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quarta-feira, 20 julho 2022 07:24

José Eduardo dos Santos: Breve Percurso da Governação de um Estadista

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O anúncio da morte do antigo Presidente de Angola – José Eduardo dos Santos é um momento de pesar e consternação para o povo angolano e não só. Mas foi o povo angolano quem perdeu um nacionalista e referencial na história recente e na governação (ainda que discutível por muitos) e, uma figura que granjeou elogios por um lado e críticas do outro, pela sua forma de estar e pelas decisões políticas que tomou enquanto governante; figura esta que dirigiu o país por largas décadas e conduziu processos de transição muitas vezes complexos e, implantou um regime de governação hoje muito questionado a avaliar o estágio actual do país.

 

É um momento de consternação que divide opiniões de uma sociedade já dividida, por um lado pelos laços histórico-partidários que foram desenvolvendo nas últimas décadas, e por outro lado, pela mágoa e descontentamento que o partido no poder deixou como herança para o país.

 

O povo angolano vive um momento particularmente sensível, num misto de relativa expectativa de alguma revolta. Expectativa porque, agora mais do que nunca se questiona o actual governo, e revolta pelo deteriorar da condição de vida dos angolanos nos últimos anos. A morte de José Eduardo dos Santos deixa o sentido de perda do pai e Arquitecto da Paz no país e, ao mesmo tempo a sensação de perda do pai que nalgum momento não soube acarinhar e valorizar alguns dos filhos de Angola como estes esperavam. Neste diapasão, o amor e o ódio tornam-se parte integrante da hermenêutica social dos angolanos respeitando o prisma de análise em que cada angolano se coloca.

 

A morte de ZÉ DU acontece numa atmosfera em que a condição de vida em Angola deteriorou-se e, vozes há que inúmeras vezes se insurgiram contra a actual governação; a qualidade de vida decaiu consideravelmente e, o fosso entre ricos e pobres tornou-se mais acentuado e visível. Momento este, que coincide com a saída do poder do personagem que que foi dono e senhor de Angola por quase 4 décadas, e a chegada de um governante que prometeu uma ruptura drástica e uma reconciliação entre as bases do partido e o povo. Porém, a leitura feita não respeitou nem foi de encontro com o espectro da realidade vigente – entre as campanhas e a governação real assistiu-se a um grande quase vazio de práticas governativas assertivas. Mais do que isso, o momento pré-eleitoral que Angola vive, deixa a nú as falhas na reconciliação interna entre camaradas (do MPLA) desavindos com certas directivas governamentais por um lado e, por outro lado, de uma sociedade cansada e farta da situação político-social do país.

 

As perseguições à activistas, o nepotismo, o desejo de vingança, o enriquecimento de uma pequena franja política e focos de dissidência são algumas das marcas dominantes que sedimentaram o já existente descontentamento social e, portanto, sintomas que vão corroborando as narrativas sobre a crise interna.

 

Em várias das suas intervenções públicas, o então Presidente José Eduardo dos Santos, ou ZÉ DU como era chamado pelo seu povo, repisava a ideia segundo a qual gostaria de ser lembrado não apenas como mais um estadista, mas como um nacionalista e patriota que viveu por e para Angola. Categorias estas que a história e o povo angolano irão se encarregar de inscrever.

 

Amado por uns e odiado por outros, ele é apelidado de Arquitecto da PAZ e os anais da história irão lembrá-lo como peça chave na edificação das bases político-ideológicas e sociais do país de Agostinho Neto.

 

Em sua longa trajectória de governação, José Eduardo dos Santos afigura-se como um líder que assumiu o poder em tempos nevrálgicos e de grandes incertezas e dificuldades para o país. Herda um país saído de uma fase histórica delicada e tem de aprender a gerir as muitas animosidades da reconstrução da nação angolana e idealizar as pontes para a tão almejada paz. O conflito armado com a UNITA dilacerou o país; deixou um rasto elevado de mortes, mutilados, órfãos e de refugiados, sem contar com a destruição de infraestruturas que o país viveu durante a vigência do conflito. 

 

A margem de confiança por parte do povo era grande; a esperança era reinante e, portanto, havia muita expectativa numa Angola renovada rumo a estabilidade, crescimento e progresso. Crescimento este que até certo ponto foi notório na segunda metade da década de 1990 com as exportações do petróleo ao rubro e a alavancarem um crescimento que apesar de tímido adivinhava-se promissor; ainda que escondiam manhas e muitas fragilidades de governação.

 

A morte de Jonas Malheiro Savimbi (O Galo Negro), a confirmação do MPLA como partido do governo, e sua legitimação em sufrágio universal, já longe dos resquícios da guerra civil que fustigara aquele país irmão abriram espaço para que  ZÉ DU organizasse o seu partido (o Comité Central e o Bureau Político), suas ideias de governação (maioritariamente caracterizadas pela nomeação de familiares próximos em cargos e posições de destaque) e de monopolização do espaço político com a permanente amputação da oposição então liderada por Paulo Lukamba Gato e depois por Isaías Samakuva.

 

Houve mais fechamento do espaço cívico, menos liberdades, mais perseguições políticas e menos democracia. Assistiu-se uma maior centralidade e poder na figura do presidente e de sua família - com destaque para sua filha mais velha que se tornara a mulher mais rica de África com menos de 45 anos de idade; e a um semi-culto a personalidade do Senhor e Dono da “Nova Angola”; Vivenciou-se reaparição da máxima absolutista de Luis XIV – L’Etat Cê Moi (O Estado é Meu) onde não se observava o principio da separação de poderes e do estado de direito para além do plagiado na Constituição da República.

 

As manifestações são severamente reprimidas e os activistas brutalmente intimidados pela força policial. É proibido dizer mal do regime; é proibido pensar diferente e agir em dissonância com os ditames do governo.

 

Neste mesmo contexto dá-se a rotatividade do poder. José Eduardo dos Santos deixa o poder como presidente da República de Angola e como Presidente do MPLA - Há neste processo uma viragem de abordagem e se questiona a unicidade dentro do MPLA.

 

João Lourenço emerge como alguém disposto a romper com o passado e, disposto a inaugurar uma nova fase para Angola. Com maior ou menor preparo, foi acumulando momentos mais ou menos conseguidos e, que colocaram a relação com o seu antecessor numa situação muito delicada.

 

"Os erros de grandes homens são mais fecundos que as verdades de pequenos." [Friedrich Nietzsche]

 

Não pretendo emitir aqui juízos de valor, tampouco julgamentos sobre heróis e vilões deste enredo político. Portanto, a grandeza de um ou a pequenez de outro actor político, devem abrir espaço à necessidade de haver um diálogo, perdão e reconciliação entre homens de convicções e alinhamentos diferentes.

 

Levanto uma reflexão sobre como as relações humanas dentro das instituições partidárias e estatais podem fazer velhos aliados tornarem-se novos inimigos e deitar por terra projectos sólidos de edificação e crescimento de um país. Haverá, inevitavelmente, com o desaparecimento físico de JES, julgamentos políticos e posições dispares por parte dos principais actores dentro e fora do partido.

 

O que se espera do MPLA é que tenha capacidade interna para ultrapassar as diferenças e olhar para Angola não como um projecto partidário, mas como um projecto nacional de um país que aspira a estabilidade rumo ao progresso económico, social e humano.

 

Lições do Atlântico ao Índico

 

Angola e Moçambique são países considerados irmãos e com muitos laços históricos e culturais que datam de tempos muito longínquos – a colonização portuguesa, o processo da luta de libertação, a guerra civil, língua, religião, etc.  

 

Política e socialmente, há lições que podemos (nós moçambicanos) retirar dos recentes acontecimentos que grassam aquele país do Atlântico.  Esta efémera reflexão pretende chamar a atenção sobre:

 

  1. As relações de Poder, suas armadilhas, seus limites e validade;
  2. A cultura do nepotismo que se tem revelado nefasta e destrutiva ao processo governativo, na medida em que planta desconfiança, condiciona o princípio da meritocracia e, mina o desenvolvimento institucional;
  3. A cultura da bajulação política que se tem afirmado como prática recorrente e altamente destrutiva tanto para quem bajula como para quem é bajulado e, por fim,
  4. A fragilidade ideológica e a camaradagem de ocasião – O termo camarada está a perder a sua essência e, está a transformar-se num código para abrir portas de acesso ao poder.

 

Os Marimbondos do Atlântico assemelham-se as Matequenhas do Índico.

 

Por: Hélio Guiliche (Filósofo)

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