O Movimento Manifesto Cidadão, que congrega uma nata de académicos, intelectuais e activistas cívicos, apela para a realização de uma conferência nacional cujo mote é a refundação do Estado para fazer face à crise pós-eleitoral do pleito de 09 de Outubro. Na senda deste propósito, espero ler na imprensa nacional e estrangeira do dia 24 de Junho de 2025, a um dia da celebração dos 50 anos de independência nacional, o citado abaixo:
῎Após a Crise Eleitoral das Eleições do dia 9 de Outubro de 2024, O Movimento Manifesto Cidadão definiu a refundação do Estado moçambicano como uma das medidas fundamentais de um roteiro para “(re)fazermos Moçambique como um País seguro para a cidadania” alicerçado num sistema político que se renove e exalte continuamente o compromisso com ”a promoção do princípio da cidadania como garante do valor da nossa dignidade como nação soberana e independente”.
Uma etapa importante do roteiro será amanhã, 25 de Junho de 2025, com a realização da Assembleia Constituinte cujo mandato será a elaboração e aprovação de uma nova Constituição da República de Moçambique, no prazo de 06 meses, e da lei eleitoral específica para a realização de novas eleições no quadro do figurino orgânico definido na nova Constituição, e a terem lugar em Outubro de 2025.
Esta Assembleia Constituinte resulta de um referendo nacional realizado em Abril passado e foi concebido para a aprovação de uma lista de 50 deputados e do respectivo Presidente, o académico e empresário Lourenço do Rosário, bem como a cronologia das etapas principais até a tomada de posse dos novos órgãos sufragados.
A Assembleia Constituinte, que não terá funções legislativas ou de fiscalização, será dissolvida no mês de Janeiro de 2026 no quadro da tomada de posse dos novos órgãos sufragados sob os auspícios da nova Constituição.
Lembrar que a normalidade funcional do país é assegurado por um Governo de Transição cujo Primeiro-ministro, Rosário Fernandes, na qualidade de Chefe do Governo, resultou da aprovação por consenso e unanimidade da Assembleia da República sob proposta do Movimento Manifesto Cidadão.
Por sua vez, a chefia do Estado e com funções especiais acrescidas para a ratificação e promulgação dos instrumentos governamentais e fiscalização governativa, cabe a um Triunvirato-presidencial também aprovado por consenso e unanimidade pela Assembleia da República sob proposta do Movimento Manifesto Cidadão.
O Triunvirato-presidencial e o Primeiro-ministro foram empossados no passado mês de Janeiro de 2025 perante o Conselho Constitucional, actos que também marcaram o fim do mandato do quarto presidente da República de Moçambique bem como da nona legislatura, das assembleias e governadores provinciais, ambos saídos do pleito eleitoral de 2019.
Nos termos das regras definidas para o período de transição de doze meses, os titulares e membros dos órgãos da transição ficam vedados de concorrerem ou participarem no quadro dos órgãos que saírem das eleições de Outubro de 2025῎. ….Fim da citação.
De regresso aos dias que correm, e no contexto da crise pós-eleitoral do pleito de 09 de Outubro, a esperança de que não seja o único a sonhar por um roteiro para a refundação do Estado no quadro dos propósitos do Movimento Manifesto Cidadão, e em prol da contínua procura para “(re)fazermos Moçambique como um País seguro para a cidadania”.
Foi tornado público, a 14 de Outubro último, que os vencedores do Prémio Nobel de Ciências Económicas de 2024 são Daron Acemoglu (turco), James Robinson e Simon Johnson (britânicos), por terem estudado como as instituições são formadas e afectam a prosperidade das nações, explicando o motivo por que alguns países são ricos e outros pobres, colocando ênfase nas diferenças persistentes nas instituições sociais. Precisamente um mês depois do anúncio, é publicado este artigo que tem em vista, também, ser um mecanismo de promover a literacia económica.
A obra inovadora desses três economistas esteve orientada para compreender a relação entre a organização socioeconómica e a prosperidade, relevando como a criação de instituições influencia a criação de riqueza. Propus-me a reflectir sobre este assunto para mostrar a pertinência e acuidade do prémio e apontar as razões da escolha dos laureados para 2024, fazendo uma breve retrospectiva dos desenvolvimento nos últimos 26 anos nesta área de estudo, sem procurar, contudo, esgotar a temática.
Este artigo apresenta, sinteticamente, o contributo assinalável e peculiar de Amartya Sen, interpela as prováveis inter-relações entre a pobreza e desigualdades sociais com a prosperidade das nações, faz a resenha do pensamento académico dos economistas laureados em 2024 e termina indagando se Moçambique pode aprender algo com a obra desses reputados especialistas, que não têm dúvidas em afirmar que os países fracassam economicamente devido às instituições extractivas, que mantêm os países subdesenvolvidos na pobreza e impedindo-os de enveredar pela via do crescimento económico inclusivo e sustentável.
Essa realidade acontece em África, América Latina, Ásia e Médio Oriente, em países muito diferentes entre si, mas tendo como denominador comum possuírem instituições extractivas, que têm na sua base elites que concebem instituições económicas para se enriquecerem e perpetuarem o seu poder à custa da grande maioria dos cidadãos. Esta temática permite tirar ilações sobre a problemática desenvolvimentista moçambicana, que não tem logrado alcançar resultados mais notórios e consistentes nas estratégias de desenvolvimento económico e de combate à pobreza e às desigualdades sociais.
O Prémio Nobel e a sua relevância
O Prémio Nobel é um leque de seis prémios internacionais de são conferidos anualmente, por instituições suecas e norueguesas, como forma de reconhecer pessoas ou instituições que realizaram pesquisas, descobertas ou contribuições notáveis e de destaque para a humanidade.
Os Prémios surgem em homenagem a Alfred Bernhard Nobel (químico, engenheiro, cientista, inventor, empresário e filantropo sueco), tendo sido estabelecido em 1895, e foram concedidos a partir de 1901, nas áreas de Química, Literatura, Paz, Física e Medicina. Em 1968, o Banco Central da Suécia estabeleceu o Prémio de Ciências Económicas em Memória de Alfred Nobel, também conhecido como Prémio Nobel de Economia. Nobel é mais conhecido por ter deixado sua fortuna para estabelecer o prémio e por ter sido o inventor da dinamite, embora tenha várias outras contribuições importantes para a ciência, tendo registado 355 patentes.
Várias instituições concedem o Prémio, com destaque para a Academia Real das Ciências da Suécia (Física, Química e Ciências Económicas), Assembleia do Nobel do Instituto Kalolinska (Medicina), Academia Sueca (Literatura) e o Comité Norueguês do Nobel (Paz). Exceptuando o Prémio Nobel da Paz, cuja cerimónia de entrega é realizada em Oslo (na Noruega), todos os restantes são entregues em Estocolmo (na Suécia). Uma particularidade do Prémio Nobel da Paz é que pode ser atribuído à instituições, enquanto os restantes são atribuídos a indivíduos / cientista / pesquisadores / autores.
A relevância do prémio em cada área decorre não apenas da ampla reputação que a marca Nobel e do prestígio das instituições envolvidas, mas a um complexo, exigente e faseado processo de selecção, conduzido por peritos e especialistas nas distintas áreas, e tendo em conta um amplo processo de consultas e auscultação. Os vencedores dos prémios recebem medalhas, diplomas e um valor monetário, e os premiados passam a deter um prestígio e reputação global em cada área, tornando-se praticamente autoridades reconhecidas mundialmente em cada um desses seis domínios.
“O Economista Errado Venceu!”
Quando em 1998, foi anunciado publicamente que o vencedor do Prémio Nobel de Ciências Económicas foi atribuído ao pesquisador, professor, economista, filósofo e escritor indiano Amartya Kumar Sen, não faltaram opiniões a defender que “o economista errado venceu”, porque o laureado passou o seu percurso profissional e a sua pesquisa a tratar de temáticas como pobreza, fome, liberdade e aspectos filosóficos relacionados com a justiça social. Naquela altura, foi encarado com algumas reticências que um economista-filósofo, portanto “alguém fora do espartilho convencional da economia havia vencido”. De lá para cá, muita coisa mudou na forma como se encaram os fenómenos económicos, em decorrência de novas e arrojadas perspectivas, da exigência crescente de uma visão multidimensional, aspectos que vieram enriquecer e ampliar a visão da ciência económica e a abrir novas fronteiras de conhecimento, análise e reflexão.
Mas afinal qual foi a trajectória e o valor da obra de Amartya Sen? Ele foi professor de importantes universidades nos EUA e Reino Unido (Oxford, Harvard, Cambridge, Berkeley, Stanford, Cornell e MIT), foi o primeiro Presidente da Associação Económica Americana que não nasceu nos EUA e foi um dos criadores do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), desenvolvido sob os auspícios do PNUD, junto com o paquistanês Mahbub ul Haq.
Ele é mundialmente famoso pela sua extensa obra académica, em particular os livros “Desenvolvimento Como Liberdade”, “Pobreza e Fome”, “Escolha Colectiva e Estado Social” e “A Ideia de Justiça”. O Prof. A. Sen teve contribuições basilares para a teoria da escolha social e para a economia do bem-estar, e os seus trabalhos para o combate à pobreza foram, de tal forma inovadores, que é o primeiro a compreender a pobreza como privação das capacidades e não apenas como falta de renda.
Na óptica de Sen, a teoria tradicional do desenvolvimento considera como temas chave que influenciam o crescimento económico a industrialização, a acumulação de capital, a mobilização da mão-de-obra, o planeamento e o papel activo do Estado. Esses factores são obviamente importantes para o desenvolvimento económico, mas essa teoria apresenta certas limitações, dentre elas o facto de não perceber que o crescimento económico é apenas um meio para atingir outros objectivos e que a importância está nos benefícios gerados nesse processo de crescimento económico.
O trabalho académico de Amartya Sen lançou uma nova luz sobre muitos problemas sociais, como a pobreza, a fome, o subdesenvolvimento, as desigualdades e o liberalismo político, defendendo o conceito de desenvolvimento além do PIB, trazendo para o debate económico a componente social, e propondo que as sociedades devem orientar suas atitudes políticas e económicas por meio de uma moral e ética que respeite todos os indivíduos.
A abordagem de Sen está calibrada para entender a realidade económica em países subdesenvolvidos, e ele evidencia a necessidade de buscar um equilíbrio entre Estado, mercado, instituições políticas e sociais, defendendo o “caminho do meio”, entre o livre mercado e a intervenção estatal, e enfatiza que é preciso lidar com a eficiência por meio da liberdade do mecanismo de mercado e a gravidade dos problemas de desigualdade, e com os problemas de equidade, graves privações e pobreza. Para muitos países pobres, defende Sen, a política fiscal implementada pelo Estado deve estar voltada para o combate à desigualdade, entendendo o desenvolvimento não apenas como o acúmulo de renda e riqueza, mas como um processo de ampliação das liberdades e capacidades das pessoas.
Na verdade, “não foi o economista errado que venceu”! Amartya Sen foi o economista que deu um contributo vital para abrir várias das portas para a análise e compreensão da pobreza em países pobres, discutiu e ainda apresentou possíveis caminhos para que os pobres pudessem fugir da armadilha da pobreza com dignidade e com base no seu trabalho.
Há relação entre pobreza, desigualdades sociais e a prosperidade das nações?
Depois do reconhecimento internacional do Prof. Amartya Sen, em virtude de ter sido laureado com o Prémio Nobel de Economia, as temáticas da pobreza e desigualdades sociais passaram a fazer parte natural da agenda económica, tendo esse facto permitido que economistas como o escocês Angus Deaton fosse vencedor do prémio em 2015, pelo seu estudo sobre o consumo, a pobreza e o bem estar, e Abhijit Banerjee, Esther Duflo e Michael Kremer, fossem vencedores do prémio em 2019, pelos seus estudos sobre a redução da pobreza no mundo.
Importa fazer um breve desvio do Prémio Nobel de Economia, e abordar a contribuição determinante do Professor Bengali, Muhammad Yunus, e do Grameen Bank, laureados com o Prémio Nobel da Paz, cuja cerimónia realizou-se a 10 de Novembro de 2006, em Oslo, pelos seus esforços em prol do desenvolvimento económico e social do Bangladesh, a partir das bases, mediante a criação de programas económicos inovadores como o microcrédito, que ajudaram a tirar milhões de pessoas da pobreza.
Em seus dois livros, “O Banqueiro dos Pobres” (2006) e “Criar um Mundo sem Pobreza: A empresa social e o futuro do capitalismo” (2008), Muhammad Yunus, um economista que com uma temática económica inovativa, como é o microcrédito, venceu o Prémio Nobel da Paz, e que podemos a seguir sintetizar a sua visão: (i) os pobres estão presos em uma armadilha da pobreza porque lhes falta acesso ao crédito; (ii) a pobreza não é um estado natural nem uma fatalidade; (iii) o crédito é um direito humano, já que se tornou indispensável para atender às necessidades humanas; (iv) os pobres são dignos de crédito, contrariamente à crença popular que os considera como sendo “de alto risco” e, portanto, não são bancáveis; (v) considerando que todo o mundo é um empreendedor potencial, o microcrédito surge como um mecanismo de as pessoas ajudarem a si mesmas; (vi) proporcionar aos pobres economicamente activos acesso ao crédito e à tecnologia de informação poderá contribuir para eles estarem dotados de ferramentas para eliminarem a sua pobreza com dignidade, e; (vii) a paz duradoira não pode ser atingida a menos que grandes grupos da população encontrem formas de sair da pobreza.
A atribuição do prémio Nobel da Paz ao Prof. M. Yunus e ao Grameen Bank foi para transmitir um sinal forte de que o acesso ao crédito pela a população de baixa renda, em particular as mulheres, está directamente vinculado à possibilidade de combater a pobreza, e que existindo muita população mundial a viver abaixo da linha de pobreza, e paz e a estabilidade estará sempre em perigo e ameaçada.
Outra contribuição de relevo tiveram os Professores Banerjee e Duflo para a compreensão da multidimensionalidade da pobreza, e que os nossos preconceitos e “os óculos que usamos para enxergar e analisar a pobreza” ofuscam a nossa visão e assim tornam mais complexa a acção de conceber e implementar estratégias compreensivas para o seu combate.
Abhijit Banerjee & Esther Duflo escreveram dois livros interessantes, nomeadamente “Good Economics for Hard Times” (2019) e “Poor Economics: A radical rethinking of the way of fight global poverty” (2020), que questionam uma visão da economia que normalizou problemas de vulto, como pobreza, desigualdades e desemprego. Eles consideram que um certo tipo de economia apoiou os enormes benefícios concedidos aos ricos e a redução dos programas de ajuda social, vendeu a ideia de que o Estado é impotente e corrupto, de que os pobres são preguiçosos, e preparou o caminho para o impasse actual de explosão da desigualdade, defendendo que o comércio é bom para todos, que o crescimento económico rápido pode estar em todo o lado, e que é apenas necessário trabalhar e tentar com afinco e suportar todos os esforços necessários.
Os autores referidos anteriormente criticam essa abordagem da economia que não tomou em conta que a globalização não beneficia a todos, não se apercebeu da explosão da desigualdade em todo o mundo, fez vista grossa ao facto do sistema capitalista estar a gerar crises económicas que empurram as populações para a pobreza, propicia a fragmentação social e o questionamento do próprio Estado. Essa visão da economia não tratou devidamente dos efeitos dos eventos climáticos extremos, dos desafios da transição energética, da problemática demográfica e epidemiológica, bem como da efectiva gestão das tensões geoestratégicas.
Banerjee & Duflo (2020) sublinham que grande parte das políticas de combate à pobreza falhou ao longo do tempo devido a uma incapacidade para compreender a própria pobreza. Com muita frequência, a economia dos pobres é confundida com uma pobre economia. Os pobres não são menos racionais do que os outros, bem pelo contrário. Precisamente por terem tão pouco, verificamos muitas vezes que são muito mais cuidadosos com as suas escolhas, tendo que ser economistas sofisticados para sobreviverem. Isso implica a possibilidade de aproveitar ao máximo os seus talentos e que para assegurar o futuro da sua família é exigido muito mais habilidade, força de vontade e empenho dos pobres.
Os dois laureados com o Prémio Nobel da Economia 2019 reconhecem que não há soluções miraculosas para acabar com a pobreza em muitos países, mas há cinco lições a levar em consideração, nomeadamente: (a) os pobres tem frequentemente falta de informações críticas e acreditam em coisas que não são verdadeiras; (b) os pobres são responsabilizados por demasiados aspectos das suas vidas; (c) Há boas razões para alguns mercados estarem a falhar aos pobres, ou para os pobres neles enfrentarem preços desfavoráveis; (d) os países pobres não estão condenados ao fracasso por serem pobres, ou por terem tido uma história infeliz, e; (e) as expectativas acerca daquilo que as pessoas são capazes ou não de fazer acabam, com demasiada frequência, por se tornarem em profecias que se cumprem a si mesmo.
Autores como como Jeffrey Sachs, com a sua obra “The End of Poverty” (2005), Paul Collier, no seu livro “Os Milhões da Pobreza”, Ha-Joon Chang, com o livro “Kicking Away the Ladder” (2002), Ruchir Sharma, que escreveu “Os Milagres Económicos do Futuro” (2013), entre outros economistas de renome internacional, tem dedicado atenção especial a estudar a pobreza, como combatê-la, de que forma se pode promover o crescimento económico inclusivo e, portanto, pró-pobres, e como gerar riqueza e prosperidade.
Vou terminar esta secção com a síntese do pensamento do economista francês Thomas Piketty, na sua obra “O Capital do Século XXI” (2013), em que o autor analisou a dinâmica da repartição dos rendimentos e da riqueza nos países desenvolvidos desde o século XVIII, e constatou que a repartição das riquezas constitui um problema político de tal magnitude que até está a por em causa a estabilidade das sociedades democráticas contemporâneas. Os resultados da pesquisa de Piketty puseram em causa a “Curva de Kuznets”, estabelecida na década de 1950, que apontava que o desenvolvimento económico era mecanicamente acompanhado pelo declínio das desigualdades de rendimento, advogando que o sistema capitalista e a abordagem do mercado livre, além de gerar periodicamente crises, se não for devidamente regulado, gera desigualdades sociais e espaciais crescentes, que afectam os pilares fundamentais para a estabilidade das Nações.
O que os autores referidos enfatizam é que desenvolvimento deve resultar da convergência de variáveis económicas e sociais, sem perder de vista as dimensões políticas, ambientais, territoriais e institucionais. Onde há crescimento económico rápido e robusto, mas esse crescimento convive amigavelmente com a pobreza, fome, desigualdades sociais e desemprego, as condições para a crise e instabilidade estarão sempre a espreita, e a paz pode sempre ser fragilizada e atacada.
O que advogam os laureados com o Prémio Nobel de Ciências Económicas 2024?
Daron Acemoglu & James Robinson, autores de “Porque Falham as Nações: As origens do poder, da prosperidade e da riqueza” (2013) mostram que embora as instituições económicas sejam cruciais para determinar a pobreza ou a prosperidade de um país, são a política e as instituições políticas a determinar as instituições económicas que um país tem, ou seja, as instituições políticas e económicas interagem para gerar pobreza ou prosperidade e como as diferentes partes do mundo acabaram por ter conjuntos tão diferentes de instituições como, por exemplo, os EUA e o México, o Botswana e a Serra Leoa ou a Coreia do Sul e a Coreia do Norte.
Nos países ricos, as pessoas são mais saudáveis, vivem mais anos e possuem um grau de instrução muito mais elevado, têm acesso à melhores serviços públicos, e diversas opções de vida como habitação, alimentação, transporte, cultura e recreação. A Revolução Industrial que emergiu em meados do século XVIII, na Inglaterra, e depois se disseminou pela Europa Ocidental, EUA, Canadá, tendo-se expandido pela Austrália, Japão, Nova Zelândia, Singapura, Coreia do Sul, Taiwan, Hong Kong, entre outros países mais tarde, fez com que os cidadãos desses países usufruíssem de uma vida muito diferente e melhor que a de outros habitantes do resto do planeta, porque as instituições, tanto políticas como económicas, estabeleceram os incentivos às empresas, aos indivíduos e aos políticos.
Os autores defendem que “países como a Grã-Bretanha e os EUA tornaram-se ricos porque os seus cidadãos derrubaram as elites que controlavam o poder e criaram uma sociedade em que os direitos políticos eram mais amplamente distribuídos, em que o governo era responsabilizado e tinha de responder perante os cidadãos, e onde a maioria das pessoas podia aproveitar as oportunidades económicas” (Acemoglu & Robinson, 2013:14).
As instituições económicas estabelecem os incentivos para as pessoas se instruírem, pouparem, e investirem, para inovarem e adoptarem novas tecnologias, e é o processo político que determina o tipo de instituições políticas que determinam como esse processo funciona, incluindo para assegurar a estabilidade e a continuidade. O talento individual é importante, a todos os níveis da sociedade, mas necessita de um quadro institucional que o transforme numa força positiva, ou seja, são as instituições económicas que permitem criar facilmente empresas, sem ter-se de vencer barreiras insuperáveis, e também viabilizar o financiamento dos seus projectos.
Na obra, os dois economistas que foram muito influenciados por Adam Smith e Douglass North, questionam os argumentos que apontam que o destino económico de uma nação depende da geografia, clima, história, cultura ou religião. Recorrendo a conhecimentos de economia, história e ciência política, Acemoglu & Robinson mostram que são as instituições económicas e políticas inclusivas que geram riqueza, prosperidade e estabilidade, enquanto que as instituições económicas e políticas extractivas ficam presas na armadilha da pobreza, miséria, instabilidade e subdesenvolvimento.
Outra obra de Acemoglu & Robinson, cujo título é “O Equilíbrio do Poder: Estados, sociedades e o futuro da liberdade” (2020), enfatiza que para a liberdade surgir e se desenvolver, tanto o Estado como a sociedade têm de ser fortes. É preciso um Estado forte para conter a violência, impor as leis e fornecer os serviços públicos fundamentais para que as pessoas possam fazer as suas escolhas, sendo também preciso uma sociedade forte e mobilizada para conter e acorrentar o Estado forte, supervisionando o Estado para que este promova a liberdade das pessoas, em vez de a esmagar. A liberdade, advogam os autores, precisa de uma sociedade mobilizada que participe na política, proteste quando é necessário e, quando pode, expulse pelo voto os governos no poder.
Apertado entre o medo e a repressão forjados pelos Estados despóticos e a violência e a anarquia que surgem na sua ausência, existe um estreito corredor para a liberdade, e é nesse corredor que o Estado e a sociedade se equilibram entre si. Há uma constante e quotidiana luta entre esses dois actores, e essa tensão permanente trás benefícios, pois o Estado e a sociedade não só competem, mas também cooperam. O que torna isso um corredor, e não uma porta, é que alcançar a liberdade é um processo, porque o Estado e as suas elites têm de aprender a viver com as grilhetas que a sociedade lhe impõe e os diferentes segmentos da sociedade têm de aprender a trabalhar em conjunto, apesar das suas diferenças. A liberdade depende quase sempre da mobilização da sociedade e da sua capacidade para alcançar um equilíbrio de poder com o Estado e as suas elites.
Num livro recente de Daron Acemoglu & Simon Johnson, intitulado “Poder e Progresso: A nossa luta milenar pela tecnologia e prosperidade” (2024), os especialistas referem que o progresso nunca é automático, e que o progresso actual voltou a servir para enriquecer um pequeno grupo de empreendedores e investidores, ao passo que a maioria das pessoas está a ser desapossada e pouco ganha. Hoje, grande parte da população mundial está melhor do que os seus pais e avós porque os cidadãos se organizaram, contestaram as escolhas das elites quanto à tecnologia e às condições laborais e impuseram formas mais equitativas de partilhar os lucros obtidos com os desenvolvimentos técnicos, podendo usar as inovações para solucionar problemas reais, para ajudar as pessoas, mas não é esse o rumo que hoje seguimos.
Uma visão nova e mais inclusiva da tecnologia só pode emergir se a base do poder social se alterar, confrontando as ideias convencionais e a opinião dominante, afastando o rumo da tecnologia do controlo de uma elite fechada. Ao longo da história, a evolução tecnológica tem sido considerada o principal motor da prosperidade. Porém, a tecnologia é moldada pelos interesses, desejos e convicções dos poderosos, gerando riqueza, respeito social, domínio cultural e uma influência política acrescida para os que já detém esse poder.
A tecnologia está a a influenciar tudo, todos e em todo o lugar do mundo, automatizando empregos, acentuando as desigualdades e criando ferramentas de vigilância e desinformação que, em última instância, ameaçam a liberdade e a democracia. Os autores demonstram que o rumo da tecnologia não é uma força da natureza que escape ao controlo humano, e que ela pode ser direcionada para promover o bem comum e não apenas a prosperidade para uma minoria. Actualmente, algumas das pessoas mais ricas do mundo estão ligadas à empresas de tecnologia, e ela está conectada com o acesso e manutenção do poder, à economia e ao sistema financeiro, ao controlo social, aos conflitos e guerras, à educação e saúde, e à todas as áreas da vida económica, social e política. A tecnologia é demasiado importante, segundo Acemoglu & Simon (2024), para ficar entregue aos multimilionários, exigindo uma participação abrangente no processo de tomada de decisões e que se pode e deve recuperar o controlo.
Os três vencedores do Prémio Nobel de Economia 2024 têm tido preocupações de pesquisa focadas no poder, prosperidade, riqueza, pobreza, sociedade, Estado, instituições, inclusão, democracia, autocracia, liberdade e tecnologia. Como esses elementos vão ser combinados e articulados para poderem influenciar positivamente o desenvolvimento económico das nações? De que forma se pode garantir que as políticas e as instituições estejam focadas em promover o bem-estar na maioria da população das nações? Hoje sabemos que a geração de riqueza e prosperidade dependem de políticas e instituições que favorecem o desenvolvimento económico, sem contudo perder de vista a necessidade de combater a pobreza, reduzir as desigualdades sociais e espaciais e promover empregos. Como engendrar círculos virtuosos de desenvolvimento? Esse enigma persiste e não acredito que existe os que tenham uma “varinha mágica” …
Moçambique pode aprender algo?
O empreendedorismo é a alma do desenvolvimento económico, e o que faz com que nos países subdesenvolvidos como o nosso exista um número significativo de pobres não é a ausência de energia empreendedora a nível pessoal, mas a insuficiência e carência de tecnologias produtivas e organizações sociais evoluídas, especialmente a empresa moderna e as instituições de suporte ao desenvolvimento de negócios. Nos países ricos e industrializados, os empreendedores como Bill Gates, Mark Zuckenberg, Elon Musk, Warren Buffet, Jeff Bezos, Bernard Arnault, Larry Ellison, Steve Balmer, Larry Page, Steve Jobs, Paul Allen, Sergey Brin, entre outros, tornaram-se no que são porque operaram num ambiente económico nivelado, em que um conjunto de instituições colectivas favoreceram a sua emergência e desenvolvimento. Há um mérito pessoal em cada um deles, seja feita justiça, mas a envolvente político-institucional, económica e social favoreceu e fez desabrochar os seus talentos, diferentemente do que acontece nos países pobres.
Com instituições económicas e políticas apropriadas, que possam influenciar e moldar o comportamento e os incentivos na vida real dos indivíduos / empreendedores, o êxito e sucesso empresarial é uma meta que pode estar ao alcance de muito mais cidadãos que enveredam pela aventura empreendedora. O talento individual é importante, a todos os níveis da sociedade, mas necessita de um quadro institucional que o transforme numa força positiva, como a seguir enumero alguns elementos fundamentais: (i) um sistema educativo que prepare engenheiros, gestores e trabalhadores qualificados, que fazem funcionar as empresas; (ii) a infraestrutura científica que lhes permita adquirir conhecimento e também experiência; (iii) as leis que regulam as actividades das empresas e outras leis comerciais que lhes possibilitem construir empresas lucrativas; (iv) o sistema financeiro que lhes permita mobilizar capital à um custo comportável; (v) as leis de patentes e direitos de autor que protejam as suas invenções, e; (vi) um mercado facilmente acessível para os bens e produtos poderem ser livremente transaccionados, com custos controlados.
O Estado terá de edificar instituições económicas que permitam criar facilmente empresas, sem terem de vencer barreiras insuperáveis como a corrupção e a ineficácia administrativa, que possa viabilizar o financiamento para os projectos de negócio dos empreendedores, de ter um mercado laboral que facilite a contratação de pessoal qualificado e motivado, e que os empreendedores acreditem que os seus projectos podem ser concretizados em decorrência do seu mérito, e não com base no compadrio, nepotismo, cleptocracia ou outros interesses de grupos ou assentes em afinidades políticas, étnicas, religiosas, raciais, sociais, regionais ou de outra natureza. A eficiência alocativa dos recursos, a sustentabilidade, a viabilidade económica e social, a meritocracia, a transparência, o impacto e a contribuição para o bem comum, devem ditar as escolhas.
A confiança nas instituições, o primado da lei, a segurança dos direitos de propriedade, e o facto de as instituições políticas assegurarem a estabilidade e a continuidade é vital para que “as regras do jogo não possam ser alteradas de forma arbitrária ou em benefício dos mais poderosos, influentes e dos donos da bola”. Tal como Ha-Joon Chang, na obra “23 Coisas que Nunca lhe Contam sobre a Economia” (2014), Acemoglu & Robinson (2013) também rejeita o “mito do empreendedor individual talentoso e heróico”, defendendo que é vital erguer instituições que permitam que os empreendedores possam florescer, afirmar-se e ser o motor da economia. Moçambique precisa de instituições económicas e empresas fortes que estejam apostadas em viabilizar projectos de negócios que tragam novos bens e serviços ao mercado, que criem empregos e possam gerar renda para as famílias.
Para que o crescimento económico tenha probabilidade de se transformar em desenvolvimento, é importante que além da renda, a população seja adequadamente educada, seja saudável e bem alimentada, e se os cidadãos se sentirem suficientemente seguros e confiantes para investir nos seus filhos e lhes permitir que deixem as suas casas para encontrar novos empregos na cidade. Se deixar-se que a miséria, frustração, crispação e ansiedade possam emergir e afirmar-se, e que a raiva, a violência e o desespero levem a melhor, o bem-estar e o desenvolvimento humano serão apenas utopias. Uma política económica e social que resulte, que impeça as pessoas de se revoltarem por sentirem que não tem nada a perder, poderá ser um passo crucial para preservar o encontro do país com as condições de arranque para o desenvolvimento sustentável.
A experiência transformativa do microcrédito, embandeirada por Muhammad Yunus e o Grameen Bank, quando popularizada, permite que pequenos empréstimos possam ser feitos com base em garantias solidárias, a beneficiários sem acesso ao crédito formal, particularmente para fomentar o empreendedorismo entre as mulheres e os jovens. Este mecanismo tem o potencial de inserir no circuito económico e produtivo uma parte significativa de indivíduos e famílias, que podem combater a pobreza com o seu próprio esforço, engenho humano e dignidade. Para países com elevados índices de pobreza, desigualdades sociais e desemprego, como Moçambique, a massificação do microcrédito, a capacitação profissional, o adequado enquadramento das micro e Pequenas e Médias Empresas (PME´s) e a disseminação de serviços de apoio ao desenvolvimento de negócios, podem ser medidas poderosas para reduzir a pobreza e despoletar o crescimento económico inclusivo nas zonas rurais e nas zonas urbanas.
Amartya Sen, na sua obra “Desenvolvimento Como Liberdade” (1999) enfatiza que a liberdade deve ser encarada como o fim básico e como o meio mais eficaz para a sustentabilidade da vida económica e para o combate à pobreza e à insegurança, sustentando que o desenvolvimento económico é, por natureza, um processo de alargamento das liberdades substantivas que as pessoas usufruem. Quer A. Sen, quer D. Acemoglu, J. Robinson e S. Johnson, encaram o desenvolvimento como um processo de remoção dos vários tipos de restrições que deixam às pessoas poucas oportunidades para exercerem a sua acção racional em alguns domínios, a saber: (i) acesso à renda, ao emprego e aos mercados; (ii) os benefícios políticos relacionados com a democracia, transparência, participação, prestação de contas e o primado da lei; (iii) oportunidades sociais de educação, saúde, habitação e protecção social, e; (iv) usufruto de serviços essenciais e infraestruturas como energia, água, estradas, transportes e comunicações, cultura, desporto, recreação. Esses elementos não só se reforçam mutuamente quando estão em interacção, como também contribuem para a eliminação das principais fontes de vulnerabilidade. O suporte conceptual e teórico desses autores pode ser vital para Moçambique encarar que os pobres devem estar, necessariamente, na centralidade das estratégias de desenvolvimento para os próximos 25 anos.
A pobreza, fome, desigualdades sociais e o desemprego não são fenómenos naturais, não são uma desgraça de Deus, nem são fatalidades, pelo contrário, resultam de processos de desenvolvimento concretos e de limitações no que concerne à políticas, instituições, capital humano e capacidade de implementação. As mesmas políticas e instituições que permitiram que esses fenómenos surgissem e bloqueassem o desenvolvimento da nação, não serão elas mesmas a removerem esses problemas. Um outro tipo de políticas, instituições de economia e da sociedade devem ser concebidas e medidas implementadas, e elas devem estar calibradas para ampliar crescentemente das liberdades e as oportunidades que as pessoas usufruem, na perspectiva do desenvolvimento pleno do seu potencial humano. A prioridade cimeira de Moçambique é, inspirando-nos nos laureados com o Prémio Nobel de Ciências Económicas 2024, fortalecer as instituições políticas e económicas inclusivas.
Quando se der o epílogo de 2024 o nome de Venâncio Mondlane ou VM7 como ele gosta de ser tratado, deverá reunir consensos como a figura política do ano que vai encerrar no mês que se segue.
Sem margem para dúvidas, VM7 é um fenómeno meteórico que será sempre lembrado por ter desafiado o status quo através de lives que provocaram tosses à economia do país afectando-a com assomos de paralisação momentânea do país, e que levaram a soberba arrogância do poder a contrapor com apagões de internet e com o uso indiscriminado da força com balas verdadeiras e do gás lacrimogéneo fora do prazo.
Num ano frenético e atípico, VM7 deu lições de cidadania activa que baste na política nacional. Defendeu com unhas e dentes os seus direitos enquanto membro da Renamo; bateu-se com galhardia para a reposição dos mesmos, e, quando se apercebeu que a lei e a justiça não eram suficientes para demover a liderança do partido que reclama a “paternidade da Democracia” a aceitar as suas, legítimas, pretensões de levar a Perdiz à Ponta Vermelha, bateu com as portas que Afonso Dhlakama lhe abriu e foi à procura de uma nova.
Aberta a porta da candidatura independente para o mais apetecível cargo do estado moçambicano, VM7 continuou a sua jornada a solo a que atrelou a pálida Coligação para Aliança Democrática (CAD) na sua cruzada e no seu portfólio político, mas porque os seus rugidos faziam eco na sociedade, esse sonho foi desfeito por obra de doutores da lei na mesa da (dís)paridade nacional que chumbaram a coligação com alegações com cheiro e sabor a perseguição política movidas pela dupla de amantes FRENAMO.
Refeito desse revés, VM7 olhou para as cores do mapa dos partidos existentes e se fez em núpcias com o Partido Optimista para Desenvolvimento de Moçambique (PODEMOS) e foi às eleições num processo ensombrado desde a fase do recenseamento eleitoral (qual mal parido à nascença).
Com os criminosos eleitorais em ação, VM7 não quis esperar pelos anúncios das contagens prenhes de discrepância da famigerada Comissão Nacional de Eleições (CNE) e saiu para as ruas hasteando um discurso de vitória, facto que exacerbou as tensões na já tensa e nervosa esfera pública.
A declaração do VM7 fez ranger as estruturas do edifício do esterco e, do degredo das neblinas do poder e com os dentes crocodilados de raiva, foram acionados os marginais do regime que dispararam 25 vezes as mortes de Elvino Dias e Paulo Guambe.
Aí o caldo entornou e até hoje o impasse dorme connosco numa relação extraconjugal e estamos na montra do concerto das nações pelos piores motivos. Somos descritos como uma nação em crise pós-eleitoral onde a violência desproporcional do estado impera e é míster e morre-se por se exigir a reposição da verdade.
VM7 teve que se resguardar porque o arcebispo e os acólitos deste poder que pretende ir até às últimas consequências quer, supostamente, apagá-lo, pela ousadia de os ter desafiado no cume do planalto que já não emanam as causas justas e puras dos versos da libertação.
E agora?
O que é que o candidato presidencial da oposição VM7 vai fazer a seguir?
Mais tarde ou mais cedo, aos solavancos ou de forma permanente, o quotidiano, rasgado pelas convulsões políticas terá que regressar lentamente à normalidade em Moçambique. Após os protestos que Venâncio Mondlane orquestrou na semana passada por causa da contestação dos resultados eleitorais, embora admita que ainda não terminou a sua luta (manifestações pacíficas), anunciou uma “quarta fase” mais dura e radical das manifestações.
Até à data, os protestos provocaram o encerramento de empresas, o esvaziamento de escolas. Os mercados estão desertos e os funcionários públicos não se deslocam aos edifícios dos seus ministérios. O presente “Chamado” de VM7, que na quarta-feira iniciou com a paralisação prevista para durar três dias, tem impactos económicos que já começam a ser sentidos, conforme nos dizem agentes ligados à economia, com as estimativas de perdas financeiras que podem ultrapassar os 300 milhões de dólares, cerca de 18,4 mil milhões de meticais. As receitas fiscais serão, sem dúvida, afectadas.
Quem anda pela cidade de Maputo, já andou pelos mercados, pelos centros comerciais, verifica que a cidade depende muito da economia sul-africana. Então vamos ter muitas famílias em dificuldade, e os mais pobres a rangerem de aflição.
O Centro de Integridade Pública (CIP) estima que Moçambique perdeu 24,5 mil milhões de meticais (360 milhões de euros) em dez dias de paralisações de contestação dos resultados eleitorais.
“A perda total estimada para a economia em dez dias de manifestação é de 24,5 mil milhões de meticais, o que representa 2% do PIB [Produto Interno Bruto] total estimado para 2024”, lê-se num artigo do CIP.
Ao ampliar nas suas lives a indignação sobre o cardápio do que se tornou parte da Frelimo e dos seus membros, VM7 parece estar ressabiado, o que rouba o discernimento do revolucionário que muitos esperam, mas se não mudar o foco da sua acção, tal como Moisés, corre o risco de ver a terra prometida e não entrar.
Viver é melhor que sonhar/o amor é uma coisa boa – Elis Regina
Veio-me à memória, não propriamente a Elis Regina, meu farol também, mas a sua desconcertante música, “Como os nossos pais”, de onde ceifei esses dois versos profundos: viver é melhor que sonhar/o amor é uma coisa boa.
Estava eu sentado sòzinho na varanda, escutando o silêncio debruado pela música dos pássaros, a contrastar com as feridas vivas que se avolumam dentro de nós. E senti a chuva vestida de poesia chovendo dentro de mim: viver é melhor que sonhar/o amor é uma coisa boa.
Mas se de um lado a poesia e a música vencem, evocando o amor, do outro lado esse mesmo amor apelado e cantado, entra e estado de vaporização. Sublima-se aos poucos, como as hienas que nos comem vivos. É isso que eu sinto aqui sentado a escutar a música da natureza, ou melhor, a música do silêncio. Sinto também que o tempo de amar está escasseando, está fugindo. E percebo absolutamente que estou para além das minhas lucubrações, não estou a sonhar.
Até as crianças, que não páram de vir à minha casa arrancar mangas dependuradas na copa das minhas duas mangueiras, já perceberam que o amor está-se diluindo. Vejo isso na expressão dos seus rostos precoces e na maneira como elas falam. Algumas delas, prestando bem a atenção, não procuram a fruta por prazer de saborea-la, mas por fome. Vê-se nos lábios gretados, nas camisas rotas de parte destes passarinhos humanos. Então, deixo-as tirar as mangas como elas querem, sem limites. E não chamo a este gesto uma devastação, mas sim, uma necessidade urgente. Inadiável.
Onde existe o amor tem harpas. E na vida destas crianças não há harpas. Elas não sabem o que é o amor, nunca ninguém lhes deu. Mesmo assim, e isso dói muito, cantam comigo canções de paródia na nossa praia que fica aqui perto, a dois passaos. Cercam-me. Desabrocham a sua aparente alegria no palco de areia, pois dentro delas há um vazio. Físico e espiritual, e sentimental. Sim: o rosto é um pouco a janela da alma, e a alma destas crianças oscila em tonturas. O corpo está desprovido de energia, e onde não há energia não há luz.
Se houvesse o amor! Se houvesse, estas crianças não iriam sofrer. Mas a própria Gal já o diz, e eu não me cando de repetir: eles venceram/e o sinal está fechado para nós/que somos jovens.
É isso: os barcos de cabotagem já não chegam aqui, passam de longe com todos os bombos que eram para as nossas crianças. Nunca tomaram leite estes petizes, vejo isso nos seus rostos. Vejo a fome na forma como devoram as mangas, que serão, com certeza, a primeira refeição do dia, e já passa das 12.00 horas.
Como dói! Então o silêncio que me rodeia não faz sentido. Seria, este sossego, o meu retiro de inspiração e paz, mas quando olho para estas crianças, assim como elas (sobre)vivem, destroça-se todo o meu ser.
NYUSI, deve reunir o Conselho de Estado – Carta Aberta.
I. Sr. Presidente! A Avenida Joaquim Chissano – em homenagem a um antigo Chefe do Estado da nossa República de Moçambique – ficou definitivamente mais famosa (no mau sentido) com os assassinatos macabros de Elvino Dias e Paulo Guambe a quem rendo aqui a minha singela homenagem. Joaquim Chissano, virou o “templo sagrado dos assassinatos”. Assassinaram-se, na Joaquim, dois grandes cultores e reconstrutores do Estado de direito democrático e de justiça social em Moçambique. Os “esquadrões da morte”, perderam até respeito pelo próprio ‘Joaquim Chissano’ – conhecido como o ‘obreiro da paz moçambicana’. Esses vândalos e marginais que nos cortam a comunicação (internet) e atiraram contra dois jovens intelectuais, porque se renderam as suas capacidades intelectuais, já nem mesmo aos seus próprios líderes do Partido respeitam. São fanáticos da Frelimo, intolerantes, insensíveis, drogados, cruéis, contrabandistas e inconsequentes que defendem a Frelimo a todo o custo porque lhes permite viver a vida de Rei-Rainha sem que o imperium das leis do Estado em que V. Excia dirige lhes afetem… A Frelimo, “garante-lhes isso”… a boa vida, a vida de Cão! Por isso, a Frelimo nunca pode permitir que a alternância democrática seja realidade na democracia constitucional moçambicana. Os luxos, os subsídios, as regalias, os benesses, os negócios internacionais milionários, etc., que começaram com o Governo de Chissano (de deixa andar), se mantiveram com o Governo seletivo de Guebuza, tolerados no seu Governo e se pretendem manter não podem acabar… têm de ser ad aeternum… para isso, temos de defender os nossos interesses egoístas, cruéis e desumanos a todo o custo, mesmo que isso envolva sacrificar ou aniquilar uma nação inteira.
II. Sr. Presidente! Há umas semanas atrás, antes do atentado moçambicano de 19 de Outubro contra Elvino e Guambe, escrevi (para lá do dia 17) um artigo sobre o estado da democracia constitucional em Moçambique para o reputado Jornal digital ‘Carta de Moçambique’. Volto a fazê-lo hoje, sempre num compromisso de Cidadão ativo do Estado. Excelência! Num país que se diz ser – perante os seus e a comunidade internacional – de direitos humanos e de justiça social não deve caber juramentos públicos do tipo mentiroso. A representação do Estado moçambicano jura, perante a Constituição da República, defendê-la e fazê-la respeitar de todas as agressões (…) advindas de quem quer que seja. Juramos, comummente, que acima da Constituição apenas Deus; tal como entre outras ordens profissionais, citemos a ordem médica e o dever de respeitar o juramento de Hipócrates – o pai da medicina – os que defendem a justiça juram perante a Constituição seguir escrupulosamente as diretrizes que emanam das suas normas constitucionais, mas tudo: sem seriedade prática! A democracia moçambicana enferma de vários problemas. O problema da crescente desconfiança política e descontentamento político refletidos nos resultados eleitorais são um bom exemplo! Parece-nos evidente – a olhar para o nível das abstenções e a cada dia que passa –, que vivemos (n)uma democracia perigosa, menos participativa, e sob ponto de vista da ciência política já não se percebe ao certo que tipo de democracia é essa. Já ninguém confia no Governo, nas instituições políticas dos Estado. A Frelimo, corrupta, de Chapo, para além de capturar o Estado também consegue comprar os membros da sociedade civil que integram os órgãos decisórios do Estado. Na prática, o que vemos: com o devido perdão – uma “sociedade civil de lixo”, uma democracia maquiavélica entregue… nas mãos de Partidos políticos que vivem da hipocrisia com a conivência de uma sociedade civil que facilmente se deixa corromper. Vale tudo pelo dinheiro (os fins justificam os meios; primeiro o buxo, depois o luxo). Exemplifiquemos! Entre a cultura da ditadura do voto maioritário que se instalou, a comunicação social tornou pública a lista de membros da CNE que aprovaram os resultados fraudulentos das últimas eleições. Vale, de facto, a pena o Povo moçambicano conhecer esse grupo de indivíduos que integram como os “autores morais do assassinato” da democracia: 1. Dom Carlos Simão Matsinhe – Sociedade Civil; 2. Carlos Alberto Cauio – Frelimo; 3. Mário Ernesto - Frelimo; 4. António Focas Mauvilo – Frelimo; 5. Rodrigues Timba – Frelimo; 6. Eugénia Fernando Jorge Fafetine Chimpene – Frelimo; 7. Daud Dauto Ussene Bramogy – Sociedade Civil; 8. Alice Banze – Sociedade Civil; 9. Paulo Arsénio Manuel Cuinica – o porta-voz da quadrilha dos bons malandros, responde pela Sociedade Civil.
III. Sr. Presidente! Não tenhamos ilusões… Não foi o pobre coitado do Venâncio que é hoje perseguido pelos radicais da Frelimo, do SISE, do SERNIC, da PRM, das FADM e/ou das Forças militares estrangeiras! “foram (e são)” esses homens batoteiros, devidamente listados, que forçaram manifestações violentas jamais vistas na história da democracia pluripartidária moçambicana; “foram (e são)” esses homens que provocaram a morte de umas dezenas de pessoas; “foram (e são)” esses homens que provocaram (e provocarão) a morte de umas dezenas de moçambicanos no dia 7 de Setembro; são (e serão) esses, as Forças de Defesa e Segurança e a Polícia da República de Moçambique, que terão de responder aos olhos dos Tratados internacionais pelos crimes de genocídio de 7 de Novembro perante a Justiça internacional; será também o seu Governo incluindo o Senhor - enquanto Chefe das Forças Armadas de Moçambique – que até ao momento não teve a ousadia de reunir o Conselho de Estado para se aconselhar. De há muito que as eleições gerais são conhecidas como as mais fraudulentas na história da democracia moçambicana. As Missões de observadores nacionais e internacionais estão agastadíssimas, sempre reportaram ilícitos e irregularidades eleitorais em várias fases do processo eleitoral. Os órgãos eleitorais, são acusados como violadores sistemáticos dos princípios estruturantes da lei eleitoral que a seguir se elencam: o princípio da independência; o da imparcialidade; o da integridade, o da transparência, o da legalidade e o da eficiência. Parece-me, Excelência, que a solução por via da democracia representativa mostra-se inviável em países onde os valores da ética e da moral foram enterrados face a valorização desenfreada daquilo que se chama por moeda de escambo (dinheiro). Vemos hoje, como desgosto, o Tribunal Supremo, sob matérias de ilícitos e irregularidades eleitorais aplicar a dura lex sed lex ao resgatar o velho princípio da impugnação prévia (que o legislador já provou que não serve na realidade democrática moçambicana) contra a vontade popular claramente manifesta em sede parlamentar na pessoa da Presidente do parlamento. Foram incapazes de fazer o mesmo quanto ao artigo estabelecido pela nova lei eleitoral que diz que se deviam substituir as urnas antigas de fundo falso pelas novas para evitar fraudes (enchimento de urnas). Onde é que está a Justiça eleitoral, Sr. Presidente???
IV. Sr. Presidente! O Caos se instalou do Rovuma ao Maputo e do Índico ao Zumbo. Sete dias de paralisação total e completa das atividades económicas e sociais, a quarentena forçada instalada, é um assunto que deve ser levado a sério, nada de levianamente. Temos um Estado a funcionar a duodécimos. É chegada a hora de reunir, com caráter de urgência (extraordinariamente), o Conselho de Estado para debater seriamente o estado da nação, o significado do que foi a data-limite e as imposições de um povo que se revê no coração generoso de ‘VM7.’ Estamos perante uma convulsão social assinalável com quase tudo para resvalar para um estado de permanente guerra. A tensão político-militar que vivemos hoje pode facilmente resvalar para uma segunda guerra civil em Moçambique. Não brinquemos com a capacidade de retaliação de um Povo empobrecido e enfurecido; um povo que não tem mais nada a perder… um povo esquecido como ficaram esquecidos os filhos do império colonial; um povo composto maioritariamente por jovens os quais não comem com a Frelimo, uma Frleimo que se tornou cada vez mais seletiva; um Povo que não sabe o que é jogar golfe no paraíso misterioso do presidente; que não sabe o que é viver em capitalismo liberal porque o bonus pater família (Estado) se esqueceu que os filhos têm estômago e os jovens estão na fase de experienciar tudo. Excelência! Ao abraçar o capitalismo liberal (nos fins da década de oitenta e início da década de noventa com a Revisão constitucional ocorrida em 1990) devia saber de antemão que a razoabilidade do capitalismo liberal, sua aceitação, só funciona em sociedades onde existe uma classe média visível. Não em classes onde predomina apenas ricos e pobres. Uma minoria de ricos e uma esmagadora maioria de pobres facilmente enfraquece os poderes do Estado e o império da anarquia pode se instalar. É o que temos vindo a assistir acrescido ao problema da rejeição do rotativismo democrático. Ao longo da vossa governança democrática, estudos científicos demonstram claramente que esteve de longe desse desiderato, o de conseguir uma classe média intermédia. Resultado, as canções de redenção: “(…) já não caímos na velha história, saímos para combater a escoria; ninguém sabe bem como, o povo que ontem dormia, hoje perdeu o sono… povo no poder” – EDSON DA LUZ.
V. Sr. Presidente! A verdade é que de facto o Povo que ontem dormia quer hoje tomar as armas dos seus exércitos; quer manejar os tanques de guerra que vagueiam pelas praças públicas; quer destruir a sua segurança; quer destruir a segurança do seu Governo. Eles dizem: Nós PODEMOS! Ninguém os pode parar. O Povo moçambicano é um povo com um histórico belicista; um Povo que sabe lidar com guerras. É bom ter memória: já vivemos duas grandes Guerras. A primeira, Colonial (1964-1974) e; a segunda, civil (1976-1992). Não brinquem com o fogo, não vamos permitir uma terceira.
Decidam o que querem da vida! Tirando as legislativas… algo me faz acreditar piamente que ‘VM7’ venceu as presidenciais. Isso está mais do que claro. Gostaria de convidar V. Excelência para parar de dar ouvidos aos radicais da Frelimo. O Senhor tem nos parecido que tem um coração generoso senão Isaura não se casaria consigo. Apesar de “amar mais a sua família”, pelo menos é solidário – diferente dos radicais da Frelimo cujas mentes funcionam como verdadeiros economistas, uma mente do Tio patinhas. Não tiram nem um centavo sequer para servir a humanidade, para ajudar aos mais carenciados. Eles dizem: que esses vermes morram logo! Fecham as mãos, se esquecem que uma mão fechada não pode receber as bênçãos de Deus. Aliás, estes Senhores satânicos das FDS, PRM, etc, que têm endurecido o discurso militar para intimidar um povo desarmado que lhes pagam os ordenados são disso, exemplo (a generosidade e prontidão da PRM para levar de volta os manifestantes para longe da Cidade Celeste é impressionante, quando a esmola é grande, o pobre desconfia). Estes Senhores, parecendo que não, levam um discurso odioso na ponta das suas línguas para atacar um povo que nesta hora de imprecisão precisa de umas palavras de esperança; eles dirigem-se aos seus, como se dirigissem a um povo estrangeiro… eles se esquecem completamente que os manifestantes são moçambicanos, irmãos seus. Independentemente de integrarem ou não marginais… se são um Povo composto maioritariamente por marginais é porque a culpa é de quem os governa, de quem os marginaliza. Ao invés de apelarem para o bom senso, vem nos dizer que usarão da força das armas – porque força física não me parece que a tenham – para se fazer obedecer. Mas como diria o Salvador do Mundo, CRISTO: “Mal sabem a hora em que o diabo lhes vai roubar a alma.” Aqueles que desejam a morte de um povo justo, serão castigados… não viverão uma longa vida!
VI. Sr. Presidente, Excelência! O Senhor ainda tem o dever republicano de defender o seu Povo. Pode e Deve travar qualquer tentativa de hostilizar militarmente as manifestações no País. Saiba, que no concerto das nações deverá ser julgado pela sua integridade política perante os compromissos de Estado e não pelos compromissos ideológicos que assume com o partido a que faz parte. Um Presidente de uma República serve o Estado, o seu Povo. Não serve o seu Partido, muito menos os camaradas. O mandato presidencial é isento das funções político-partidárias. Os Tribunais internacionais não têm interesse no exercício das suas funções enquanto dirigente/membro do Partido Frelimo; têm, isso sim, interesse no exercício das suas funções enquanto Presidente da República. Aconselho vivamente a revisitar o ‘Estatuto do Presidente da República’. Se o Senhor conduzir o País para os crimes internacionais de genocídio, (…) ou contra a humanidade, pode crer que responderá por isso. Por se livrar dos crimes económicos não pense que se vá livrar dos crimes de guerra. Não se esqueça que o Senhor é o Comandante-Chefe das Forças de Defesa e Segurança. As forças Armadas estão ao seu comando. O Direito à manifestação é um direito de dignidade, um direito humano de primeira geração, um direito fundamental. É o que eleva a democracia de um País. Deve ser garantido pelo Estado doa a quem doer. Acreditando nos seus valores humanísticos, estou convicto: (i) que o Senhor não permitirá que o Estado dirigido por si assassine VM7 e os manifestantes; (ii) que ainda vai a tempo de encontrar um meio-termo para o País; (iii) ainda vai a tempo de Salvar o País deste eminente crime internacional, de honrar o seu título – o de Doutor Honoris Causa!
Hamilton S. S. de Carvalho – PhD em Direito pela Universidade Autónoma de Lisboa Luís de Camões. Professor Visitante em Angola. Colunista do Jornal Impresso, Semanário Canal de Moçambique, e do Jornal Digital ‘Carta de Moçambique.’
“Existe a percepção de que quem não participa das manifestações está bem, que quem não participa das manifestações é da Frelimo, que quem não participa das manifestações é contra o candidato que as convoca. Mas não é verdade, existem membros da Frelimo, com filhos formados e que não têm emprego e deambulam pelas estradas, vendendo crédito. Existem idosos que não recebem seu subsídio básico e são membros da Frelimo. Existem jovens casados, vivendo na casa dos pais e estes são militantes da Frelimo ou outros partidos. Vamos respeitar o direito dessas pessoas”.
AB
O Candidato Presidencial, suportado pelo partido PODEMOS, anuncia a quarta fase das manifestações em Moçambique e segundo deu a conhecer, em exclusivo a CNN Portugal, as mesmas serão muito mais fortes e irão afectar a economia nacional. Segundo o mesmo, com as manifestações, pretende-se que a CNE volte atrás em relação aos resultados que anunciou, dando vitória ao Candidato Presidencial da Frelimo com mais de 70% dos votos expressos e, ao reclamante, que ficou em segundo lugar, com pouco mais de 20%.
Antes de desenvolver o raciocínio sobre as manifestações na fase mais dolorosa, é preciso dizer que a adesão às manifestações demonstra o cansaço popular com a má governação do partido Frelimo, nos últimos anos. A inexistência de condições de trabalho nos serviços de saúde, por exemplo, onde se chegou a usar cartolina no lugar de gesso é o cúmulo dos cúmulos em relação ao mau serviço público nacional. Quando os professores chegam a acumular dois anos sem pagamento das horas extras, os médicos ameaçam com greve devido às más condições, os juízes idem, significa que, dependendo do ângulo em que olhamos para as coisas, parece não haver nada de bom que se possa apontar como exemplo.
A camada mais afectada por isto tudo são, sem dúvidas, os jovens, muitos com formação, que deambulam pelas estradas das cidade, vilas e sedes distritais a venderem o “santo” crédito das telefonias móveis ou outras quinquilharias, que servem aos citadinos. Esses jovens, alguns dos quais estudaram com filhos de algumas elites do partido no poder, ficam mais frustrados ainda quando, depois da formação, reconhecem seus colegas a trabalharem nas empresas nacionais de referência, quando eles nem eram bons alunos. Ao contrário destes, os jovens que não só eram aplicados como também conseguiam boas notas, hoje deambulam sem emprego. Isto, quer queiramos quer não, cria a frustração e adesão às marchas convocadas.
Quando o Fundo de Fomento de Habitação constrói casas que diz serem para jovens, ou quando o Estado lhe aloca a Vila Olímpica, para a venda de Flats aos jovens e, coincidentemente, essas flats são vendidas a jovens do mesmo partido e, no fim do dia nem pagam. Vimos anúncios nos jornais sobre a matéria e é preciso reconhecer que as coisas não estão bem no nosso solo pátrio. É preciso que se ponha a mão na cabeça e procure-se melhores alternativas para a solução destes e muitos outros problemas e não me parece que isso está a acontecer, antes pelo contrário, todos os intervenientes vão pelo lado mais fraco, a condenação das manifestações pelo grau de violência que tendem a assumir.
Manifestações sim, mas bem lideradas
Quanto às manifestações, de um modo geral, há consenso de que se trata de um direito constitucional e ninguém deve proibir. Entretanto, esse direito não deve colidir com outros direitos fundamentais, como seja o direito ao trabalho (claro, para quem tem um posto de trabalho), o direito de circulação, quer de pessoas quer dos bens, a queima de viaturas em circulação, queima de pneus na via pública ou a colocação de obstáculos dificilmente intransponíveis é o impedimento do direito à circulação, quer de pessoas e bens, pelo que isso não deveria acontecer. Os líderes das manifestações devem acautelar que esses direitos não sejam negados a quem não se identifique com as manifestações.
Devo reconhecer também que em qualquer manifestação de pessoas, pelo meio aparecem pessoas que gostam de ir contra a regra previamente estabelecida. Nalguns casos, pela euforia do momento, o calor que é transmitido entre os manifestantes, tudo isso pode criar condições para se desviar do que foi previamente combinado, mas o importante é que as lideranças não percam o controlo da situação. A própria Polícia da República de Moçambique, quando devidamente enquadrada e vista como parceira e não como inimiga, pode desempenhar um papel preponderante na identificação dos desviantes. Contudo, no lugar de agir, pode manter o controlo sobre os visados e comunicar a liderança dos manifestantes a quem caberá tomar medidas correctivas.
A Frelimo e outros partidos têm seus apoiantes e existem neutros também!
Com as manifestações, parece existir a tendência de que quem não apoia as manifestações é contra o candidato que as convoca ou é a favor de se perpetuar as actuais condições de vida dos moçambicanos. A ideia que prevalece é: ou é a favor ou contra. Para muitos apoiantes das manifestações, só existem dois polos: a favor ou contra.
Ora, as coisas não devem ser tão simplificadas assim, é preciso notar que existem pessoas que, por razões das suas filiações partidárias não podem estar nas ruas se manifestando, contudo, identificam-se com as causas que levam às manifestações que, repito, não são exclusivamente os resultados eleitorais. É a crise que se vive em Moçambique que propiciou o aumento da pobreza em Moçambique, o desemprego, falta de assistência básica aos idosos de entre outros. Por exemplo, os idosos sobrevivem do subsídio do Governo, entretanto, passam vinte e quatro meses que não vêem a cor do dinheiro, será que isto é concebível!
A Frelimo, como é óbvio, tem seus membros afectados por tudo isto. A Frelimo tem idosos que deveriam beneficiar do subsídio básico, tem pais e encarregados de educação que têm seus filhos formados e que deambulam nas estradas a venderem o “santo” crédito, a Frelimo tem de entre seus membros pessoas que estão desempregadas e choram dia e noite, mas não os deve pedir que abandonem o seu partido.
Existem os indiferentes, aqueles que não se identificam com nenhum partido, que pura e simplesmente não conseguem ver nas manifestações a solução dos grandes problemas que afectam o nosso país. Aqueles que, sendo moçambicanos e amam Moçambique, por razões distintas não podem e nem se devem filiar a organizações do género. A esses também se pede respeito, não se deve vandalizar os seus bens só porque não se manifestam. Vamos respeitar os direitos individuais.
Sobre a quarta fase das manifestações mais dolorosa!
Segundo o candidato presidencial suportado pelo partido PODEMOS, a quarta fase das manifestações será a mais dolorosa e irá afectar de forma profunda a economia moçambicana, ou seja, o candidato presidencial já definiu o seu alvo para estas manifestações. Segundo garantiu a CNN Portugal que esta quarta fase não será violenta, não sei dizer se em outras fases já previa a violência, mas já é bom saber que a quarta fase não comporta violência. A questão que gostaria de reflectir é: até que ponto essa quarta fase será dolorosa e afectará a economia moçambicana. Vamos por fases.
Agricultura nacional – nós sabemos que a nossa agricultura ainda está na fase embrionária, falamos de agricultura empresarial, mas são muito poucas as pessoas que a praticam. Sabemos também que os poucos que praticam a agricultura comercial fazem-no com recurso a meios próprios. A nossa Banca Comercial não financia a nossa agricultura, em fase de colheita de alguns produtos agrícolas, se esses produtos não chegarem aos mercados de consumo, por conta do bloqueio das vias de acesso, esses agricultores irão falir por completo e não há em Moçambique nenhum seguro que suporta isso. Caro candidato, reflicta, Moçambique não é por hoje e nem amanhã, Moçambique é hoje e sempre!
Comércio – no nosso País, mais da metade da população economicamente activa vive do comércio, podemos chamar o que quisermos, formal ou informal, mas vende algo para a sua sobrevivência, com destaque aos produtos alimentares e perecíveis, nomeadamente, tomate, alface, couve, repolho, pimenta, cebola, batata de entre outros. Muitos desses produtos têm origem nas importações. Ora, a fase quatro compreenderá o bloqueio às importações e, por conseguinte, as exportações. Se sim, realmente, Moçambique irá se ressentir de forma bastante dolorosa, com um aspecto a ter em conta, o excesso dessas medidas e seu impacto pode resultar em algo imprevisto e fora do controlo do próprio candidato.
Pecuária ou produção florestal – a produção animal pode ser afectada de várias formas. Nos casos de aves de abate que, quando se chega a um determinado nível de crescimento, tudo o que consome não é remunerável, pode ser afectada no sentido de que a produção de rações, muitas vezes, depende das importações e, se a área de importação estiver afectada, tudo o resto será afectado, incluindo a exportação dos produtos florestais. Deste modo, mais uma vez, mais do que expressar números de perdas por instituições, olhemos para aquela comerciante que, no Mercado do Zimpeto, na importação de 5 mil sacos, não conseguiu aproveitar mil sacos porque a fronteira esteve fechada. Vamos reflectir no sentido de encontrar alternativas aos problemas que nos afectam, mas deixemos a nossa frágil economia seguir seu rumo. Obrigado.
Adelino Buque