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terça-feira, 11 outubro 2022 09:26

Um pouco de hipocrisia

MoisesMabundaNova3333

Dia 4 de Outubro corrente, celebramos o que chamamos de Dia da Paz. É e será sempre um dia especial para os moçambicanos. O dia em que pusemos formalmente fim a hostilidades militares entre nós. É o dia do Acordo Geral da Paz assinado em 1992. Faltou, nesses entendimentos, a componente “e reconciliação”, que só veio a ser acrescentada anos mais tarde. Provavelmente, por não termos acrescentado, logo no começo, esta componente fundamental na vida humana, a reconciliação, é que depois fomos o que Teodato Hunguana chama de “país de acordos”! É que já vão… quatro - Acordo Geral de Paz, Acordo de Cessação das Hostilidades, Acordo de Paz Definitiva e Acordo de Paz e Reconciliação Nacional de Maputo…

 

Ouvimos, como não deixaria de ser, uma procissão interminável de todo o tipo de discursos, intervenções e ou comunicações, a começar com a comunicação do chefe do Estado na Praça dos Heróis. Foi muito bom ouvir todas aquelas mensagens bastante apelativas - mau grado, não terem deixado, como se queixa ele, o presidente do MDM discursar na cerimónia, ou terem alegadamente invadido o seu espaço no local onde decorria a cerimônia: quem ganha com questiúnculas destas justamente num dia que reputamos de paz, sagrado?

 

Todos os discursos convergindo na pregação da e pela paz, enfatizando que precisamos da paz como do ar para respirarmos, vivermos. Ouvimos muito bem de todos os grandes actores da nossa sociedade que é imperioso regar a paz todos os dias com temperos tipo tolerância, inclusão, aceitação do outro, respeito pelas liberdades fundamentais; precisamos cultivar uma convivência social sã e justa. Outrossim, ouvimos não poucos discursos denunciando, em tom grave, factores que perigam (ou que podem perigar) a paz, os aspectos que devem ser bem acautelados para que tenhamos uma sociedade sadia, justa e harmônica.

 

Falaram autoridades políticas de toda a jaez - autoridades políticas, autoridades religiosas e figuras de proa da nossa sociedade. Não apenas nas cerimónias havidas à extensão do país, mas em entrevistas a vários órgãos de comunicação social - foi tanto palavreado no jornal, tanto, tanto! Falaram e disseram: paz, paz e paz!

 

Afinal, sabemos bem o que devemos fazer para preservar a paz! Sabemos muito bem. Então, por quê não fazemos? Por quê não preservamos? Por quê a perdemos e tivemos que assinar mais do que um acordo?

 

É que, terminados e arrumados os discursos para só voltarem a ser retirados e relidos no próximo 4 de Outubro, voltamos ao nosso dia a dia, ao nosso modus vivendi. E o nosso dia-a-dia é aquela realidade que todos nós conhecemos e muito bem: uma sociedade ainda não inclusiva, uma sociedade ainda discriminatória, uma sociedade ainda não muito democrática, uma sociedade ainda não muito tolerante. Sabemos das queixas sobre a não inclusão, discriminação e intolerância. E ficamos à espera do outro dia da paz e reconciliação… para voltarmos a apresentar as mesmas mensagens!

 

Olhando à nossa volta, que acções concretas fazemos para verdadeiramente promovermos a paz e reconciliação? Temos algum plano ou estratégia de reconciliação nacional? Fazemos? Fazemos o suficiente? Se fizéssemos o suficiente, não teríamos reclamações de exclusão, de intolerância ou de atitudes antidemocráticas!

 

É algo hipócrita gritar “paz, paz, paz” e o que deve ser feito para sua preservação e, logo a seguir, voltar às mesmas atitudes e práticas nocivas que atentam contra uma convivência sadia!

 

ME Mabunda

segunda-feira, 10 outubro 2022 09:32

Festival do Tofo com novo paradigma

AlexandreChauqueNova

A ideia inicial era levar as pessoas ao estravazamento das emoções. Havia uma necessidade urgente de valorizar, não só um lugar histórico-cultural como é a Praia do Tofo, por tudo que representa no tecido social dos manhambanas, mas era importante dar oportunidade à gente daqui, ansiosa de se  juntar e festejar a sua terra ao som da música ao vivo, em grandes espectáculos. Isso conseguiu-se ao longo de várias edições que, mesmo assim, podem não ter deixado boas recordações.

 

Qualquer festival tem como base fundamental -  para que ele triunfe -   a organização meticulosa, criando condições no sentido de os utentes do mesmo sintirem-se confortáveis e seguros. E nos eventos passados pode ter havido falhas que precisam ser corrijidas, se o objectivo é estarmos em patamares de referência, não só a nível da cidade e do País inteiro, mas sobretudo ao nível do Mundo, onde o Festival do Tofo já é por demais mencionado e esperado todos os anos.

 

Há várias perguntas que se podem colocar, se quisermos qualidade, e se também cobiçarmos ser uma boa referência para o turismo em Inhambane: como é que estamos a nível dos acessos ao local onde o grande palco vai ser montado? Como é que é feito o controlo das pessoas no recinto do show de modo a que haja segurança? Mas mais do que estes aspectos, é necessário pensar nas crianças que provavelmente não terão idade de serem admitidas num evento desta magnitude que se prolonga noite a dentro até madrugada, ou mesmo até ao raiar do sol.

 

Até que ponto estão protegidas estas crianças? Quem as controla? É muito preocupante ainda ao chegarmos à conclusão de que as bebidas alcoólica são um grande mal para esta faixa etária, e já em estado de embriaguês, o descontrolo é total de tal forma que vai facilita a acção dos oportunistas, que podem abusar dessas mesmas crianças. Então, precisamos agir urgentemente em defesa dos nossos meninos e meninos, colocando restrições rígidas.

 

Infelizmente há pessoas que já não vão ao Festival do Tofo, por má memória. É por isso que nesta edição, tudo deverá ser feito para que se melhore a questão de segurança nos pontos cruciais, a partir do cruzamento de Babalaza, para que todos se sintam bem e com vontade – depois de tudo terminar – de voltar na próxima edição.

 

Inhambane é esse pedaço de terra peculiar. Um alfobre inesgotável, que acolheu ao longo do tempo, figuras inexcedíveis, as quais funcionaram, e outras ainda funcionam, como fundamentos de uma cidade elegida para ser pacata. São esses actores que o Festival do Tofo, nesta edição - segundio informações que temos - quer resgatar e homenagear em público, para que a história não se esqueça deles. São nomes fortes, inculcados em pessoas humildes e lúcidas, e outras, como Matangalane Boby, Bernabé, Bernardo Wonani, Fernando Guipatwane, que poderáo ter sido tratados como dementes. Mas se calhar nós é que não entediamos a grandeza da sua loucura. E ainda bem que o Festibval do Tofo vai nos trazer essas memórias.

 

Pretende-se com tudo isto, transformar o Festival do Tofo em verdadeiro escaparate, onde os amantes da literartura e das artes plásticas, terão um espaço e um tempo para as lucubrações e vivências de autores daqui desta terra. Porém, Inhambane não é uma terra fechada, ela escancara-se para o mundo através de uma culinária particular, a ser exibida através de mãos esmeradas de mulheres bitongas.

 

É isto e muito mais, que se propõe, levando a que o Festival do Tofo vá para além da música. Bem hajam os organizadores.

“A minha primeira constatação, naquilo que o MIC – Ministério da Indústria e Comércio pretende ao baixar a margem de lucro nos produtos da primeira necessidade, é a adição de Cimento e Chapas de Zinco, mas o mais estranho é que o Cimento e Chapas de Zinco entram no grupo de produtos perecíveis em termos de margens máximas, o que, na minha opinião, constitui uma aberração e um autêntico absurdo comparar as margens do Tomate e Cebola com as margens de Zinco e Cimento. Mas vamos olhar para a pretensão do Governo no seu todo”

 

AB

 

No Decreto 56/2011 de 04 de Novembro, que fixa as margens máximas na Comercialização de produtos básicos, com vista a proteger o consumidor, o Governo de Moçambique socorre-se da alínea f) do nº 1 do artigo 204 da Constituição da República e elenca como sendo produtos básicos os seguintes: frango congelado, peixe cavala, sardinha e carapau, feijão comum, arroz, farinha de milho, farinha de trigo, óleo alimentar, açúcar, tomate, cebola, batata e ovos.

 

Destes produtos, no frango congelado, peixe carapau, cavala e sardinha e ovos, a margem do grossista é de 12% e do retalhista 25%. Na Batata, cebola e tomate a margem é de 10% para o grossista e 25% para o retalhista e os restantes variam de 10% para o grossista e 20% para o retalhista. Digamos que este é o quadro jurídico actual que o Governo de Moçambique pretende ver revisto por baixo, com a introdução de Cimento e Chapas de Zinco que, como faço um reparo acima, apesar de serem produtos industrializados, que não perdem peso e nem diminuem de tamanho, as suas margens estão no grupo de perecíveis!

 

Fazendo fé ao que escreve a “Carta de Moçambique”, na edição de 30 de Setembro de 2022, com o título “Governo pretende reduzir as margens de Lucro nos produtos de primeira necessidade” sendo de 01 a 08 que compreende Frango, peixe, feijão comum, arroz, farinha de milho, de trigo, óleo alimentar e açúcar, baixa de 12 e 10% no grossista para 5% e ao retalhista 20 a 25% para 10% e os restantes, incluindo cimento e chapas de zinco baixam de 10% para 8% no grossista e de 25% para 12% no retalhista.

 

Aqui, na minha modesta opinião, um dos graves erros que se comete, se quisermos assim classificar, é estabelecer a igualdade entre as margens de produtos biologicamente vivos, que é o caso de Tomate, Cebola e Batata, com produtos industrializados e que, por conseguinte, não sofrem alterações ao longo do tempo, sendo que o máximo que pode acontecer é o tempo de vida determinado pelo fabricante. No caso de Cimento, penso que este erro deveria ser revisto imediatamente e não merece sequer debate, porque não merecido!

 

O outro aspecto interessante é o seguinte: a Batata, Cebola e Tomate sujeitam-se, ao longo do tempo, à perda de peso por desidratação e também se sujeitam à revisão de escolha devido à probabilidade de apodrecimento. Equivale dizer que, se tu compras 2 kg de tomate hoje, amanhã, esse peso pode baixar para 1,90kg e depois de amanhã muito menos ainda devido à hipotética existência de algum produto tocado e sujeito à selecção. Ora, uma margem de 8% num produto perecível é um autêntico absurdo.

 

No caso de tomate, batata e cebola, seria importante determinar-se o tempo de vida dos produtos, em seguida, ver o grau de perda de peso por produto e, com base nisso, considerar, antes da margem de lucro, a margem de quebras por produto que, na minha opinião, pode ultrapassar os 8% que o Governo pretende atribuir como margem máxima. De seguida, olhar para a margem de lucro subtraída à margem de quebra, no caso de tomate, ao retalhista, não pode estar abaixo de 40%, sendo na Batata e Cebola aceitável ao retalhista 20 a 25%.

 

Repare caro amigo que, ao estabelecer as margens que sugere, o nosso Governo parece legislar para o mercado informal, um mercado que não possui despesas fixas resultante dos colaboradores, conservação, renda e outras obrigações fiscais e taxas municipais! Seria possível, ao nosso Governo, discriminar a margem máxima de lucro por obrigações particulares?! Se fizer esse exercício e sair-se bem, daria os meus parabéns!

 

O que estou a dizer é o seguinte: pegar nos 5% da margem máxima do grossista e dizer assim, 0,5% para os colaboradores, 0,5% para as despesas com as instalações, 1,0% para a conservação, 1,0% água e energia de entre outras despesas como as taxas municipais que não são poucas e outras obrigações de Lei. Numa primeira abordagem, julgo que a revisão deste Decreto nº 56/2011 de 04 de Novembro deveria merecer maior reflexão, sobretudo, no que respeita aos produtos perecíveis e, mesmo com relação a outros produtos, porque deixar em aberto significaria, na minha opinião, deixar as forças de mercado funcionarem, ou seja, procura e oferta.

 

Muitas vezes, ao determinar as margens de lucro “amarra-se” o agente económico a uma estrutura de preços que não corresponde a sua real actividade. Mesmo na actividade formal, existem operadores cujas margens são baixas porque não contrata pessoas de fora, sendo negócio de família e de fácil gestão, ou seja, cada unidade económica é uma unidade económica e sem comparação.

 

A terminar, julgo este trabalho interessante porque eu, Adelino Buque, na qualidade de Presidente da ACM, orientei um trabalho de contestação do Decreto 56/2011 e com apoio de alguém que hoje é dirigente do Ministério da Economia e Finanças e tudo indicava que teríamos sucesso. Esta reviravolta para rever em baixa e causa-me estranheza. Vamos a tempo de rever a proposta de revisão.

 

Adelino Buque

terça-feira, 04 outubro 2022 14:35

A difícil estrada da reconciliação nacional!

O antigo Presidente da República, Joaquim Chissano, desafiou Filipe Nyusi, ao empossá-lo para mais um mandato como Presidente do Partido, no último Congresso, para promover a reconciliação nacional não apenas no seio da Frelimo como também entre todos os moçambicanos. Boa coincidência esta. Nesta semana, celebramos, no dia 4 de Outubro, o que se consagrou na História Moçambicana Contemporânea como Acordo Geral de Paz. Foi nesta data que, em 1992, o Governo e a Renamo assinaram, em Roma, capital italiana, este entendimento que viria a pôr ponto final a uma guerra fratricida que Afonso Dhlakama e seus séquitos impunham aos moçambicanos faziam, então, 16 anos.

 

Desafio oportuno, inadiável e imperioso. Não apenas a Filipe Jacinto Nyusi, mas a todos os almoviventes desta pérola do Índico. Estão desafiados todos os membros e simpatizantes da Frelimo a se reconciliarem consigo mesmos; primordialmente, cada um deles individualmente, consigo próprio; segundo, entre eles e, terceiramente, mas não menos importante, entre eles e a sociedade moçambicana em geral, incluindo com indivíduos, formações ou institutos de ideologias ou orientações políticas diversas. O reverso também é uma imperiosidade. Os membros de outras formações e ou institutos devem promover a reconciliação intra e entre eles, mas também para com os “outros” que não fazem parte “deles”, que os excluem, mas que pertencem à mesma sociedade.

 

Não se está aqui a convocar uma comissão nacional de verdade e reconciliação à moda sul-africana ou outra coisa do mesmo índole. Não. Entendo que não há nenhum manual ou modelo de reconciliação a seguir… há a inclusão, a participação, o envolvimento do outro, a convivência sã e a chamada diplomacia silenciosa que faz com que o cidadão se sinta pertença de uma nação. E cada país segue (ou não) o caminho que acha melhor!

 

Está difícil este passo de reconciliação intra, inter e nacional. Basta ver que o antigo Presidente Armando Guebuza não fez por estar nas celebrações e empossamento de Nyusi por ocasião da sua reeleição para Presidente do Partido Frelimo e, até hoje, não consta que tenha endereçado uma mensagem de felicitações sequer.

 

Laivos de ausência de paz de espírito, de reconciliação, de desarmonia total, de exclusões econômicas e sociais e de violências de toda a índole são reportados em vários pontos do nosso querido Moçambique e de diferentes manifestações.

 

Reconciliação é grandemente enformada de paz interior, a paz de espírito, a harmonia, de inclusão e convívio social, de compaixão e de empatia. Tudo menos o que se nos tem dado a ouvir. Ultimamente, muito estranhamente, estão na moda os suicídios, expoente mais alto da ausência de paz espiritual interior! Muito temos ouvido, e bastantemente, sobre casais ou ex-casais que se tiram a vida, ou um ao outro; ou ainda, a de outros, inocentes, filhos ou enteados! Pais que matam filhos, ou filhos que matam os pais por razões que jamais serão plausíveis. Comunidades que matam e ou sepultam vivos outros seres sociais; incendeiam-lhes pneus, ou detonam-lhes inflamáveis. Tudo isto. Televisões e jornais nacionais vivem e abusam destas notícias e reportagens, semana sim, semana sim! Em todas as províncias do país!

 

Na arena social, vemos o que nunca ninguém esperou ver. Escaramuças dentro de igrejas! Violências, psicológica, verbal e física, dentro de um local bastante sagrado! Igreja praticando ou instigando violências contra outras igrejas e ou outros institutos sociais. No lugar de prosseguirem a sua nobilíssima vocação, a promoção da palavra de Deus, digladiam-se feroz e mortalmente! E os pequenos ecrans são onde se julga a autenticidade da palavra divina, não a mente das pessoas que frequentam a igreja!

 

Politicamente, também não estamos a “dormir sono”, descansados tipo khasaa!...

 

Está-nos difícil ultrapassar as guilhotinas impostas do e no passado. Continuamos com dificuldades de aceitar o outro, com ele viver e conviver sãmente; o nosso passado resiste tenazmente. Aceitar, promover, conviver e partilhar todas as oportunidades com o outro continua difícil! Persistimos em encarar o ‘outro’ como estando ao serviço de interesses estrangeiros e/ou estranhos a nós - e, no entanto e não raras vezes, nós mesmos estamos concatenados com institutos nacionais e estrangeiros não tão sagrados e nem dedicados a causas comuns e ou colectivos nacionais. Trinta anos depois, continuamos a ouvir que instituições hoteleiras recusam ceder instalações para que formações políticas nacionais (ainda que fossem estrangeiras) realizem suas actividades. Oportunidades de negócios conhecem cores e famílias!

 

Muito tristemente, e impotentes, acompanhamos as violências verbais e quase agressões físicas nas assembleias, sobretudo as provinciais e municipais. Mas também ao nível mais alto! Nalgumas municipais, por vezes, só falta pancadaria, em pleno século XXI, já que violência verbal e psicológica é o pão de cada dia.

 

A tudo isto pode dar-se o melhor nome que um dicionário pode consagrar, mas menos o que se designa de reconciliação, concórdia ou harmonia social, inclusão ou convivência. Precisamos de nos reconciliarmos, tratarmo-nos como verdadeiros irmãos, vizinhos, concidadãos e pertencentes a uma mesma nação e, por conseguinte, prosseguimos os mesmos objectivos e anseios. Doutro modo, jamais seremos uma nação reconciliada, harmónica e a dançar a mesma música, seja ela tocada em Nampula, Cabo Delgado, Niassa ou Inhambane ou Maputo!

 

A tarefa/desafio colossal que não está apenas à espera da inspiração de Filipe Jacinto Nyusi, mas de todos os moçambicanos, do Rovuma ao Maputo, confissões religiosas, formações políticas e tudo, é esta!

 

A promoção da reconciliação nacional, inclusão e harmonia é dever de todos nós!

 

ME Mabunda

quinta-feira, 29 setembro 2022 10:45

Xivothxongo

AlexandreChauqueNova

Bebe-se em todo o lado, a toda a hora, por gente de todas as idades, homens e mulheres das camadas desfavorecidas. É a  loucura em si que está a levar jovens e adolescentes, ao abismo sem volta. Os velhos também estão nessa senda, vergaram ante um veneno chamado xivothxongo, e já existem queixas vindas das mulheres, os homens estão a perder erecção por causa dessa porcaria. Há casos de internamentos nos hospitais, com fortes sinais de esquizofrenia, e parece não haver capacidade para travar o caos.

 

Muitos rostos, outrora frescos e saudáveis, hoje estão tumefatos, flagelados pelo xivithxongo. São miúdos que logo às primeiras horas da manhã, dirigem-se às barracas cheios de babalaza, com o corpo a tremer de alto a baixo, sem vontade comer. Eles pensam que, bebendo mais uma, restabelecem  o metabolismo, enganam-se. Cada maldita garrafinha que consomem, é um degrau que descem para o precipício, e nunca páram de se esfrangalhar porque estão viciados, e o vício de xivothxongo é imediato.

 

Muitos deles não bebem água, se bebem, é muito pouco. Ignoram que a bebida seca desidracta facilmente. É por isso que, no lugar de tirarem a babalaza com muita água e chá com açúcar, tomam mais pinga para voltarem a esborrachar-se e apodrecerem pouco a pouco. Aliás, grande número de  jovens e adolescentes, e velhos também que alinham com os putos, na verdade já estão obsoletos, nem força para estarem em cima de uma mulher têm.

 

Houve tempos em que a bebida mais consumida aqui na cidade de Inhambane, era a sura e um pouco a aguerdente de caju ou citrinos ou ainda cana-de-açucar, e os danos não eram tão fulminantes. Também havia petisco de marisco, o que contribuia para minimizar os prejuízos no corpo. Hoje, não! O que triunfa é a mixórdia do xiviothxongo, com todas as consequências nefastas que ela acarreta.

 

Xivithxongo é um veneno, não nos cansaremos de dizer isso, di-lo-emos até que amanheça, para ver se alguém nos ouve e toma medidas que retirem esse perigo para a saúde, dos lugares onde é vendido com o fim de destruir as pessoas. Não se difere muito de uma droga pesada do tipo heroína e outras drogas sintéticas que incluem misturas de canabis com diesel. Então, as instituições do Estado devem mover-se no sentido de proteger a juventude e os velhos que nos dão a impressão de desespero e frustração.

 

O piior é que as crianças entraram na carruagem, repetem o refrão dos mais velhos que sorriem com os lábios queimados.  Elas – as crianças - bebem também essa poção de morte e sentem-se adultos, sem terem a noção de que estão a deslizar para o buraco onde serão recebidos por espigas de aço. As farmácias, por outro lado,  estão a fazer dinheiro com a venda de estimulantes sexuais para os consumidores de xivothxongo, que estão a minguar todos os dias, mas há muitos outros que, mesmo com estimulantes, não irão fazer nada porque não se alimentam. E existem outros ainda, que pura e simplesmente abdicaram das mulheres. Mulher para eles é o xivotxongo.

 

Onde se bebe xivotxongo não há barulho, não há grandes vozearias como nos bares de cerveja. O silêncio é provocado pela falta de energia no corpo dilacerado diariamente, sem que o Estado faça algo para proteger as crianças e os jovens, cujo futuro parece comandado pelo xivotxongo.

 

**Bebida alcoólica – seca, vendida nos mercados e barracas e lojas, em pequenas garrafas de vidro ou de plástico, cuja agressividade não lembra o diabo.

Um centenário parece uma eternidade que esta imerecida lógica da vida impõe sobre a humanidade e nos condicionou às ausências infinitas. A mão invisível persuade-nos a abdicar da presença dos líderes que pavimentaram os caminhos de verde para deixar passar a liberdade e o futuro. De forma prematura, teríamos adorado seguir a revolução, ainda devotados pelas memórias e serenidade poética de Agostinho Neto. Foi como se uma estrela se tivesse escurecido no espaço celestial. 

 

Fiz parte do grupo que saiu para as ruas para receber o Presidente Agostinho Neto, na sua última visita a capital moçambicana. Ele era discreto e exagerado nas suas aclamarias. O oposto de um Samora vibrante e extrovertido. Vimo-los abraçados e em franca cavaqueira. Algumas vezes, mais comprometidos e serenos. Uma cumplicidade que escondia uma amizade que se reconfigurava em irmandade.  Meses depois, a força desse inapelável destino roubou, de todos nós, esse lutador intransigente, com visão profética e mobilizadora. O líder que frequentou mais cadeias e celas políticas, que qualquer outro da sua época. Como prisioneiro político, deambulou por Luanda, Lisboa, Cabo Verde, entre Santo Antão e Santiago e, novamente, Lisboa.  Mas não era a ele que se prendia, mas sim aos seus poemas. Como se pudessem colocar algemas nas suas palavras.

 

Nenhuma masmorra, ainda assim, o privara de escrever esses proféticos poemas que denunciam as amarras e amarguras de um povo que vivia subjugado e oprimido. As prisões de Agostinho Neto desencadearam uma incontestável onda de protestos e de petições, de inúmeros intelectuais, de entre os quais o célebre filósofo francês Jean Paul Sartre; quem diria. Outros celebres intelectuais e artistas, apelaram, igualmente, a sua libertação, como se uma onda de grandes proporções e comoções tivesse invadido os corações de André Mauriac, Aragon e Simone de Beauvoir e, ainda, do prestigiado Nicolás Guillén, poeta cubano. A indignação não deixou de fora o pintor mexicano Diogo Rivera. Tamanho reconhecimento ditou que António Agostinho Neto fosse eleito o prisioneiro político do ano pela Amnistia internacional.

 

Já nos trajes de Presidente da República de Angola, Neto Kilamba, pseudónimo que o consagrou esse médico de profissão, poeta por vocação e iconoclasta líder revolucionário por missão, colocou Moçambique no topo das suas prioridades. Com Machel, sofreram juntos as agressões belicistas da África do Sul racista e da Rodésia de Smith.

 

As visitas de Estado entre Angola e Moçambique se regavam sob o manto da fraternidade. Por isso, Agostinho Neto tem o seu nome associado a toponímia nacional moçambicana, numa auspiciosa avenida no coração da cidade de Maputo. Igualmente, centenas de aldeias mais recônditas ostentam seu nome. Pelo menos, 36 escolas primárias e secundárias de Moçambique tem Agostinho Neto como seu patrono. A empatia e simpatia que granjeou no seio dos moçambicanos alimentaram esse caudal, tão devoto, de memórias que continuaram sendo invocadas entre distinções e designações. Agostinho Neto vive e se imortaliza como líder estrangeiro, patrono do maior número de escolas em Moçambique. Não deve ser obra do acaso.

 

O poeta e presidente que trouxe a independência à Angola foi dos mais proeminentes e carismáticos líderes africanos. Ombreia nesse estatuto com tantos outros intelectuais e líderes como Eduardo Mondlane, Samora Machel, Amílcar Cabral, Marcelino dos Santos ou, ainda, com Léopold Senghor, Patrice Lumumba e Kwame Nkrumah. Também eles, rendidos e impregnados de veia e pensamentos utópicos, com uma dose de pragmatismo e humanismo. Agostinho Neto, sonhou Angola e todas as antigas colónias portuguesas como territórios e espaços livres e independentes, como Estados de justiça social, nações prósperas e unidas pela irmandade e solidariedade, educadas e, sobretudo, democráticas.

 

A meio da azáfama das eleições no seu próprio país, das cerimónias fúnebres de seu sucessor José Eduardo dos Santos, da fatídica guerra da Ucrânia e de outras intermináveis reuniões partidárias, ficamos, todos, devendo uma homenagem ao saudoso António Agostinho Neto, no seu centenário. Uma espécie de missa reconciliatória e purificadora. Um reencontro com os fundamentos dos nossos Estados e com os sonhos que seguiram outros rumos e horizontes. Ele próprio escreveu, em tantos poemas, que nunca se esta só e nem se deve ignorar a presença do outro; todavia, parece abandonado e sem convicções, no mausoléu que o alberga para que jamais desapareça do nosso imaginário.   

 

Parece, pois, imperdoável que esta amnésia colectiva e ausência de pronunciamentos públicos e de outra índole, não sejam, por conseguinte, merecedores da indignação. Como nos alheamos a esse espírito revolucionário que serviu de menu para a nossa caminhada inicial? Não creio que seja, simplesmente, pela cultura de esquecimento que esta celebração ficou invisível, pois, não pode existir tanto descaso, sem razão, que omita a celebração deste centenário. Fomos presunçosos e, marcadamente desatentos, por quaisquer que sejam as razões.

 

Mesmo que não queiramos fazer-lhe aqui a biografia, seria incontornável reviver seu percurso, desde esse longínquo 17 de Setembro de 1922. Foi no Município do Icolo, Bengo, arredores de Luanda que tudo começou. Ali foi enterrado o cordão umbilical e o jovem António viu a luz do sol pela primeira vez. Oriundo de uma família já assimilada e com créditos evidentemente reconhecidos, seu pai, Agostinho Neto, era pastor metodista e catequista da mesma missão metodista americana, em Luanda. Sua mãe, Maria da Silva Neto, por outro lado, era professora primária. Se aglutinavam os condimentos para que o jovem António enveredasse e revelasse sua apetência pela literatura e rigor escolar.

 

Ele foi educado para saber usar o verbo na sua plenitude.  Esse mesmo poder da palavra o transformou e marcou profundamente a sua personalidade e irreverência. Do poema à utopia revolucionária foi um passo subtil e mágico. Essa utopia o personificou e fez dele jovem inconformado, atento as dinâmicas do seu povo, alguém que não se evadia da realidade e do sofrimento, e que referenciava, nas suas quadras e estrofes, a realidade que o circundava. Emancipou-se e jurou usar essa mesma palavra para combater, sem tréguas, a descriminação e o colonialismo. A deambulação de seus escritos e a tonalidade de suas palavras, converteram-lhe naquele sujeito poético que a humanidade testemunhou e que lutou contra a ordem existente até a independência de Angola.

 

Amadurecido pelas circunstâncias e com o apoio da igreja metodista, foi uma lança que desferiu golpes contra o regime colonial português. Importante salientar a igreja Metodista como a mesma igreja que ajudou tantos outros nacionalistas a prosseguirem seus estudos para melhor combaterem a presença colonial em seus países. Nem mesmo a Congregação dos Padres Burgos ou mesmo Jesuítas teve tanto impacto na preparação e financiamento de estudantes nacionalistas. Eduardo Mondlane teve e recebeu o mesmo apoio.  Não se pode, portanto, dissociar o papel e a responsabilidade da igreja metodista no apoio aos processos revolucionários nas ex-colónias portuguesas.

 

Neto Concluiu o Liceu “Salvador Correia”, em Luanda, onde terminou o 7º ano em 1944, e partiu para Coimbra, Portugal, onde frequentou a Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra e depois Lisboa. A capital portuguesa fervilhava e transbordava a lava de vulcão da revolução. As dinâmicas propiciaram o momentum e os espaços para que a militância política ganhasse suas letras de ouro e glória. Por ironia do destino, o controlo da polícia política portuguesa fraquejou e permitiu que Lisboa se convertesse na sede embrionária da subsequente revolta anticolonial.

 

Em 1947, António Agostinho Neto integrou o movimento dos jovens intelectuais de Angola, cujo lema era vamos descobrir Angola. Associou-se aos não menos carismáticos Lúcio Lara e Orlando Albuquerque, publicando seus textos iniciais nas revistas Momento e Mensagem, que pertenciam aos órgãos da associação dos naturais de Angola. Casou-se, mais tarde, com Maria Eugenia Neto, seu maior amor e mulher, com quem partilhou todas as cumplicidades que, igualmente, visitou Moçambique, passeando todo o ar da sua descrição, generosidade e sabedoria. Eles tiveram três filhos, sendo Mário Jorge Neto, o primogénito, depois, Irene Alexandra Neto e, finalmente, a Leda Neto.

 

Os seus exímios poemas e a colectânea de textos publicados, insuflaram as mentes e o sentimento libertador. Pelos seus dedos e caneta, transfigurava a vontade de libertação. Neto foi esse esclarecido homem de cultura para quem as manifestações culturais tinham de ser, antes de mais, a expressão viva das aspirações dos oprimidos e a arma para a denuncia da injustiça e crueldade colonial. Um exemplo a seguir pelo simbolismo que representa e pela multiplicidade de acções que desenvolveu.

 

Em 1956, fundaram-se, nos arredores de Luanda, em Angola, vários movimentos patrióticos para formar o MPLA. A 4 de Fevereiro de 1961, as prisões de Luanda foram assaltadas por homens munidos de catanas e armas de fogo. Algumas das quais capturadas em acções anteriores. Mesmo sem lograrem os intentos, estava lançada a primeira salva da luta armada que se alastraria pelo solo angolano. A resposta dos portugueses foi cruel. Bombardearam aldeias e milhares irmãos angolanos sucumbiram aos métodos mais horrendos do colonialismo.

 

Em 1962, sai, de forma clandestina, de Portugal e se estabelece em Léopoldville, Kinshasa, onde o MPLA tinha já a sua sede. O primeiro congresso do MPLA elegeu Ilídio Tomé Alves Machado como seu primeiro presidente, permanecendo em funções até ser preso, em 1959. Foi substituído pelo secretário-geral, Mário Pinto de Andrade, que exerceu o cargo entre 1959 e 1960. Em 1963 foi declarado Presidente do MPLA, substituindo Mário Pinto de Andrade. No interior de Angola, outros movimentos libertadores faziam já a sua luta, a UNITA, de Jonas Savimbi e o FNLA, de Holden Roberto.

 

Ao poeta António Agostinho Neto foi-lhe atribuído, em 1970, o prémio Lótus, pela Conferência dos Escritores Afro-asiáticos. Publicou vários livros cujo substrato e pendor exaltavam o sonhar e lutar pela independência. Ainda hoje, guardo um dos seus poemas, a bom rigor, dos meus substratos favoritos. Este poema foi musicado por Rui Mingas. Minha Mãe/tu me ensinaste a esperar/como esperaste paciente nas horas difíceis/mas a vida matou em mim essa mística esperança/eu não espero/sou aquele por quem se espera. Agostinho Neto revelava e recorria a metáfora da Mãe, como representação da pátria e como o centro de toda a sua narrativa. 

 

Tive o ensejo e prazer de ler um texto escrito por Beto Van-Danem, enquanto encerrava minhas memórias sobre António Agostinho Neto. O autor recorda episódios pitorescos que mostravam a grandeza e personalidade de Agostinho Neto. Era existente e transparente. Só isso permitiu que se mantivesse leal a uma gestão digna, criteriosa, rigorosa e exemplar. Ele entendeu a liderança partidária como uma forma de servir ao povo e não de se servir do Estado. “O Neto era um homem honesto, não vivia deste país e é por isso que morreu pobre”, comenta Van Dunem. Saudades desse tempo e da justeza do movimento pós-colonial.

 

Ninguém ousou jamais questionar, ao longo dos anos, sobre a possibilidade de Agostinho Neto ter deixado contas no estrangeiro. Elas simplesmente nunca existiram. Neto morreu com a roupa que tinha no corpo. Não tinha dinheiro, concluiu Van Dunem. Era, convenhamos, um Machel numa versão Atlântica.

 

Neto partiu quatro anos depois de ter sido proclamado Presidente. Para trás, uma única mancha que pode ter marcado seu brilho: 27 de Maio de 1977. A forma como os revolucionários responderam a um movimento interno e uma alegada tentativa de golpe de Estado. Angola já se retractou, mas as mágoas ficaram muito para além do por do sol. Aqui estão os 100 anos de uma vida plena e tumultuada, uma poesia profética, porém, verdadeiramente, instigante.

 

António Agostinho Neto e seus camaradas e amigos de sempre, Amílcar Cabral, Lúcio Lara, Eduardo Mondlane, Samora Machel, Marcelino dos Santos, Orlando Albuquerque, Ilídio Tomé Alves Machado e tantos outros, incluindo Jonas Savimbi, já tiveram tempo de prestar as contas a divindade e recebem as últimas notícias de José Eduardo dos Santos. Os tempos são adversos onde a revolução e os revolucionários perderam a centralidade e os novos ventos aniquilam os anseios de outrora. Os líderes revolucionários, parafraseando Machel, nunca morrem, porque ganham o tamanho e estatuto de um povo. Povo nunca morre. (X)

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