Director: Marcelo Mosse

Maputo -

Actualizado de Segunda a Sexta

BCI
terça-feira, 08 agosto 2023 06:13

A minha geração

Escrito por

Helio Guiliche

A minha geração simboliza uma matriz jovem. Em termos estratégicos presumo que já deveria estar mais exposta e engrenada no processo governativo para o tão desejado take off.

 

É uma geração jovem. Muitos dos integrantes desta geração tiveram a oportunidade de viver a ressaca de 1975, e a impetuosidade samoriana das décadas de 70 e 80. Sem dúvidas, anos de muita sagacidade e de grande fulgor a vários níveis.

 

A minha geração está amuada (se me é permitido dizê-lo) - pois ao abono da verdade ela está incomodada com certas tendências e com o rumo que o país escolheu trilhar. Os sintomas não são de hoje. Foi-se empurrando com a barriga ao ponto de a barriga ficar pequena para tantos problemas.

 

É uma geração que, na sua esmagadora maioria, frequentou o ensino público da altura - por sinal muito bom e de reconhecida qualidade, apesar das carências e deficiências típicas do período que atravessávamos. Hoje, paradoxalmente, quase toda ela, tem os seus filhos inscritos no ensino privado, por acreditar que oferece mais possibilidades por um lado, e por ver a lástima grotesca que se tornou o ensino público por outro lado.

 

A minha geração apresenta sinais evidentes de desgaste. Sente-se enganada, usada e frustrada. Quem conduziu a minha geração a este estado de desanimo? - Pergunta que o meu texto deixará em aberto.

 

A minha geração olha para trás hoje e vê que pela frente tem muitos desafios e poucas oportunidades. Vê que provavelmente assistiu o comboio passar-lhe em frente. Os últimos e poucos vagões que restam, estão quase todos ocupados.

 

Quem terá ocupado os vagões? Prefiro deixar em aberto também.  

 

Somos uma geração que se especializou em ser generalista na análise dos problemas e que peca no diagnóstico aprofundado dos mesmos. Uma geração que, no seu largo espectro faz apologia a “tudologia”. Por consequência não consegue identificar a raiz dos problemas e acaba prescrevendo soluções superficiais e tapando o sol com a peneira. Talvez parte da frustração que advogo esteja aliada a esta incapacidade tácita de gerar soluções. Mas talvez não!!!

 

Uma geração que, fruto do tempo, da conjuntura e das circunstâncias em que está inserida aprendeu a valorizar mais o ganho fácil em detrimento do trabalho; o escovismo à coerência e meritocracia; aprendeu a glorificar e exaltar o mais espertinho e a ficar do lado da história contada pelos malandros - àqueles que escrevem a história - mesmo quando essa história de glória apresenta fragmentos, incongruências.

 

Aprendeu também a acreditar que o mais forte é o que tem mais poder material e mais bens, e assim, foi paulatinamente escangalhando valores primordiais e essenciais para edificação de uma sociedade ética, justa e mais humana.

 

A bolada e a nhonga tomou conta do país da marrabenta, da capulana, do sol e da terceira maior baía do mundo.

 

Hoje, acusamo-nos, subjugamo-nos e de tudo um pouco fazemos para encobrir e justificar os nossos fracassos pessoais e colectivos;

 

Os antigos referenciais estão a desaparecer paulatinamente; e os novos referenciais são os que associam o valor ao dinheiro – numa legitimação do utilitarismo económico. Os novos referenciais são e estão rotulados de bosses por onde quer que passam; vestem roupas de marca, e “rebentam” grandes máquinas nas nossas longas estradas esburacaras.

 

Entre a essência, a existência e a visibilidade, hoje parece que é vivo quem é vistoso. Recorrendo a Rene Descartes na sua célebre máxima (cogito ergo sum – penso, logo existo), parte da minha geração adoptou o “aparento, logo existo”.

 

A minha geração é campeã em debates isolados nos grupos de WhatsApp e de outras redes sociais, e lá, destilam todo seu pretenso conhecimento, seu saber, suas teorias, suas posições, seus ideais, e suas teses. Mas a mesma se coíbe de ser um activo útil na participação e transformação do país de todos nós - da nossa pátria amada. Parece que se caiu numa armadilha do tempo e que o tiro nos está a sair pela culatra.

 

Se no artigo anterior “a demissão do povo” trouxe uma reflexão sobre o status quo do povo, outrora demitido, aqui no texto “a minha geração”, acrescento que a minha geração se apartou do seu papel activo nos processos de construção do país. Nós estamos a desistir de ser e dar esperança às gerações que estão por vir.

 

A minha geração é um poço de contradição (as vezes):

 

É a primeira que fala sobre a necessidade de combater a corrupção - e a primeira a dar o famoso refresco ao tio polícia ou por embriaguez, ou por falta de documentos ou por alguma outra irregularidade.

 

É a primeira que fala de promoção da transparência, e a primeira a chegar-se em frente com subornos quando se trata de vaga de emprego, melhoria de rendimento académico e mais.

 

Estamos numa crise existencial onde sabemos do certo, do desejável e do aceitável mas prevaricamos por escolha própria – Argumento: todos fazem; isto está mal; não começou comigo; é cultura do país.

 

Somos nós mesmos que vestimos capa de ambientalistas de dia, e plantamos árvores, mas de noite urinamos nas mesmas árvores. (…) E nem é sobre árvores este último trecho.

 

Enfim, quem nos vai resgatar deste desânimo? Quem nos vai acudir?

 

É proibido não ter esperanças. É inútil escamotear sonhos

 

A Luta continua!!!

Sir Motors

Ler 2923 vezes