Eu queria tanto que o Homero voltasse para o jornalismo. Ele foi minha inspiração quando escrevia no "Desafio". Eu era um leitor entranhado. Aprendi muito com seu cronicar sobre os futebóis e quejandos. Descrevendo os golpes de asa do Nico com seu portentoso remate, os saltos de chita do Filipe Chissequere, evitando o golooooo que o grito do João de Sousa havia já dado como certo; os duelos excitantes entre o basquete sénior do Desportivo e do Maxaquene, na áurea e inigualável fase do reinado absoluto do astro Amade Mogne.
Eu ia fazer fila no quiosque dos jornais em Inhambane à espera dos jornais que vinham do Maputo para não perder o “Desafio". Sob a batuta do Renato Caldeira (que me confirmou esta tremenda morte em casa na semana passada, não escondendo sua voz machucada, mas sobretudo com pena da irmã, a mãe do Homero, que era a pessoa “mais direitinha” entre os irmãos), o Homero, no jornal, se destacava entre gurus como Alexandre Zandamela e Almiro Santos.
Uma vez tentei me embrenhar nessa redacção à guisa de estagiário, um principiante ranhoso e apaixonado pela palavra escrita, mas ainda estava eu demasiado cru. O Homero foi se calhar o tipo que me acarinhou. Mas ele não controlava nada!
Quando vim a Maputo de vez, na segunda tentativa da aventura para o el-dourado murchante, já instalado no Mediafax com o CC e escrevendo Cultural no SAVANA (adorava as vernissages regadas da Associação Moçambicana de Fotografia, uma emblemática galeria engolida pelo lobby financeiro da capital), privei muito com o Homero nas cavalgadas culturais da cidade. Era um aficionado do Michael Jackson, com tiques de “bon vivant”. Um rapaz muito fixe. Seu lado humano era decente e dizia o que pensava, sem o receio de remorsos.
Andou na UFICS - tal como muitas das vozes incontornáveis de hoje - aquela fábrica de cérebros que o Brazão Mazula fez diluir, integrando as Ciências Sociais na Faculdade de Letras da UEM. Ele foi da segunda leva de uficsianos. Eu da terceira. Nunca nos cruzámos discutindo nos corredores os clássicos da Ciência Política da formação do Estado Moderno ou mesmo a epistemologia em Bachelard. Ele fez Administração Pública e andou por aí, trabalhando pela vida, sempre com um pé no jornalismo e na vivência da vida.
Em 18 de Dezembro de 2018, Homero Lobo assumiu funções como Editor da "Carta de Moçambique". O jornal tinha nascido no mês anterior. O jornal publicou uma sua mini-bio assim, galanteando-se pela aquisição de um galáctico:
“Homero Lobo é jornalista há 32 anos, tendo iniciado a sua carreira na Sociedade Notícias. Naquela casa permaneceu por uma década e esteve ligado ao nascimento do primeiro jornal desportivo nacional, o Desafio. Mais tarde voltou a estar igualmente ligado ao surgimento de um outro jornal desportivo/cultural, o Campeão, onde desempenhou as funções de Editor do suplemento cultural. Ao longo destas três décadas de percurso jornalístico pertenceu aos quadros do jornal Savana, das revistas Sol do Índico, MozIn e Moz Business, para além de ter colaborado com uma série de publicações nacionais e estrangeiras. Foi igualmente Assessor de Comunicação em diversos organismos nacionais (estatais e privados), com especial destaque para o Ministério da Administração Estatal e Função Pública e o Conselho Municipal de Maputo. Pertence à primeira ‘fornalha’ de licenciados em Administração Pública, pela UFICS (UEM), e possui ainda uma pós-graduação em E-Government pelo SIBIT (Shriram Institute of Business and Information Technology) de New Delhi, Índia. Tem formação média em jornalismo pela Escola de Jornalismo”.
Como Editor na "Carta", Lobo foi enviado por duas vezes para cobrir os procedimentos judiciais à volta da tentativa de extradição para Moçambique do antigo Ministro das Finanças Manuel Chang. Já não tinha a disciplina férrea de um “enviado especial”, mas suas crónicas, às vezes passando ao lado do essencial, buscavam o lado mais travestido da vida mundana. O escritor Sérgio Raimundo, que também trabalhava na "Carta" nessa altura, não ficou nada impressionado pelo jeito "fudjista" do Homero aquando do caso Chang.
Na semana passada, na quentura da partida do jornalista, Raimundo escreveu assim: "Aquando do julgamento de Manuel Chang, na África do Sul, Homero foi o nosso enviado especial. O Homero enviou-nos um texto e depois sumiu. Não mais soubemos dele. Um jornalista amigo disse-nos que sempre via o Homero nos corredores do tribunal. Depois de uns dias, o Homero ressuscitou e enviou-nos um longo texto, bem escrito, no qual relatava as pulseiras da juíza que amarinhava o julgamento. E nada sobre o julgamento!". Ri e chorei. Raimundo não conheceu o escriba beirense na sua fase mais intensa.
Sua passagem por esta empresa foi efêmera. Ele queria tanto regressar para a Beira, se reencontrar nas profundezas da sua Munhava. Qualquer coisa o incomodava em Maputo. E zarpou para o Chiveve sem qualquer despedida.
Quando veio o IDAI (ciclone) ainda consegui cravar-lhe dois ou três dedos de crônicas com sua narrativa escorreita, linguagem elegantemente figurativa e uma descrição brutal da verdadeira. Queríamos que ele escrevesse sempre, impregnando seus mundos coloridos em nosso jornalismo envolto neste "leitmotiv" epistolar, e ele se furtava. Sua disponibilidade para o jornalismo se esvaziara, inversamente à indumentária "dreadlock" que trajava. Quando, depois do anúncio da sua morte, me recordei da sua adoração por Michael Jackson, um amigo lembrou-se da cabeleira do Homero, imitando justamente os devaneios capilares do eterno Rei do Pop. Ele editava textos ouvindo Billie Jean. Quanto bom gosto. Saravá Homero!