O “loose cannon” voltou a disparar. Nesta semana, o venancismo convocou novas “manifs” para repudiar o cruel assassínio de Elvino Dias e Paulo Guambe, atingidos os dois por 25 balas no conjunto, faz hoje uma semana. Depois da violência de rua desta quinta-feira, VM7 reafirmou, a partir de lugar desconhecido, que sua meta são 25 dias de “manifs”, com a consequência nefasta da paralisação da vida económica e social nas principais cidades de Moçambique. Sua mensagem, disse ele, visa também denunciar as eleições fraudulentas e a perfídia da classe política.
O grande dilema de Venâncio é a escolha do estilo da sua acção política, designadamente a opção entre uma postura de Estado, mais comedida e cuidadosa perante o desiderato da protecção das propriedades pública e privada, num movimento de moderação do seu radicalismo; e uma postura dita revolucionária, de luta sem quartel, quase espalha-brasas, arregimentando toda a sua falange de apoiantes, maioritariamente jovens marginalizados e sedentos de emprego e pão.
Para VM7, abraçar agora uma postura de Estado contrasta com sua determinação de tomar o poder já. Mas há quem pense que, diante da presente conjuntura eleitoral, ele podia orquestrar um recuo estratégico, táctico, pois parece quase certo que suas possibilidades de sucesso nas próximas eleições são enormes – tal como fez Adalberto Júnior, o líder da Unita em Angola. Mas VM7 não está disposto a esperar; ele quer tudo já. Por isso, ele optou pela “revolução” urbana.
O problema desta postura dita revolucionária é que ela arrasta o intolerável da destruição da economia e da propriedade privada. Por mais que VM7 convoque manifestações pacíficas, apenas de cartazes em punho, o mais provável é surgir juventude pronta para queimar pneus, afrontando de peito aberto uma Polícia debilitada na sua moral, esfomeada ela também, mal equipada, mas pronta para matar e não proteger. Uma revolução com este pendor de violência diminui o carácter messiânico da sua jornada política. Seus apelos a “manifs” pacíficas não estão a surtir efeito. E com a violência agora subjacente, ele perde o apoio de boa parte do pequeno e médio empresário e das classes médias urbanas também sedentas de mudança e alternância democrática, mas num registo de paz e serenidade.
O grande paradoxo destas “manifs” de VM7 é aquilo que é chamado de “o paradoxo do pão”. O pomo da reivindicação é, simplificando, a falta de pão em todas as casas marginalizadas da moçambicanidade. A rapaziada venancista reivindica pão nas suas casas, mas, no êxtase da revolta, destrói a cadeia de fornecimento desse mesmo pão que lhe dará forças para, no dia seguinte, enganar novamente o estômago para responder aos apelos do venancismo. Na “manif” de quinta-feira, industriais da panificação em Maputo foram severamente afectados, reduzindo as entregas; e na manhã de sexta-feira, revendedoras de pão nos bairros, que também foram vandalizadas e roubadas, imploravam para que recebessem remessas de pão nas suas bancas para revenda. E é provável que ontem, sexta-feira, a “manif” tenha perdido gás porque boa parte da rapaziada acordou sem pão em casa.
Isto significa que a meta das 25 “manifs” de VM7 é uma miragem. Isso nunca vai acontecer. Sua revolução não tem estrutura logística para manter seus apoiantes tanto tempo na rua. Aliás, eles dependem de haver comida para a barriga. Com a vigência da vandalização da economia, o pão desaparece das mesas. E ninguém faz luta de barriga vazia. Ou seja, as “manifs” só terão sangue nas veias se a economia funcionar. Tal como no rescaldo das autárquicas: VM7 queria tanto estender suas “manifs” por longos dias, mas a Renamo tirou-lhe o tapete, e ele perdeu seu élan reivindicativo.
Por outro lado, o sumiço de VM7 é, ele próprio, desmobilizador. Tradicionalmente, grandes líderes revolucionários não somem para esconderijos insondáveis, mesmo após um golpe fatal na véspera. Um bom líder acusa o golpe, mergulha no pranto, mas logo a seguir enxuga as lágrimas e enfrenta novamente o inimigo.
O sumiço de VM7, mesmo depois ter sido ostensivamente visado por invólucros de gás lacrimogéneo na sequência imediata do assassinato de Elvino Dias e Paulo Guambe, não caiu bem em círculos que o apoiam, nomeadamente entre franjas da classe média urbana zangadas com a Frelimo, e que preferiam que ele continuasse dando o peito às balas até às últimas consequências. Daí decorre a questão de saber se ele vai fazer a mobilização das 25 “manifs” refugiado em “parte incerta”.
Por outro lado, o corte da internet ontem foi um golpe profundo no seu principal vector de comunicação e mobilização. O regime de Nyusi, nos derradeiros dias da sua decadência, está disposto a ir até às últimas consequências para cortar-lhe as pernas.
O país está polarizado entre o radicalismo de Venâncio e a autocracia do martelanço de Filipe Nyusi, que atribuiu esta estonteante vitória eleitoral aos alegados feitos do seu segundo mandato, desastroso tal como o primeiro. O radicalismo do regime evidenciou-se também na forma tenebrosa como suas tropas atiraram contra os manifestantes, matando e ferindo sem contemplações.
Como disse, o regime parece pronto para ir até às últimas consequências para se manter no poder. A relutância da CNE em averiguar as incongruências do processo de votação – que ela própria identificou – não permitindo a transparência nas etapas cruciais do apuramento, enquadra-se nesse radicalismo. Esta polarização entre o campo de VM7 e a ala Frelimista de Filipe Nyusi repercute-se também na sociedade e até nas famílias, nomeadamente nos grupos de WhatsApp. O país está profundamente dividido.
Então, o que fazer diante desta polarização extrema?
A nosso ver, as principais confissões religiosas têm agora uma oportunidade para mostrar seu serviço em prol da defesa do povo moçambicano, promovendo o diálogo entre as partes. Tanto a Frelimo como o VM7 têm de assumir que, se o radicalismo prevalecer, quem perde não são seus egos, mas a totalidade da Nação. Isso significa que o movimento de moderação tem de ser assumido pelos dois campos; não se pode exigir que VM7 modere seu radicalismo sem que a Frelimo também mostre uma abertura para a mudança.
Mas que “quid pro quo” é razoável para VM7 “baixar a bola”? Um Governo de Unidade Nacional? Duvido que esta Frelimo tenha a maturidade do ANC para enxergar longe e assumir que é preciso abrir mão de parte do excessivo poder que exerce sobre o Estado e a sociedade, perpetuando seu monopartidarismo numa democracia encapotada.
No entanto, na quinta-feira, na sede do partidão, diferentemente da narrativa fraudulenta de Nyusi, que agora recorre sempre à metáfora do jogo de futebol para falar de uma competição eleitoral com arbitragem proveniente das suas hostes, Daniel Chapo recuperou a velha perspectiva da inclusão, de que a Frelimo sempre falou, mas aplicou de forma hesitante, minimalista.
O grande desafio para a Frelimo (e para Chapo) é começar já a revelar em que consiste tal inclusão, quais os seus verdadeiros indicadores; se ela envolve apenas o alargamento do tachismo a uma meia dúzia de políticos da oposição, através da distribuição de cargos no sector empresarial do Estado; Ou se isso envolve a mudança da política.
A luta de VM7 – e é aí onde ele busca a força motriz do apoio popular – não é por tachismo...é uma luta contra as desigualdades e contra todo o laxismo e corrupção desenfreada que tem conduzido celeremente Moçambique ao abismo. Uma inclusão deve envolver reformas políticas profundas, uma partilha programática que muda radicalmente o estado caótico da gestão do bem público. Sem isso, nada feito!