Há cerca de 15 dias, Carlos Agostinho do Rosário, o agora repetente Primeiro-Ministro no segundo governo do Presidente Filipe Nyusi, já tinha feito as malas e deixado a casa protocolar. Ele não era a primeira escolha de Nyusi para o cargo. Esta indicação ganhou peso quando Nyusi exonerou-o antes do tempo e Rosário foi tomar posse como deputado na Assembleia da República, no passado dia 13.
Em princípios de Janeiro, Nyusi passara alguns dias na sua estância turística perto da praia das Chocas, em Mussoril, no interior costeiro de Nampula. É provável que ali, ele se tenha dado ao trabalho da formação solitária da sua equipa de governação para o segundo ciclo, esperando que, quando regressasse a Maputo e apresentasse suas propostas à Comissão Política, elas seriam chanceladas sem qualquer “pressão”. Afinal, os resultados eleitorais mostraram que ele era mais popular que a Frelimo.
Mas isso não aconteceu. Duas correntes na Comissão Política (a de Joaquim Chissano e a de Armando Guebuza) já haviam conjecturado: o segundo governo de Nyusi tinha de ser representativo da correlação de forças internas e não o resultado da escolha de uma única pessoa. No sábado (11) anterior à tomada de posse dos deputados, Nyusi acusou o toque da pressão. Numa reunião com os novos deputados da Frelimo, ele, apresentando a economista Esperança Bias, uma guebuzista, como a proposta da Frelimo para Presidente da AR, deixou claro que Bias não era a sua escolha: “esta é a vossa escolha, a escolha da direcção do Partido”.
Nyusi havia claramente cedido a pressões internas. E partiu para a tomada de posse na quarta-feira, dia 15, com a esperança de que aquela cedência tinha sido suficiente. Decidiu mostrar um braço-de-ferro contra quem lhe estava a pressionar. Depois da posse na Praça da Independência, veio o banquete de Estado na Ponta Vermelha. Perante a nata da Frelimo e dignitários estrangeiros, ele endureceu o tom. Ao invés de “o governo da Frelimo”, ele repetiu “o meu governo”, na referência ao futuro executivo.
E frisou que era alguém “imune a pressões”, que não aceitaria qualquer pressão senão “a pressão do interesse nacional”. Era claramente um recado para dentro do Partido; como quem dissesse: a Frelimo não é extensível à Presidência da República. No dia seguinte, Nyusi ainda se deu aos prazeres do golfe, tendo mais tarde recebido diplomatas que vieram a Maputo para a sua investidura.
Ala dura toma o poder
A derradeira reunião da Comissão Política com o Presidente (para a chancela do governo) teria lugar na sexta-feira, dia 17. Há indicações de que a discussão acabou sendo acérrima. No final da tarde, a composição de uma parte do Governo começou a ser conhecida. A súmula era clara: a ala dura da Frelimo tinha quase que tomado o poder no executivo. Nyusi não tinha conseguido formar o “seu governo”.
Algumas das suas escolhas centrais foram substituídas por Guebuzistas (Verônica Macamo, Ministra dos Negócios Estrangeiros; Margarida Talapa, Ministra do Trabalho e da Segurança Social) e um homem de mão de Joaquim Chissano (justamente o Primeiro-Ministro, Carlos Agostinho do Rosário, que estava de malas aviadas). Também Mariano Matsinha, o antigo Ministro da Segurança de Samora Machel (e muito chegado a Armando Guebuza), viu um homem da sua confiança ganhar lugar de peso no novo governo: Amade Miquidade, o novo Ministro do Interior.
O cargo encerra hoje tamanha relevância, por causa dos desafios de segurança que o país enfrenta no centro (com ataques armados da auto-intitulada Junta Militar da Renamo), e no norte (com a interminável insurgência) mais a delicada integração de elementos da Renamo na Polícia. Miquidade é um velho “bufo” dos tempos do Estado monopartidário. Ele dirigiu o antigo SNASP (Serviço Nacional de Segurança Pública), celebrizado por suas atrocidades. A razão da sua escolha parece uma incógnita, mas tudo indica que o Estado se tornará mais infiltrado por homens da securitária. O negócio da segurança em tempos de guerra pode também estar na mira: recentemente foi revelada uma parceria entre o filho de Mariano Matsinha, Tchenguela, com o antigo marine americano, Erick Prince, que oferece serviços de mercenários um pouco por todo o lado.
A entrada de Verônica Macamo e Margarida Talapa (que vêm da política pura) só pode corresponder aos interesses de Armando Guebuza, metendo, através delas, sua colherada nas discussões no Conselho de Ministros, espaço que pode vir a ser um campo de batalha frenético entre o Nyusismo e o Guebuzismo.
Nyusi conseguiu manter os principais ministérios económicos, com “o tripé de quatro pernas”, designadamente o super-ministro Celso Correia (Agricultura e Desenvolvimento Rural), Max Tonela (Recursos Minerais e Energia), João Machatine (Obras Públicas e Habitação) e Carlos Mesquita (Indústria e Comércio, o MIC). Sua manutenção no Governo já era previsível. Os quatro foram os mais destacados governantes do anterior mandato, as estrelas que deram conteúdo concreto à governação de Nyusi.
A transferência de Mesquita dos Transportes e Comunicações (MTC) para o MIC é um acto de correcção. No MTC, Mesquita estava limitado a potenciais conflitos de interesses. Ele é jogador empresarial do sector...e, sendo ministro no MTC, também era árbitro. Agora no MIC, Mesquita terá mais espaço mostrar suas valências.
E uma juventude com pontos de interrogação
No seu discurso no banquete na Ponta Vermelha, Nyusi fez questão de frisar que seu Governo iria ser composto de 60% de caras novas, mais juventude em média de idade e mais mulheres. Com o Governo ainda incompleto, estes indicadores ainda não estão provados. O Presidente viajou para Londres, deixando vacaturas na Administração Estatal (MAE), Juventude e Desportos, Género, Criança e Acção Social e Combatentes. O vazio no MAE causou espanto.
Um dos grandes desafios da actual legislatura é justamente a descentralização (da alçada do MAE), com os novos arranjos institucionais na relação entre novos órgãos descentralizados. Eventualmente, um titular para essa área deveria ser a primeira escolha, justamente para orientar a postura dos órgãos de poder local. Não se sabe se o nome proposto por Nyusi foi simplesmente chumbado ou ele apenas deixou o governo incompleto para partilhar essa responsabilidade com a Comissão Política da Frelimo, por sua interferência.
A escolha de algumas caras novas, mormente a tal juventude, tem sido criticada. A ideia é que há jovens competentes e com experiência de trabalho em determinados sectores, mas Nyusi foi buscar “outsiders” sem bagagem.
Entre os novos ministros perfilam-se dois jovens: Edelvina (Kika) Materula (Cultura e Turismo) e Janfar Abdula (Transportes e Comunicações). Kika Materula tem um vasto currículo como instrumentista de música clássica e é Directora Artística do Projecto Xiquitsi/Temporada de Música Clássica. Também é organizadora de eventos.
Observadores apontam que estas qualidades não lhe conferem competências para dirigir o pelouro, tanto mais que não tem qualquer conhecimento sobre turismo, o que levanta questões sobre sua capacidade de resolver os problemas do sector.
Também tem sido criticada a escolha de Janfar Abdula, que parece decorrer de sua origem (ele é de Cabo Delgado, como Nyusi, e encontrava-se a trabalhar na delegação do Banco de Moçambique, em Pemba, onde era economista). Formou-se recentemente na UEM nessa área. E não tem qualquer experiência num sector com enormes desafios para o país.
Para o leitor ter uma noção, eis apenas alguns desses, de acordo com especialistas: regulação e normalização do transporte rodoviário (em coordenação com os municípios); solução do problema financeiro/comercial da LAM, ADM, TMCEL, Transmarítima (em coordenação com o IGEPE); migração da carga em granel da rodovia para a ferrovia (linha de Ressano Garcia); criação de um quadro de regulação no sector portuário; reformulação do papel do INATTER (e solução dos problemas crónicos de corrupção nas escolas de condução e na emissão de cartas); estímulo da actividade de cabotagem marítima e clarificação do papel dos CFM no âmbito do sistema ferro-portuário (accionista/concessionário ou operador).
Terá Janfar capacidade para liderar ou coordenar estas reformas? A ver vamos. (Marcelo Mosse)
Esquema de ocultação começou a ser montado a seguir à filha do ex-Presidente de Angola ter sido nomeada pelo pai para liderar a petrolífera estatal. Documentos e testemunhos obtidos numa investigação Expresso/SIC, coordenada pelo consórcio ICIJ e com a participação de mais 34 órgãos de comunicação social de todo o mundo, mostram como isso envolveu um contrato celebrado no Reino Unido e teve a cumplicidade de vários portugueses, incluindo do atual chairman da NOS, o advogado Jorge Brito Pereira.
No intervalo de apenas seis meses, de maio a novembro de 2017, no último terço do seu mandato à frente da Sonangol, Isabel dos Santos fez com que a petrolífera estatal angolana para a qual tinha sido nomeada pelo pai, quando José Eduardo dos Santos era ainda presidente de Angola, transferisse pelo menos 115 milhões de dólares de fundos públicos para o Dubai.
Justificadas como pagamento de serviços de consultoria prestados à Sonangol, essas transferências tiveram como destino uma conta bancária de uma companhia offshore, a Matter Business Solutions, controlada pelo principal advogado da empresária angolana, o português Jorge Brito Pereira, sócio da Uría Menéndez, o escritório de Proença de Carvalho.
A companhia offshore do Dubai contratada por Isabel dos Santos enquanto presidente do conselho de administração da petrolífera estatal angolana tinha, além disso, como diretor o seu principal gestor de negócios, Mário Leite da Silva, e também como diretora e única acionista declarada às autoridades do Dubai a portuguesa Paula Oliveira, amiga próxima e sócia da filha do ex-chefe de Estado angolano noutras sociedades.
Apesar de ter sido a amiga e sócia a dar-se como dona, despesas feitas no verão de 2016 para a constituição da Matter Business Solutions naquela cidade dos Emirados Árabes Unidos foram suportadas por uma empresa da filha de José Eduardo dos Santos.
Atual chairman da empresa de telecomunicações NOS, Jorge Brito Pereira é ainda administrador da joalharia suíça De Grisogono e presidente da assembleia geral de várias instituições, incluindo a Efacec Power Solutions e os bancos BIC e BFA, onde representa em todas elas os interesses da empresária angolana e do seu marido, Sindika Dokolo
Nem Mário da Silva nem Paula Oliveira, também eles membros da administração da NOS, onde representam igualmente Isabel dos Santos, assumiram nos seus currículos públicos qualquer ligação à Matter Business Solutions, mas os seus nomes constam nos registos do Dubai e as suas assinaturas surgem a representar a companhia offshore em dois acordos relacionados com os pagamentos da Sonangol.
Um desses acordos, onde se vê a assinatura de Paula Oliveira, é um contrato celebrado entre a Sociedade Nacional de Combustível de Angola Limited (também conhecida como Sonangol Limited ou Sonangol UK), subsidiária da petrolífera no Reino Unido, e a empresa do Dubai, feito apenas cinco dias antes da demissão de Isabel dos Santos da petrolífera.
Esta e outras revelações fazem parte do Luanda Leaks, uma extensa investigação Expresso/SIC feita em equipa ao longo dos últimos oito meses com mais de 120 jornalistas do “Guardian”, da BBC, da televisão pública americana PBS, do “New York Times” e de mais 31 órgãos de comunicação social, e que foi coordenada pelo ICIJ, o Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação, uma organização sem fins lucrativos conhecida por ter desenvolvido nos últimos anos projetos como os Panama Papers e os Paradise Papers.
Na base do Luanda Leaks está uma fuga de informação de mais de 715 mil ficheiros partilhada com o ICIJ pelo PPLAAF, uma plataforma de proteção a whistleblowers em África.
À fuga de informação foram acrescentados documentos vindos de outras fontes, incluindo documentos da Sonangol e da Sodiam, a empresa pública angolana de distribuição de diamantes, fornecidos por fontes oficiais em Luanda, bem como documentos do registo offshore do Dubai e documentos do Banco de Portugal, que foram cruzados com informação e testemunhos recolhidos no terreno pelo Expresso e pela SIC quer no Dubai quer em Luanda, onde foram realizadas reportagens e entrevistas em equipa com os programas de investigação Panorama da BBC e Frontline da PBS.
Do dinheiro que foi parar ao Dubai ao longo da segunda metade de 2017, houve 57.831.213,54 dólares que foram pagos em três transferências executadas a 16 de novembro de 2017, já depois de a empresária angolana ter sido demitida publicamente da sua função de presidente da Sonangol, a 15 de novembro, por um decreto do então recém-eleito Presidente da República de Angola, João Lourenço, que substituiu o pai dela no cargo.
Com efeitos retroativos e cobrindo todos os pagamentos à Matter, o contrato de 10 de novembro de 2017 com a companhia do Dubai foi assinado em nome da Sonangol por Maria Jacinto de Sousa Rodrigues, identificada no documento como CEO da subsidiária britânica, mas que nunca foi inscrita como tal no registo comercial do Reino Unido. E também não consta no relatório e contas de 2017 da Sonangol Limited como tendo passado pela direção da empresa.
Ao ICIJ, a própria Maria Rodrigues admitiu não ter ocupado o cargo. “Não cheguei a sentar-me no gabinete”, contou. Também não conheceu Paula Oliveira nem sabe de quem se trata. Recorda-se de ter assinado um único papel, mas não tem ideia de qual era o seu conteúdo nem se lembra do nome Matter. “Não imaginava que tinham ido para a frente com esse documento. Os advogados disseram que não iria funcionar… eu não tinha tomado posse. Ainda não tinha autorização [para assinar]. Esse documento não é válido.”
A sua nomeação foi noticiada na altura por um site angolano, o Club-K, sendo identificada como prima de Isabel dos Santos. Maria Rodrigues corrigiu ao ICIJ essa relação de parentesco: o irmão foi casado com Marta dos Santos, irmã de José Eduardo dos Santos e não é ela mas sim as suas sobrinhas que são primas da empresária.
Segundo Maria Rodrigues, quem lhe deu o papel para assinar em mãos foi o português Sarju Raikundalia, o braço direito de Isabel dos Santos na administração da petrolífera, nomeado como administrador não executivo na mesma data que a empresária, a 3 de junho de 2016, mas que acabou por assumir a função de CFO, administrador financeiro.
De forma a garantir a nomeação da ex-cunhada de Marta dos Santos à frente da Sonangol UK, Sarju Raikundalia fez uma visita à subsidiária em Londres a 7 de novembro de 2017 para demitir pessoalmente Sandra Júlio, a então CEO, que ocupava (e ocupa) aquele lugar desde 2012. Como não conseguiu que isso acontecesse de imediato, voltou na manhã seguinte.
De acordo com uma carta escrita por Sandra Júlio a 8 de novembro de 2017 ao ministro dos Petróleos a contar o que tinha acontecido na véspera e nesse próprio dia, depois de Raikundalia ter tido uma conversa tensa com ela, foi enviado um e-mail interno em que a filha de José Eduardo dos Santos assinava um despacho a nomear a sua substituta, Maria Rodrigues, com uma data muito anterior: mais de dois meses antes.
“Surpreendentemente, às 13h04 desse dia (8/11) recebi, tal como todos os funcionários da Sonangol, uma mensagem de correio eletrónico com a comunicação da minha exoneração por despacho com data de 30 de agosto de 2017, bem como da nomeação da minha substituta, Sra. Maria Jacinto de Sousa Rodrigues, quando a decisão da minha exoneração terá sido tomada pelo CA [Conselho de Administação] na semana de 30 de outubro de 2017”, contou na carta.
Entre os documentos do Luanda Leaks existe correspondência trocada entre a Sonangol UK e a administração do grupo em Luanda durante os meses de setembro e outubro — depois da data que consta na exoneração — em que Sandra Júlio é abordada como CEO da subsidiária.
Sandra Júlio escreveu também que, horas antes da divulgação interna do despacho assinado por Isabel dos Santos e quando ela se recusou a apresentar a substituta aos colaboradores sem que fosse formalmente exonerada, Raikundalia respondeu “de forma agressiva, e algo descontrolada,” que ela “não estava a ser digna da complacência do CA [Conselho de Administração]”, pois “não estava a colaborar”.
Na carta ao ministro, explicou: “Desde há algum tempo que a forma de relacionamento do senhor administrador para comigo se alterou, na medida em que, na minha qualidade de diretora-geral da Sonangol Limited, declinei assumir certos compromissos contratuais e financeiros.” E alertou o governante: “A retroação da minha exoneração a 30 de agosto, e consequente tomada de posse da minha substituta, não se coaduna de forma alguma com a lei e com as mais elementares práticas de boa gestão e pode facilitar a simulação de atos contratuais que, apesar de nulos ou anuláveis, podem prejudicar o meu bom nome, o meu prestígio profissional e os superiores interesses da Sonangol.”
As informações acumuladas durante a investigação do Luanda Leaks vão além das suspeitas iniciais, tornadas públicas, sobre Isabel dos Santos em relação a uma ordem de transferência de 38 milhões de dólares para a Matter depois de ter sido despedida.
Numa conferência de imprensa dada a 28 de fevereiro de 2018, o seu sucessor à frente da Sonangol, Carlos Saturnino, denunciou haver contornos estranhos sobre pagamentos para o Dubai em serviços de consultoria. Saturnino mostrou um powerpoint em que foi exibido um total de 135.759.875,62 dólares pagos durante os 18 meses de administração de Isabel dos Santos e em que 130.908.962 dólares — isto é, 96% de todas as consultorias encomendadas — tiveram como destino aquele paraíso fiscal nos Emirados Árabes Unidos. A investigação do Luanda Leaks não conseguiu, no entanto, confirmar a totalidade desse montante.
Saturnino falou em particular de uma transferência de 38.181.213,54 dólares “solicitada pelo CFO [Sarju Raikundalia] cessante após a sua exoneração, a favor da empresa Matter Business Solution DMCC”, aludindo também a uma carta “assinada pela PCA [Presidente do Conselho de de Administração] cessante e pelo CFO cessante, a solicitar a referida transferência”.
Na sequência dessa denúncia pública, a Procuradoria-Geral da República angolana decidiu abrir um averiguação preventiva a 3 março de 2018. Esse processo preliminar veio a ser convertido num inquérito-crime em setembro de 2019, em que a filha de José Eduardo dos Santos passou a ser considerada suspeita de ter cometido crimes de peculato, abuso de poder, associação criminosa e branqueamento de capitais.
Numa entrevista dada ao Expresso e à SIC em outubro, o procurador-geral da República angolano, Hélder Pitta Grós, explicou que no inquérito-crime em curso em Angola estão em causa factos que “têm a ver com a má gestão dela, uma gestão gravosa”, acrescentando: “Temos ali umas situações de branqueamento de capitais, algumas de negócio consigo própria.”
Segundo o procurador-geral, a averiguação preventiva foi convertida em processo-crime em setembro de 2019 porque no entendimento do Ministério Público os indícios são fortes: “Só tomamos essa decisão de converter qualquer processo de inquérito [o equivalente a uma averiguação preventiva em Portugal] que esteja na DNPCC [Direção Nacional de Prevenção e Combate à Corrupção] em processo-crime quando a matéria que nós temos já nos aponta para que haja matéria de facto suficiente para consolidar a prova.”
Pitta Grós revelou que tem vindo a ser pedida colaboração judiciária internacional por causa dessa investigação — incluindo a Portugal. E no caso de o inquérito-crime vir a concluir que houve empresas e cidadãos portugueses envolvidos, vão pedir ajuda ao Ministério Público português. “Numa situação dessas vamos interagir com as autoridades portuguesas com quem temos uma relação ótima”, diz. “Iríamos encontrar a solução mais acertada num caso desses.”
O magistrado contou ainda que não só Isabel dos Santos mas também Sarju Raikundalia saíram de Angola e nunca mais regressaram. “Assim que foi notificada [em julho de 2018, para ser ouvida], no mesmo dia ela abandonou o país.” No caso do CFO, foi ainda mais rápido: “Acho que abandonou de imediato o país.”
Os 57,8 milhões de dólares pagos ao cair do pano da polémica passagem de Isabel dos Santos pela maior empresa pública angolana foram transferidos a partir de uma conta da Sonangol em Lisboa no Eurobic, banco de que a empresária é a maior acionista.
As três ordens de transferência que permitiram a saída do dinheiro da conta do Eurobic a 16 de novembro de 2017 — uma de 38,1 milhões, outra de 15,3 milhões e uma terceira de 4,35 milhões de dólares — foram assinadas por Isabel dos Santos e por Sarju Raikundalia.
Essas ordens de transferência tiveram como base o contrato de 10 de novembro assinado por Maria Rodrigues em nome da Sonangol UK e foram suportadas por um conjunto de 63 faturas, enviadas ao gestor de conta do Eurobic. As faturas apresentam informação muito escassa sobre os serviços de consultoria que terão sido prestados à petrolífera, levantando dúvidas sobre o controlo e verificação dessas despesas pela empresa pública angolana.
Existem, por exemplo, duas faturas duplicadas, com data de 12 de novembro de 2017, onde a única diferença é o número da fatura (124 e 125), e que foram pagas também em duplicado: duas vezes 673.339,97 euros. Isto é, 1.352.679,94 euros. E outras com justificações de apenas duas palavras para despesas de centenas de milhares de euros, como o caso da fatura 132, de 880.925,40 euros, descrita como despesa associada a um “Plus project”.
Os documentos mostram ainda que há oito faturas da Matter no valor de 19,65 milhões de dólares que foram remetidas pela Sonangol para o Eurobic em Lisboa a 16 de novembro de 2017, um dia depois de a filha de José Eduardo dos Santos ter sido exonerada. Essas faturas seguiram à hora de almoço numa versão em que tinham a data de 16 de novembro e depois voltaram a ser enviadas à tarde com a data de 14 de novembro — um dia antes da exoneração.
A última dessas faturas com data alterada, com o número 143, é de 4,35 milhões de dólares. Este montante foi justificado com “serviços de consultoria relativos ao apoio em diferentes assuntos”, que são explicados em sete linhas curtas, incluindo uma a dizer apenas “serviços jurídicos” e uma última que refere “outras análises ad hoc solicitadas”, sem que qualquer valor seja discriminado.
O contrato de 10 de novembro de 2017 assinado por Paula Oliveira, em nome da Matter, e por Maria Rodrigues, em nome da Sonangol, estabelece que para os serviços prestados no passado e a prestar no futuro à petrolífera a companhia offshore recorreu à subcontratação de consultoras internacionais: a Boston Consulting Group (BCG), a PricewaterhouseCoopers (PwC), a Mckinsey, uma consultora portuguesa de nome Odka (que tem como administradora a mulher de Mário Leite da Silva) e o escritório de advogados Vieira de Almeida (VdA).
As faturas emitidas pela Matter à Sonangol, no entanto, não fazem alusão a essas consultoras subcontratadas e ao trabalho que terá sido feito por cada uma delas. A ter havido contratos escritos entre a Matter e essas consultoras internacionais, os contratos não ficaram na Sonangol, segundo o que fontes do Ministério Público angolano disseram ao ICIJ.
O acordo assinado pela Sonangol UK obrigava a que a petrolífera não podia exigir nem à Matter nem às consultoras subcontratadas provas dos serviços prestados e impedia qualquer contacto entre as consultoras internacionais e a petrolífera estatal em relação a esses trabalhos. Tudo tinha de passar em exclusivo pela intermediação da companhia offshore.
“Não obstante o pagamento dos serviços pela entidade SNL [Sonangol UK] nos termos aqui definidos, a entidade SNL não terá o direito de solicitar tais serviços à Matter ou aos consultores, nem de dar quaisquer instruções à Matter ou aos consultores relativamente aos serviços, incluindo, sem limitação, para fins regulamentares, de supervisão e contabilidade”, lê-se no contrato. “Os serviços deverão continuar a ser solicitados, instruídos e coordenados exclusivamente pela Matter.”
Mas como saber o que foi realmente feito e quanto é que cada serviço prestado custou se o cliente final, uma entidade do Estado cujo dinheiro representa fundos públicos, não pode pedir contas disso?
Por outro lado, o contrato assinado por Maria Rodrigues em nome da Sonangol não determinou qualquer preço global nem qualquer prazo para que os pagamentos terminassem.
Confrontada a 12 de dezembro pelo ICIJ, e com pedidos adicionais do Expresso e da SIC para uma entrevista, Isabel dos Santos optou por responder a 14 de janeiro, depois de vários pedidos de adiamentos, através de um dos maiores escritórios ingleses de advogados, a Carter-Ruck. “A senhora dos Santos gostaria de salientar que nem a Matter nem a Ironsea [o nome anterior da Matter, como veremos mais adiante] foram ou são propriedade dela ou do seu marido”, veio na carta.
Referindo-se especificamente aos pagamentos da Sonangol relacionados com a Matter, os advogados acrescentaram: “Ela observa ainda que o custo total do projeto de reestruturação durante um período de 18 meses, cobrindo o custo de todos os consultores, de junho de 2016 a novembro de 2017, foi de cerca de 115 milhões de dólares.”
A carta da Carter-Ruck sublinhou, de uma forma genérica, em relação a uma lista extensa de questões sobre vários assuntos colocadas pelo ICIJ em nome do Expresso e de todos os parceiros do Luanda Leaks, que o entendimento de Isabel dos Santos é que tudo se trata de uma campanha política contra ela: “Qualquer artigo deve também deixar totalmente clara a posição da nossa cliente de que estas alegações, que parecem emanar em grande parte de funcionários angolanos não nomeados, são por definição politicamente motivadas e refletem um ataque mais amplo à nossa cliente e à sua família pelo Governo de Angola, para os seus próprios fins políticos.”
De acordo com os advogados de Isabel dos Santos, “a decisão de substituir a Sra. Júlio pela Sra. Rodrigues foi de facto tomada pelo conselho de administração a 30 de agosto de 2017. No entanto, o anúncio público da nomeação foi adiado até 8 de novembro e, para todos os efeitos práticos, a Sra. Rodrigues tomou posse nessa data”. Além disso, o despedimento de Sandra Júlio “foi plenamente justificado na altura, pois tinham sido levantadas sérias preocupações quanto ao seu desempenho e conduta”, em particular o facto de a diretora-geral da subsidiária ter mandado comprar, “sem a devida autorização, um camarote VIP no estádio dos Emirados (Arsenal) a um custo de cerca de 250 mil libras, para o qual ela convidou traders de petróleo e diretores de bancos”.
Ficou por explicar, tendo em conta tudo isso, porque é que a nomeação de Maria Rodrigues assinada por Isabel dos Santos dizia no seu ponto 2: “O presente despacho entra imediatamente em vigor”. Por outro lado, na conversa com o ICIJ, Maria Rodrigues contou que embora não se recordasse do dia exato em que foi convidada para chefiar a subsidiária em Londres, lembrava-se que tinha sido por volta do início de novembro. Alguém nomeia outra pessoa sem falar com ela primeiro? E se havia preocupações sérias em agosto sobre a conduta de Sandra Júlio, e com o formalismo da sua demissão e substituição imediata já decidido e tratado, porquê esperar mais de dois meses para despedi-la? Nenhuma justificação foi dada para esse adiamento.
Confrontados igualmente pelo ICIJ a 12 de dezembro por e-mail, com pedidos adicionais de entrevistas do Expresso e da SIC, Jorge Brito Pereira, Mário Leite da Silva e Sarju Raikundalia não responderam.
Já Paula Oliveira resolveu enviar ao ICIJ, através também de um escritório de advogados britânico, Vardags, uma carta de sete páginas de última hora, nesta sexta-feira, numa tentativa de bloquear a publicação de histórias que a pudessem envolver.
“É motivo de grande preocupação para os nossos clientes que a carta [com questões, enviada pelo ICIJ] contenha uma série de suposições e alegações altamente difamatórias contra os nossos clientes, especificamente que a Sra. Oliveira conscientemente conspirou com Isabel dos Santos para ‘desviar’ grandes somas de dinheiro da Sonangol via Matter”, escreveram os advogados dela. “Tais alegações são extremamente graves e altamente difamatórias”, acrescentaram. “Quaisquer alegações de que a Matter ou a Ironsea estiveram envolvidas (ou foram criadas para facilitar) o desvio de fundos da Sonangol são manifestamente falsas e categoricamente negadas. É uma empresa legítima, como pode ser comprovado pelo registo comercial do Dubai e pelas suas contas auditadas.”
Segundo os seus advogados, Paula Oliveira não conheceu Maria Rodrigues porque o “cliente da Matter era o grupo Sonangol” e todas as discussões foram conduzidas com os administradores da Sonangol EP escolhidos pela petrolífera para manterem o contacto com a companhia offshore. “Foi uma decisão interna do Conselho de Administração da Sonangol que a subsidiária deveria assinar o contrato com a Matter. A Sra. Oliveira apenas interagiu com o Conselho de Administração da Sonangol relativamente ao contrato.”
Isabel dos Santos já tinha negado várias vezes estar por detrás da Matter Business Solutions. Fê-lo numa entrevista ao “Jornal de Negócios” publicada a 3 de março de 2018, em que negou ser acionista da empresa, e também numa carta escrita cinco dias depois disso, dirigida a Carlos Saturnino, o homem que foi nomeado por João Lourenço para a Sonangol quando foi despedida.
“Num processo transparente e sempre em comunicação com as entidades, foi decidido que o contrato de coordenação dos consultores a cargo da empresa Wise seria cedido à empresa Matter, da qual eu não faço parte”, escreveu Isabel dos Santos na carta em que tentou refutar as suspeitas lançadas dias antes por Saturnino.
A Wise Intelligence Solutions, a que se refere, é uma empresa sediada em Malta detida assumidamente por Isabel dos Santos e que tinha sido contratada para assessorar o Estado na reestruturação do sector petrolífero pelo Ministério das Finanças em dezembro de 2015, meio ano antes da entrada da empresária na Sonangol. Na altura, a Wise subcontratara a BCG, a PwC e o escritório de advogados português Vieira de Almeida (VdA) para fazerem o trabalho.
Na carta de 8 de março de 2018, a empresária explicou a sua versão: “Este contrato, de gestor transversal, foi posteriormente cedido à empresa Matter por razões de organização interna do grupo de consultores e a pedido destes. A Matter foi o coordenador, e gestor transversal deste projeto de consultoria multidisciplinar. A Matter foi a entidade que teve a responsabilidade de coordenar e gerir os diversos trabalhos e programas de consultoria prestados no âmbito da reestruturação da Sonangol, nomeadamente pela PriceWaterhouseCoopers, Boston Consulting Group, Odkas, Ucall, VdA, McKinsey, etc, e teve a responsabilidade de otimizar os custos, prestações e resultados da consultoria, garantindo a execução das metas e objetivos contratuais.”
Além da carta, e como reação imediata à denúncia contra ela, Isabel dos Santos criou um site onde abordou o assunto e onde disse, entre outras coisas, que “nenhum pagamento ou transferência foi efetuado após cessão de funções na Sonangol”, referindo-se num vídeo especificamente à transferência de 38 milhões de dólares como “o pagamento das faturas dos trabalhos de consultoria já prestados e em dívida. Trata-se de pagamentos totalmente legítimos, de faturas emitidas, relativas a trabalhos efetivamente realizados e prestados”.
Já em outubro de 2019, quando o Expresso, a SIC, a BBC e a PBS viajaram para Luanda para investigá-la, Isabel dos Santos garantia numa entrevista à agência Lusa dada em Cabo Verde que estava a ser vítima de má-fé. Tinha ido para a Sonangol porque era preciso “salvar” a empresa”, não para “resolver problemas financeiros” seus ou da família e partilhando uma página com a ordem de transferência dos 38 milhões de dólares para o Dubai que estava a ser posta em causa pelos procuradores angolanos, explicando que ela tinha sido dada antes da sua exoneração e que correspondiam a “faturas antigas. Faturas do mês de setembro, faturas do mês de outubro, faturas do mês de agosto”.
Não havia como contornar isso, segundo disse a filha de José Eduardo dos Santos à Lusa: “Quaisquer contratos que a Sonangol tivesse com os seus fornecedores, independentemente de ser eu o gestor ou outro, são contratos que existem e são contratos com empresas, não são contratos comigo.”
O papel que deu à Lusa — e que a agência partilhou com o Expresso — mostra, no entanto, outra realidade. No documento, a “ordem de pagamento” foi emitida às 18h30:57 de 15 de novembro de 2017. Nessa altura, cinco horas antes, tinha já saído a primeira notícia online sobre a exoneração da filha de José Eduardo dos Santos, dada pela agência de notícias Angop às 13h31, numa reação ao decreto presidencial 283/17 desse dia, assinado por João Lourenço, em que toda a administração da Sonangol foi destituída. Um comunicado no site oficial do Governo foi publicado às 15h07.
Na versão dos seus advogados, e contrariando o que o procurador-geral da República disse ao Expresso e à SIC, Isabel dos Santos “continuou como chairman da Sonangol até às 14h00 do dia 16 de novembro de 2017 e as suas ações relativamente à ordem de pagamento e a todos os outros assuntos relacionados com a Matter foram inteiramente lícitas”.
Sem que aceitasse ser entrevistada pelo Expresso e pela SIC, ou para os programas Panorama da BBC e Frontline da PBS, Isabel dos Santos optou por ir falando publicamente para outros meios, incluindo numa longa entrevista publicada pelo “Observador”, em Portugal, a 20 de dezembro, onde disse que não tinha sido escolhida pelo pai para a Sonangol. E à RTP, em Londres, já esta semana.
Quando a sua entrada na Sonangol foi anunciada em 2016, em todas as declarações públicas que fez e no topo do seu discurso estava uma palavra que tem usado com frequência ao longo dos anos: transparência. Num comunicado oficial, dizia que um dos seus objetivos era, aliás, “assegurar a transparência na gestão e a aplicação de standards internacionais de reporte e de governança”.
Mas terá sido mesmo assim? Transparente?
De acordo com os documentos do Luanda Leaks, as primeiras referências do envolvimento direto de Isabel dos Santos com a gestão da Sonangol remontam a agosto de 2015, oito meses antes de ser nomeada pelo pai para presidente do conselho de administração.
Nesse verão, um projeto ganhou forma com o nome de código “Solange”. A ideia era desenhar um plano de reestruturação do sector petrolífero, o que passava essencialmente por rever e mexer em todo o grupo Sonangol.
A queda acentuada do preço do petróleo no mercado internacional estava a ter efeitos devastadores.
Depois de um pico registado por Angola do Produto Interno Bruto (PIB) em 2014, a redução drástica nas receitas obtidas pela empresa petrolífera começava a fazer estragos sérios. Em janeiro de 2015 baixara drasticamente os lucros para 461 milhões de euros, comparados com 1,3 mil milhões no mesmo mês do ano anterior.
Lucro mensal da Sonangol caiu cerca de 1.000 milhões de euros em dois anos
Em janeiro de 2015, os lucros da concessionária estatal com a venda de petróleo já tinham caído para 80,5 mil mi...
A Sonangol tem um peso de 15% no PIB, além de controlar até recentemente todas as concessões dadas a companhias estrangeiras — representando, assim, 90% das exportações.
A 26 de agosto de 2015, houve um encontro em Londres entre Isabel dos Santos, Mário Leite da Silva e Rui Amendoeira, um advogado que tinha acabado de se tranferir do escritório da Miranda & Associados para o escritório da Vieira de Almeida (VdA) com mais 23 colegas, para chefiar uma nova equipa especializada em gás e petróleo.
O cliente formal da VdA para o projeto Solange foi a Wise Intelligence Solutions, a tal empresa sediada em Malta e propriedade de Isabel dos Santos (com 99%, porque o marido possui 1% do capital social), tendo como diretor Mário Leite da Silva. Na prática, o cliente da VdA era a filha do então ainda Presidente da República.
Apesar de estar sediada em Malta, os documentos do Luanda Leaks mostram que a Wise usava também como morada o endereço da Avenida da Liberdade, 190, em Lisboa, onde funciona a Fidequity, a empresa de gestão dos negócios de Isabel dos Santos, detida a 100% por ela e pelo marido através de uma empresa holandesa, a Panorama Equity Investments BV.
A Fidequity é dirigida também por Mário Leite da Silva e possui uma equipa de umas dezenas de pessoas, distribuídas em dois pisos por cima da loja da Louis Vuitton, na capital portuguesa.
Na altura do encontro em Londres, as coisas já estavam avançadas e a reunião serviu para discutirem uma proposta inicial de reestruturação da Sonangol que estava a ser trabalhada há semanas. A 16 de setembro de 2015, numa reunião em Lisboa, e segundo revelam os documentos, Isabel dos Santos, Rui Amendoeira e Alexandre Gorito, um partner da BCG, discutiram a criação pelo Governo angolano da Comissão de Avaliação e Análise para Aumento da Eficiência do Sector Petrolífero. Dois dias depois, o decreto presidencial para criar a comissão foi trabalhado pelo escritório da VdA.
A 26 de outubro de 2015, esse decreto presidencial era publicado em “Diário da República”, com a assinatura de José Eduardo dos Santos. O diploma reconhecia que “a queda acentuada e contínua do preço do barril de petróleo que se verifica há sucessivos meses tem provocado um impacto significativo na economia do país” e que “não é previsível que o cenário de preços baixos possa ser invertido num horizonte próximo”, o que “afeta a atividade e a própria sustentabilidade da concessionária nacional — Sonangol, EP —, bem como de outras empresas petrolíferas, nacionais e internacionais, que operam no país”.
O decreto trabalhado pela VdA e assinado por José Eduardo dos Santos assumia que era preciso definir uma nova estratégia e essa seria a missão da comissão que era então lançada.
Associada a essa comissão foi constituído um “Comité de Avaliação e Análise para o Aumento da Eficiência do Sector Petrolífero” que, segundo o decreto presidencial, iria incluir “dois consultores independentes”. Foi estipulado um prazo de 15 dias para apresentação de um cronograma e um prazo de 90 dias para entrega de um relatório final dos trabalhos, “a contar da data de entrada em vigor do presente despacho, período em que extingue-se o referido comité”.
A 14 de dezembro de 2015, na sequência do decreto presidencial, foi assinado um contrato de consultoria entre o Ministério das Finanças e a Wise no valor de 8,5 milhões de euros, em que a empresa de Isabel dos Santos foi autorizada a subcontratar três consultoras internacionais: a BCG, a PricewaterhouseCoopers (PwC) e a Accenture (que não chegou a ser contratada).
Dos 8,5 milhões de euros previstos no contrato, 2,7 foram pagos antecipadamente, duas semanas antes da sua assinatura, a 1 de dezembro, e 1,8 milhões no próprio dia da assinatura. Nessa altura, as coisas já estavam mais do que definidas. A BGC tinha, aliás, entregue logo em setembro de 2015 à Wise um documento confidencial de 52 páginas com a “estruturação da Fase de Planeamento Detalhado”, em que escreveu como é que tudo ia ser feito, colocando um preço por isso: 3,3 milhões de dólares por 10 semanas de trabalho, num cronograma dividido em três fases: diagnóstico detalhado, desenho detalhado e fase de preparação da implementação da reestruturação de todo o grupo Sonangol, incluindo a criação de novas entidades no sector do petróleo, bem como um novo modelo de regulação e alterações legislativas que seriam precisas introduzir.
No esquema apresentado pela Boston, eram dados nomes de 18 pessoas da consultora que iriam estar envolvidas no projeto Solange, incluindo um dos diretores em Luanda.
A Wise ficou com a coordenação, trazendo como mais-valia, de acordo com o documento da BCG, a “experiência em gestão de projetos complexos e conhecimento da realidade angolana” e “de situações complexas e com sensibilidade para a cultura angolana”.
Além da BCG, que acabou por receber mais 74 mil euros além dos 3,3 milhões pedidos, a PwC foi subcontratada por 246 mil euros para a assessoria financeira e fiscal, enquanto a VdA recebeu 445 mil euros pelos serviços jurídicos, segundo cálculos feitos pelo ICIJ às faturas emitidas até julho de 2016 e que constam do Luanda Leaks. No final, a Wise cobrou pelo projeto Solange ao Ministério nove milhões de euros — e não os 8,5 milhões previstos no contrato.
Mas e os cerca de 5 milhões de euros, mais de metade do contrato, que não foram para os serviços subcontratados pela Wise? Aparentemente, ficaram para a empresa — pela mais-valia de ter coordenado as subcontratações. (Micael Pereira, in Expresso.pt)
Continuam detidos em Cabo Delgado, os 25 cidadãos estrangeiros interceptados em Dezembro de 2019, pelas FDS, em embarcações que transportavam heroína e Ice, ao largo da Baia de Pemba. No grupo dos 25 traficantes, 12 são iranianos e 13 paquistaneses. Conforme apuramos, os 12 iranianos estão detidos na 3ª esquadra da Cidade de Pemba, sediada próximo à famosa Praia do Wimbe.
No trabalho jornalístico realizado, “Carta” constatou que os 12 iranianos detidos em Dezembro – que viriam a incendiar a embarcação – são:
- Arif Bulujzma, nascido a 12 de Janeiro de 1998, filho de Ussul Batwish Bulujzma e de Mudkan Bulujzma, por sinal o mais novo do grupo, tendo recentemente completado 22 anos de idade;
- Mojib Bulujzma, nascido a 27 de Agosto de 1979, filho de Khadir Mohamad Bulujzma e Habib Bulujzma;
- Moram Buluj, tendo durante o interrogatório revelado que não se lembrava da data do seu nascimento. Ele é filho de Shabkhash Buluj e de Beekum Buluj;
- Sheram Buluj, nascido a 22 de Março de 1976, filho de Sha Jesh Buluj e de Beelam Buluj;
- Abde Al-Kuwa Buluj, nascido a 12 de Março de 1963, filho de Khadad Bulujzma e de Maryam Bulujzm;
- Ali Bahsha Buluj, nascido a 06 de Janeiro de 1980, filho de Issa Buluj e de Sara Buluj;
- Khalid Buluj, nascido em 1963, filho de Hada Bahsha Buluj e de Dorb Buluj;
- Ghalim Hossain Bulujzma, filho de Khawadad Bulujzma e de Maryam Bulujzma;
-Issa Buluj, que também disse aos investigadores que não se lembrava da data do seu nascimento.
De referir que Issa Buluj é o mais velho dos detidos, e pai de alguns dos envolvidos, conforme apuramos de fontes ligadas ao processo. Issa é uma figura sobejamente conhecida nos meandros do tráfico de drogas e que já circula por Moçambique há vários anos, actuando como recrutador de “mulas”, segundo revelou uma fonte que tentou ser recrutada há algum tempo atrás.
Issa Buluj tem ligações a certos empresários nacionais que actuam entre Cabo Delgado, Nampula e Maputo. Entretanto, devido à estratégia usada pelo grupo, no passado dia 14 de Dezembro de 2019 – incendiando a embarcação – as investigações correm a um nível “pouco esperado”, uma vez que a prova material foi eliminada e os visados não estão cooperar, revelou uma fonte ligada a investigação.
Refira-se que no âmbito do combate internacional ao tráfico de estupefacientes, o Ministério Publico (MP), emitiu um comunicado de imprensa onde informava que o cidadão paquistanês Tanveer Ahmed Allah será extraditado para o estado do Texas (EUA), e que estava tomar diligências legais para que o acto aconteça brevemente.
Salientar que Cabo Delgado era o campo operativo de Tanveer, tendo sido detido e depois solto por um Tribunal, até que através de um mandado internacional da Justiça americana, o mesmo foi detido na sua residência na Matola, em Janeiro de 2019. (P.M. & O.O.)
Moçambique está a preparar, no Tribunal Supremo de Londres, um pedido de substituição do Credit Suisse International e do Credit Suisse AG (os dois réus originais) pelo Credit Suisse Securities (Europa) Limited (CSSEL) como réus, com base no facto desta última ser na verdade o empregador de Andrew Pearce e Detelina Subeva, os dois funcionários do Credit Suisse acusados de suborno.
Moçambique está também procurando obter as declarações de defesa, que devem ser submetidas até 19 de Janeiro de 2020. Um juiz do Tribunal ordenou que o Credit Suisse entregasse a sua defesa às acusações de Moçambique, relacionadas ao seu envolvimento no escândalo da dívida oculta de 2 bilhões de USD, dizendo que mais atraso criaria custos desnecessários informou.
O Credit Suisse respondeu que teria que reescrever partes de sua defesa se uma nova entidade do Credit Suisse fosse acusada. A advogada do credor, Helen Davies, QC, disse que o pedido de Moçambique foi uma clara manobra legal para encobrir o seu "erro" em processar as entidades erradas. No entanto, o juiz disse que a adicção do Credit Suisse Securities (Europe) International Ltd ao processo teria "pouco impacto" na colecta ou divulgação de evidências. (Law 360)
O Governo já pagou mais de 1.6 milhões de USD à firma de advogados “Mabunda Incorporated Attorneys At Law”, escritório sul-africano de advogados que representa a Procuradoria-Geral da República em tribunais da África do Sul no caso Chang, revelou o CIP.
O valor corresponde à intervenção geral da Mabunda no caso, incluindo dois recursos, cada um custando 10 milhões de Rands. Quando a Mabunda submeteu, em Dezembro de 2019, uma factura de 20 milhões de randes pelos dois recursos, a PGR não pestanejou.
A Mabunda está a cobrar 6.000 randes por hora por cada um dos dois advogados alocados. “Há qualquer coisa que não bate certo”, disse um advogado de Joanesburgo, falando para a ‘’Carta”. Este jornal apurou que os “fees” mais caros Na RAS, um mercado regulado, rondam os 3.000 rands. E a Mabunda não é um escritório dos escritórios mais caros.
“Carta” sabe que o FMO (Fórum de Monitoria do Orçamento) pagou 25.000 USD à firma que contratou na RAS. É provável que o caso venha a provocar acesos debates a Ordem de Advogados da RAS.
Manuel Chang é assistido na RAS por duas firma. A BDK, que ele paga do bolso, e a Mabunda, paga pelo Estado (M.M.)
Quinze de Janeiro de 2020 ficará para a história da República de Moçambique como a data em que Filipe Jacinto Nyusi, nascido a 09 de Fevereiro de 1959, tomou posse para o seu segundo mandato como Presidente da República, a mais Alta Magistratura da Nação Moçambicana.
Foi um marco registado numa manhã quente de quarta-feira, com os termómetros a indicar uma temperatura máxima de 32ºC, de acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (INAM), e que ficará também na memória de cada um dos mais de 3.000 espectadores que acompanharam a cerimónia, entre convidados, jornalistas, seguranças e cidadãos anónimos.
Entre os aspectos que ficarão na memória das testemunhas oculares da tomada de posse do terceiro Presidente de Moçambique, democraticamente eleito, está a “exclusão” do patrão de Nyusi – o povo – de assistir à investidura do seu empregado.
O facto é que, apesar de a cerimónia ter sido realizada na Praça da Independência, na cidade de Maputo, em cumprimento do nº 1 do artigo 150 da Constituição da República que define que “o Presidente da República é investido no cargo pelo Presidente do Conselho Constitucional em acto público e perante os deputados da Assembleia da República e demais representantes dos órgãos de soberania”, a investidura de Filipe Nyusi para o seu segundo mandato não foi de fácil acesso para os cidadãos anónimos.
Uma parte do “patrão” de Nyusi esteve perfilada nos passeios da Praça da Independência, bem próximo ao Centro Cultural Franco-Moçambicano (CCFM) e outra ao longo da Avenida Samora Machel. A organização tinha criado um cordão de segurança para que o “patrão” não pudesse atravessar para a zona interior da Praça da Independência, que estava reservada para os convidados e diversos profissionais acreditados para acompanhar o evento.
Se a limitação da circulação já enfurecia alguns anónimos, o mesmo não se pode dizer da obstrução da visão, criada pela tenda montada por detrás da estátua de Samora Moisés Machel e que estava em frente à Tribuna Presidencial, de onde Filipe Nyusi foi investido para o cargo de Presidente da República. Na referida tenda estavam sentadas personalidades moçambicanas e membros das delegações dos Chefes de Estado convidados para o evento.
Alexandre Pinto foi um dos “convidados” a assistir à cerimónia de tomada de posse de Filipe Nyusi, mas que, após três horas, não viu Nyusi a receber os símbolos do poder e nem ouviu a leitura do seu juramento. Contou à “Carta” que veio de Magude, a convite do Administrador daquele distrito, Lázaro Mbambamba, mas que o que não sabia era que ficaria de pé, encostado ao muro do CCFM, para acompanhar a investidura de Filipe Nyusi.
“Vim de Magude a convite do Senhor Administrador para ver a tomada de posse do Presidente da República. Mas, de onde estou não consigo ver nada”, disse Pinto à “Carta”, momentos antes do início da cerimónia.
Diferentemente dos convidados do auto-intitulado empregado do povo que se encontravam devidamente acomodados, o “patrão” de Filipe Jacinto Nyusi estava sentado no chão, debaixo de alpendres montados por algumas operadoras de telefonia móvel, assim como de algumas agências bancárias. Os que não conseguiram um lugar debaixo dos alpendres fixaram-se debaixo das “velhinhas” acácias da capital do país. Outros acompanharam o momento debaixo do sol.
Com o sol a brilhar e o calor a fazer-se sentir, a sede ia tomando conta das pessoas. Nas tendas, a organização tinha preparado equipas de distribuição de água – com rótulos de Filipe Nyusi – para os convidados, enquanto para o “patrão” de Filipe Nyusi as garrafas eram atiradas.
Atiradas? Sim. “Carta” testemunhou parte do filme, em que só molhavam a garganta os mais “musculados”.
Som de má qualidade
Outro aspecto a reter na memória dos participantes da cerimónia foi o sistema de som, que se mostrou estar muito abaixo do nível desejado para um evento de tamanha magnitude. A deficiência do sistema de som revelou-se logo à chegada do Presidente da República, quando a Comandante da Parada apresentou a guarda de honra ao Comandante-em-Chefe das Forças de Defesa e Segurança (FDS). Neste momento, nada se ouviu.
O problema repetiu-se durante a apresentação do poema laudatório, assim como do bailado, desenhado por Casimiro Cosme Nyusi, parente directo do presidente. Porém, atingiu o seu “momento alto”, quando o Presidente da República se dirigiu à nação, após a sua investidura. Aí, as colunas que estavam montadas do lado esquerdo da tenda, onde se encontravam diversos convidados nacionais e estrangeiros, que acompanhavam as delegações presidenciais, estavam desprovidas de som. Que o digam os jornalistas – da imprensa escrita – que tiveram de recorrer aos auriculares para acompanhar o discurso, através da Rádio Moçambique, para poderem captar o som na exatidão.
Jornalistas: os “ilustres esquecidos” como sempre
Aliás, os jornalistas fazem parte de uma extensa lista de esquecidos durante aquela cerimónia. A organização do evento tinha montado uma tenda junto à Catedral da Imaculada Conceição para servir de Sala de Imprensa, mas a mesma não dispunha de sistema de som, apenas de telas que mostravam as imagens transmitidas pelas televisões nacionais. A organização não conseguiu dar nenhuma explicação para tão gritante falha.
Os seguranças do Chefe de Estado também fazem parte do grupo dos “esquecidos”. Durante a cerimónia, que durou cerca de três horas, “Carta” não testemunhou qualquer troca dos elementos da segurança, que se encontravam debaixo do sol.
Entretanto, destaque para o facto de as FDS estarem armadas até aos dentes. Em cada milímetro quadrado era possível notar a presença de atiradores de elite, para além de “agentes infiltrados”. Os terraços dos edifícios circunvizinhos foram tomados por atiradores de elite, e o espaço aéreo foi entregue a dois helicópteros que sobrevoaram a área durante mais de seis horas – entre as 08:00h e as 14:00h. (Abílio Maolela)