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terça-feira, 04 agosto 2020 07:22

Balázios na Munhava

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Um projéctil voava a uma velocidade de 715 m/s, fuzilando o ar no percurso que efectuava em direcção ao alvo, que devia estar a trinta metros de distância.

 

Os populares das redondezas, alarmados com o som do fuzil, procuravam averiguar o que estava a acontecer.

 

Um agente da lei, devidamente uniformizado e empunhando uma AK 47, seguia no encalço de um civil que já se distanciava notavelmente. O polícia, quando viu que não alcançaria o exímio corredor, decidiu disparar o segundo tiro.

 

A competição, disputada numa pista de pavê, teve início no mercado da Munhava e era executada por dois indivíduos, um seguia na dianteira e outro vinha no seu encalço.

 

O som do balázio serviu de estímulo para o corredor de vanguarda acelerar o passo e alcançar a Escola Primária Completa Amílcar Cabral, e aqui se perdeu na multidão.

 

A bala ricocheteou na plataforma de um camião e perdeu a direcção inicial, seguindo um percurso incerto.

 

Estafado, o corredor perdedor desistiu. Ofegante, buscou descanso no chão de argamassa da loja de um comerciante indiano.

 

O tiro parou no corpo de um menino que voltava da escola. Antes de soltar o segundo gemido, o corpo do miúdo caiu no chão de pavê, e o sangue que jorrava do seu peito avermelhou o livro de Português da 5ªclasse.

 

O primeiro popular chegou e testemunhou a partida do menino. Em pouco tempo, outras pessoas  se juntaram para lamuriar o fatídico incidente.

 

Inquiridores descontentes desencadearam uma pequena sublevação, iniciando buscas para apurar a causa da morte do menino, que era aluno da Escola Primária Completa Amílcar Cabral.

 

Encontraram o polícia homicida e iniciaram as averiguações.

 

“Foi um acidente” – protestou o agente da lei

 

“Acidentii, estamos fartos de vocês” – imperou a voz de uma senhora.

 

A segunda razão apresentada pelo polícia para justificar o balázio mortal foi rematada com as costas das mãos de uma senhora, a cara do homem movimentou-se da esquerda para direita.

 

“Agredir um agente da autoridade é punível por lei” – determinou o homem de uniforme.

 

Outra bofetada voou e a cara do polícia Constantino balançou outra vez. Quando sentiu o caso mal parado, empunhou a sua arma, criando ainda mais a fúria dos moradores, que o espancavam por todo lado. Um ex-guerrilheiro desmontou prontamente a AK 47 e as peças do artefacto mortífero ficaram expostas no chão.

 

“Esse uniforme não serve para nos humilhar, torturar e matar” – discursou um morador.

 

Uma mão forte arrancou-lhe a camisa, deixando-o mais a merce da justiça popular.

 

Dois pilotos voltavam da “bacia”, depois brincadeiras acrobáticas junto à margem do sistema de drenagem das águas pluviais montadas pelo município. Vinham empurrando pneus com ajuda de dois paus.

 

Em nome da nova justiça social, um dos pneus foi confiscado para ser colocado no pescoço do polícia, que já tinha sido amarrado a um poste de corrente eléctrica. Tentaram incendiar o pneu, mas não conseguiram. O petróleo doado por um comerciante anónimo não serviu para iniciar a fogueira.

 

Um txopelista animado, que passava pelo local transportando um passageiro, parou e decidiu prontamente ceder uns mililitros de gasolina que tinha como reserva.

 

Longas labaredas envolveram o corpo do homicida, populares ululavam ante o espectáculo macabro.

 

Marejado de lagrimas, o larápio testemunhava o aniquilamento do agente da lei, jurou que jamais voltaria a surripiar.

 

A imprensa popular documentava o facto, fotografando e escrevendo sobre o que sucedia e difundindo nas redes sociais.

 

O corpo do menino continuava no chão coberto por uma capulana, as páginas do livro de Português ensanguentado esvoaçavam ante o vento leve que soprava nessa tarde de Quinta-feira.

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