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segunda-feira, 25 outubro 2021 09:03

A selecção moçambicana de berlindes e os buracos…

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Quando a Federação Moçambicana de Futebol foi arrastada pelos pés para fora do jogo, com seus dirigentes que passavam a vida soprando apitos de sono nos escritórios como pastores de gado, todas as bolas foram transformadas em berlindes e assim surgiu dessa devastação a Federação Moçambicana de Berlindes. O timbre da nova federação era um berlinde submerso num buraco e um enorme dedo indicador em posição de remate.

 

Umas das primeiras obras da Federação Moçambicana de Berlindes foi a massificação da nova modalidade; a federação comprou um rebanho de retroescavadoras para abrir buracos que facilitassem a prática da modalidade. E não houve muito trabalho, visto que em todas as regiões do país o que não faltava eram buracos. Na própria sede da federação existência um enorme buraco deixado pela direcção de futebol que servia de campo de treinos das sub-selecções.

 

A selecção nacional de berlindes treinava em diversos campos bem equipados que temos em todo país, mas a estrada nacional número um era o palco predilecto. Claro que fazia todo sentido ter uma selecção que aproveitasse os buracos do país do que uma federação de futebol que afundasse a selecção em buracos. O Governo apoiou muito a selecção nacional de berlindes: financiou sem medir esforços projectos que ampliassem os buracos do país.

 

Foi muito curioso ver a federação nacional de berlindes aproveitando-se dos enormes buracos deixados pela federação nacional de futebol para praticar a sua modalidade. A selecção nacional de berlindes ganhava tudo que fosse campeonato mundial, aliás, enquanto a federação nacional de futebol ocupava-se em encher os bolsos de moedas, a outra enchia os buracos dos bolsos com berlindes novos e taças. Se a memória não me falha, a última vez que a selecção de berlindes perdeu num campeonato mundial, a população saiu furiosa à rua armada de alcatrão, ameaçou tapar todos os buracos e assim acabar com a modalidade e todas as derrotas azedas, mas a polícia, no seu exemplar trabalho, interveio, impediu as manifestações e recolheu todas as barras de alcatrão aos seus armazéns. Tapar os buracos da selecção era, sem dúvidas, um enorme insulto ao desporto nacional e ao esforço imensurável do Governo.

 

A modalidade dos berlindes nos buracos cresceu; o Governo não parava de inaugurar mais buracos em todo país, a bandeira de Moçambique, pelo dom dos buracos e dos movimentos dos dedos, era erguida em todo mundo e há quem viajava para o país para conhecer os buracos onde eram formados os melhores do planeta. A federação moçambicana de futebol nunca mais fez falta; os estádios foram transformados em mercados, os camiões de batatas e cebolas invadiram o Estádio Nacional de Zimpeto, as plantações de alface e couve galgaram, como trepadeiras, as bancadas do Estádio da Machava e assim o desporto cresceu.

 

A selecção nacional de berlindes usava luvas, fazia jogos amigáveis nos luxuosos buracos de Burundi, Eritreia e Malawi, testava as penalidades com os dedos nos buracos oficiais dos mistérios e sempre usava as redes das balizas da antiga federação moçambicana de futebol para pescar mais vitórias em campeonatos mundiais. Os campeonatos mundiais aconteciam no nosso país, pois a FIFA dos berlindes rendia-se e curvava-se à excelente conservação que fazíamos das nossas covas. Nunca fomos reprovados por falta de covas excelentes.

 

Quando a Federação Moçambicana de Futebol foi arrastada pelos pés para fora do jogo, com seus dirigentes, os berlindes ganharam espaço e todos pusemo-nos a gritar as taças que nos qualificavam para os buracos das nossas satisfações. E assim fomos conhecidos como o país dos berlindes e dos buracos.

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