O CEO e presidente executivo da Câmara Africana de Energia, NJ Ayuk, defendeu o desenvolvimento de recursos de gás natural em Moçambique para fazer crescer a economia do país
MAPUTO, Moçambique, 21 de outubro 2020/ -- Por Florival Mucave, Presidente Executivo, Câmara de Petróleo e Gás de Moçambique
Já há demasiado tempo que as descrições que se fazem de Moçambique contêm alguma variação do seguinte: Moçambique, um dos países menos desenvolvidos e mais pobres do mundo, enfrenta secas endémicas, inundações e pobreza generalizada.
Mas hoje estamos mais perto do que nunca de mudar essa narrativa, de sermos capazes de dizer: Ao gerir estrategicamente os seus vastos recursos de gás natural, monetizando-os e aproveitando-os para industrializar a nação e desenvolver o sector privado em todo o país, Moçambique está a entrar numa nova era de crescimento económico generalizado e de estabilidade.
Infelizmente, nem todos concordam com esta visão. Uma série de organizações ambientais argumentam que os benefícios da produção de gás natural em Moçambique são insignificantes e não compensam os custos ambientais.
No mês passado, o CEO e presidente executivo da Câmara Africana de Energia, NJ Ayuk, defendeu o desenvolvimento de recursos de gás natural em Moçambique para fazer crescer a economia do país. Ele criticou alguns grupos ambientalistas - a associação Friends of the Earth com sede no Reino Unido em particular - por tentarem interferir na promessa de financiamento de mil milhões de dólares do governo do Reino Unido para o Projeto de Gás Natural Liquefeito (GNL) da Total em Moçambique. (A agência de crédito para exportação UK Export Finance, concordou em contribuir com financiamento devido ao potencial do projeto para transformar o orçamento estatal de Moçambique e criar empregos no Reino Unido.)
Pouco depois de Ayuk lançar o seu artigo, a jornalista Ilham Rawoot, que trabalha para a Friends of the Earth Moçambique (Justiça Ambiental) e é a coordenadora da organização da campanha No to Gas!, respondeu com um artigo de opinião igualmente apaixonado opondo-se à sua posição. Ela questionou o comentário do Sr. Ayuk sobre a interferência dos ambientalistas e as suas opiniões sobre os benefícios potenciais do GNL, e afirmou que Moçambique estaria melhor sem a produção de gás natural ou projectos de GNL.
Eu respeito o direito da Sra. Rawoot de expressar as suas opiniões sobre África ou qualquer outro assunto.
Só desejo que ela, e outros que pretendam dizer “não ao gás” em Moçambique, possam começar por fazer uma análise aprofundada sobre os prós e os contras de Moçambique desenvolver as suas vastas reservas de gás natural, que considerem os efeitos colaterais e multiplicadores em termos de desenvolvimento socioeconómico, desde a formação e capacitação, emprego, receitas do governo, industrialização, passando pela utilização do gás doméstico e segurança energética. A produção de gás natural representa verdadeiramente uma oportunidade para os moçambicanos e existem razões sólidas para acreditar que Moçambique pode dar os passos necessários para colher benefícios significativos dos três projectos de GNL que aqui estão a ser desenvolvidos: o projecto de GNL da Total, avaliado em 23 mil milhões de dólares; o projeto Rovuma liderado pela ExxonMobil avaliado em 23,9 mil milhões de dólares; e o projeto Coral Floating LNG de 4,7 mil milhões de dólares. Mas não apenas isso, eu já testemunhei o impacto positivo das indústrias de gás natural noutras regiões, de Trinidad e Tobago, ao Qatar, à Nigéria, à Austrália, à Noruega e nos Estados Unidos da América. Estas são algumas das razões pelas quais estou confiante quando digo que os moçambicanos podem mudar a trajectória do nosso país para melhor: Podemos transformar a nossa realidade e deixarmos de ser pobres apesar dos nossos recursos, para passarmos a prosperar por causa deles.
Precisamos desta oportunidade
Do meu ponto de vista, devemos abraçar a indústria do gás natural de Moçambique e os projectos de GNL, acima de tudo porque existem evidências empíricas que demonstram que em Moçambique, os benefícios tangíveis resultantes dos projectos de GNL superam de longe qualquer impacto negativo. Actualmente, as oportunidades económicas em Moçambique são mínimas e a produção de gás natural tem o potencial de satisfazer simultaneamente várias necessidades prementes: criar emprego, capacitar, diversificar a economia, dar acesso à energia e, acima de tudo, reduzir a pobreza.
Para ter um desenvolvimento económico sustentável, através da industrialização, Moçambique precisa de expandir o acesso à electricidade. A Lei Moçambicana do Petróleo 21/2014, afirma que “Os recursos petrolíferos são ativos cuja exploração adequada pode contribuir significativamente para o desenvolvimento nacional”. Esta posição também encontra eco no Plano Director de Gás de Moçambique, que sugere que o Governo de Moçambique deve desenvolver os recursos naturais de forma a maximizar os benefícios para a sociedade moçambicana, de forma a melhorar a qualidade de vida do povo moçambicano, minimizando os impactos sociais e ambientais adversos.
Muitas das nossas dificuldades em Moçambique estão enraizadas na falta crónica de acesso fiável à eletricidade: Apenas 29% da nossa população tem acesso a energia. Para fazer face a este acesso limitado à energia por parte dos moçambicanos, a Lei do Petróleo 21/2014, incorpora uma cláusula sobre o gás doméstico, segundo a qual 25% do gás natural produzido em Moçambique deve ser utilizado no mercado interno. Como resultado das obrigações de gás doméstico, estamos a começar a ver novos investimentos consideráveis em projetos de Gas-To-Power em Moçambique, como o Projeto Ressano Garcia CTRG, o projeto de Kuvaninga, o Projeto de Eletricidade Regional de Temane, que deverá começar em breve e que incluirá uma central eléctrica a gás de 400 megawatts, e a planta elétrica de 250 megawatts planeada para o distrito de Nacala, que funcionará com gás da Bacia do Rovuma, em Moçambique.
Mantenha em Mente a Estratégia de Longo Prazo
No seu artigo de opinião, a Sra. Rawoot afirma que poucos dos trabalhos de construção envolvidos na planta de GNL da Total foram para empresas locais, e ela está correcta. Mas, para que sejamos justos, temos de reconhecer que a indústria de GNL em Moçambique está na sua infância e ainda não temos mão de obra treinada capaz de participar na indústria de petróleo e gás. Por muito que adorássemos ter uma maioria de 70% de moçambicanos a construir tudo, ainda precisamos de empresas internacionais com as capacidades necessárias para fazer o trabalho dentro do prazo e do orçamento. A capacitação está a avançar, mas a experiência e o know-how técnico ainda não estão ao nível necessário. No entanto, isso não significa que devemos bloquear os projetos. Temos de avançar e, ao mesmo tempo, trabalhar na construção de leis de conteúdo local que promovam a participação inclusiva dos moçambicanos na indústria de petróleo e gás. Espero ver a comunidade ambientalista ocidental a apoiar esses esforços. A sua pode ser uma voz poderosa e influente na defesa da importância de uma política de conteúdo local que promova a participação inclusiva e sustentável dos moçambicanos nos projetos de petróleo e gás.
Quando a Câmara de Petróleo e Gás de Moçambique e a Câmara Africana de Energia falam sobre a criação de empregos a partir de projetos de GNL, não estamos a referir-nos simplesmente a empregos na área da construção. Estamos também a falar de empregos de topo e altamente qualificados nas centrais quando estas estiverem operacionais, empregos em empresas locais contratadas pelas centrais e também empregos criados à medida que Moçambique aproveita a sua indústria de gás natural para industrializar a sua economia.
O Gás é só o começo!
A indústria do turismo na África Austral estava a crescer exponencialmente antes da Covid-19 e voltará a crescer após a pandemia. O gás natural de Moçambique pode ser um catalisador para o crescimento da indústria do turismo. O Governo de Moçambique tem o turismo como um dos seus pilares económicos e embora a indústria do turismo tenha sido gravemente afectada pelos ciclones e pela Covid-19, o seu grande potencial permanece inexplorado.
Apesar do seu grande potencial, a indústria do turismo de Moçambique não será capaz de crescer e florescer sem uma rede eléctrica fiável. Mesmo com as nossas praias paradisíacas e algumas das ilhas mais bonitas do mundo, serão poucos os turistas que virão se não tivermos acesso fiável a energia. Queremos que os turistas possam desfrutar do nosso belo país e queremos um setor de turismo dinâmico que contribua para o crescimento económico de longo prazo e a criação de empregos. Para conseguir isso, precisamos de energia fiável, precisamos de infraestrutura. Moçambique pode conseguir tudo isso com a produção e as receitas que vêm do GNL.
O Impacto da Produção de Gás Natural na Indústria Agrícola de Moçambique
No seu plano económico a cinco anos, o Governo de Moçambique indicou a agricultura como a sua principal prioridade. Atualmente, quase 80% da nossa população trabalha no setor agrícola, que gera cerca de 25% do nosso PIB. No entanto, devido aos baixos níveis de produtividade, muitos dos nossos agricultores ainda vivem na pobreza extrema. Mas isto pode mudar. Simplesmente usando fertilizantes, os agricultores podem aumentar o seu rendimento em quase 40%. Embora os fertilizantes importados sejam muito caros para a maioria dos nossos agricultores, Moçambique pode criar uma opção mais acessível. Ao construir infra-estruturas para transformar gás natural em fertilizantes à base de azoto, Moçambique não só ajudaria os seus agricultores, mas também criaria oportunidades de emprego locais. Moçambique pode reduzir significativamente as suas importações de produtos agrícolas da África do Sul e tornar-se uma fonte acessível de alimentos para consumo interno.
A monetização do gás natural é viável
Compreendo porque é que alguns são céticos quanto à capacidade e determinação de Moçambique para gerir as receitas do GNL de uma forma que beneficia a nossa população. É verdade: a indústria do petróleo e do gás nem sempre foi boa para o povo de África. Nós vimos a nossa cota-parte de governos corruptos e rentistas no continente africano. Também vimos o impacto da maldição dos recursos, mesmo da maldição pré-recursos. É por isso que a Câmara de Petróleo e Gás de Moçambique, o Sr. Ayuk, a Câmara Africana de Energia e outras organizações africanas de petróleo e gás estão a trabalhar em conjunto para mudar a narrativa sombria da indústria de petróleo e gás em África. Somos novas vozes africanas na indústria, dedicadas à transparência, à boa governança, ao crescimento económico e ao desenvolvimento sustentável.
Estou certo de que Moçambique pode beneficiar das dolorosas lições que alguns países africanos produtores de petróleo aprenderam até agora, desde políticas desastrosas até à diversificação bem sucedida das suas economias. Também podemos aprender com exemplos positivos, como a ilha-gémea de Trinidad e Tobago, que, como Moçambique, possui reservas consideráveis de gás natural. Iniciativas governamentais em Trinidad e Tobago levaram a investimentos estrangeiros significativos em projetos de downstream de gás. E isso, por sua vez, gerou uma maior atividade nos setores de construção, distribuição, transporte e manufactura.
Olhando para as emissões em proporção
Naturalmente, proteger o meio ambiente é uma grande preocupação para a Sra. Rawoot, a Justiça Ambiental e organizações semelhantes - e é muito importante para nós.
Espera-se que o consumo de eletricidade a nível global aumente 70% até 2035, com a geração eléctrica à base de gás quase a duplicar para responder a esse aumento. Também se espera que a participação do gás natural na matriz energética global seja maior do que a do carvão e do petróleo até 2035.
O crescimento projectado para o setor da energia deve levar em consideração as crescentes preocupações em relação às mudanças climáticas. Porém, o combate eficaz às mudanças climáticas não deve entrar em conflito com o progresso humano e a redução da pobreza.
No que diz respeito ao gás natural, a sua influência na redução das emissões de dióxido de carbono (CO2) é significativo, visto que o gás natural com menor teor de carbono padrão de 15,3 Kg / GJ, é uma opção mais limpa em relação ao carvão (25,8 Kg / GJ) e ao petróleo bruto (20 Kg / GJ). O gás natural é de facto uma opção para cumprir as metas de emissões industriais. Por outras palavras, o gás natural é um combustível de transição, pois fornece uma alternativa energética de baixo carbono em comparação com outros combustíveis fósseis.
E quanto ao impacto ambiental potencial do uso de gás natural para gerar energia em África?
Estima-se que, se triplicarmos o consumo de eletricidade na África Subsaariana, tudo com gás natural, produziremos o equivalente a 0,62% das emissões globais anuais - menos do que o aumento global médio anual na última década.
Em Moçambique, dada a nossa propensão natural para ciclones e outras catástrofes naturais, proteger os nossos habitats naturais e a vida selvagem, bem como manter o planeta saudável para as gerações futuras, tem sido uma prioridade e continuará a ser. No entanto, em vez de descartar projetos de GNL, devemos trabalhar juntos para encontrar uma maneira de desenvolvê-los de maneira ambientalmente responsável.
Os Moçambicanos têm uma palavra a dizer no Processo de Relocalização de Afungi
No seu artigo de opinião, a Sra. Rawoot argumenta que a planta de GNL da Total não representa apenas uma ameaça ambiental, mas também uma ameaça para as pessoas e comunidades locais. A Total, ela escreve, retirou os lares a 556 famílias para construir o seu projeto da central de GNL e não as compensou de forma justa. Essas alegações são infundadas. Este é um assunto que foi amplamente discutido entre a sociedade civil e o Governo moçambicano. Atualmente, o governo está envolvido em conversas produtivas com cidadãos e empresas sobre o assunto. Além disso, as empresas de petróleo e gás em Moçambique têm sido muito sensíveis às questões que afetam as comunidades e têm incentivado as comunidades a serem ativas no processo de aquisição de terras, um processo que inclui relocalização, compensação, restauro de meios de subsistência e a criação de um fundo de desenvolvimento comunitário para comunidades afetadas pelo processo. Além disso, por meio de uma organização não governamental (ONG), foi prestada assistência jurídica às famílias que assinaram acordos de compensação e relocalização.
Vamos remover um motivador de violência
Não vou negar o ponto da Sra. Rawoot de que Moçambique tem conflitos, incluindo conflitos armados e ataques terroristas. A insurgência em Cabo-Delgado é um facto e não existe uma solução simples para este dilema. No entanto, acredito que o nosso governo em parceria com a sociedade civil e a comunidade internacional chegará a uma solução pacífica duradoura, condição sine qua non para a exploração viável do gás natural em Cabo-Delgado.
Também concordo com o jornalista Oscar Kimanuka, do Ruanda, que observou recentemente que o desemprego no norte de Moçambique pode ser um fator chave para os jovens se juntarem aos extremistas.
Parece lógico, então, que a criação de oportunidades de emprego poderia, pelo menos, tornar mais difícil para grupos militantes extremistas e terroristas recrutar os nossos jovens. Portanto, aproveitar os nossos recursos de gás natural para fazer a nossa economia crescer é uma solução sustentável.
Os moçambicanos merecem a chance de se ajudarem
Eu entendo que Moçambique tem a sua cota-parte de desafios complexos e o gás natural não é uma solução perfeita. Ao mesmo tempo, é absurdo que a Sra. Rawoot sugira que Moçambique deva comprometer um investimento projectado em GNL de aproximadamente 55 mil milhões de dólares, equivalente a quatro vezes o tamanho do PIB do país, e renunciar às receitas do Governo nos próximos 25 anos que se estima irão aumentar em 4-5 mil milhões de dólares por ano.
Moçambique não pode dar-se ao luxo de continuar a ser um país onde o orçamento do nosso Governo depende da boa vontade de dadores internacionais. Queremos que os moçambicanos tenham a dignidade do trabalho e da construção de uma nação inclusiva e respeitável. Aproveitar o gás natural para lidar com a redução da pobreza é uma solução adequada.
Uma mulher nua caminha trôpega pela estrada e é acossada à paulada por soldados armados até aos dentes. Ela tem o ventre inchado e as mamas descaídas quando se dobra para se defender das impenitentes vergastadas. Batem-na violentamente e ela é traída pelo esfíncter e um jacto de fezes, quase impercebível, quando atalha fora do asfalto. Continuam a batê-la e mandam-na voltar para a estrada. Os próprios soldados filmam a cena. A mulher não tem como defender-se e volta à estrada. Um deles dispara e ela cai. Os outros metralham-na, seguidamente. Impiedosamente. Cada um deles vomita tiros sobre a mulher caída no asfalto. Mesmo quando persuadidos há ainda disparos sobre a mulher morta. Quantos tiros? Impossível contar. São rajadas esfuziantes. O vídeo é rápido e a cena demasiadamente chocante. Abandonam o cadáver e exultam, ufanos: “Matámos o Al Shabab!” Um deles faz um V, de vitória, com os dedos e aparece em primeiro plano no vídeo. Dizem impropérios enquanto se afastam. Vejo isto e estou incrédulo. Não consigo pensar. Tenho náuseas. Não entro na discussão sobre quem são verdadeiramente aqueles homens. O que está em causa aqui é a barbárie, sejam eles quem forem. Não pode haver justificação para isto. Para uma execução intrémula. Para esta personificação do mal. É isso que nós estamos a viver e muitos de nós continuamos sem perceber. Estamos costas voltadas. Não nos apercebemos de nada? Aqui está a barbárie no seu esplendor. Para os incautos, relembro a sinonímia. Barbárie significa: selvajaria, incivilidade, bestialidade, estupidez, ignorância, crueldade, atraso.
País ainda jovem mas cheio de história para contar entre algozes feitos de um passado heroico, a elevada expectativa do pós independência e a afirmação do multi-partidarismo.
Com a proclamação da independência de Moçambique a 25 de Junho de 1975, pelo então Presidente Samora Moisés Machel, uma nova página abriu-se para o país. Uma nova página que marcara o fim de anos de uma história de colonização e ocupação efectiva que até hoje apresenta marcas directas nos colonizados e indirectas nas gerações que se seguiram.
Uma geração tomou as rédeas da revolução, encabeçou as fileiras da guerra contra o colonialismo, abandonou suas famílias e juntou-se aos movimentos libertadores, aos treinos militares dentro e fora do país e fez das tripas-coração nos campos de batalha e conquistou a ferros a independência. Esta geração de jovens movidos pelo amor a pátria, pela disciplina da época, pela vontade de ser livre do jugo colonial, e pelo alto sentido de direito a auto-determinação. É uma geração que herdou os mais nobres ideais pan-africanos que eu chamo de independentista e libertadora.
O paradigma dominante nas décadas 50 e 60 do século XX, era sem dúvida o paradigma da libertação e das independências. A geração independentista que na sua larga maioria incorporou as fileiras do partido que comanda os destinos políticos do país; foi uma geração que de forma abnegada amou e serviu o país em tempos austeros; uma geração que camuflava suas ambições políticas e que nunca deixara que estas minassem o objectivo primário da luta de libertação. Porém, mais tarde veio a reclamar os louros da juventude emprestada ao serviço do país e da nação moçambicana. Realizou os sonhos de muitos heróis que tombaram na luta pela independência de Moçambique, e trouxe um fulgor e uma expectativa em relação ao que poderia ser o futuro.
O seu maior legado foi a abnegação e a entrega. O seu maior pecado veio a revelar-se nos erros advindos da falta de preparo para lidar com a realidade complexa do novo país nascido da luta de libertação e fragmentando em termos de unidade nacional. Um país diga-se sedento de se autogovernar e ávido pela autodeterminação. O fim da longa noite escura que foi a árdua luta pela independência significou muito para esta geração e não só, para o país no geral.
A geração independentista viveu um dos períodos mais desafiantes da nossa ainda incipiente história. A independência trouxera a substituição da máquina colonial portuguesa pela máquina estatal moçambicana, e diga-se ao abono da verdade, a geração fê-lo com num típico learning by doing. Mas como nenhum percurso é imaculado, cedo começaram as pequenas guerras de negação do outro e de toda a forma de pensar diferente; a luta pelo poder, a ambição e a sede por regalias e de uma maior influência no xadrez político e minaram o processo recém iniciado.
Seguiu-se a segunda geração que nasce, cresce floresce num ambiente de miscelânea entre a expectativa do pós independência depois da azafama épica vivida no estádio da Machava com a proclamação da a independência total e completa de Moçambique e os reais desafios da edificação primeiro da nação e depois do país. A segunda geração é filha ideológica da geração independentista e viveu a chamada atmosfera samoriana, bebeu os ideais proclamados pelo grande Marechal, seguiu os movimentos do associativismo e directivas do partido, a disciplina, o respeito da época, que tinha aparentemente tudo para singrar. Uma geração que experimentou em muito pouco tempo, a sagacidade da independência e a eclosão da guerra dos 16 anos – ouviu o ressoar das armas que mataram inocentes e destruíram as poucas infraestruturas existentes; Viveu nas longas filas das cooperativas familiares e conheceu as privações que a época transicional impunha e abraçou como ninguém o desejo de querer vencer. Esta geração lutou pelos ideias que recebera e foi escrava da narrativa independentista que se estendeu ao ódio visceral pelos que tentassem travar a revolução socialista. Chamarei esta geração de geração programada.
E por falar em revolução socialista, os anos que se seguiram a independência do país foram de uma actividade intensa de proclamação dos ideais socialistas e comunistas e de uma afirmação e difusão incisiva destes, ainda que no fundo não se percebia a essência do comunismo que apregoavam – Foi por assim dizer um período áureo da disciplina do Estado e porque não do partido. Não é de se estranhar que os filhos desta geração carreguem até hoje fortes traços ideológicos do seu berço de incubação. Geração jovem e enérgica, orientada para a acção e com ideias claras sobre a revolução e sobre os caminhos que o país deveria seguir, viu sua referência mór (Samora Machel) perder a vida no fatídico acidente de Mbuzini. Um duro golpe para as aspirações do país no geral e para todos os moçambicanos. Do dia para a noite esta geração se viu órfã do seu mentor e as dúvidas sobre as suas reais capacidades começam a emergir entre as fileiras.
A meio com uma morte trágica e uma guerra civil altamente devastadora, a geração programada enfrentou um dos momentos mais desafiantes da sua história, com sabotagens, traições e cisões no seio do mesmo grupo. Assumiu alguns dos desafios impostos pela época e emprestou seu fulgor para reconstruir o país ao mesmo tempo que buscava mais instrução, mais capacidade técnica e humana. Em termos de nível de preparo, com a fase da restruturação económica as fronteiras geográficas, ideológicas e políticas do mundo abriram-se e mais oportunidades emergiram tornando-a mais capaz e mais interventiva.
Geração que melhor personificou a ideia de nacionalismo e que criou a primeira burguesia emergente do país – uma burguesia que só conseguiu mostrar a avidez e ganancia pelo poder e dentes afiados para lutar pelo “tacho” depois do evento de Mbuzini; Produziu continuadores e brindou o país com lutadores, artistas, desportistas, músicos e muito mais. Cometeu erros como a primeira, tomou decisões que até hoje são questionadas, mas toda a revolução implica decisões, umas acertadas e outras equivocadas e descontextualizadas. Um dos seus grandes pecados foi não ter preparado os filhos para os desafios reais do país; talvez pelo excesso de zelo, talvez por mera soberba. Ao tentar evitar que seus filhos passassem por privações, acabaram lhes oferecendo mais do que podiam e deviam e hipotecaram muita coisa, parindo uma geração com uma mão cheia de nada.
A terceira geração é de relativamente difícil enquadramento e trato cronológico – representa síntese das duas anteriores. Escalando o país pelos seus pontos cardinais vamos descobrindo uma mesma geração dividida entre geração urbana e a rural, do cimento e do caniço, uma esteve mais exposta às benfeitorias e que sente o sabor do “tacho” e outra que passa ao lado do mesmo. A essa geração que alguém uma vez chamou de uma geração à rasca, nunca foi dada nenhuma responsabilidade objectiva.
O geograficamente identificado como grupo do cimento, da cidade foi obviamente o mais agraciado em termos de oportunidades e recursos que o outro grupo da zona de areia. O primeiro, para além de estar à rasca, é hipoteca dele mesmo – um grupo à deriva e órfão dos valores históricos, políticos e sociais do país. Para muitos destes jovens, a narrativa independentista não faz ecoar nada em si e os discursos da guerra dos 16 anos não são vinculativos a sua causa.
Encontramos na mesma geração dois grupos que dispôs de oportunidades diferentes, e consequentemente existe um abismo comportamental e aspiracional entre eles: Uns são os filhos da burguesia nacional incipiente com ar capitalista. Para além de lhe ter sido vendido e até oferecido o sonho do american life style, e todos valores da globalização ela adquiriu (in) conscientemente a ideia de que os pais devem prover tudo e a todo momento; uma geração que culpa aos outros pelo seu insucesso e pela falta de oportunidades e que vê o tempo passar ao lado dela mesma – Este grupo está a rasca sim e pior de tudo é que não sabe que está a rasca e que é resultado de uma agenda oculta.
Outros são filhos de camponeses e operários ciosos em triunfar e se tornar orgulho na zona de origem. Mas que as oportunidades lhes chegam a conta-gotas e porque tudo lhes foi difícil, contentam-se com muito pouco. Sonham em estudar na capital e ter um emprego no estado e poder mandar ajuda aos familiares espalhados pelo nosso vasto país.
E a culpa não é desta geração de jovens. Esta é vítima de um processo que paulatinamente tornou a máquina estatal deficitária e deficiente, o sistema quebrou-se, a ética, a moral e os costumes foram severamente abalados. Institucionalizaram-se praticas más e promoveu-se o laxismo estatal e por consequência o Estado desviou-se da sua missão primária que é prover o bem estar comum. A educação pública não é mais o que foi e por consequência ao invés de formar, informa e deforma.
A nossa pirâmide etária é maioritariamente jovem, e paradoxalmente vemos nela uma geração de jovens com preparo duvidoso e com enormes dúvidas em relação às suas capacidades. Uma geração que tem como referência tudo vem de fora e pouco de dentro. Somos jovens pobres e pertencemos a um país também pobre (ou pelo menos é nisto que nos fazem crer). Somos os jovens que acredita cegamente que para singrar na vida precisamos perseguir títulos, status, bens e posições, menos ideias.
Mas devemos lutar para sermos uma juventude com força motriz, uma geração livre intelectualmente que cria, transforma e participa no enredo do desenvolvimento integrado sem discriminação das cores partidárias, religiosas, raciais e ideológicas.
Esta é a síntese de três gerações de um país jovem e de jovens. Alguns mais estudados que os outros, mais ilustrados, mais experimentados e com melhor preparo, mas conformados, incapazes, e com medo de atingir a maioridade a que o país lhes convida a abraçar. Jovens que ancoraram seus sonhos em algum lugar. Seu maior pecado é não ir a luta e o seu legado fica entregue a sorte.
Por: Hélio Guiliche (Filósofo)
Há 2500 anos Hipócrates disse: “Que o teu alimento seja o teu medicamento”. A OMS define a Saúde como “situação de perfeito bem-estar físico, mental e social”, e doença o inverso, ou seja, “perturbação do bem-estar físico, mental e social”.
Hoje, em meio à pandemia, continuamos ligados à leitura. Lemos de tudo um pouco. Da ficção à falsidade, da política ao desporto e do humor à genialidade. Lemos em diferentes formatos, desde o livro físico ao digital, do audiolivro às mensagens. Ainda assim, os entendidos ajuízam ausência de leituras. Lemos cada vez menos, argumentam.
Redes sociais parecem ter libertado vozes que não encontravam canal de expressão, em outras circunstâncias. São os clamores contra as limitações impostas por editoras, periódicos e jornais. Esses canais sociais vão construindo estes espaços democráticos e menos excludentes.
Mãe Janet Rae Johnson Mondlane, no topo das suas 86 primaveras, continua leitora assídua, tradicional e cibernética. Ao longo do dia, devora centenas de páginas e outras tantas mensagens. Por vezes, ainda encontra espaço para redigir breves comentários. Exorciza seu passado, suas leituras e, amiúde, continua activa, seguindo a essência do planeta e da nossa terra. No centenário de Mondlane, ela poderia e deveria ter sido mais referenciada e mais ouvida. Afinal, a maior companheira de Mondlane, sua confidente e amor eterno, continua com a sua mente lúcida e imaculada.
No passado, pela sua caneta e punhos, publicou O eco da tua voz, que retracta as longas conversas que manteve com Eduardo Mondlane. Quem os conheceu, e com o casal conviveu, sabe das milhares de cartas trocadas, no período de aproximação sentimental e, igualmente, depois de casados e, ainda, durante a luta armada. Eram, particularmente, obstinados por ler e escrever. Passamos, ainda, a conhecer a sua biografia, da autoria de Nadja Manghezi, O meu coração está nas mãos de um negro, aliás, referência obrigatória para os jovens que se interessam pelos contornos da luta de libertação de Moçambique.
No grupo WhatsApp em que ela participa, talvez num conjunto de outros grupos, os membros decidiram iniciar um processo de identificação. Uma forma de ajudar a mãe Janet a reconhecer, de entre familiares e amigos, gente próxima ou distante, aqueles cujos nomes ela ainda poderia associar. Neste exercício, os nomes viraram complementos, na descrição e narrativa, pois, as fotografias, se transformam em sujeitos e predicados. Esta foi uma oportunidade para rever o passado que, para ela, será indefinidamente presente. Um exercício que permite a matriarca do grupo saber com quem fala e responder a todos, simultaneamente.
Entrincheirados nesta quarentena coronária, tem sido um enorme prazer desfrutar dessa mulher missionária, conhecedora de tantas facetas e episódios da luta de libertação nacional, e alguém que teve a responsabilidade de fazer de Eduardo Mondlane, essa figura que a todo mundo impressiona e instiga a pesquisá-lo.
A mãe Janet Mondlane, na modernidade dos algoritmos, nos pregou uma boa rasteira. Estes grupos não costumam ser flor que se cheire. Por lá, circulam centenas de fake news. Até dou razão ao Yuval Noah Harari, pois a conectividade não escolhe idades e, muito menos, gerações, nem selecciona ou distingue o essencial. Mas, a presença da mãe Janet, ajuda a manter algum decoro.
Mas, este exercício foi para lá de sui generis. Tento, numa única foto, expressar minha identidade. Falar da matrilinearidade e dos montes Namúli. Expressar o quanto as nossas escolas carecem dos apoios do Instituto de Moçambique; que as bibliotecas andam despidas do essencial, livros. Nesta foto, também, queria poder falar das jovens mulheres que sentem na pele os desmandos e abusos de quem as deveria proteger. A fotografia precisaria minimizar tudo o que o Covid-19 destapou e revelou, a dureza da carência e da pobreza.
Igualmente, dizer que conheço o quilómetro zero e, que realizamos uma intensa jornada de comícios e visitas históricas a Nwadjahane. Nessa circunstância, ainda me recordo, foram sacrificados bois, para se manterem as tradições. Nesta foto, que também enviei, queria tanto dizer que num dos comícios, quando foi necessário fazer apresentação pública da comitiva, a Nyeleti Mondlane, sua caçula, estava ocupadíssima preparando as iguarias e cozinhados. Chamada para o palco e, sem que tivéssemos dado conta da sua ausência, alguém, bem-humorado, a meio do público, gritou: - “a Cda Vice-ministra está na cozinha”. Uma gargalhada sem limites. Assim será, sempre, esse pequeno lugar, que foi a escola de vida de Eduardo Mondlane.
Neste centenário de Eduardo Mondlane, que não deveria terminar, cada uma das fotos deveria expressar sua gratidão para com o arquitecto, mas, acima de tudo, entender a sua grandiosidade e re-significar a sua morte prematura. Quem sabe, teria sido oportuna a revelação dos contornos do seu assassinato e da perícia policial que determinaria o fatídico 3 de Fevereiro de 1969. Só se passaram 51 anos e parece que a nossa memória colectiva esquece, com facilidade, que a história precisa de ser reescrita.
Com o busto debruçado no parapeito de sua varanda no sexto andar, dona Mafalda vestia uma blusa de linho com alças e uma capulana amarrada à cintura cobria-lhe a parte inferior, toda esta vestimenta era por conta do calor tropical que assaltava a cidade.
Da sua varanda ia caçando uma aragem que não passava enquanto divisava um e outro quadro do filme que a cidade transmitia, carros atolados no asfalto ensopado ou com os capões abertos e radiadores fumegantes, meninas seminuas, sombreiros tentando amortecer os raios solares e proteger seus proprietários.
Olhava ali, via acolá, observava este e aquele entrosando-se com o dia soalheiro esperando que a temperatura logo amainasse.
De relance viu, não acreditou, socorreu-se dos binóculos que guardava na cabeceira e direccionou para a varanda do andar inferior direito, regulou a focagem e viu, o ser que observava movimentou-se. Continuou com os olhos arregalados colados aos binóculos, enrugou mais a testa envelhecida e segurou firme com as mãos caquéticas os binóculos até ter a certeza do que mirava.
-Mamanouu! – gritou ela buscando socorro.
Largou os binóculos que caíram para o chão da varanda.
- Carlos, Carlos – gritou pelo empregado doméstico que prontamente chegou, este levou os binóculos e deu a sua mirada para o ponto que a dona Mafalda indicava.
Depois de uma breve e atenta observação rematou convicto:
- É uma cobra grande sinhora . – conferiu – Muito grande mesmo. – Enfatizou assustado.
Despoletou-se um alarido doméstico comandado pela dona Mafalda e coadjuvado por Carlos que se alastrou pela vizinhança. Moradores mais próximos acudiram aos gritos e logo tomaram conhecimento da existência do inquilino reptil que se refrescava na varanda da casa de Susana.
Um rebuliço arrebatava o prédio e alguns moradores curiosos testemunharam a presença do animal na varada do quinto andar do apartamento ocupado pela dona Susana e sua filhota.
O mais prestativo dos moradores do prédio Monte & Silva, localizado na avenida 24 de Julho em Maputo, tratou logo de usar o seu telemóvel e fazer uma chamada para os serviços de bombeiros.
Os demais desceram e reuniram-se no átrio principal de acesso ao prédio e iniciaram pequenas conferências protagonizado pelos mais loquazes que especulavam sobre o aparecimento do animal.
O bulício ficou momentaneamente suspenso quando a sirene dos serviços dos bombeiros se fez ouvir.
Os bombeiros acompanhados de um especialista veterinário fizeram-se prontamente ao local onde o bicho se encontrava, procuram a todo o custo imobilizar e capturar o animal, mas sem sucesso, acabaram por abatê-la.
Silvino sentiu o segundo baque sacudir-lhe o peito com a chamada que Susana acabara de fazer a propósito do sucedido, o primeiro sentira horas antes.
- Arrumas todas tuas coisas e vai para a casa da tua mãe. – afirmou autoritário Silvino, o seu parceiro.
Susana era a segunda mulher de Silvino, que a sua esposa desconhecia e ele muitas vezes simulava viagens de trabalho para juntos alcovitarem-se no apartamento que alugara para ela. Já tinham uma filha de cinco anos.
Dias depois todos os pertences de Susana foram-na entregues e o apartamento abandonado por completo.
Ela continuava estupefacta e abalada com o sucedido. Vino, como ela tratava o seu parceiro, deixou de dar sinal nem sequer respondia as suas chamadas telefónicas.
Silvino, empresário bem-sucedido da praça, procurava efectuar este e aquele negócio, mas já não era bem-sucedido. Em uma semana os prejuízos acumulados eram na ordem de milhões, teve que se desfazer de alguns bens para suprir despesas pontuais.
A sua depreciação social era já comentada em círculos que ele já não frequentava.
Depois de uma certa ponderação e reflexão, ele decidiu conferenciar telefonicamente com o seu guia espiritual e fornecedor da cobra.
“ Mataram Ansuane” – alertou Silvino
“Já sabia” – conferiu relaxado o inhamessoro. – “Sabes das consequências para voltares aos negócios” – afirmou sereno o homem de contactos sobrenaturais.
Vinculado pela vontade arrebatadora de recuperar seu estatuto social, Silvino vingou o seu desejo e rumou para a terra do macangueiro.
Embarcou num machibombo, depois outro, saindo do sul para o norte do país, chegou finalmente ao destino levado por uma táxi-mota, era já meio da tarde.
No quintal da casa do inhamessoro, uma galinha debicava o chão duro, um bezerro chuchava o seio da progenitora, um galo cantou, Silvino encaminhou-se ao encontro de uma mulher que se abeirava do fogo e mexia uma panela de barro.
“Ele saiu, mas disse para esperar” – conferiu a mulher, oferendo uma cadeira de palha.
Tempos depois a mulher chegou oferendo uma toalha e indicando-o a casa de banho.
“Pode ir tomar banho” – rematou humildemente.
O sol já se tinha posto quando finalmente o dono da casa chegou, cumprimentou o hóspede e desenvolveram um breve paleio informal. Depois este retirou-se para a cabana dos espíritos onde efectuava os rituais. Uma hora se passou quando Silvino foi convidado a preparar-se para entrar.
O inhamessoro estava indumentado a preceito, uma batina de pele de zebra, uma tiara de pele de crocodilo reluzia na sua testa, um grande colar de missangas abraçava-lhe o pescoço.
Quando o cliente entrou encontrou-o sentada na esteira, este mandou tirar a capulana que envolvia seu corpo, ficando Silvino completamente nu. Espargiu-lhe com uma mistura usando um objecto feita na base da cauda de um animal.
Uma hora passou-se entre contactos com falas mediúnicas e interpretações de ossículos e conchas que terminaram com psicografia com os ditos que Silvino devia seguir. A noite já se adentrava quando o ritual terminou.
“ Vais tomar um banho com esta mistura, e depois dormiras aqui nesta cabana” – conferiu por fim o feiticeiro, dando por terminada o ritual.
Já alvorecia quando o galo quebrou o silêncio, uma brisa matinal oferecia frescura e a cacimba afrouxava a visibilidade.
“O táxi já chegou para te levar à paragem, nesta sacola esta o irmão mais novo de “Ansuane””
Ainda meio ensonado Silvino recebeu a encomenda e tratou imediatamente de se preparar para empreender a viagem de regresso.
“Muito obrigado” – afirmou Silvino subindo para o táxi-mota. Não esperou muito para embarcar num autocarro ido de Nampula com destino à Maputo.
Já acomodado no seu assento deu uma vista ao telemóvel e descobriu que estava sem cobertura, logo que se restabeleceu a transmissão com a torre celular, mensagens foram entrando com destaque para a sms de Susana com o seguinte teor “liga urgente” por isso Silvino tratou logo de ligar.
“ Olá tudo bem?” – questionou ele enaltecendo o timbre de voz para superar o som do motor do machibombo.
Ela demorou a responder, soluçou antes de prantear profusamente e quando reuniu forças disse:
“Per, per, demos nossa menina, é é ela se foi” – gaguejou sofridamente
“Tens que ser muito forte Susana” – rematou ele solidário e logo depois o contacto com a torre voltou a perde-se.
Quando entraram nas redondezas da vila da Massinga, o telemóvel voltou a readquirir o sinal e então outras mensagens entram com destaque para uma que dizia:
“ Podemos fechar aquele negócio”
Sorriu e olhou para o saco que o “inhamessoro” o havia entregue, este remexeu-se momentaneamente.