Os políticos moçambicanos opinam que a campanha eleitoral é um momento de festa, mas a presente tem sido tudo menos festa. Ela já provocou mais de 30 mortos. Grande parte das mortes resultam de acidentes aparatosos de violência eleitoral, o que significa elas podiam ter sido evitadas.
Dez pessoas morreram pisoteadas após um comício no dia 11 de Setembro, em Nampula. O passado fim de semana também foi trágico: mais militantes e simpatizantes morreram num acidente de viação em Songo, Tete, a regressar de um outro comício - é verdade que até aqui os acidentes limitaram a bater as portas da Frelimo, mas isso pode acontecer com qualquer outro partido.
Antes do início da campanha, a PRM anunciou que estava pronta para garantir a segurança durante o processo eleitoral. Daí que, se perguntar não ofende, como é que a corporaçao tem estado a garantir a segurança dos membros, simpatizantes e seguidores dos partidos políticos nas campanhas?
Tenho em mim que a tarefa de garantir a segurança e protecção dos membros, simpatizantes e seguidores dos partidos políticos não é apenas da PRM. Sendo que, como é que os partidos políticos organizam a sua logística de protecção e segurança? Ou será que o fazem na perspectiva de apenas garantir a protecção e segurança dos seus líderes?
De todas as formas, tanto a PRM como os partidos políticos devem nos dizer como é que a protecção e segurança dos seus membros, simpatizantes e seguidores é feita. Os políticos não devem pensar em apenas encher os recintos onde vão realizar comícios. Devem também saber como controlar as multidões. Devem também garantir o transporte dos membros e simpatizantes com toda a segurança necessária.
Todos os que organizam eventos sabem que existe uma série de requisitos a se ter em conta, relacionados com a seguranca dos presentes, sejam os oradores/artistas/ ou o publico/particantes. Temos visto a polícia a acompanhar as marchas e passeatas no sentido de garantir o cumprimento dos mesmos requisitos. Sabe-se que há entradas/saídas em caso de emergência. No caso dos camiões, sabe-se que não estão apropriados para transporte de pessoas, dai o Estado ter criado o infame My Love II.
Mas mais do que isso, essas mortes todas parecem simptomáticas de um Estado onde a vida e dignidade humana são precárias. Precariedade implica viver socialmente, isto é, o facto de que a vida humana está sempre nas mãos de uma outra; implica uma dependência em relação à pesoas conhecidas e desconhecidas, e principalmente, ao Estado. O que quer dizer que é responsabilidade do Estado, dos partidos políticos, garantir a segurança e protecção das pessoas sob sua guarrida.
Sendo que, dizer que uma vida é precária, o que é verdade para a maioria dos moçambicanos, é dizer que a possibilidade dela ser sustentada depende fundamentalmente em condições sociais e políticas. Que políticas de protecção e segurança da vida humana existem no país?
Por isso, não podemos continuar a medir palavras. Há que assacar responsabilidades. Não me simpatizo com o discurso de pacto de sangue que está a dar de falar nas redes sociais. Esse discurso tem o condão de isentar quem de dever de qualquer responsabilidade nessas mortes evitáveis. Por exemplo, quem foi que fez transportar pessoas de cerca de 150 quilometros do local do comício? Quem era o motorista e para quem trabalhava? De quem é a responsabilidade moral e social de garantir que os mortos tenham funerais condignos, que os feridos tenham tratamento condigno, de que as famílias enlutadas sejam recompensadas devidamente?
Enquanto humanos entramos num contrato com o Estado de modo a garantir-nos protecção. Neste sentido, como é que o Estado deve agir para garantir que os direitos dos cidadãos que pereceram e ficaram feridos nesses trágicos acidentes sejam ressarcidos? O que a Procuradoria Geral da República está a fazer? Já intentou algum processo com vista a criminalização dos envolvidos? Para onde se dirigem as famílias enlutadas e os feridos para serem ressarcidas?
Acidente é acidente, dirão alguns. Mas enquanto humanos temos que nos preparar ao máximo para os evitarmos, minimizar os seus danos, e assacarmos responsabilidades junto dos culpados. Para já, devíamos ter vergonha de descrevermos as nossas campanhas eleitorais como momento de festa. Outrossim, até prova em contrário são um momento de dor e luto.
O país testemunhou recentemente a assinatura de mais um acordo de paz entre o governo e a Renamo, numa cerimónia com toda a pompa e circunstância. Não era para menos: alguns chefes de estado africanos (antigos e actuais) estiveram presentes, altos dignatários, membros do clergo, entre outros.
Os textos das declarações dos principais assinantes e compromisso com a paz soavam como se escritos pelo mesmo grupo de conselheiros. Enfim... ironicamente ninguém parece ter notado que mais ao norte da Praça da Paz, há uma insurgência cujas dispersão geográfica e frequência crescem a olhos vivos. E a tinta ainda nem havia secado do papel quando um grupo dissidente da Renamo, um dos signatários, distanciou-se do acordo, ameaçando voltar às matas.
A violência militar que tem causado a morte de camponeses inocentes, por vezes através de decapitações, acompanhada de incêndios a aldeias inteiras, é uma manifestação extrema de conflitualidade humana na Província de Cabo Delgado. Contudo, ela não é a única, havendo outras, múltiplas e mais antigas. E são múltiplas as causas da violência nesta província, que, sendo riquíssima em recursos naturais, é das mais pobres do país!
Desde o dia 4 de Outubro de 2017 (ironicamente, o Dia da Paz, evocando a data em que, em 1992, foi assinado, em Roma, o Acordo Geral de Paz, pondo termo a 16 anos de uma guerra atroz, opondo o governo à Renamo!) que Cabo Delgado tem sido palco de ataques perpetrados por “desconhecidos”, tem havido debates aqui e acolá, incluindo em sede de estudos ou instituições académicas, dentro e fora do país.
Contudo, persiste uma percepção geral de que, do lado do governo, tem sido dada preferência a uma estratégia de silêncio, em contraste com a natureza particularmente cruel dos perpetradores destas operações, nunca vista nem ao longo dos 16 anos da guerra (temporariamente) terminada em 1992.
Se pode ser atendível um argumento oficial fundado na necessidade de evitar criar pânico aos grandes investidores que demandam a província – do gás ao rubi, passando pelo grafite até ao mármore - não será menos atendível o clamor dos cidadãos por um maior esclarecimento sobre o que se passa, suas causas e, quiçá, alguma luz sobre que soluções as autoridades estão a considerar – para além da via militar!
Mas a conflitualidade em Cabo Delgado, podendo ser mais mediática na vertente das incursões dos chamados “malfeitores” – pela sua não comprovada associação ao extremismo islâmico e pelo seu potencial de perturbar grandes investimentos estrangeiros – ela alarga-se a outros focos, como em torno da extracção de outros recursos naturais, minerais, florestais ou de outra natureza.
Imbuído desta preocupação, um grupo de organizações da sociedade civil moçambicanas, incluindo algumas baseadas na fé, estiveram reunidas nos dias 23 e 24 de Agosto na cidade de Pemba. O seminário teve como título: “Conflitualidade Humana na Exploração de Recursos Naturais na Província de Cabo Delgado: Reflexões e Perspectivas. A Comissão Episcopal de Paz e Justiça, entidade da Igreja Católica, coordenou e acolheu evento, nas instalações da Universidade Católica de Pemba.
O principal foco do seminário era: afinal o que tem estado a atrair tanto conflito em Cabo Delgado? A resposta, demasiado tentadora, de que é a abundância de recursos naturais, pode ser muito simplista e, por isso, inidónea para justificar a prolongada instabilidade. Importa, por isso, conferir aos ângulos de análise aberta ainda maior, fora de janelas políticas amarradas a interesses de controlo político. E, na medida das circunstâncias, foi essa a perspectiva analítica adoptada para este seminário.
Quem chama as balas?
Em 1983, o autor britânico Joseph Hanlon, um dos mais reconhecidos estudiosos de processos políticos em Moçambique, publicou um livro com o título: “Mozambique – Who calls the shots?” Numa tradução livre, este título significaria: “Moçambique – quem comanda os tiros?”. Mas o sentido de “de onde vem a guerra?”. Poder-se-á resumir nesta breve pergunta o foco do seminário de Pemba.
E então quais foram as respostas sugeridas? As propostas de resposta vieram de diferentes perspectivas de análise e pontos de partida: perspectiva histórico-política; antropossociológica; socioeconómica e – aceite-se! – ecléctica!
Entre as figuras e instituições que se colocaram à frente, com suas reflexões e perspectivas, poderia, a título exemplificativo, mencionar: Yussuf Adam (Universidade Eduardo Mondlane); Dom Luiz Fernando Lisboa, Bispo da Diocese de Cabo Delgado; Paolo Israel (Universidade de Western Cape); João Mosca (Observatório do Meio Rural); Zenaida Machado (Human Rights Watch; Inocência Maposse (CIP).
Estes e outros actores estimularam debates livres e descomplexados, a partir de temas como: bases históricas da emergência do extremismo violento no Norte de Moçambique; soberania espiritual, etnicidade e violência política: as raízes históricas da presente crise em Cabo Delgado; pobreza, desigualdade e conflitos no Norte de Cabo Delgado; e Direitos Humanos nas operações de contra-terrorismo em Cabo Delgado, e Indústria Extractiva – como ela afecta a cultura e os camponeses, entre outros temas de igual ou superior relevância.
As fontes da conflitualidade
Quase todos os primeiros oradores – que determinaram o mote dos debates subsequentes - foram unânimes num ponto de início: não há um único factor que possa explicar o clima de conflitualidade em Cabo Delgado: existe uma combinação de múltiplos factores que se foram formando, durante longos períodos históricos, como: florescimento de cadeias de crime organizado milionário, nos corredores de droga; de corte e tráfico de madeira; de extracção e contrabando de recursos minerais de grande procura internacional, tudo ocorrendo aos “olhos” de comunidades extremamente pobres e violentadas!
Ou seja: no terreno de Cabo Delgado foi acumulado capim seco, disponibilizado petróleo e inúmeras caixas de fósforo, e tudo deixado ao ar livre, à disponibilidade de diferentes interesses ciosos de poder!
Yussuf Adam, historiador moçambicano que tem Cabo Delgado como seu campo de estudo há mais de 35 anos, fala de um povo cansado de ser movimentado de um lado para o outro, desde o tempo do colonialismo português até aos dias de hoje.
“No regime colonial, as comunidades de Cabo Delgado foram retiradas das suas terras e aglomeradas em aldeamentos, para ficarem longe do alcance da guerrilha da FRELIMO. Entretanto, quando esta tomou o poder e estabeleceu o sistema de socialização do campo, as mesmas comunidades foram levadas para Aldeias Comunais. Agora, no regime capitalista, estão a ser, de novo, retiradas das suas terras e aglomeradas em Aldeias de Reassentamento. Num período de 30 anos, as populações de Cabo Delgado foram à força colocadas em aldeamentos, destas para aldeias comunais e, agora, para aldeias de reassentamento! E sem consideração à sua dignidade – é muita violência!
Mas as reflexões académicas mais conhecidas não têm descurado outras prováveis fontes de conflitualidade, também históricas, em que se incluem velhas hostilidades entre Macondes e Muanes; entre o interior e o litoral; ou entre muçulmanos e cristãos.
Por seu lado, Paolo Israel, professor de antropologia na Universidade de Pretória, referiu-se a episódios mais ou menos recentes, indiciadores de um relacionamento de conflito e hostilidade entre cidadãos e o Estado, em diferentes distritos da província. Lembrou estórias como a dos leões mágicos de Muidumbe, que terão devorado 46 pessoas e ferido outras três.
A comunidade local, que considerou tratar-se de feiticeiros que se transformavam em animais, ficou furiosa e linchou 18 compatriotas. O fundamental a reter aqui é que os principais acusados de comandar os leões à distância eram figuras do Estado ou a ele associadas ou com “bem-estar” acima da média local (o comerciante). Ou seja, em situação de crise sem saída à vista, os pobres lançaram aos ricos e ao Estado a culpa do seu mal-estar e das suas privações.
E os distúrbios que, em Novembro de 2000, culminaram com a morte de mais de uma centena de indivíduos, asfixiados no interior das celas da cadeia distrital de Montepuez, considerados como membros ou simpatizantes da Renamo? Como tais episódios se insinuam no imaginário de quem os viveu de perto, quando pensa no Estado?
Mais recentemente ainda, o desmantelamento de fortes redes internacionais associadas à exploração e tráfico internacional das célebres pedras rubis de Namanhumbir, no distrito de Montepuez, e de corte e tráfico de madeira, “perturbado” por acções soberanas, como a chamada operação tronco…
Caos no extractivismo
Em paralelo, os constantes anúncios de investimentos de larga escala em projectos extractivos, quantas vezes feitos de forma exuberante e descontextualizada, têm levantado expectativas sociais exacerbadas, em contextos de pobreza extrema. A não materialização destas expectativas, ao ritmo imposto pela pobreza, torna as comunidades vulneráveis a discursos anti Estado, nomeadamente entre jovens desnorteados e sem expectativa de futuro.
Com efeito, é em torno dos empreendimentos da indústria extractiva que, na percepção dos participantes do seminário, devem ser encontradas as principais causas da conflitualidade humana em Cabo Delgado:
“Os processos de reassentamento têm sido caóticos, onde o Estado aparece em aliança com o grande capital, agravando situações de pobreza das populações”, afirma a dado passo, o documento final do evento, denominado “Declaração de Pemba”.
Na abordagem da complexa relação entre a opção de resposta militar à insurgência, versus respeito pelos compromissos constitucionais e internacionais assumidos pelo Estado moçambicano, a jornalista moçambicana Zenaida Machado, falando na qualidade de pesquisadora da Human Rights Watch, uma organização de defesa de direitos humanos, diria:
“Ao procurar responder à insurgência por via militar, as Forças de Defesa e Segurança têm levado à cadeia centenas de jovens inocentes que, uma vez enclausurados, acabam expostos a verdadeiros extremistas. E uma vez mandados em liberdade, porque absolvidos pelo tribunal, muitos deles desaparecem sem deixar rasto: para onde vão? “
Na sua declaração final, as OSC participantes apelam ao governo no sentido de:
Eliminar os obstáculos de acesso à informação a jornalistas, investigadores e cidadãos em geral aos locais de conflitos;
Fazer uma revisão da estratégia de actuação militar, capacitando os militares em matérias de direitos humanos, apostando em amnistias e em incentivos de reclusão social”.
Este terá sido o primeiro evento em que organizações da sociedade civil moçambicana, incluindo de áreas de pesquisa, abordam de uma forma colectiva e aberta o clima de violência em Cabo Delgado e produzem recomendações ao governo, apelando para maior acesso do público sobre a crise de segurança que assola a região desde Outubro de 2017.
Ninguém dá o que não tem!
Fala-se, escreve-se, legisla-se acerca dos fundamentos para Democracia. Órgãos de Soberania, Partidos políticos, Organizações Governamentais, Organizações Não-Governamentais (ONG), os Mídias, os Jornalistas, Organizações Religiosas, Organizações de Massas, Academias, Organizações Profissionais e a Sociedade Civil devem ser o exemplo dessa transparência.
Entende-se por transparência – a virtude que impede a ocultação de alguma vantagem!
Em Democracia todos os Direitos geram Obrigações!
Constitucionalmente, os cidadãos têm o Direito de exigir do Estado entre outros a Segurança pública, a Educação e Saúde condigna. Difícil será definir "condigna". Direi que os desideratos fundamentais condignos serão aqueles possíveis de realizar de acordo com as receitas públicas disponíveis. Em outras palavras, a Governação condigna deverá ser equitativa a receita fiscal maioritariamente resultante de impostos dos cidadãos e das empresas.
É comum ouvirmos dizer que os serviços públicos são medíocres. É verdade, todavia quem reclama esses serviços não está disposto a contribuir fiscalmente com o nível dos impostos pagos nos países comparativos, ou seja, os nossos serviços públicos são "bons" comparativamente com a receita medíocre arrecadada.
Sempre que esta conversa de pagamento de impostos é posta a discussão, ninguém quer discutir incluindo o Estado, estranhamente.
É desta transparência a que me refiro:
1-O Estado tem de ser mais transparente na sua prestação de contas, não pode vir ao Parlamento dizer que cumprimos, atingimos as metas sem apresentar evidências, por exemplo, colocar o Plano Económico Social aprovado no início da legislatura e comparar com o realizado. Prestar contas não é ciência oculta, basta apresentar o saldo do tesouro quando chegamos ao Governo... as receitas arrecadadas foram... as despesas... Se houver vontade política será mais fácil prestar contas, do que as "elaborar" para as confundir.
2-As Organizações Não-Governamentais deveriam prestar contas publicamente, referindo, por exemplo, de quem recebem os fundos, quanto e a quem atribuem esses fundos. Deveriam também ser obrigados a gastar esses fundos na economia nacional, contribuindo para o seu desenvolvimento através de criação de postos de trabalho e contribuição fiscal, entre outros.
3-Seria um grande contributo para a Democracia saber quem são os beneficiários das Agências políticas como USAID, JICA, UE, DFID entre outras, quanto recebem, quanto pagam de impostos, porquê é que recebem, etc.
4-Não é possível falar de Democracia e Transparência sem abordar os Mídias e Jornalistas que, numa indústria deficitária, sobrevivem através de subsídios, para gestão, formação, entre outros. De quem, quanto e como?
5-Nas Organizações religiosas, Institutos, Clubes, Grupos, ou seja, receptores de fundos nacionais e estrangeiros devem publicar igualmente os relatórios de contas.
A Paz tem um denominador comum que se chama Confiança!
Quando os casais põem código nos seus telefones e não partilham esse mesmo código corrói a confiança mútua.
Sem transparência não há confiança!
Os concursos para admissão de trabalhadores públicos, ONG, privados nacionais e estrangeiros deveriam seguir a mesma norma de transparência.
Não faz sentido que as instituições públicas, incluindo empresas públicas, que vivem das contribuições dos trabalhadores e empresas nacionais comprem serviços e mercadorias ao estrangeiro enriquecendo outras economias inversamente empobrecendo Moçambique.
Corrupção é um fenómeno nacional e estrangeiro nos governos, grandes e pequenas empresas, ONG, activistas sociais e religiosos, mídias e nos jornalistas.
A melhor forma de combater a corrupção, subversão, nepotismo, submissão outros malefícios é através da TRANSPARÊNCIA.
A Luta Continua,
Não há dúvidas de que Armando Emílio Guebuza é uma figura de incontornável revelo na história política e socioeconómica de Moçambique. Em suas biografias, o arrojo de um jovem peregrino que larga tudo e segue por tortuosos (des)caminhos ao encontro do movimento de libertação de Moçambique é dramaticamente narrado com apelos de exaltação messiânica a um predestinado salvacionista.
O percurso político de AEG, muito antes do apogeu a que ascendeu como PR, já estava lapidado nas múltiplas tarefas que assumira ao longo da conjuntura socialista que o país "escolheu" percorrer, independentemente das reflexões a que hoje nos damos ao luxo de, retrospetivamente, fazer sobre um mundo polarizado entre "socialismo" e "capitalismo", com aberturas e escolhas limitadas para os países emergentes. AEG, como muitos outros que lideraram o "inglório roteiro socialista", excederam-se nas tarefas que lhes foram atribuídas, que executaram sem dúvidas com zelo e até gozo, num campo de actuação onde o direito a existência era tão susceptível à volatilidade de apetites e humores de indivíduos e enrustidos em mantos de institucionais. Ontem, como hoje.
AEG leva a fama de ter recuperado a ideia de "disciplina partidária", ao desencadear movimentos de surdina, que culminaram com a renovação do apoio político ao partidão a partir das bases, reacendendo a veia de "comissário político".
Já na presidência, procurou assegurar tais lealdades políticas ao instituir o simultaneamente inovador e mal parado projecto dos 7 milhões de meticais por distrito. Enquanto se aprimora o entendimento da abordagem clientelista como inibidora de uma cultura bancária, que não se perca de vista a possibilidade de os 7 milhões terem servido como fermenta de aposta na compra de consciências e lealdades de base e que se metamorfoseiam em função das circunstâncias. Ainda estão por contar eventuais "histórias de sucesso" dos que se beneficiaram dos famigerados 7 milhões e que possam posar a investidores que saldaram suas dívidas relacionadas com o que, em princípio, supunha-se ser um empréstimo e que, se tenham firmado como "empresários de sucesso", qual rótulo reivindicado por pais presidentes a enaltecerem filhos nem tão pródigos.
Antes mesmo da vermelhidão das comichões que os 7 milhões deixaram, o curioso é lembrar da bandeira que AEG içou bem alto no processo de firmamento da sua liderança: O "combate ao deixa andar". A simbolizar a sua determinação, altos funcionários vinculados a posições de segurança do Estado, como ex-Ministro do Interior, foram presos. Ainda que vagamente, quando a tempestade bateu na sua canoa, AEG deixou o seu "mea culpa" quando aludiu a seus próprios excessos quando retrucava de discurso de camarada seu que não alinhava com sua postura. Além de alegar desconhecer os nhangumeles da vida, incomodou-me a possibilidade de aludir a perda de memória e potencial inimputabilidade da/na função de PR. Mas o trágico não é só isso. É não conhecer os massagistas que lhe teriam facilitado as "bolada" de protecção costeira que, na "casa do povo", arrogou predisposição para repetir.
Ironicamente, o seu sucessor, escolhido a dedo e criado no colo, na primeira oportunidade que teve de dar uma entrevista recomendou, convenientemente, o oposto: "o melhor deixar", o que é sintomático dos reveses que caracterizam o mundo que AEG legou a seu sucessor, que agora se desdobra em inconciliáveis papéis de protector e traidor, no difícil jogo de equilíbrio que tem de fazer para manter-se no trono que se sustenta em corda bamba.
No imaginado mundo de AEG, havia patos como "assets" (activos) para a prosperidade e 50 milhões de galinhas geridos por filhos e acionados como óleo da ternura para massagear sistemas. Não espanta que o legado de AEG tenha criado um bando de deputados relaxados e afrouxados, agora potencialmente incapazes de o proteger. Tão pouco se pode fiar no G40 da vida, instituído como guarda pretoriana para inventar base ideológica e/ou filosófica para sustentar insaciável apetite de poder e dinheiro trasvestido em compromisso patriótico. Tão patriótico quão egocêntrico que não teve dificuldades de vir dizer, em sede de assembleia, que, se as circunstâncias fossem as mesmas "teria agido da mesma maneira".
Volvidos quase 5 anos sem AEG no poder, as ditas circunstâncias (político-militares), não se alteram substancialmente, salvo pela partida do aguerrido e beligerante opositor AD. Nestas circunstâncias, se lhe fosse dada oportunidade, estaríamos a falar em 100, e não em 50, milhões de frangos para lubrificar o sistema e alimentar uma estrutura político governativa assente em pés de barro, dinheiro, falsos moralismos e lealdades político partidárias adoçadas à colherinhas à boca do caldeirão de sopa.
Hoje, na resiliente estrutura de protecção de AEG, que perpassa FJN, pactos são feitos e intentonas de construção do quiméricos perfis de presidenciáveis "menos maus" são vocalizados, a ponto de se promover uma vaga ideia de falta de escolha. Um cenário de fatalidade regressiva, a que se tem de voltar (ou votar!?) nos mesmos de sempre, que na verdade nem sempre foram eleitos, salvo pelos arranjos e cumplicidade do "corpo de salvação eleitoral" que até ousa ignorar a racionalidade matemática, à luz do dia, agarrando-se a apriorismos políticos e autoritários.
O fazedor de poeira é esse indivíduo que, em nome da nação, assumiu pactos comerciais que favoreceram filhos e subordinados, que não tem pudor em ignorar o questionamento que lhe é feito sobre as suas escolhas e decisões; que diz nunca ter lido o relatório de auditoria feito sobre a negociatas que aprovou e que hoje expressa revolta pela quantidade de poeira (muita poeira) que mal sabe de onde possa ter surgido, se "espontaneamente ou se por objectivos escusos". Quem te viu e quem te vê! Quem diria que o Régulo das ocultas, o verdadeiro Soba do obscurantismo, o PR das dívidas ocultas, que teve o desplante de afrontar o parlamento e dizer que se pudesse faria de novo, solte a língua e fale de "motivações escusas", que aparentemente lhe ultrapassem? Mas quem ousa levantar tanta poeira a ponto de ofuscar o brio de AEG, o "construtor", o "filho mais querido" de tal pérola do índico?
Partilho do desaconchego. Mais do que falar de partículas indefinidas de poeira no ar, o PR mais adulado e celebrado pelo aparato de protecção e celebração de si, já criado, que saía do lugar comum de escudar-se no obscurantismo que quis estabelecer como vestimenta que carateriza este imbróglio das dívidas, sacuda a poeira e venha a terreiro explanar das suas cristalinas verdades. Enquanto tiver mãos, que não meça esforços para sacudir tal poeira e revelar verdades que, a seu ver, nos faltam.
Pois, pelo curso dos acontecimentos, não haverá poeira que baste para tecer inescrutável indumentária para este rei, fazedor de poeira, que anda cada vez mais despido. Quase nu.
A Universidade Pedagógica de Maputo (UP-Maputo), na sua nova versão, tem a honra de voltar a homenagear um dos mais talentosos e nobres músicos moçambicanos, Gabriel Ruben Chiau. Octogenário e cuja paixão pela música se estende desde a longínqua década de 50, na missão Suíça, pela mão pastor Daniel Clerc. Gabriel Chiau, como carinhosamente o conhecemos, tem, ao longo de décadas, personificado, com mestria, os propósitos do homem e da sua mente.