores determinantes de saúde”.
Ansiedade
A ansiedade é reconhecida inequivocamente como tendo um elevado impacto na saúde e bem-estar. A prática do culto religioso e a cerimónia em forma de “festa” constituem elementos essenciais dos hábitos culturais. Casamentos, baptizados, festas de aniversário e outros tipos de rituais fazem parte do quotidiano e cumprem um papel de equilíbrio individual e social de elevada importância. Uma boa parte do stress dos cidadãos é também “tratado” no convívio das discotecas, bares e barracas, nos espectáculos, na música dos restaurantes, nos ginásios, clubes desportivos e pratica desportiva informal nas escolas e bairros. O encerramento de todas estas actividades não pode deixar de contribuir para a elevação dos níveis de ansiedade, fonte das mais variadas sensações mal-estar, insónia, hipertensão, dores de cabeça, irritação entre outras. A perseguição policial a crianças e jovens que jogam futebol é aceite pelo pânico criado em torno do COVID19, mas tem efeitos catastróficos na saúde, bem-estar e tem um impacto comprovadamente nefasto no seu desenvolvimento harmonioso.
Particular lugar de realce na elevação da ansiedade está a propagação do medo. Propositado ou não, assiste se um permanente ecoar de notícias que colocam as pessoas em pânico. A utilização de números estatísticos das mais diferentes formas quase que 24 horas por dia para “consciencializar” as pessoas e induzi-las a cumprir as regras elevam os níveis de ansiedade. A imagem da catástrofe tem sido preferencial sobre a sensibilização, justificada habitualmente pela ausência de cumprimento voluntário das medidas. Em síntese, tudo concorre para uma elevada taxa de ansiedade que, porque se torna um estado permanente, tem incidência na nossa sensação de bem-estar e consequentemente agravam a dimensão das doenças crónicas.
Actividade Física e Nutrição
É sabido que inactividade e a má nutrição constituem factores de impacto negativo na saúde em particular nos factores de risco de doença cardiovascular como sejam a obesidade, hipertensão ou diabetes. Num estudo sobre os efeitos do estado de emergência feito em Maputo e Matola ao fim de um mês de estado de emergência, a redução na prática de actividade física era já de 30% e da ingestão de vegetais e frutas de 27 e 11%,respectivamente. Embora não existam dados empíricos é de estimar que o impacto negativo na saúde metabólica ao final de 4 meses seja relevante. Para nos protegermos do coronavírus aumentamos o risco de muitas outras doenças que são potencializadas pela inactividade física e má nutrição. As coisas ficam ainda mais preocupantes quando existem dados já publicados que mostram que a sobrevivência em pessoas internadas nos cuidados intensivos por COVID-19 é várias vezes menor em pessoas obesas que em indivíduos com peso normal. O prolongar das limitações à actividade física e a uma boa nutrição trará consigo, adivinha-se, um resultado pouco favorecedor no capítulo das doenças crónicas não transmissíveis.
Rendimento familiar
No estudo realizado em Maputo e Matola que referimos anteriormente, mais de metade das pessoas inquiridas já tinham visto seu rendimento familiar afectado. Perca de emprego, redução de salários, suspensão das actividades de que sobrevivem e diminuição de clientes estavam entre as razões principais. Outros estudos em vários pontos do país têm demonstrado o mesmo efeito. Não é preciso fazer se nenhuma investigação para se aceitar que a redução do rendimento familiar, que muitas vezes se faz ao nível da sobrevivência, terá um enorme impacto na saúde das pessoas. Em nome da protecção ao coronavírus estamos a aumentar os níveis de pobreza que só podem afectar o bem estar seja físico, mental ou social. Se a situação da nossa segurança alimentar se apresenta, mesmo sem pandemia, numa condição preocupante, não é difícil estimar se um agravamento considerável com consequências, essas sim, catastróficas.
Utilização dos serviços de saúde
Parece consensual que a existência de um Serviço Nacional de Saúde público e gratuito tem sido fundamental na prevenção e tratamento de múltiplas doenças. Ao longo de várias décadas foram realizadas várias campanhas para que as pessoas recorram aos serviços de saúde, incluindo a programas preventivos de vacinação, consultas pré-natais e tratamento de doenças endémicas. Paradoxalmente, logo no inicio da pandemia, entidades e pessoal dos serviços de saúde fizeram um apelo generalizado para que as pessoas não recorram aos serviços de saúde sem ser por motivos extremos. Criou se também a ideia generalizada que estas unidades são um foco de transmissão do coronavírus pelo que muitas pessoas desenvolveram medo de recorrer aos serviços de sáude. Não há dados objectivos sobre o impacto deste fenómeno, mas é expectável que os cuidados preventivos e curativos necessários para um grande número de doenças tenham reduzido, o que não pode com certeza ter um impacto positivo no nosso estado de saúde. Esquecer o quadro geral dos nossos cuidados de saúde porque estamos com pânico de uma doença especifica pode ser mais arriscado que a doença em si.
O encerramento das escolas
Cabe, finalmente, uma nota particular sobre o encerramento das escolas por mais de 4 meses, até ao momento, decisão que justificada pela pandemia e assunto que muito tem sido debatido a todos os níveis. A colocação do assunto em termos de perca de ano afasta a temática do que é a essência do processo educativo. Atrasar ou não atrasar um ano pouco efeito terá no processo. Mas ficar sem socializar, brincar, jogar, trocar ideias e enfrentar as dificuldades do relacionamento social pode criar traumas físicos, mentais e socais (ou seja de saúde) irrecuperáveis quando se tratam de seres em processos de desenvolvimento. A educação de uma criança não se adia, ela é um processo constante esteja ela onde estiver. A suspensão das aulas terá um preço irreparável tanto quanto mais longo for o período. Mesmo que aceitemos que a proibição das crianças brincarem seja protector dum vírus, que nem sequer lhes é letal, tem como consequência a suspensão do processo de desenvolvimento que não se recupera mais á frente. O acto de sair à rua, jogar e socializar faz parte da essência sócio biológica infantil e juvenil. Até ao que se sabe nos dias de hoje, o trauma de proibir essa camada populacional de socializar e jogar parece ser muito maior que os riscos de se infectar por coronavírus.
Conclusão
O pânico irracional e a exacerbação do medo não podem ser as soluções para um assunto tão sério como uma pandemia. A ausência de uma visão global (a que chama holística) do ser humano e da sociedade no seu todo pode nos levar a enveredar por caminhos que causarão mais problemas. Impõe-se uma atitude balanceada que de facto proteja a Saúde e o bem-estar da população. O quadro da pandemia tem nos sido relativamente favorável até agora, mas temos incerteza sobre o que nos espera nos próximos meses. Provavelmente o alivio de algumas medidas possam aumentar o numero de casos que tem de ser monitorados não tanto em função de pessoas infectadas mas dos efeitos maléficos que possam provocar. Por isso, temos de ter cuidados que, no entanto, não podem ser desequilibrados e provocar outras pandemias provocadas pela ansiedade, inactividade, má alimentação, falta de cuidados médicos e pobreza, essa outra pandemia que se arrasta por séculos e não parece ter muita atenção. Temos de nos proteger do Coronavírus e preservar a Saúde. Mas Saúde é o bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de COVID-19.
Um projéctil voava a uma velocidade de 715 m/s, fuzilando o ar no percurso que efectuava em direcção ao alvo, que devia estar a trinta metros de distância.
Os populares das redondezas, alarmados com o som do fuzil, procuravam averiguar o que estava a acontecer.
Um agente da lei, devidamente uniformizado e empunhando uma AK 47, seguia no encalço de um civil que já se distanciava notavelmente. O polícia, quando viu que não alcançaria o exímio corredor, decidiu disparar o segundo tiro.
A competição, disputada numa pista de pavê, teve início no mercado da Munhava e era executada por dois indivíduos, um seguia na dianteira e outro vinha no seu encalço.
O som do balázio serviu de estímulo para o corredor de vanguarda acelerar o passo e alcançar a Escola Primária Completa Amílcar Cabral, e aqui se perdeu na multidão.
A bala ricocheteou na plataforma de um camião e perdeu a direcção inicial, seguindo um percurso incerto.
Estafado, o corredor perdedor desistiu. Ofegante, buscou descanso no chão de argamassa da loja de um comerciante indiano.
O tiro parou no corpo de um menino que voltava da escola. Antes de soltar o segundo gemido, o corpo do miúdo caiu no chão de pavê, e o sangue que jorrava do seu peito avermelhou o livro de Português da 5ªclasse.
O primeiro popular chegou e testemunhou a partida do menino. Em pouco tempo, outras pessoas se juntaram para lamuriar o fatídico incidente.
Inquiridores descontentes desencadearam uma pequena sublevação, iniciando buscas para apurar a causa da morte do menino, que era aluno da Escola Primária Completa Amílcar Cabral.
Encontraram o polícia homicida e iniciaram as averiguações.
“Foi um acidente” – protestou o agente da lei
“Acidentii, estamos fartos de vocês” – imperou a voz de uma senhora.
A segunda razão apresentada pelo polícia para justificar o balázio mortal foi rematada com as costas das mãos de uma senhora, a cara do homem movimentou-se da esquerda para direita.
“Agredir um agente da autoridade é punível por lei” – determinou o homem de uniforme.
Outra bofetada voou e a cara do polícia Constantino balançou outra vez. Quando sentiu o caso mal parado, empunhou a sua arma, criando ainda mais a fúria dos moradores, que o espancavam por todo lado. Um ex-guerrilheiro desmontou prontamente a AK 47 e as peças do artefacto mortífero ficaram expostas no chão.
“Esse uniforme não serve para nos humilhar, torturar e matar” – discursou um morador.
Uma mão forte arrancou-lhe a camisa, deixando-o mais a merce da justiça popular.
Dois pilotos voltavam da “bacia”, depois brincadeiras acrobáticas junto à margem do sistema de drenagem das águas pluviais montadas pelo município. Vinham empurrando pneus com ajuda de dois paus.
Em nome da nova justiça social, um dos pneus foi confiscado para ser colocado no pescoço do polícia, que já tinha sido amarrado a um poste de corrente eléctrica. Tentaram incendiar o pneu, mas não conseguiram. O petróleo doado por um comerciante anónimo não serviu para iniciar a fogueira.
Um txopelista animado, que passava pelo local transportando um passageiro, parou e decidiu prontamente ceder uns mililitros de gasolina que tinha como reserva.
Longas labaredas envolveram o corpo do homicida, populares ululavam ante o espectáculo macabro.
Marejado de lagrimas, o larápio testemunhava o aniquilamento do agente da lei, jurou que jamais voltaria a surripiar.
A imprensa popular documentava o facto, fotografando e escrevendo sobre o que sucedia e difundindo nas redes sociais.
O corpo do menino continuava no chão coberto por uma capulana, as páginas do livro de Português ensanguentado esvoaçavam ante o vento leve que soprava nessa tarde de Quinta-feira.
“Afinal” é um advérbio usado em conclusão e resume, entre outras, por exemplo, impaciência, indignação, surpresa e até resignação. (1)
Muito se tem dito sobre nós, África, em diferentes momentos, por diferentes “civilizações”, porém, os ex-donos do mundo são os que disseram e dizem pior sobre África e africanos, de forma geral, sobre o Hemisfério Sul.
Não nos surpreende essa atitude porque esses mesmos pretensos civilizados estavam entre os povos atrasados do Globo, na Idade Média, normalmente tratados como bárbaros.
Foram estes bárbaros que protagonizaram as Cruzadas, a Inquisição, a devastadora Guerra dos 30 anos, as Guerras Mundiais, o Holocausto, a Colonização, etc., etc.
COVID-19 é uma pandemia centenária. Veio fazer o ajuste à realidade entre os humanos e a natureza e, neste processo, descobrimos que:
Amade Camal