O assassinato do advogado Elvino Dias (mandatário da CAD) e de Paulo Guambe (mandatário do PODEMOS), na madrugada de hoje na zona da COOP em Maputo, é a derradeira tinta indelével do horror que está a marcar o presente acto eleitoral e, por incrível que pareça, simbolizando os últimos dias do regime de Filipe Nyusi, a figura mais autocrática e errática que a Frelimo colocou no poder desde a independência deste país em 1975.
Depois que a CAD, a primeira plataforma de apoio à candidatura presidencial de Venâncio Mondlane, foi barrada de participar do acto eleitoral, Elvino Dias permaneceu como assessor jurídico do VM7, que, entretanto, acabou viabilizando sua candidatura através do Partido Podemos. Elvino era um perspicaz advogado, intrépido, com fibra rija de combatentes. Ele fez furor o ano passado, nas tenebrosas eleições autárquicas, litigando como um gladiador solitário numa arena de justiça eleitoral moldada para favorecer o regime de Filipe Nyusi e não a vontade do eleitor.
Apesar desse cenário de campo eleitoral desnivelado a favor da Frelimo, Elvino Dias mostrou que era capaz de esgrimir argumentos contra a batota eleitoral vigente, sempre munido de evidências inabaláveis, desafiando até o Conselho Constitucional. Ele foi assassinado quando justamente se preparava para levar as evidências da reivindicação de vitória de Venâncio Mondlane e do Podemos ao Conselho Constitucional.
Elvino sabia que ele era um alvo, tal como VM7. Nos últimos dias, ele postou o seguinte na sua página do Facebook:
“Quando soube, através de um amigo que me quer bem, que havia um plano milimetricamente desenhado pelos Esquadrões da Morte para tirar a vida do Engo Venâncio Mondlane e a minha, pensei em fugir por alguns dias da cidade de Maputo. Mas antes, liguei ao Engo para lhe contar em primeira mão dessa pretensão e também lhe sugerir a sua fuga por alguns dias. Ele, apesar de também mostrar preocupação, disse-me que não era necessário fugir; pois, eles sabem perfeitamente onde nos encontrar; foi a opção da vida que escolhemos; estar do lado da verdade e justiça. (...) Na verdade, num país ao avesso como o nosso, a verdade e a justiça têm o seu preço; e o maior preço é a morte de quem a diz. Desde que os esquadrões se reuniram para nos tirar a vida, não tenho dúvidas (...)”.
Pois...de forma macabra, ele pagou o preço, com a morte, de lutar pela verdade e justiça eleitoral. Ele era apenas um advogado que lutava politicamente em sede do Direito. Inofensivo, tal como Giles Cistac, que nos iluminava politicamente sobre Direito em sede da Academia. Cistac foi barbaramente assassinado nos primeiros meses da vigência do Nyusismo, em Março de 2015. Era um sinal do que viria a ser este caótico consulado. Elvino Dias e Paulo Guambe são os últimos mártires da nossa democracia recente. Eles foram mortos por uma única razão: fazer oposição política, usando legalmente o aparato institucional da nossa democracia incipiente.
E agora? Agora ficou claro que o assassinato de Elvino Dias e Paulo Guambe foi também uma ameaça aberta a Venâncio Mondlane. Sua vida pode estar em perigo. Ele desafiou de forma arrojada o regime e mostrou que é possível propor ao seu eleitorado jovem uma nova forma de governação, com uma verdadeira abordagem distributiva da riqueza do país, agora apenas acessível a uma restrita elite da Frelimo. Sem Elvino Dias, Mondlane fica limitado à sua acção legal de disputa dos resultados eleitorais junto do CC. Mas é esperado que surjam imediatamente voluntários para levarem a cabo esse desiderato em regime “pro bono”.
A grande questão que agora se coloca é: até onde o regime da Frelimo pode barricar-se para manter-se inamovível no poder, não querendo abrir uma pequena mão desse poder perante os resultados contestados destas eleições? Será mesmo preciso, num futuro não muito distante, que a juventude saia para as matas e promova uma nova revolução armada, como apregoava Carlos Cardoso, quando na redacção gritava suas premonições acertadas em face da escalada galopante da corrupção e do roubo ao Estado.
O futuro depende de a Frelimo vestir as roupas da humildade e chapéu do bom senso. O problema agora parece não ser Daniel Chapo. Com Nyusi ainda no comando, mergulhado em seu nervosismo indisfarçável, seu modelo autocrático vai marcando o compasso do processo político nacional. Na passada terça-feira, a Comissão Política da Frelimo determinou uma coisa: tolerância zero para VM7. Era a tirania sendo decretada, diante de um silêncio ensurdecedor da linha chamada reserva moral e dos que, consta, são favoráveis a reconhecer que uma partilha, mesmo que limitada, do poder (por exemplo, concedendo maior representação parlamentar ao Podemos) pode ser crucial para o futuro do partido. Definitivamente, a Frelimo não está a perceber os sinais dos tempos.
Mas...matar para quê!?
Quando há sete anos, num dia 5 de Outubro, uma esquadra Policial da República de Moçambique foi assaltada em Macomia, Cabo Delgado, os moçambicanos nunca imaginaram o horror que marcaria a vida dos seus conterrâneos nos distritos mais nortenhos da província do gás do Rovuma. O Governo de Filipe Nyusi desqualificou o ataque, memorizando seu significado simbólico e descartando a consequência nefasta para a segurança do Estado. Era um caso de Polícia!
Nas semanas seguintes, o horror implantou-se, a tragédia engravidou o horizonte. Os monstros haviam iniciado uma onda abjecta de decapitações. A tragédia horripilante se instalara em Cabo Delgado, qual guernica dos nossos tempos. Com o tempo, um cenário apocalíptico pintando os quadros do horizonte e as paredes do nosso quotidiano. A hedionda táctica do terror se implantara. Decapitações em massa, crianças esfaqueadas, mulheres esventradas, inclusive grávidas. Aldeias inteiras incendiadas.
Carta de Moçambique nascera em Novembro de 2018. Na altura, a generalidade da imprensa local cavalgava as ondas da auto-censura, expondo seu silêncio ostentado sobre a tragédia. Com recurso a um jovem repórter louco, Amade Aboobacar, nossa linha editorial dedicou atenção sobre a matança em Cabo Delgado. A carnificina era todos os dias exposta. E “cunhamos” a ideia de que estávamos perante uma "insurgência", com os vestígios marcantes do "jihadismo" tal como é conhecido.
Mas à medida que a carnificina se sedimentava, do aparato castrense se aplicava o silêncio negacionista. Basílio Monteiro e Bernardino Rafael seguravam as rédeas de uma narrativa governamental que minimizava da forma mais cruel a vida dos moçambicanos.
A ladainha do caso policial mantinha-se incólume. E, na "média", todos os que ousássemos expor o terror em Cabo Delgado éramos visados pelos "mahindras digitais" do nyusismo, com toda a petulância que se lhe conhece. O regime activou “mahindras digitais” para expelirem seus uivos tenebrosos contras nós. Éramos os maus da fita, uns contra-natura. Amade Aboobacar foi detido em Macomia e levado para Pemba (mais tarde o jornalista Ibraimo Mbaruco foi silenciado em Palma).
Mas o recrudescimento do terrorismo fez parangonas cujo impacto levantou dúvidas sobre a perversa coexistência entre o terrorismo e a exploração do gás no Rovuma. Mesmo assim, a reacção governamental contra a insurgência – mais tarde cunhada de "terrorismo" pelo Governo – esteve centrada na acção policial, com protagonismo notório do Ministério do Interior, que controlava todo o procurement inerente, com os gastos militares subindo exponencialmente. Fontes seguras relataram a presença de uma festança corruptiva sem precedentes na cadeia dos gastos com o esforço de contenção do terrorismo.
Em Setembro de 2019, quando a coisa já estava demasiado preta, chegaram os mercenários da Wagner, naquilo que foi o primeiro envolvimento de forças exteriores em Cabo Delgado, e apenas depois de se considerar que o assunto era militar e ter sido desencadeado o envolvimento mais directo das nossas forças armadas, que se revelaram não preparadas para além de uma gritante pobreza logística.
A táctica dos mercenários da Wagner era a da “terra queimada”. Eles queriam incendiar o mato onde havia focos de terror, varrendo tudo o que fosse elemento vivo. Essa táctica foi recusada pelo regime de Nyusi e as incursões no terreno fracassaram, surgindo Lione Dyck, o falecido patrão dos mercenários africanos da Dyck, fazendo troça dos russos para conseguir o negócio moçambicano, sempre bem pago. O grupo Dyck chegou em 2021, em pleno Covid-19, para prestar apoio aéreo. E quando estava a obter algum sucesso, com violação dos direitos humanos à mistura, o General Eugénio Mussa, sua principal contraparte no Exército, foi “morto” pela Covid-19.
Depois da Dyck seguir-se-ia na fileira de apoio ao Governo a tropa de Kagame, do Ruanda, e a SAMIN (Missão Militar da SADC-Comunidade de Desenvolvimento da Africa Austral) e também da Tanzânia. Estranhamente, todo esse envolvimento estrangeiro em Moçambique foi feito à revelia das entidades representativas da soberania nacional.
Bertolino Capetine diz sem papas na língua que, na reacção contra o terrorismo em Cabo Delgado, nunca houve declaração de guerra. Tudo que foi feito não obedeceu aos comandos obrigatórios, incluindo a falta de consulta ao Conselho Nacional de Defesa e Segurança (CNDS). Sua palestra na semana passada, em parte vertida nesta edição de Carta da Semana, foi um autentico libelo acusatório contra uma conduta errática e ilegal da guerra em Cabo Delgado.
Durante estes anos todos, o esforço de guerra foi tremendo, com os gastos orçamentais. Só entre 2017 e 2020, nosso país tinha gasto mais de 1 bilião de USD por causa da guerra (de acordo com um relatório do CIP). Ou seja, o nosso Governo embarcou para um ostensivo despesismo de guerra sem ter declarado guerra, sem ter envolvido o CNDS e a Assembleia da República (AR) quando teve que abrir as fronteiras a países estrangeiros, incluindo a entrada e pagamentos milionários a mercenários.
Ou seja, estamos perante um novo calote que deve ser investigado, primeiramente em sede da Comissão Parlamentar de Inquérito. Para que isso possa vir a acontecer na próxima legislatura é do interesse nacional que a configuração da próxima Assembleia da República seja de tal modo equilibrada que a Frelimo não possa protelar o derradeiro inquérito ao nyusismo. A demissão de Bertolino na semana passada foi um indicador do seu nervosismo culposo. A guerra de Cabo Delgado foi uma maquinação ilegal e isso deve ser investigado e responsabilizado.
Marcelo Mosse
Na semana passada, mais um desses insípidos anúncios de uma adjudicação por ajuste directo veio escarrapachado no matutino incontornável, a pretexto de transparência. Tratou-se de mais uma “golpada” do conglomerado de José Parayanken, através das suas MHL Auto (concessionária da Mahindra) e FAUMIL (que detém o monopólio do fornecimento de uniformes às entidades castrenses de Moçambique).
As suas empresas gozam de um privilégio oferecido de bandeja pela UFSA. Mas seu beneficiário não é revelado nos documentos. A ligação de Parayanken com as referidas empresas é conhecida através de noticiário estrangeiro de plataformas ditas de informação classificada.
Durante muitos anos em Moçambique, beneficiários efectivos de negócios altamente lucrativos e centrados no Estado – muitos dos quais feitos a coberto da manipulação e do tráfico de influências – escondiam-se por detrás da opacidade das Sociedades Anônimas. Justamente, esse postulado legal foi revogado, agora no advento da transparência e do “follow the money”, que contempla anticorpos cada vez mais incisivos contra a lavagem de dinheiro (por favor, usem a noção de lavagem que não de branqueamento de capitais – esta última tem muito preconceito e não é assertiva.
O novo Código Comercial aprovado em 2022, e que já está em vigor desde 2023, manda que as sociedades devam ajustar os seus contratos de sociedade (Estatutos). Uma das grandes inovações deste código – em cumprimento das regras e standards da GAFI (Grupo de Acção Financeira Internacional), um órgão intergovernamental que estabelece padrões de gestão de riscos e prevenção de fraudes, bem como boas práticas no desenvolvimento de actividades relacionadas ao sector financeiro, prevenindo a lavagem de dinheiro e seu financiamento ao terrorismo – é a proibição da existência de acções ao portador. Ou seja, todas as acções das sociedades anÓnimas devem ser nominativas.
Isto significa que a falta de indicação de determinados beneficiários efectivos, nos documentos oficiais sobre contratação pública em Moçambique, como se depreende da lista da UFSA sobre os fornecedores do Estado em 2023, é uma grande afronta do nosso governo contra as regras da GAFI, depois de muito esforço feito para que possamos sair da lista cinzenta.
A questão final é: o que é que a MHL, empresa que se tornou com o nyusismo o principal fornecedor de automóveis ao Estado, incluindo veículos militares, tem a esconder? Quem a protege?
Um dos grandes desafios do futuro Governo no quadro do controlo da corrupção é justamente a remoção dos cartéis que manipulam o procurement público nos diversos sectores do Estado.
A MHL, por causa das suas ligações políticas, tornou-se no campeão do fornecimento de viaturas ao Estado, e essa dominação não decorre unicamente do “value for Money” dos seus produtos. Decorre, como disse, das suas ligações políticas e da sua capacidade de olear as máquinas corruptivas das UGEAs (Unidades de Gestão de Aquisições) sectoriais. Se a MHL domina no fornecimento de viaturas, a lista da UFSA confirma a percepção sobre uma certa cartelização do procurement público em Moçambique. Ou seja, cada sector do Estado tem o seu dono. No livro escolar, nos eleitorais, nos medicamentos e no equipamento hospitalar. Tudo tem um dono. Como reverter este cenário? Eis a questão final.
Adeus Rui de Carvalho!
PS: Morreu o jornalista Rui de Carvalho. Sua história é de alguém que, antes de ser jornalista, era uma fonte de informação. Depois foi arregimentado para uma redação. Pelas mãos do Carlos Cardoso. Creio que o Rui juntou-se à pequena equipa do mediaFAX em 1995. Eu tinha vindo de Inhambane em 1994 (onde fazia reportagem na RM) e na redacção já estavam o saudoso Orlando Muchanga e o Arnaldo Abílio (que cursou Direito e hoje exerce como Magistrado do Ministério Público). O Rui era uma fonte do CC no conturbado contexto da desmobilização depois do AGP em 1992. Ele fornecia informações sensíveis sobre os desmandos do exército, incluindo na gestão financeira, etc. Ele era um oficial do Exército, tendo chegado a patente de Capitão, com a qual foi desmobilizado. Depois das eleições de 1994, o interesse particular numa fonte como ele perdeu-se pois já não havia "assuntos''. Cardoso mandou-lhe então sentar-se na redação. E o Rui permaneceu durante dois anos. Em 1996, depois de uma “briga ética” com o editor, ele teve de sair. Mas nunca deixou o jornalismo, a par de uma militância frelimista discreta. Depois do mediaFAX, o Rui esteve ligado à fundação de algumas iniciativas editoriais, uma das quais é o semanário Público, onde a sua paixão pelo partido Frelimo ficou vastamente patente. Essa militância, valeu-lhe um lugar como Vereador no Conselho Municipal de Maputo, no acual elenco de Razaque Manhique.
Há uns meses, logo após ele tomar posse, eu disse-lhe: parabéns Rui, finalmente!
Ele retorquiu: “Finalmente o quê, Mosse! Eu estou doente”.
E falou-me penosamente da sua doença, com a voz amargurada, de um cancro da próstata que, segundo ele, foi diagnosticado tardiamente; ele não ligou aos sintomas, protelando os exames. Foram alguns amigos que notaram, num convívio, suas idas constantes ao urinol. E o alarme soou! Depois do diagnóstico, a solução era uma cirurgia, com consequente perda da virilidade. Rui imaginou a simbologia inerente a esse infortúnio e descartou tal cirurgia. Nos últimos dois anos, ele esteve sucessivamente entre a RAS, Portugal e Índia, mas seu tumor derrubou todas as radio e quimeoterapias. Ele desenvolvera uma metástase. E, nesta semana, chegou a notícia da sua morte, quase que esperada entre aqueles que acompanharam seu calvário.
Durante estes anos todos, desde 1995, mantive uma amizade afável com o Rui de Carvalho e, por isso, curvo-me aqui, na hora da sua morte! (MM)
Na semana passada, a Ministra da Educação e Desenvolvimento Humano, Carmelita Namashulua, veio ao pública denunciar os pais que “ensinam a corrupção aos alunos”, não investindo na sua preparação ao longo do ano, mas oferecendo dinheiro aos filhos para estes subornarem os professores em troca da sua passagem de classe. Com essa acusação, ela fez seu resumo pleno da corrupção no sector da educação em Moçambique; para ela, o fenômeno grassa apenas lá nos níveis mais baixos da estratificação social.
E face ao cenário, a Procuradoria-Geral da República e o Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano assinaram, na terça-feira, um memorando de entendimento que visa reforçar a educação comunitária e dos alunos sobre a prevenção contra o recrutamento dos jovens para as fileiras da criminalidade, com enfoque na corrupção.
“Estes programas irão capacitar, igualmente, os professores, oferecendo ferramentas eficazes para identificar sinais de risco e prevenir a criminalidade, com enfoque para a corrupção, branqueamento de capitais, extremismo violento, tráfico e consumo de drogas”, referiu, por sua vez, a PGR Beatriz Buchili.
Nada mais falacioso! A mobilização das classes profissionais do sector público para a mudança de comportamento, no caso da cobrança de subornos, depende de haver incentivos estruturais que estimulem a sua adesão à reforma. E para isso, remuneração condigna é um dos incentivos. Em Moçambique, os professores vivem no quadro da incerteza salarial. Pior, uma semana antes desta falaciosa abordagem, o Ministro da Economia e Finanças, Adriano Maleiane, reconhecia que o Governo deve aos professores mais de 3,3 mil milhões de Meticais, relativos ao pagamento de horas extras aos professores.
Como se vê, as condições no terreno são mais propícias à manutenção das práticas nocivas. Os pais dos alunos subornam os professores porque estes, num quadro de miséria, estão predispostos a receber, com todo o despudor ético.
Um sistema corrupto desde o topo da administração do Estado (e do Governo), permitiu que se chegasse a um cenário onde as trocas corruptivas acontecem de forma tácita na infra-estrutura da sociedade. Ninguém tem vergonha. Nas camadas inferiores da sociedade a facilidade com que a corrupção é praticada é reflexo da impunidade a que está votada a grande corrupção. “Se o governante rouba e come sozinho porque é eu não vou roubar?”. Esta é, pois, a mentalidade vigente.
De modo que é errado esperar que a pequena corrupção seja revertida isoladamente, sem um combate cerrado à grande corrupção. Infelizmente, em Moçambique ninguém está interessado em controlar a grande corrupção. "O mindset" dominante na classe dirigente finge que a grande corrupção não existe, mas a manipulação do procurement público tornou-se no principal mecanismo de acumulação de renda por parte das elites governantes.
No sector da Educação, a problemática do livro escolar decorre de uma guerra entre facções rivais para o controlo de adjudicações de vários milhões de USD. E disto, da grande corrupção na Educação, a Ministra nao fala!
Pior foi o consulado cessante, de Filipe Nyusi, que simplesmente, imbuído na sua profunda ignorância, tentou vender a ideia de que não há qualquer distinção entre pequena e grande corrupção, focando qualquer discurso de anticorrupção na pequena corrupção. De resto, esta abordagem era consistente com o descalabro estatístico do Gabinete Central de Combate à Corrupção, que em cerca de 20 anos esteve focado na pequena corrupção, com um track record desastroso quanto à grande corrupção.
Agora, com a certeza de novo Governo, Moçambique precisa de sair da redoma do negacionismo nyusista e enfrentar o problema da grande corrupção. Isso passa por Daniel Chapo ir para lá da "digitalização". no seu discurso anti-corrupção.
A redução da "interface" humana entre os utentes do sector publico e a burocracia da administração apenas reduz a pequena corrupção. Mas, na sua essência, passa ao lado da grande corrupção, que é mais corrosiva e vai adiando o país.
Na generalidade, todos os quatro candidatos presidenciais na presente contenda eleitoral prometeram uma coisa que parece impossível de alcançar: a revisão dos contratos vigentes entre o Estado e as multinacionais que operam na Bacia do Rovuma. Daniel Chapo (da Frelimo) e Venâncio Mondlane (do Podemos) foram os mais incisivos na pronunciação dessa promessa. Mas nenhum deles explicou ainda, cabalmente, como e até que ponto essa revisão contratual pode ser feita.
O candidato presidencial do MDM, Lutero Simango, acaba de ser entrevistado pela STV. Com um e outro corte na recepção do sinal, retive os seguintes Pontos Fortes e Fracos no seu discurso.
Pontos Fortes:
• A intenção de destapar o “dossier” da presença do Ruanda em Cabo Delgado, os “quid pro quos” envolvidos;
- O envolvimento de confissões religiosas na expansão do acesso à Educação;
- A utilização de parcelas do Fundo Soberano para financiar a Educação;
- A discriminação positiva para beneficiar os jovens de Cabo Delgado nos benefícios relativos à extrativas, concretizando o “Social” no novo paradigma de financiamento dessas indústrias;
- A urgência da tributação da mineração de pequena escala;
- O estabelecimento de um pacto de regime e diálogo inclusivo para a construção de uma verdadeira agenda e visão nacional;
- Ser for eleito, não vai “perseguir” elementos da Frelimo. (O jornalista não perguntou se isso implicava fazer vista grossa à investigação de alegações de corrupção envolvendo eventuais figuras do actual regime).
Pontos Fracos:
• A ideia de “um Estado para todos” não foi bem elaborada (não lhe ocorreu a perspectiva da redistribuição da riqueza); e gaguejou ao falar sobre despartidarização do Estado;
• Utilizou um conceito muito “naïf” sobre “partidarização” do Estado, restringindo os indicadores desse fenômeno à presença de células da Frelimo e ao favoritismo inerente nas carreiras do funcionalismo público.
Esqueceu-se da “despartidarização” dos negócios do Estado e da necessidade do incremento da transparência no “procurement” público;
• Foi parco e excessivamente tautológico na resposta sobre a renegociação dos contratos com as multinacionais, mostrando falta de preparação para a discussão do tema;
• Mostrou que percebe nada de anti-corrupção e promoção da ética e integridade na esfera social, nem busca aprendizado em organizações abalizadas ou a quem estudou a temática na academia;
Pontos ausentes no debate (atenção que tive pequenos cortes na transmissão):
• Tráfico de droga e monopólios de exportação de madeira não processada;
• Grande mineração de pedras preciosas e o futuro (que já é presente) da exploração do grafite em Cabo Delgado;
• Agricultura e comercialização;
• Indústria dos raptos;
• Binômio mineração versus turismo.
Ponto de Interrogação:
Lutero Simango insistiu na necessidade da redução dos encargos fiscais mas não foi muito claro quanto às alternativas de encaixe de receitas; falou vagamente do aumento da base tributária como consequência imediata da redução da carga fiscal. Apenas isso!
Nota Final:
Nota 5, de 0 a 10.
Cada vez mais o Venâncio Mondlane se mostra um apaixonado pela direita fascisante. Em Portugal abraçou o “Chega”, o horror das camadas mais desfavorecidas da antiga colônia, e agora acaba de enviar para o Brasil uma mensagem de apreço ao Jair Bolsonaro, o horror das camadas mais desfavorecidas do Brasil. Há uma contradição que ele deve claricar quanto antes, pois conheço muitos indecisos relativamente à dar-lhe apoio.
Falo da contradição entre sua expressa colagem ideológica à direita (ele identifica-se como centrista) quando seu discurso é dissimuladamente de apoio aos desfavorecidos, ao “povo”, aos marginalizados da sociedade moçambicana.
Afinal como ficamos? Não será seu este discurso com o respaldo da esquerda socialista um mero expediente para chegar ao poder? Porque é que ele não deixa o povo de lado!l?
Diga de sua justiça, meu caro amigo! Desembuche! Quero perceber!
No balanço do seu consulado de 10 anos, Filipe Nyusi vai debitar uma narrativa de sucesso de governação, tal como ele pontuou seus discursos de Estado da Nação ao longo destes anos segurando a batuta da Ponta Vermelha.
Mas ele vai dizer que não fez muito porque encontrou o país já de tangas e um Tesouro de cofres vazios, herdados do calote guebuzista. Seu governo fez muito para reverter o cenário sombrio das finanças públicas - negociando com os credores e litigando contra a Privinvest e companhia (cujo desfecho foi conhecido na semana passada) - mas nenhum esforço serviu para recuperar a confiança dos mercados externos, resultando num endividamento interno quase insustentável, estimado agora em 14 mil milhões de USD.
Ou seja, Nyusi vai também deixar um legado perverso, uma espiral de endividamento que manterá o país na cauda da pobreza. A questão central então é: ele não podia ter feito melhor? Talvez sim!
Mas sua governação foi um recorte de remendos mal urdidos, um despesismo ocioso e corruptivo e uma contradição insana entre princípios de políticas públicas e a prática no terreno (discurso e prática), como no caso da conservação ambiental, onde ninguém percebeu como é que o Governo aprovou a invasão da mineração de areias pesadas na costa sul de Moçambique em detrimento do turismo; muito menos a ressurreição do monstro obsoleto de Techobanine no meio de um santuário de preservação ecológica no sul de Maputo.
Filipe Nyusi vai certamente engasgar-se no seu discurso. Na verdade, ele não tem nada para celebrar. A Educação está uma lástima e a Saúde pior. As crianças moçambicanas continuam sentadas no chão e a madeira nacional é exportada para o benefício de uma elite rendeira. Os hospitais não têm compressas. Médicos, enfermeiros e professores estão em constantes reivindicações, a começar pelas condições de trabalho.
Nyusi vai citar o Sustenta, mas o desafio a longo prazo da agricultura e da segurança alimentar continuam intactos. Nyusi vai citar seu programa Um Tribunal Um Distrito, mas há cada vez mais moçambicanos detidos em cadeias precárias, com fome e doenças. Esse programa foi mais uma justificativa para a drenagem de fundos do Tesouro e nada que tivesse a ver com a humanização da Justiça em Moçambique.
O mesmo se pode dizer do programa Um Hospital Um Distrito, que essencialmente visava expandir os negócios do seu amigo da Moçambique Holdings, José Parayukem, na sua relação com o Estado.
O que mais dizer?
Ah, Cabo Delgado. Nyusi vai deixar as armas da guerra troando. Seu governo foi uma lástima neste quesito. Andou de negação em negação ao longo dos anos, depois instrumentalizou o conflito para criar oportunidades de renda através do procurement militar e no fim foi se ajoelhar no espertalhão do Kagame, que abraçou a protecção da TotalEnergies como bandeira da sua relevância na geopolítica da segurança a sul do mundo.
Mas onde está o gás? Nada!
“Carta” sabe que o projecto controlado pela TotalEnergies está retomando gradualmente suas operações, agora com uma componente humanitária mais consistente, mas nada indica que Nyusi assistirá ao levantamento da “força maior”. Um grande fracasso político, também neste sentido.
O país de Nyusi é um país de desesperança. A pobreza urbana é tremenda. A qualidade dos serviços públicos vem se degradando velozmente. O nepotismo impera. E o propalado combate à corrupção continua ainda nas boas intenções, tal como mostrou ontem o GCCC, que se agarra em estatística processual de casos ainda não transitados nem julgados para querer mostrar trabalho e sucesso.
Nyusi vai cantar hosanas à recente avalanche da PGR contra o branqueamento de dinheiro, mas esta reação penal decorre da demanda externa e não tem nada a ver com vontade endógena. De resto, como noutros casos, a PGR montou uma máquina de comunicação para mostrar o impacto da ofensiva, mas ninguém ainda foi julgado nem condenado. E a presunção da inocência é uma instância a considerar antes de qualquer vitória.
Combate à corrupção? Não, ninguém está interessado. O Governo de Nyusi foi claro nisso, quando recusou ostensivamente a distinção operacional entre pequena e grande corrupção, dizendo que essa distinção não fazia sentido. Só não faz sentido para quem não pretende reformas. Não se combate a corrupção de enfermeiro com a mesma pílula destinada ao lobista de colarinho branco, que controla toda a traficância do colarinho branco.
O próximo incumbente tem muito a fazer neste campo, mas ainda não vimos ideias sólidas sobre como reverter o problema. Mas este é tema para outro debate. Os dez anos de Filipe Nyusi foram um fracasso. Ele fracassou!
Simplesmente isso! Para sustentar nosso argumento do fracasso nyusista podemos elencar vários indicadores. Aliás, já o fizemos nas linhas traseiras. Faltou mencionar a evidência mais pungente: os raptos. Aqui você foi uma desilusão total, Senhor Presidente, um autêntico logro!
Bernardino Rafael, o Comandante Geral da Polícia nos governos de Filipe Nyusi, chegou ao fim da linha. No passado dia 9 de Maio, ele assumiu aquilo que todo o mundo sabe: a polícia moçambicana, que ele dirige, está infestada de criminosos.
Eis as suas palavras, vertidas na INSTRUÇÃO N° 05 /CGPRM/GCG/100/2024:
“Nos últimos dias, o Comando-Geral da PRM tem constatado, com maior preocupação, a ocorrência de crimes envolvendo membros da PRM, praticados com recurso a armas de fogo, com destaque para assaltos e raptos”.
Finalmente, um alto dirigente castrense coloca o dedo na ferida, mas, como vão notar, ele não procura um curativo por intrusão, optando apenas por cobri-la com paninhos mornos.
Em face da situação, eis o que Bernardino Rafael recomendou, ipsis verbis:
“Assim sendo, com vista a assegurar uma análise aprofundada e abrangente sobre este fenómeno, INSTRUO os Ramos, Direcções do Comando-Geral da PRM, Comandos Provinciais da PRM, Estabelecimentos de Ensino Policiais e Unidades das Forças Especiais e de Reserva a realizar uma reflexão sobre as causas do envolvimento dos membros da PRM em actos criminais e apresentar recomendações para a solução do problema.
Prazo: 30 dias a contar a partir da data da recepção da presente”.
Trivial. Bizarro. Inenarrável!
Bernardino no seu pior.
Bom, antes de mais vale a pena elogiá-lo pela coragem. Ele admitiu finalmente o que a sociedade sabe. Que muitos relatórios comprovam: sua polícia não tem brio, é corrupta e assaltante à mão armada, e são operativos.
De resto, o problema tem barba branca (no caso dos raptos, a PGR Beatriz Buchile não se cansa de apontar o envolvimento de membros do SERNIC) e acentuou-se no seu consulado, sobretudo no caso dos raptos.
E o que Bernardino fez para contê-los? Fugas para frente com ladainhas ocas. Aliás, ele é um dos responsáveis da inacção, por omissão, nomeadamente quanto à aceitação por Moçambique de assistência técnica estrangeira de “polícia científica” para combater os raptos, adensando a percepção de que a “indústria” tem beneficiários dentro da classe política.
E agora, em função do seu descobrimento, a reacção de Bernardino é surreal. Ele não menciona a necessidade de reforço das unidades de inteligência e vigilância interna e a facilitação da reacção penal por parte da Justiça contra os “polícias criminosos”.
Mesmo com evidências cada vez mais graves, ele faz uma instrução que é um convite à ociosidade dos seus comandantes e prova cabal do desnorte vigente. Durante um mês, os comandantes vão recostar-se nas suas poltronas de cabedal, fingindo que estão a elaborar a reflexão solicitada.
Só o desnorte pode levar um alto quadro policial moçambicano a ignorar a ACIPOL (ele menciona vagamente os estabelecimentos de ensino tutelados) e as universidades deste país quando se tratar de avaliar um comportamento que também pode ser consequência da inexistência de controlo e vigilância interna e falta de autoridade de quem está a ser convidado para fazer a avaliação.
Esta instrução demonstra autoritarismo e preconceito de um dirigente que já devia estar em casa, tanto mais não seja pelo falhanço total em Cabo Delgado. O que Bernardino Rafael devia ter feito é convidar uma avaliação externa e independente, anunciar o reforço da vigilância interna e manifestar disponibilidade para aceitar a cooperação internacional. Enquanto isto não for feito, nada feito!(Marcelo Mosse)