Há dias fui ao Hospital Provincial de Matola para sondar a qualidade do serviço público. Tinha uma pequena queimadura, que já infectara. Eu podia ter ido a uma clínica privada, ao 222 ou ao Hospital Privado. Mas preferi ir onde vai a maioria do povo. E lá fui eu, ali para os arrabaldes da cidade da Matola, nas margens verdejantes do rio.
Dei de caras com o edifício recente, mas já desbotado. No guiché, quatro assistentes solícitas. Na sala de espera do SUR, uma fila enorme de espera. Meu problema estava identificado. Eu procurava uma pequena cirurgia. Entreguei meus dados e apontaram-me logo a porta.
Lá entrei. A equipa, médico e assistentes, estava a postos, mas seus semblantes mostravam rostos carcomidos por uma tamanha falta de motivação. Durante o tratamento, perfeito, percebi uma coisa: uma tremenda falta de materiais. Não tem agua oxigenada! Mas isso eu já sabia. Até o Hospital Central de Maputo não tem. Os materiais de limpeza, como anti-sépticos, eram dados a conta-gotas. As compressas foram pedir esmola a uma sala ao lado. Grosso modo, os hospitais em Moçambique vivem assim. Uma tamanha falta de meios de tratamento. Minha experiência capta apenas uma pequena amostra.
E isto começou quando os doadores cortaram a ajuda por causa da dívida oculta.
O efeito do endividamento oculto é sentido em toda a sociedade, sobretudo pelos mais pobres. Os doadores suspenderam o financiamento e o governo ficou sem dinheiro para pagar fornecedores ou financiar totalmente os serviços sociais - o que levou a danos directos a muitos cidadãos, que, por exemplo, não têm serviços de saúde ou cujos negócios faliram.
O governo já processou judicialmente parte dos implicados locais (os 20 arguidos) e intentou acções em Londres contra o Credit Suisse e companhia. Mas esses são expedientes da política e das elites, os quais não carregam a imagem do rosto humano prejudicado pela crise. Como diz o advogado anti-corrupcão, Rick Messick, os cidadãos moçambicanos podem também processar essa escumalha do grande capital, incluindo a Privinvest, que nos colocou nesta armadilha de pobreza. Um tal procedimento da sociedade civil complementaria as acções do Governo e, eventualmente, evitaria longos anos de litigação entre as partes. O Credit Suisse evitaria uma grande exposição mediática se o processo viesse da sociedade civil.
Faz sentido! Agora, a questão é: que sociedade civil pode avançar? O FMO já tem uma experiência acumulada no caso e pode usar disso e seus contactos para engendrar a acção. Urgente! As igrejas podiam fazer a sua parte. Mãos à obra?