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quinta-feira, 06 fevereiro 2020 06:41

A primeira recaída

"Não fui por vontade própria... O estado estava lá" - tio Pio, o futuro ex-governador da Zambézia.

 

Agora que o cota Pio descobriu que foi enganado com pasta de "gover" está a levantar poeira. E, diga-se, muita poeira. Dizem que o velhote marimbou para a cerimónia de abertura do ano judicial. Não quis levar desaforo para casa. Como todos sabem, o tio Pio pode alegar não bater bem da "head". Pode dizer que está a ter uma recaída.

 

O mais engraçado nisso tudo é que os seus camaradas têm consciência de que o velhote não tem preguiça de entornar o caldo. Já fez no passado e pode fazer de novo, se lhe irritarem os miolos. Sabem que o velhote pode mandar um manguito para essa porra e bazar. E com razão. É muito abuso.

 

Sujou geral na banda. Ninguém tem dúvida do que o cota Pio é capaz quando está f*dido. E agora, o que vamos fazer!? Remédio de lua vai ajudar!? Levarmos o velhote aos ritos de iniciação!? Ao Infulene!? Ao Onório Cutane!? Darmos uns chambocos!? Ou vamos deixar acalmar-se sozinho!?

 

O cota Pio é uma espécie de político "kamikazi". Age como se não tivesse nada a perder. Lava roupa suja no rio, ao relento. Tá nem aí. Cagou para todo o mundo. A qualquer momento pode bater a sua última beata e escangalhar essa porra. Está pouco se marimbando pra a malta.

 

Já dizíamos, quando ainda era cabeça de lista, que tio Pio devia apresentar Junta Médica, mas não nos deram ouvido. Agora é tarde. O cota deve ter tido uma recaída e deve ter activado o "f*da-se!". Os médicos podem dizer que trata-se de uma reincidência. O futuro está cada vez mais incerto na zona dos Bons Sinais. Natural não treme... pior quando é eleito.

 

Literalmente, o cota disse: fí-lo porque quí-lo. Um dia "As Recaídas do Tio Pio" pode ser um grande capítulo de um livro de História Universal. Quem viver verá. "Muana mutxuabo ka-nkala burutu".

 

- Co'licença!

quarta-feira, 05 fevereiro 2020 13:11

Nova Aliança da Maxixe vencido pelo tempo

Era uma fogueira admirável. Desafiava as fortes chuvas que vinham, por exemplo, de Maputo e Nampula e Xinavane e Sofala e de dentro da sua zona de influência. A precipitação caía em catadupa sobre as fortes labaredas dessa lareira, que entretanto, no lugar de desvanecer, ressurgia. E triunfava nos combates. A equipa do Gomes da Maxixe, como  também vai ser conhecida esta formação, tornou-se um elo. Unia todos os bitongas e todos os vathswa e todos os vatchopi e todos os vandawu que desciam de Mambone para festejarem a magnificência de um conjunto de mito.

 

Mesmo assim, ainda alguém tentou contrariar o rumo fervoroso de uma formação que tinha um patrão forjado para as sagas. Reuniram-se dirigentes e antigos jogadores de futebol nascidos em Mucucune, um arquipélago discreto  que fica à ilharga da cidade de Inhambane,  e o obejctivo era reformular a equipa local para, com todas as armas possíveis, parar com as “brincadeiras” desses senhores.

 

Tocaram-se as trompetas em toda a província, anunciando o grande jogo que vai colocar frente a frente o Nova Aliança da Maxixe e o Mucucune, numa luta em que a equipa do Gomes da Maxixe tinha que ganhar para se manter no Campeonato Nacional, e os “ilhéus” também precisavam da vitória para ascenderem à panóplia dos grandes. No fundo o Mucucune tinha bons executantes, capazes de contrariar todas a expectativas, é por isso que o Gomes da Maxixe passou noites e noites sem dormir, enquanto o jogo não se realizasse.

 

A província inteira borbulha porque, como se propala pela voz do povo, alguém vai  morrer. Foi convidado um grupo de zorre para abrilhantar a festa que se espera intensa. O farfalhar dos trazeiros das mulheres,  libertados na dança, segundo se diz por aqui, é um forte incentivo para os jogadores. E como se isso não bastasse, vem aí a orquestra de Tmbila ta Mwaneni e a sua louca matxatxulani, que vai nos mostrar o feitiço das coxas e das ancas. Os locutores da Rádio Moçambique não páram de anunciar a realização da partida. E em todo o lado a conversa é essa, ou seja, ninguém sabe o que na verdade vai acontecer, porque esses tipos de Mucucune podem fazer das suas. Outros ainda diziam, agora é que o Gomes vai sentir o sabor do sal. E o sal vem de Mucucune.

 

O Nova Aliança da Maxixe era isso, um desiquilibrador dos prognósticos. Não é por acaso que no seu logotipo vamos ter uma gaivota ( nhalégwè em bitonga). Significa que é uma equipa concebida para atravessar mares e oceanos. Não há vento que o desvie do seu azimute. É como se todas as suas realizações fossem feitas a partir do topo, de onde já não se pode ir a mais nenhum lugar, ou melhor, de onde só se pode partir para a levitação.

 

Eles eram a glória da Maxixe, e de toda a província de Inhambane, até ao dia em que o eixo de toda a gravitação, o Gomes da Maxixe, deu o último suspiro sobre a terra. Aí tudo começou a desmoronar, até entrar em derrocada. O que nos entristece é que até hoje nunca ouvimos, a nível oficial, nada sobre uma homenagem a um homem que deu tudo de si e da sua fortuna, para alegrar o povo, onde os políticos se emiscuíam. Agora a  gaivota já não voa. E o mais provável é que sucumba de vez. O que seria muito lamentável!

quarta-feira, 05 fevereiro 2020 06:53

MOZEXIT

Dissiparam-se as dúvidas sobre a saída do Reino Unido da União Europeia e, passaram a realidade, criando alguma instabilidade, dada a incerteza de muitos dossiers por esclarecer, que levarão muitos anos. Os Ingleses fecharam os olhos e avançaram. Podia descrever inúmeras teorias desenvolvidas ao longo dos 24 meses de prolongadas discussões internas em UK, e externas, UE, ou vice-versa.

 

Porém, ficou claro que, independentemente das incertezas, ameaças e riscos do BREXIT pela UE, os ingleses optaram claramente usaram a sua soberania e decidiram o seu futuro. Europa sim, mas sem os burocratas da União Europeia. Em outras palavras, os ingleses sabem que, cedo ou tarde, estarão de volta ao mercado europeu, continuarão a partilhar aspectos de interesse comum como segurança, neo-colonialismo, e muitas outras, conforme dita a história. Os interesses que lhes une, UK e UE, são maiores que os factores de divisão.

 

Apesar de estarmos num mundo “globalizado”, os benefícios dessa integração global continuam a ser apenas para os que podiam mais. Quando elementos novos no mercado, como a China, Índia, Brasil e outros integram-se e tornam-se competitivos globalmente, ameaçando a hegemonia dos que podiam, acabam-se todas as regras de comércio livre.

 

A famosa teoria dos mercados livres muito propaladas nas academias e bibliotecas dos USA e UE, as regras da Organização Mundial de Comercio (OMC), que foram criadas pela dupla USA e UE e mais meia dúzia de países como Moçambique para legitimar a tal Comunidade Internacional, estes últimos aliciados por falsas promessas de ajuda ao desenvolvimento, deixa de fazer sentido porque os seus (UE/USA) interesses falam mais alto. Estas são as “regras da hipocrisia”, quando os seus interesses estão em jogo, tudo o resto não conta, como por exemplo o Trumpismo e as relações comerciais com seus parceiros tradicionais, como Canadá, México e China.

 

No último ciclo governativo, que terminou a 31 de Dezembro de 2019, os chamados doadores em uníssono suspenderam a relação de financiamento em aproximadamente 40% ao Orçamento Geral do Estado (OGE). Qual o impacto que essa suspensão teve na vida das famílias e gestão do país?

 

Imagine caro leitor, amanhã acordar e perceber que no seu salário foram retirados 40%, as suas poupanças valem menos 50%, e terá que fazer face as mesmas responsabilidades domésticas, familiares, pagamentos de compras a prazo, financiamentos, etc, etc.

 

Mais grave se torna porque devido ao impacto dessa suspensão ao OGE, a economia nacional retraiu, originando uma desvalorização do Metical a 100% e a taxa de juro  bancária comercial aumentou 150%, e, como consequência, as suas responsabilidades financeiras duplicaram, os preços dos produtos alimentares básicos aumentaram entre 50% a 100%, só para citar alguns casos dramáticos como desemprego, perdas de empresas e habitações, divórcios e suicídios, etc.

 

Como é que o leitor resolveria o seu plano de obrigações e responsabilidades,  mantendo-se vivo com a sua família ? O parágrafo anterior não é ficção, nem um excerto de um texto teatral dramático. Foi exactamente o que aconteceu aos 30 Milhões de moçambicanos nos anos de 2015, 2016, 2017, quando os parceiros/doadores/financiadores/especuladores tiraram o tapete a Moçambique, com a desculpa das dívidas ilegais. Os moçambicanos foram duplamente penalizados pelos corruptos das dividas ilegais, entre os quais alguns dos nossos governantes em conta com a justiça, banqueiros suíços e a tal Comunidade Internacional.

 

Como consequência desse boicote, o Governo de Nyusi, desesperado, procurou soluções como a maior parte dos chefes de famílias moçambicanas o fizeram, reinventando-se.

 

Surpresa para muitos, incluindo os doadores/boicotadores que esperavam tudo, menos a continuidade da vida dos moçambicanos, perante tamanha adversidade.

 

 Verdade seja dita é que o país continuou timidamente a crescer, os salários foram pagos, o serviço da divida externa gerido, infra-estruturas básicas como escolas, postos de saúde, sistemas de abastecimento de água, bancos nos distritos, transporte público urbano e rural foram cumpridos.

 

 O que é que BREXIT tem haver com MOZEXIT? O paralelismo entre o BREXIT e o MOZEXIT deve-se ao facto de os ingleses assumirem o princípio da sua soberania acima de todas as certezas que a UE lhes proporcionava, mesmo sabendo que os dias que se avizinham serão muito difíceis.

 

Com MOZEXIT, os moçambicanos poderão finalmente continuar a gerir os seus próprios destinos sem a hipócrita ajuda dos doadores, bem como decidir sobre políticas de desenvolvimento, alianças sem ameaças, acordos bilaterais e ou multilaterais, etc.

 

 Moçambique é membro das instituições de Breton Woods (FMI e BM), com quem devemos manter relações, porém, mesmo aí devemos filtrar o que nos convém.

 

Moçambique, ao ser expulso em 2015 das saias dos “doadores e ou comunidade internacional” teve que apertar o cinto. Contudo sobreviveu pela primeira vez sem depender dos que dizem que nos dão mas de facto são os mesmos (maioria) que sempre nos tiraram e implementaram contra nós políticas de empobrecimento.

 

Passamos o teste da maioridade, em que provamos que podemos viver com aquilo que temos e, com o que é nosso, fazendo as opções que acharmos certas, com todos os riscos de cometer erros e aprender desses mesmos erros. Sucesso é um acumular de erros aprendidos!

 

O MOZEXIT é uma oportunidade única dos moçambicanos se livrarem da má influência desses países, a fim de fazermos o caminho que muitos países africanos cada vez mais fazem e merecem a nossa admiração.

 

Se Moçambique sobreviveu um ciclo governativo com os seus próprios meios pela primeira vez desde a Independência, o caro leitor deve estar a questionar-se : 

 

Então para onde íam as centenas de milhões de dólares americanos que os doadores diziam que davam?

 

Há vários estudos e relatórios nacionais e estrangeiros que abordam desapaixonadamente a questão dos “doadores”, afirmando que aproximadamente 66% dos valores declarados para ajuda aos nossos países regressam ao país “doador” pela via de consultorias, salários dos expatriados, auditorias, procurement condicionado e outras, entre elas a corrupção cá e lá. Esta conclusão, confirmada pela escritora africana Moyo, no seu livro “best seller” Dead Aid denuncia esta falsa e hipócrita ajuda.

 

Faço votos que o governo não recue na pressão que os doadores já começaram a exercer em criar um novo “formato de cooperação”. Aprendamos com eles próprios “doadores”  como defender os maiores interesses dos nossos cidadãos, olhando para um horizonte de médio prazo, como fez o Reino Unido com o BREXIT.

 

Senhor Presidente e senhores Ministros, por favor, tenham coragem e façamos o MOZEXIT.

 

A luta continua!

A professora e académica  Iraê Lundin (1951-2018)  contara uma vez – na verdade mais do que uma – que no seu tempo de juventude e estudante universitária na Suécia  ela perdeu o verão por culpa de umas horinhas a mais  de sono.  Ela contara que certo dia  e depois de meses molestada pelo frio sueco  foi anunciado que no dia seguinte seria o esperado verão e daí   uma oportunidade tropical  para ela matar as saudades do sol e reviver o Brasil, a sua terra natal. O momento mereceu uma saída “by night” de despedida do inverno da qual se arrependera pelo resto da vida: por conta de excessos dessa noite ela teve que dormir um pouco mais e quando acordara o verão já se tinha ido.

 

Imagino que o mesmo esteja a acontecer com os actuais Governadores Provinciais (GPs): logo que os Secretários de Estado da Província (SEPs) tomaram posse de repente o verão que se pensava igual aos anteriores  durou apenas umas horinhas. Assim e contra todas as previsões “políteorológicas” da corrente do Poder o  inverno cinzento do processo político moçambicano continua com a diferença de que para além de longo,  agora chove intensamente no inverno. 

 

Nas cerimónias oficiais de abertura do ano lectivo e mais recentemente as do 3 de Fevereiro, o dia dos heróis,  foram avistados -  logo pela manhã - aguaceiros  locais no semblante dos GPs que denunciavam uma temporada de intensa chuva cujas inundações a História  encarregar-se-á de registar e estudar as consequências.  Agora e diante das inundações  cabe aos GPs  escolher a melhor estratégia para a própria  sobrevivência política.

 

E em matéria estratégica de sobrevivência recomendo aos  GPs que recorram à uma estratégia  dos tempos de moleque do bairro. Nesses tempos e perante um sinal de algum perigo, principalmente  de agressão exterior e diante da nítida inferioridade na capacidade de  resposta,  a estratégia de defesa (preventiva) passava pelo recurso ao  “agarrem-me senão não respondo por mim”. No caso, os GPs  podem adaptar a estratégia para o “agarrem-me se não desisto/bato-lhe”.

 

E assim segue a democracia à moda moçambicana onde a política também ( como em outros quadrantes) não se difere tanto do clima. Nos dois casos não se celebra uma previsão, sobretudo quando a partida ela é  boa. E por estes tempos de mudanças  climáticas/políticas não se guie pelo embrulho  é necessário que saiba previamente o seu conteúdo e o quanto é resiliente às intempéries dos ventos que sopram do norte.    

 

 

Pessoal, aqueles Governadores que lutamos fervorosamente para elegermos dão uma pena que não é brincadeira. Xiii...!!! Eu até já me sinto culpado por ter votado. O que fizemos no dia 15 de Outubro do ano passado devia configurar crime punido por lei. Devia ser uma espécie de formação de quadrilha extensiva para envergonhar velhotes ou uma associação criminosa nacional para humilhar idosos de forma premeditada, voluntária e contínua. Somos todos autores desse crime hediondo, incluindo a Assembleia da República, a Cê-Ene-É e o Cê-Cê. Cada um com o seu nível de responsabilidade.
 
 
Os cotas foram eleitos e querem ser Governadores e nós estamos a vir com "ahhhh, espera lá mais um pouco...", "ahhhhh, pega lá umas calmas...", "ahhhhh, deixa lá esse menino passar com sirene dele primeiro...", "ahhhhh, deixa lá essa menina inaugurar essa escola hoje...", "ahhhhh, amanhã vamos pensar no seu caso...", ora isto, ora aquilo. 
 
 
Onde o Secretário de Estado está o Governador nem pode tossir... só fica ali como um desenho animado, com aquele sorriso administrativo mal ensaiado, a olhar para os lados e visivelmente desprovido de ideias. Ontem parecia desfile de pais e mães que levaram os seus filhos e filhas à praça dos heróis. Daquela Governadora de Manica, nem se fala. Com Macuacua na área a mana não está a ver "gueme". Malta Bulha, Pio Matos e Rodrigues só estão a ver navios. Quando chega feriado, tensão sobe.
 
 
O Mety, com aquele seu porte físico e avidez que trás da Ô-Jota-Eme, não está a dar tréguas ao tio Rodrigues. Na praça dos heróis, o velhote nem conseguiu ver onde as flores foram depositadas. O puto lhe ofuscou a paisagem. Com a Stela em Sofala, o tio Bulha - que só sabe falar de caixões - ainda vai ter de ressuscitar muitos mortos. O Pio Matos - que pensava em expandir o seu projecto de compra de ratos para a província toda - vai ter de inventar outra bolada para se popularizar. A Judith ainda vai-lhe dar muito baile.
 
 
Definitivamente, somos um povo sem projecto. O posto de Governador é um novo feitio de aposentadoria. Um país que atribui reforma prematura a um jovem quadro como o Daniel Chapo não pode ser levado a sério. Jovens como o Chapo e o Parruque - que ainda têm muito jacto na próstata - deviam ser lapidados e desafiados a criarem desenvolvimento - se é que me faço entender. Hoje são simples estafetas dos Secretários de Estado. O Estado não devia apadrinhar rodízios de masturbação precoce e consequente frustração da sua juventude. Isso é estagnar o país. 
 
 
- Afinal, quem ganha e o que se ganha com este modelo de descentralização? Desde que o governo tomou posse até hoje ainda estamos a discutir quem toca sirene, quem leva A-Dê-Cê, quem é o último a chegar, quem deposita as flores, quem dorme no palácio e, principalmente, quem são os humilhados e quem são os exaltados. Até hoje!!!
 
 
Enfim, são coisas. Mas, pelo menos, este pacote de descentralização já devia vir com um subsídio para os Governadores. Uma espécie de subsídio de humilhação. Um "algum" para agasalhar a vergonha que vão ter de suportar nos próximos cinco anos. Pelo menos isso, então.
 
 
- Co'licença!
terça-feira, 04 fevereiro 2020 06:18

A Noiva de Imbuho

A pequena vila de Mueda na província de Cabo Delgado, no norte de Moçambique, símbolo de resistência dos moçambicanos contra o colonialismo português na década de 60 do seculo XX, não faz transparecer a tensão política militar que ali se vive nesta segunda década do seculo XXI, tudo por conta da acalmia que se vive durante o dia. Mas, mal o sol se põe procede-se a uma retirada estratégica dos seus habitantes revelando assim o recolher obrigatório tácito que reina na pequena urbe.

 

A paródia que me ofereço quando estou fora de casa, livre da reclusão doméstica e controlada pela minha parceira fica comprometida por conta deste mal-estar social.

 

Mas mesmo assim arriscamos a ficar fora da estalagem depois das 19h00, habitamos um bar de terceira categoria, consumindo o que nos aprazia vigiados pela secreta a paisana e mal disfarçada.

 

Eramos três, eu, António Nangole e Paulino Atale provenientes de Maputo, estávamos em Mueda por conta de uma pesquisa sobre a dança mais representativa dos macondes, o Mapiko. O único natural de Cabo Delgado era António. 

 

Nas vésperas da partida de regresso à Pemba, António lembram-nos que gostaria de passar da sua terra natal para visitar a sua família. Como o individuo estava levemente embriagado, não levei em consideração a sua solicitação.

 

Como precisávamos descansar para viajar na manhã seguinte, decidimos retirar-nos para a estalagem onde estávamos hospedados. Ainda tivemos um papo animado no quarto de António por conta da embriagues para depois cada um rumar para o seu.

 

Partimos pela manhã, eram já 9h00 de uma quinta-feira em que o sol já irradiava intenso, fiquei com a vaga sensação que o sol nasce primeiro nesta parcela do país.

 

A caminhada pelo asfalto conferido pelo “suv” ajudava-nos a subtrair a distância para o nosso destino a cidade de Pemba.

 

Enquanto descendíamos do planalto, eu segurando firme o volante e com os olhos fitos na estrada e os meus colegas desfrutavam da bela paisagem que se oferecia.

 

A manifesta volição de António ficou expressa quando afirmou convicto:

 

  “Em Namaua tem um desvio”

 

Eu que havia pensado que ele se esquecera por conta do estado etílico que se encontrava quando apresentou o seu pedido, fiquei meio decepcionado com o juízo que fizera. Tive que fazer inversão de marcha pois já tínhamos passado do desvio que nos levaria para terra natal do meu colega.

 

Quando finalmente alcançamos Namaua, embocamos em direcção ao posto administrativo de Imbuho. Depois de algumas curvas e contracurvas finalmente chegamos ao destino almejado.

 

“Entra daqui” – conferiu António depois de uma pesquisa ocular demorada, já não se lembrava do caminho.

 

Encaminhei a viatura para o caminho indicado, descemos uma pequena ladeira e paramos defronte de uma das três casas contíguas de adobe e cobertas com chapas de zinco.

 

António apeou-se, gingou estiloso pelo chão da terra natal, descobriu seus parentes que demoraram a reconhecê-lo por conta da surpresa.

 

Quando o reconhecimento facial efectuado por uma mulher terminou, esta correu de encontro a António e gritou:

 

“ Mano, você aqui!” – afirmou oferecendo um largo sorriso ao mesmo tempo que o abraçava.

 

Fomos então apresentados, ganhamos uns beijinhos carinhosos. Logo depois ela chamou por alguém que apareceu instantes depois. Era uma anciã, caminhava devagar, focou os estranhos que estavam no seu quintal sem nos reconhecer.

 

“Mama!” – gritou eufórico António.

 

Só quando a velhota se aproximou o suficiente de seu parente dilatou as pupilas ai o reconheceu. Envolvam-se num fraterno amplexo que me deixou emocionado. Não tardou para sermos apresentados.

 

Quando saudei-a, ela ofereceu-me um sorriso que enaltecia o seu rosto tatuado e falou em shimakonde algo que não percebi patavina, mas alegrei-me.

 

Enquanto conversavam alegremente em shimakonde, pondo as notícias em dia, eu e Paulino que não entendíamos nada do que falavam fomos trocando impressões, eu alertando que não podíamos demorar senão teria que conduzir durante a noite e isso não seria agradável. 

 

Uma pequena assembleia familiar teve início, ofereceram-nos cadeiras, aguardamos, eu sempre lembrando que não nos devíamos demorar.

 

Um cacarejo efectuado fez-se ouvir e galinha derrapou perto de nós na fuga que empreendia dos seus verdugos.

 

Logo depois António aproximou-se e segredo-nos que a sua família convidava-nos a almoçar. Franzi a testa sem conseguir disfarçar o meu mal-estar, mas logo me refiz e falei algo para amortecer o meu descontentamento.

 

Capturei-a pelo visor da câmara, ela a anciã, estava sentada no chão e procedia ao preparo do madumbe, quando ela de relance me espiou, o seu olhar sossegava uma paz contaminante e cada vez que cruzávamos os olhares ela voltava a oferecer-me o seu sorriso, premi o gatilho da canon e ela ficou ali registada na memória do dispositivo. Mas o prévio dessa imagem já havia sido processado pelos meus neurónios e arquivada algures no cérebro.

 

Quando tentei escamotear a segunda fotografia, ela detectou e libertou um queixume na sua língua materna, desta vez, o meu colega de viajem natural de Imbuho, traduziu-me “ela pede para esperar”

 

Então ergueu-se e caminhou sem presa e entrou para uma palhota perto dali, não percebi porque ela me pedia para esperar, talvez não tivesse gostado que a fotografasse, magiquei e logo tratei de partir para explorar o local.

 

Decidi observar os lugares que o vilarejo proporcionava, desde a majestosa igreja ao monumento a uma santa até a pequena praça de heróis, ia vagando na minha pequena incursão.

 

Um pequeno alarido vinda do local onde havia estado fez com que interrompesse a investida turística e regressasse apressadamente.

 

Uma pequena turba olhava maravilhado para a eminente figura que desfilava sumptuosa na passarela de areia sem levantar poeira, a vestimenta de cor branca contrastava com o laço vermelho que lhe coroava a cabeça, todos os espectadores miravam atónitos. Ela dona de si alegrava-se com a admiração dos espectadores, largou um sorriso incrementando as rugas do seu rosto e fazendo sobressair a tatuagem que tinha no rosto.

 

Quando reconheci a minha estrela fiquei estupefacto e corri para o carro em busca da câmara fotográfica, posicionei-me defronte dela pronto para ganhar seu retrato.

 

A anciã veio calmamente, chegou perto, segurou-me a mão direita e puxou-me para lhe ladear, e com gestos indicou que o meu colega Paulino nos fotografasse.

 

Os actos I e II protagonizados pela velhota deixaram-me perplexo e ainda hoje, quase um ano depois, o enigma prevalece.

 

Depois sentados na esteira, deleitamos dos manjares, madumbe, água e sal de galinha e xima.

 

Seguidamente, todos animados despedimo-nos; uns em português, outros em shimaconde e partimos, ainda pelo retrovisor e a rectaguarda empoeirada vi acenos até perdê-los de vista.