Chegamos à ponta de Guilaleni, no arquipélago de Mucucune onde o feitiço ressurgia em todas as noites de corujas, e a indescritível beleza da paisagem desabrochou por completo enchendo-nos os olhos e o espírito. Era como se tivéssemos acabado de chegar ao próprio paraíso, com barcos à vela estendidos pelo mar desde Linga-Linga, passando por Móngwè até Chicuque e Maxixe, terminando no fim do horizonte que será Nhapossa, cuja expressão máxima está numa zona marítima que se ensoberbece chamada Potani. Então todo este maná não pode ser real. É um sonho.
O nosso destino é a península de Miludzi, lugar onde o silêncio remete-nos aos pensamentos mais profundos, sobretudo nas noites e nas madrugadas quando as mulheres, voltando da pesca de arrasto de camarão, tagarelam balelas e riem-se a bandeiras despregadas sem que nenhum outro som, a não ser o dos últimos pirilampos em recolha, interrompa a melodia sincera do riso.
Viajamos num barco à vela baptizado “Nhalégwè”, conduzido por um marinheiro conhecedor dos ventos que sopram de várias direcções e de outros ventos que não se saberá onde nascem. Na verdade ele é um barómetro que vai rivalizar com os cientistas formados em grandes universidades, e a escola dele é o próprio mar. É por isso que nos avisou com segurança, inesperadamente, enquanto contemplávamos a exuberância de toda esta plenitude, wunguta ronga (vem aí o vento norte)!
Saímos da ponte de Inhambane – um património inestimável da cidade – por volta das sete da manhã e, quarenta minutos depois, já estávamos em Guilaleni, um lugar há muito sonhado, e que agora quase o beijo de perto.
Sinto um impulso dentro de mim que me impele a dizer alguma coisa ao marinheiro, a começar talvez por uma pergunta, nem que seja estúpida.
- Você é marinheiro de que zona?
- Sou irmão de Mangoba, teu amigo, você não se lembra de mim?
Compenetrei-me nele, na sua fisionomia, no timbre da voz, e na capacidade de abstração que tem demonstrado desde que começamos a nossa viagem antes inacreditável. Ele tem de facto o sangue de Mangoba, o seu estilo cambaio.
- Já estou a lembrar-me de você!
- Então!
Agora estamos entre Linga-Linga e Móngwè, daqui a pouco chegaremos a Miludzi, onde ninguém me aguarda, onde ninguém, provavelmente, me conhece, mas eu vou! Da mesma forma que já fui a muitos lugares sem que ninguém me aguardasse. É o nome da terra que me move, e as suas histórias de fartura de marisco!
Mas os tempos mudaram. Muito. Lembrei-me, quando cheguei, das perfurantes palavras de Momad Wa Simbo, “Deus diminuíu as bençãos em Mucucune”.
Em Miludzi também, já não há peixe como antigamente, nem lula, nem camarão, nem nada!