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terça-feira, 30 maio 2023 11:54

Nem tudo está perdido!

MoisesMabundaNova3333

Casimiro é um homem muito bem parecido, apesar dos seus quase sessenta anos, elegante, não muito alto, mas por aí um metro e setenta; não muito forte, barriga não excessivamente grande, mas aquela que agrada a elas. Um homem atraente, bonito, cabelo grisalho, assim como a barbicha no queixo, o que também as atrai mais. É um homem bem sucedido na sua carreira de engenheiro mecânico e na sua vida em geral. Não é propriamente empresário, tipo empresário de sucesso ao nosso jeito, mas vive muito bem, folgado. Leva uma vida acima da média, com umas tantas propriedades, todas já construídas, em diferentes bairros da capital e, à nossa moda, muitos terrenos vazios espalhados por aí. Em termos de frota automóvel, dispõe de um parque de viaturas acima do comum, até certo ponto invejável, troca de fobanas sempre que lhe apetecesse. Ele e a sua querida esposa. É um homem que curte verdadeiramente a vida, sem limitações. Não tem, como nosso apanágio, nosso e dos muçulmanos, muitas esposas: tem uma só. Mas… mas… mete-se com qualquer uma que anda na rua. Tudo o que luz ou respira (tsakuta), ataca. E não lhe escapa nada. A sua estratégia é não deixar bandeira, bate e foge. Não deixa muitas mágoas: não promete mundos e fundos, não; diz-lhes que não é para casar, ele já está casado e não tem intenção alguma de se separar da esposa. É só para curtir. Talvez por causa dessa franqueza, para além do charme e dos “subsídios” que facilmente disponibiliza, elas quase nunca lhe negam. Põe e dispõe daquela que lhe apetece, naquela sua estratégia de “bate e foge”! Mas, de certa forma, /eraé comedido, não se mete com damas casadas, ou com colegas. Varre pela rua fora. Aparentemente, nunca teve problemas de maior. Começa e termina sem escaramuças. De rebentos na diáspora, justiça lhe seja feita, nunca se lhe ouviu falar.

 

É/era assim a vida do Casimiro Matchai. Ele que gosta de um bom copo, não é preso a uma bebida específica, cerveja, vinho, gin, whisky… nāo. Numa ocasião, podia beber e bem cerveja, para, na ocasião seguinte, beber vinho e numa outra, outra coisa tipo whisky. Não misturava as bebidas, mas não gostava obstinadamente de uma determinada. Mensalmente, visitava a barraca do Mangwavilane, ali no Estrela, onde fazia compras das suas bebidas e levava para casa. Ocasionalmente, podia passar por semana para prover a sua garrafeira ou colman. A barraca do Mangwavilane, que mais se assemelha a um verdadeiro botle story do que propriamente a barraca, a única diferença era que as bebidas estão espalhadas no chão, não tem muitas prateleiras. Mas, em termos de diversidade, tinha quase todas as bebidas. Aos fins de semana e feriados, é normal haver filas consideráveis.

 

Durante mais de 20 anos, Matchai comprava os drinkings no Mangwavilane! Já era um cliente especial, privilegiado. Quando chegasse com enchente, o dono procurava maneira de despachar o sr. Casimiro. Até que um dia… sempre um dia! Foi ao Mangwavilane procurar um tipo de gin que lhe tinham recomendado… não havia! E o empregado recomendou que fosse à barraca/botle story ao lado, dez metros, que havia. E lá foi.

 

Havia o gin que procurava. Mas o que lhe chamou a atenção foi a “caixa”: era uma miúda fora de série. Lindíssima. A sua jovialidade perdia-se no seu corpo esbelto, violino, uma cara bonita, de mulher mesmo! Casimiro Matchai ficou completamente perdido. Quando a moça lhe pediu o dinheiro da bebida que pedira, a trapalhice foi tal que não sabia se da carteira tirava o dinheiro ou o cartão de crédito. Acabou pagando e ele não se lembra se pagou  via uma ou outra modalidade! Desde esse dia  em diante, deixou de ir comprar as suas bebidas no Mangwavilane, passou a frequentar a barraca ao lado. Esta, ao contrário da primeira, tinha mais organização, com um compartimento organizado de estantes para garrafas.

 

Dois por três, Casimiro estava ali mais a contemplar a Isaltina do que a comprar bebidas. E um dia, não havendo muita clientela, ousou pedir o número de telefone da linda miúda. Esta deu o número da casa, não o dela particular.  Registou-o com todo o carinho, suspirando de alívio. Esfregando as mãos para mais um… bate e foge!

 

Ao quarto dia, ligou para aquele número que tinha recebido das mãos dela. Para seu espanto, quem atende é a voz de um moço. Ficou completamente baralhado, aquela voz dócil desapareceu logo, mas ainda ganhou imaginação para dizer que “falhei o numero”! Dia seguinte, foi fingir que ia comprar alguma bebida e nisso conseguiu perguntar à moça se o número fornecido era pessoal dela, ao que ela respondeu que não. Pediu o dela e ela aplicou o truque conhecido, “não tenho telefone”. Naquele dia não respondeu nada, mas num outro dia, que calhou não haver clientela a não ser ele, voltou à carga e confessou o seu desejo de andar com ela. Porque chegaram clientes, interromperam a negociação. No momento de pagar, ainda atirou uma nota de duzentos meticais, mas ela devolveu-lho, dizendo que não era preciso. Ficou confuso, mas foi-se embora!

 

Porque tinha cada vez menos sono, para lá voltou mais um dia e a sorte acompanhou-lhe. Quase não havia um cliente, o último era aquele que estava a pagar e a ir-se embora! E sem perder mais tempo, disparou:

 

  • Mulher, não me queres mesmo? Vou-te comprar telefone…

 

  • O sr. tem idade de meu pai, assemelha-se ao meu pai. Não posso andar com pessoas da idade do meu pai. Nāo veja o meu corpo grande, sou crianca de 21 anos! Sempre que olho para o senhor, só vejo meu pai…

 

Casimiro Matchai não conseguiu palavra alguma para redarguir.

 

Nem tudo está perdido na nossa sociedade!

 

ME Mabunda

terça-feira, 30 maio 2023 07:42

Thchinha, minha querida sobrinha!

AlexandreChauqueNova

Estive em Maputo na semana passada por força das circunstâncias. Faleceu a minha sobrinha, a Thchinha, mulher de batalhas sem fim. Nela repousava a esperança e a fé de que a cacimba baixaria e a seu devido tempo o sol brilharia em todo o universo. As armas que a sustentavam era a poesia, da qual retirava e repetia sem se cansar esse verso, “a vida é um eterno recomeço”. É por isso que desprezava as quedas. Ria-se com gozo dos espetos que a perseguiam querendo derruba-la. Ela dizia: É verdade que não tenho nenhum feixe de flechas nas minhas mãos, mas trago um ramo de oliva no coração.

 

Thchinha tinha o impulso da partida, que até podia levá-la ao desconhecido, e ela jamais teve medo do oculto. Se tivesse o tal pavor não teria voado para outras terras, onde tinha a certeza de vencer e depois voltar para casa com o troféu da vitória a fim de nos cobrir a todos e fazer-nos acreditar que a vida é bela.

 

Voou confiando na arte que fazia em cumprimento de uma missão, e quem confia na arte não vacila. “David venceu com poesia espalhada em Salmos”, dizia em silêncio a Tchinha, e nós não percebiamos a dimensão das suas palavras. Alcançou a liberdade tendo como estandarte a arte, imitando David que decepou a cabeça de Golias.

 

Então telefonei aos meus amigos em Maputo, dando-lhes a conhecer a partida definitiva da minha querida sobrinha, na verdade uma grande mulher na flôr da idade vivendo entre a luta e a esperança. Muitos desses meus amigos foram, mais do que assistir às cerimónias fúnebres, recordar-nos o valor da amizade. E aquele silêncio todo que vai pairar à volta da Thchinha, será o testemunho da paz. Tchinha partiu em paz, superando toda a dor que lhe dilacerava o corpo em dias longos que em compensação, depois de todo o sofrimento, metamorfosearam-se em luz.

 

Choramos por dentro esta largada como a de um barco que recolhe as amarras para nunca mais voltar, mas não são lágrimas da morte, Thchinha não vai morrer. Em terra firme foi abalroada pelas ondas que se esbatiam no casco, e agora, com as velas enfunadas, está aí, acenando-nos no último adeus.

 

Thchinha, minha querida sobrinha, não nos resta mais nada neste momento de flores que nunca te oferecemos, senão agradecer todo o amor que nos deste. Ficaremos com as tuas lembranças para sempre.

 

Obrigado, amor. Deus te acolha!

segunda-feira, 29 maio 2023 16:24

Por pouco não via o Papa em Roma

NandoMeneteNovo

A sensação de ter ido a Roma e não ter visto o Papa foi a que senti depois de ler de raspão a lavra soberba do escritor Nelson Saúte feita em homenagem da já saudosa “Rainha do Rock n´Roll”, a diva Tina Turner (1939-2023). “Tina” é o título da homenagem.  

 

Nesta leitura de raspão, até cogitei a hipótese de que a homenageada não fosse a Tina Turner. Ligo ao meu primo Marutissa, por acaso um conhecido do escritor e que me mandara o texto corrido logo pela manhã do dia da sua publicação no sítio da Carta de Moçambique. Ele não responde. A ideia era a de ele perguntar ao escritor se não teria publicado a versão errada. Deixo uma mensagem.

 

Estou agora a reler a citada homenagem. Estou no 3º parágrafo: “Creio, aliás, que seria na televisão (TVM, a TVE na altura, anos 80 do séc. XX) com imagens trêmulas – porque era difícil acertar com a antena e o sinal – que vi, pela primeira vez, deslumbrado e arrebatado, Tina Turner. Era brutal no palco, tinha uma poderosa presença. A sua voz...”

 

Volto a ligar para o primo Marutissa. Falta qualquer coisa neste parágrafo que me desassossega. Ele novamente não atende. Ainda com fortes dúvidas de quem seria a homenageada deixo esta mensagem: “Não estará o Nelson Saúte a homenagear uma outra Tina?”

 

S Apreensivo, volto ao texto. Estou no 7 º parágrafo: “ Foi assim que Tina Turner entrou estrondosamente nas nossas vidas, com aquele seu vozeirão, com aquelas pernas míticas, aquela cabeleira inadjectivável e o mais belo sorriso do mundo. Aquela sua beleza exuberante….”

 

Neste parágrafo, o 7º parágrafo, e tal como no sétimo dia Deus descansou da criação do mundo, também descanso. Um parágrafo que me sossega. Finalmente tiro as dúvidas: é de facto a Tina Turner que Nelson Saúte homenageia.

 

Na mensagem que deixei na primeira ligação ao primo Marutissa, em seguimento a leitura de raspão, dizia: “Ir a Roma e não ver o Papa. Lembrar da Tina e não falar das suas fabulosas pernas não tem diferença (risos) ”.

 

Foram seis penosos parágrafos até ver a arrebatante Tina Turner. Aliás, a própria finada, em vida, disse: “Às vezes, acho que sou tão famosa pelas minhas pernas quanto pela minha voz”.

 

Saravá, Tina Turner!

 

Nando Menete publica às segundas-feiras.

segunda-feira, 29 maio 2023 15:28

A LAM e o seu Cobrador do Fraque

quinta-feira, 25 maio 2023 10:24

TINA

NelsonSaute

Nelson Saúte

 

Ooh, you´re simply the best

Better than all the rest

Better than anyone

Anyone I´ve ever met.

 

 

(Holly Knight e Mike Chapman)

 

Tenho 17 anos, subo lesta e distraidamente as escadas do prédio onde vivo,  na vetusta Rua Simões da Silva, que entronca na Eduardo Mondlane, mesmo em frente do Arcebispado. Os  elevadores estão irremediavelmente avariados, o edifício resiste ao milagre do tempo e tudo à volta é o arremedo do belo livro de Manuel Rui “Quem me dera ser onda”, que lemos com gáudio, onde tudo cabe nas nossas incongruências e nos usos idiossincráticos da cidade. Estamos no final do ano de 1984. Vivo no segundo andar. Elevador para quê? Subo as escadas entregue aos meus pensamentos e, de repente, sou abalroado por uma mulher.

 

Do vão que se abre no meu andar, numa balaustrada interior, ouve-se a poderosíssima voz de Tina Turner. Ela canta poderosamente “What´s Love Got to Do Whit It”, uma das faixas do disco “Private Dancer” e eu entrego-me à beleza visceral daquela música. O som era da telefonia de uma das casas vizinhas. Naquele tempo, a Rádio Moçambique era a fonte da nossa educação musical. A TVE também, sobretudo nos inesquecíveis programas do Jorge Morgado, ou nos chamados interlúdios musicais. Foi ali onde aprendi tudo o que sei de R&B.

 

Creio, aliás, que seria na televisão com imagens trêmulas – porque era difícil acertar com a antena e o sinal – que vi, pela primeira vez, deslumbrado e arrebatado, Tina Turner. Era brutal no palco, tinha uma poderosa presença. A sua voz. Depois, na casa do Manuel Maurício, que está lá nos mesmos páramos para onde a Tina agora emigra, íamos ver aqueles vídeos que vinham das Américas nas cassetes Betamax, antes das VHS, na companhia do meu mano Luís Loforte.

 

Os anos 80 foram anos extraordinários. Anos miseráveis materialmente, mas anos de um humanismo irrepetível.  As pessoas eram solidárias, partilhavam o que não tinham. As portas ficavam abertas para os amigos e os vizinhos, ou os  familiares que vinham de longe. Víamos televisão na casa dos amigos ou nos grupos dinamizadores. Nem todos tínhamos a fortuna daquela caixa mágica. Eu tinha, na casa de família de Ajamia e Fausto Loforte, que me haviam sufragado como oitavo filho.

 

Eram anos de fome, de bichas de tudo, nas lojas do povo, nas cooperativas de consumo, nas padarias. As pedras serviam para marcar o lugar que nos caberia na refrega, seja para o que quer que fosse, nas bichas. Na escola tínhamos a benesse das maçãs do Botha ou o queijo que vinha da América e que nos animava aos intervalos na Josina Machel. Quando regressávamos da escola, da rua sentíamos, invariavelmente, a inescapável fragrância do repolho das casas. Éramos felizes e não sabíamos.

 

Em casa do Manuel tínhamos sessões para ver e discutir se Michael Jackson era ou não melhor que o Prince. Creio que, à excepção do anfitrião, não tínhamos dúvidas de que o autor do “Thriller” era melhor que o do “Purple Rain”. Foi no ano da morte de Marvin Gaye (morto a tiro pelo pai) e chorávamos a ver o vídeo de “Missing You” que Diana Ross cantava pungentemente para ele. Havia a malta do “break dance” que tinha o entusiasmo consentido das miúdas que nos eram inacessíveis. Lionel Richie cantava “All Night Long” e tinha já abandonado os Commodores, que faziam sucesso com “Nightshift”. As bangas eram as nossas festas com cerveja a barril e feijoada que desenrascávamos por aí! Madonna iria cantar “Live to Tell”. Gregory Abbout, “Shake you Down”. Cometíamos as nossas iniciais empreitadas líricas.

 

Foi assim que Tina Turner entrou estrondosamente nas nossas vidas, com aquele seu vozeirão,  com aquelas míticas pernas, aquela cabeleira inadjectivável e o mais belo sorriso do mundo. Aquela sua beleza exuberante. Mais tarde saberia da sua história tumultuosa com Ike Turner, de quem herdaria o apelido e um passado assombrado. Também saberia que “Private Dancer” era afinal uma música composta por Mark Knopfler, dos “Dire Straits”, que eu iria admirar intransigentemente.

 

Os sucessos de Tina viriam em catadupa. Ela era um animal enérgico e eléctrico solto no palco. No estrado saiam-lhe todos os espíritos em vertiginosas actuações. Vieram os Grammys, veio Maracanã e 180 mil espectadores, ulteriormente o veio sucesso global, sobretudo com “Break Every Rule”, ainda nesses faustos anos 80. No final da década, consigo uma bolsa e vou estudar para fora. Levo comigo um pequeno reprodutor de cassetes e as músicas que eram a banda sonora da minha vida. Tina Turner fazia parte da lista. Ouvi-a obsessivamente. “Simple the best”.

 

Quem hoje tem o desagravo do YouTube, dos telemóveis e de todos os avatares da tecnologia e acede a isto tudo com facilidade não pode imaginar o que era a nossa vida para chegarmos à música que não era do nosso quintal. Tínhamos sempre a Rádio Moçambique, é certo. Agora, tudo isto mudou. O tempo em que a brasileira Regina Casé, na novela “Cambalacho”, parodiava a cantora, na belíssima interpretação da Tina Pepper, não existe mais. O mundo cabe-nos na palma da mão e num telefone celular. Os anos passaram vorazmente.

 

Tina Turner soube envelhecer. Soube sair do palco. Mudou-se para a Suíça. Casou no outono da vida, a sua primavera. Parecia, nos últimos tempos, ter superado os ditames da doença. Não há muito vi-a a falar das provações por que passara. Ela fora, afinal, uma sobrevivente sempre. Saberia sobreviver. Como sempre. A solo no palco ou em duetos inesquecíveis. De todos, sou indefectível de “Cosas de la Vida” com Eros Ramazzotti. Ainda hoje revi este dueto e deixei-me comover.

 

Agora que os jornais e as televisões anunciam que Tina Turner partiu, agora que se fazem todos os obituários, agora que vejo a sua fotografia nos “status” de tantos telemóveis, agora que os sinos dobram, agora que não me prostro no silêncio mas sim na sua música, agora que a tristeza me tolhe, aquele miúdo de 17 anos, no lanço das escadas do prédio da Rua Simões da Silva, volta a ficar totalmente enfeitiçado, totalmente subjugado, totalmente deslumbrado, totalmente atordoado e totalmente paralisado por aquela voz fascinante e possante, nos quase quatro minutos que dura aquele maravilhamento. Afinal, ali, naquele dia e naquele lugar, tivera uma epifania, uma revelação. Aquilo foi mesmo um arroubo, um arrebatamento, um enlevo. Parecia que a ouvia pela primeira vez. Sempre a ouviria pela primeira vez. Com o mesmo espanto do menino de 17 anos.

 

Oiço-a a cantar de novo, passaram-se quase quatro décadas, tenho agora 56 anos e me comovo até às lágrimas. Sinto a mesma fascinação pelo sortilégio daquela voz. Tina Turner será sempre “simply the best”, como queriam Holly Knight e Mike Chapman numa das músicas que a celebrizou. “Proud Mary”, cantou e dançou ela. Como se tivesse mandinga na voz e no corpo. “Proud Tina”, escrevo eu esta noite.

 

quarta-feira, 24 maio 2023 20:04

Impunidade total

MoisesMabundaNova3333

A impunidade é um mal muito grave para uma sociedade. Estamos diante de impunidade quando, em clara violação da lei e das regras de convivência social, humana, a instituição (ou indivíduo) de direito não sanciona, não toma as medidas que devia tomar para restabelecer a ordem normal, a justiça e a harmonia. Uma sociedade em que grassa a impunidade é uma sociedade em que a justiça não tem significado nem a sublime importância devida. É uma sociedade em que reina o mais forte, não o justo, o correcto, ou o ético. É uma sociedade sem razoabilidade, sem equilíbrio, nem estabilidade social. Reina quem pode e como pode; manda quem pode; faz quem pode e como quer e pode. Como na selva!

 

Numa sociedade onde reina a impunidade, não há justiça, não há harmonia, não há felicidade, não é sadia; as acções em contra-mão são toleradas, aceites, e sempre passam aparentemente despercebidas. Os injustiçados sofrem, sofrem até ao sufoco, até à morte espiritual, ou mesmo e muitas vezes material. Uma sociedade sem justiça é uma sociedade insegura, propensa a uma ruptura social, à violência: os injustiçados não toleram a injustiça para todo o sempre, tenderão sempre a fazer justiça à sua maneira e com as suas próprias mãos. Procurarão recorrer à vingança, à desordem e à violência.

 

Uma sociedade de impunidade e de vingança não é uma sociedade com valores sociais aceitáveis, de ética, desenvolvida, estável, em concórdia; é uma sociedade em guerra, sem paz, sem sossego. A justiça traz consigo a harmonia e esta leva ao desenvolvimento social, econômico e político. Não há uma sociedade em guerra que esteja a desenvolver-se.

 

A nossa tende a ser uma sociedade de impunidade. Exemplos são aos magotes, dia após dia! Práticas e procedimentos que noutros quadrantes dariam claras penas de morte, entre nós passam despercebidas. E mesmo se percebidas, faz-se de contas que o não foram. A corrupção campeia aos olhos menos atentos,  e não há nenhuma acção enérgica séria visível. Parece que todos estamos amarrados aos rabos uns de outros. Aqueles que deviam exercer a justiça parecem presos aos prevaricadores. São revelações atrás de revelações bombásticas, escandalosas, irracionalidades e irracionalidades, mas nada acontece, aqueles de direito deviam, nunca fazem patavina. Ou, se fazem, é para distraírem as atenções dos injustiçados e ou sedentos de justiça, dos incautos, ou dos que advogam uma sociedade de justiça - “para inglês ver”, como se diz.

 

Um dos muitos bons exemplos de impunidade é do que falava há dias. Depois de uma deslocação a Hati Hati, algures em Gaza, falava eu das péssimas condições em que se encontra o troço Mohambe-Maqueze-Hati Hati-Chigubo. O que afinal eu desconhecia era que sobre o troço há contratos entre a ANE - Delegação Provincial de Gaza e a S Construções  Xai-Xai, um ainda em vigor e outro terminado em Junho de 2021, para a sua manutenção. Curiosamente, os dois contratos foram com o mesmo empreiteiro, a S Construçōes - Xai-Xai.

 

O contrato em vigor, de 1/06/2021 a 30/06/2023, com o custo de 6 446 287,80Mt, visava especificamente a “manutenção de rotina da estrada terraplanada R855 Maqueze- Changanine, extensão 30 km, na base do sistema do acampamento”. Fiscal é a Nippon Koei Mozambique. Nem acampamento, nem manutenção, nem uma buldozer avariada e abandonada, nem nada. Nada! Junho é já para a semana, o contrato vai terminar, a estrada continuará péssima como está e vai piorar a cada chuvada que aparecer e os nlhanganinenses, esses, continuarão a sofrer a bom sofrer.

 

O contrato que já expirou tinha como propósito a “manutenção do troço Mohambe-Maqueze, 54km”, o mais crítico agora, e tinha como período de implementação Dezembro de 2019 a 30 de Junho de 2021, com o custo de 11 260 951, 31Mt e fiscal a COTOP. Certo, certo, é que o contrato terminou e de estrada não se viu patavina e muito menos agora, passado um ano e tal - que o digam os maquezianos e outros compatriotas daquelas bandas, como o comerciante local Betuel. Se tivesse havido um bom trabalho de base, a estrada não estaria tão péssima como está! E com as chuvas…

 

Cerca de 18 milhões de meticais saíram dos cofres do Estado para a manutenção da estrada. Foram embolsados. Nheto feito. A população de Maqueze, Nlhanganine, Hati Hati, Chigubo continua a sofrer como sempre, sem estrada! Com aquela estrada que só danifica as pobres viaturas que conseguem comprar com muito sacrifício. Onde estão as autoridades de direito? O dono da obra? O fiscal fez/faz alguma coisa? O empreiteiro, cadê ele? Entregou ele a obra? Quem a recebeu?... E as Unidades anti não sei o quê!...

 

Impunidade total. Inação, omissão, indiferença, deixa-andar, cumplicidade…. Impávido e sereno está quem devia mexer a palha. Que sociedade pretendemos? De impunidade! De revoltosos? De justiça com as próprias mãos? De tumultos…

 

ME Mabunda

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