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sexta-feira, 27 dezembro 2024 09:53

Carta ao Pai Natal

Escrito por

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Olá, Pai Natal!!!

 

Sou eu de novo, mais uma vez cumprindo a tradição da “Carta ao Pai Natal”. É momento em que me torno representante de muitas crianças que acreditam em ti, e também, de alguns adultos que veem em ti aquele velho barbudo que marcou a infância deles, seja na esperança, seja na saudade.

 

A carta deste ano, Pai Natal, não foge a regra; traz mais reclamações, muitas lamentações e alguns pedidos. Na verdade, as reclamações não são para si, porque és Pai Natal e não político, nem governante. Reclamo para si porque presumo que algumas cartas que te escrevo, são extraviadas e acabam parando em mãos alheias. E, nunca estive tão cioso que essas “mãos alheias” fossem as mãos da elite castrense que governa o nosso país. Pudera eu, fazer um exercício de influência para que esta carta fosse lida na sala oval do Conselho de Ministros ou de algum outro lugar onde a audiência pudesse por um instante, sentir a dor do povo que aqui expresso e manifesto; e que pelo menos, por instantes, se tentasse perceber as metáforas e hipérboles que eu, ainda que sem mandato, trago em nome de uma colectividade sem voz. Imagino, Pai Natal, que depois de terminares a entrega dos presentes aos meninos bem-comportados, maioritariamente das elites e famílias mais ou menos abastadas, tiras um tempo para descansar e avaliar o teu trabalho de espalhar alegria, alento e alguma esperança disfarçada em brinquedos. Imagino também, que te sentas a mesa com gente influente e com poder suficiente para mudar muita coisa. Por acreditar nesse seu círculo privilegiado e poderoso, ainda escrevo, ainda desabafo e, ainda tento ser a voz dos sem voz. E se és Pai Natal de todos, antes és pai de alguém, e é na imagem desse pretenso alguém que te peço que seja portador e mensageiro no clamor das crianças de Moçambique e de todo o povo.

 

Como deve saber, estamos nas manchetes ao redor do mundo, e pelos piores motivos. O nosso país enfrenta uma crise grave, talvez a pior crise desde o conflito armado dos 16 anos. Essa crise que, mergulhou o país numa atmosfera pesada, que preocupa a todos, convidando à reflexão e tomada de decisões que se esperam urgentes e assertivas.

 

Pode parecer paradoxal escrever uma carta ao Pai Natal em contexto atípico e num período em que pairam incertezas sobre o presente e futuro do nosso país. Não me lembro de uma quadra festiva tão sem brilho, e sem motivos para celebrar. Parece que o nosso egoísmo, soberba e ganância nos levaram ao fundo do poço e, batemos com algum estrondo.

 

Pela primeira vez em décadas, teremos de conviver com a ideia de um Natal em que todos menos nós, estamos imbuídos de espírito natalino. Um Natal que será vivido e celebrado pelas telas da televisão e pelas redes sociais. Para alguns, os abastados, os membros da elite castrense, será um período de viagem ao exterior, fingindo que tudo está bem. Pela primeira vez teremos de explicar aos mais novos, que este ano, por motivo, que eles não entenderão, não teremos a tradicional festa de família, nos habituais moldes. As famílias estarão ou confinadas a viver o luto colectivo causado pelas balas, pelo gás e pela força desproporcional vindos de quem nos deveria proteger, ou estarão isoladas e distantes umas das outras porque circular livremente virou apanágio de poucos – quando não são as portagens formais que nos limitam, são as portagens informais e ilegais que nos retiram o direito a livre circulação.

 

A nossa segurança esta em perigo, e tudo nos remete a ideia de um presente incerto. Em nome da segurança, da lei e ordem, as nossas ruas, estão tomadas por policiais e militares, mas se tornaram mais violentas e assombradas pelas vozes dos que pereceram. Somos constantemente bombardeados com imagens, narrativas, notícias, filmes e toda propaganda típica de um cenário de guerra. Estamos mentalmente exaustos e psicologicamente quebrados com tudo isto.

 

A carta deste ano pode parecer apenas de lamúrias e desabafos, e, até certo ponto ela é isso mesmo.
Porém, se pudesse pedir algo nesta carta, pediria apenas bom senso Pai Natal. Bom senso por parte daqueles que podem decidir, para façam com sabedoria e devolvam o brilho e a esperança aos milhões de moçambicanos.  

 

No passado, tivemos ocasiões em que durante as festas, faltou mesa farta nas famílias, contudo, nunca faltou paz, harmonia, segurança, fraternidade.

 

Estou em contrarrelógio, Pai Natal. Tenho muito pouco tempo para concluir a minha carta e enviar aos correios para que ela chegue a tempo. Por favor, não repare na minha caligrafia, nos meus erros e na estrutura pouco elaborada da minha carta Pai Natal (…). É que, a semelhança de muitos outros anos, eu e milhares de crianças deste país, não tivemos acesso ao livro escolar que se pretendia gratuito. Eu e milhões de crianças continuamos a estudar debaixo das árvores, sentadas no chão, ou em blocos improvisados, enquanto a nossa madeira vai para o exterior. Continuamos sem salas de aulas, sem carteiras, sem professores devidamente remunerados. Somos vítimas de um sistema que nos retirou a possibilidade de sonhar com uma formação capaz de transformar as nossas potencialidades em potencialidades do país.

 

Desculpa a carga emotiva que trago em alguns parágrafos Pai Natal. Enquanto escrevia, imagens tristes surgiram na minha mente tornando impossível segurar as lágrimas e a firmeza da caneta.

 

Para terminar, Pai Natal, que conste que não irei montar a árvore de Natal na minha casa, e acredita que muitas famílias não irão fazê-lo. Não faz sentido ter uma árvore de Natal reluzente e presentes para poucos, enquanto a grande maioria só conhece a árvore que simboliza a sua sala de aulas. Não faz sentido ter o presépio que anuncia o nascimento do menino Jesus, se a cada esquina vemos sangue de um irmão morto pela saga das balas, pela asfixia do gás, e pela opressão da fome, da indiferença e do desdém.

 

Vamos juntar cartuchos das balas disparadas, e os bujões de gás arremessados e, fazer um monumento em homenagem a todos que tombaram nesta luta por um Moçambique melhor.  Um Moçambique em que não sejamos nunca mais atropelados por BTRs mas, que sejamos construtores de BTRs para atropelar a pobreza, a fome e a miséria que grassam a Pérola do Índico.  

 

O meu pedido para este ano, é por um Moçambique em paz e livre da violência. E, se não for pedir demais, embrulha-o com tolerância, empatia e compaixão. Mas não precisas escalar as nossas janelas, para que não seja considerado um Pai Natal vândalo, arruaceiro e inconsequente; e nem corras o risco de receber uma descarga de uma AK-47.

 

Um Natal seguro a todos!!!

Sir Motors

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