Quinze de Janeiro de 2020 ficará para a história da República de Moçambique como a data em que Filipe Jacinto Nyusi, nascido a 09 de Fevereiro de 1959, tomou posse para o seu segundo mandato como Presidente da República, a mais Alta Magistratura da Nação Moçambicana.
Foi um marco registado numa manhã quente de quarta-feira, com os termómetros a indicar uma temperatura máxima de 32ºC, de acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (INAM), e que ficará também na memória de cada um dos mais de 3.000 espectadores que acompanharam a cerimónia, entre convidados, jornalistas, seguranças e cidadãos anónimos.
Entre os aspectos que ficarão na memória das testemunhas oculares da tomada de posse do terceiro Presidente de Moçambique, democraticamente eleito, está a “exclusão” do patrão de Nyusi – o povo – de assistir à investidura do seu empregado.
O facto é que, apesar de a cerimónia ter sido realizada na Praça da Independência, na cidade de Maputo, em cumprimento do nº 1 do artigo 150 da Constituição da República que define que “o Presidente da República é investido no cargo pelo Presidente do Conselho Constitucional em acto público e perante os deputados da Assembleia da República e demais representantes dos órgãos de soberania”, a investidura de Filipe Nyusi para o seu segundo mandato não foi de fácil acesso para os cidadãos anónimos.
Uma parte do “patrão” de Nyusi esteve perfilada nos passeios da Praça da Independência, bem próximo ao Centro Cultural Franco-Moçambicano (CCFM) e outra ao longo da Avenida Samora Machel. A organização tinha criado um cordão de segurança para que o “patrão” não pudesse atravessar para a zona interior da Praça da Independência, que estava reservada para os convidados e diversos profissionais acreditados para acompanhar o evento.
Se a limitação da circulação já enfurecia alguns anónimos, o mesmo não se pode dizer da obstrução da visão, criada pela tenda montada por detrás da estátua de Samora Moisés Machel e que estava em frente à Tribuna Presidencial, de onde Filipe Nyusi foi investido para o cargo de Presidente da República. Na referida tenda estavam sentadas personalidades moçambicanas e membros das delegações dos Chefes de Estado convidados para o evento.
Alexandre Pinto foi um dos “convidados” a assistir à cerimónia de tomada de posse de Filipe Nyusi, mas que, após três horas, não viu Nyusi a receber os símbolos do poder e nem ouviu a leitura do seu juramento. Contou à “Carta” que veio de Magude, a convite do Administrador daquele distrito, Lázaro Mbambamba, mas que o que não sabia era que ficaria de pé, encostado ao muro do CCFM, para acompanhar a investidura de Filipe Nyusi.
“Vim de Magude a convite do Senhor Administrador para ver a tomada de posse do Presidente da República. Mas, de onde estou não consigo ver nada”, disse Pinto à “Carta”, momentos antes do início da cerimónia.
Diferentemente dos convidados do auto-intitulado empregado do povo que se encontravam devidamente acomodados, o “patrão” de Filipe Jacinto Nyusi estava sentado no chão, debaixo de alpendres montados por algumas operadoras de telefonia móvel, assim como de algumas agências bancárias. Os que não conseguiram um lugar debaixo dos alpendres fixaram-se debaixo das “velhinhas” acácias da capital do país. Outros acompanharam o momento debaixo do sol.
Com o sol a brilhar e o calor a fazer-se sentir, a sede ia tomando conta das pessoas. Nas tendas, a organização tinha preparado equipas de distribuição de água – com rótulos de Filipe Nyusi – para os convidados, enquanto para o “patrão” de Filipe Nyusi as garrafas eram atiradas.
Atiradas? Sim. “Carta” testemunhou parte do filme, em que só molhavam a garganta os mais “musculados”.
Som de má qualidade
Outro aspecto a reter na memória dos participantes da cerimónia foi o sistema de som, que se mostrou estar muito abaixo do nível desejado para um evento de tamanha magnitude. A deficiência do sistema de som revelou-se logo à chegada do Presidente da República, quando a Comandante da Parada apresentou a guarda de honra ao Comandante-em-Chefe das Forças de Defesa e Segurança (FDS). Neste momento, nada se ouviu.
O problema repetiu-se durante a apresentação do poema laudatório, assim como do bailado, desenhado por Casimiro Cosme Nyusi, parente directo do presidente. Porém, atingiu o seu “momento alto”, quando o Presidente da República se dirigiu à nação, após a sua investidura. Aí, as colunas que estavam montadas do lado esquerdo da tenda, onde se encontravam diversos convidados nacionais e estrangeiros, que acompanhavam as delegações presidenciais, estavam desprovidas de som. Que o digam os jornalistas – da imprensa escrita – que tiveram de recorrer aos auriculares para acompanhar o discurso, através da Rádio Moçambique, para poderem captar o som na exatidão.
Jornalistas: os “ilustres esquecidos” como sempre
Aliás, os jornalistas fazem parte de uma extensa lista de esquecidos durante aquela cerimónia. A organização do evento tinha montado uma tenda junto à Catedral da Imaculada Conceição para servir de Sala de Imprensa, mas a mesma não dispunha de sistema de som, apenas de telas que mostravam as imagens transmitidas pelas televisões nacionais. A organização não conseguiu dar nenhuma explicação para tão gritante falha.
Os seguranças do Chefe de Estado também fazem parte do grupo dos “esquecidos”. Durante a cerimónia, que durou cerca de três horas, “Carta” não testemunhou qualquer troca dos elementos da segurança, que se encontravam debaixo do sol.
Entretanto, destaque para o facto de as FDS estarem armadas até aos dentes. Em cada milímetro quadrado era possível notar a presença de atiradores de elite, para além de “agentes infiltrados”. Os terraços dos edifícios circunvizinhos foram tomados por atiradores de elite, e o espaço aéreo foi entregue a dois helicópteros que sobrevoaram a área durante mais de seis horas – entre as 08:00h e as 14:00h. (Abílio Maolela)