Director: Marcelo Mosse

Maputo -

Actualizado de Segunda a Sexta

BCI
João Nhampossa

João Nhampossa

JoaoNhampossanovaa220322

Recentemente, a Autoridade Tributária e a Polícia da República de Moçambique (PRM) levaram a cabo a apreensão de várias quantidades de bebidas alcoólicas, alegadamente, por serem objecto de fuga ao fisco ou de comercialização sem respeitar o processo de tributação e selagem a que as mesmas estão sujeitas para o efeito.

 

No entanto, a maneira como as supra referidas autoridades estaduais agiram, conforme demonstram os vídeos e fotos que circulam nas redes sociais, não deixa dúvidas de que se trata de apreensão abusiva dos bens dos vendedores informais, cujo rendimento para o sustento das suas famílias advém desse negócio de venda de bebidas alcoólicas.

 

Aquando da apreensão dos bens em questão, as autoridades estaduais em referência não procederam, no local, ao registo das quantidades das bebidas apreendidas, nem dos legítimos donos de modo a melhor identificar os bens e seus titulares para efeitos do contraditório, reclamação, pagamento dos impostos e multas devidas e recuperação dos bens.

 

A apreensão não obedeceu a critérios legais previstos para o efeito no âmbito da actuação da Administração Pública, a qual deve reger-se pelo princípio da legalidade e da justiça conforme estipula a Constituição da República (CRM), no seu artigo 248 nos seguintes termos:

 

  • A Administração Pública serve o interesse público e na sua actuação respeita os direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos.

 

  • Os órgãos da Administração Pública obedecem à Constituição e à lei e actuam com respeito pelos princípios da igualdade, da imparcialidade, da ética e da justiça.

 

Por sua vez, a Lei n.º 2011, de 10 de Agosto[1], determina nos n.ºs 1 e 2 do seu artigo 4, respectivamente: “A Administração Pública deve actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites e fins dos poderes que lhe sejam atribuídos por lei.” “Os poderes da Administração Pública não devem ser usados para a prossecução de fins diferentes dos atribuídos por lei.”

 

A Autoridade Tributária e a PRM não deram a conhecer as quantidades e o destino das bebidas apreendidas. No mesmo sentido, não deram a conhecer os critérios de apreensão desses produtos de modo a garantir a transparência e legalidade da apreensão.

 

É verdade que o Estado deve arrecadar receitas com os produtos objecto de comercialização, mas tal não deve ser feito arbitrariamente, senão de forma legal e em respeito à justiça social que o Estado deve prosseguir. Aliás, as autoridades em questão estavam em condições de registar os bens, os respectivos donos e de fixar o necessário prazo para o pagamento dos impostos e multas devidas, sem necessidade de apreender os bens, senão nos casos extremos como a da impossibilidade de identificação dos titulares. Dessa maneira, ia permitir a continuação da venda dos produtos em causa, uma vez que se trata de mercadoria que é simultaneamente o capital e lucro das vítimas da apreensão aqui em discussão.

 

Nestes termos, estaria salvaguardada a justiça social e o princípio da proporcionalidade que foram violados e daria oportunidade para as vítimas terem dinheiro com a venda das bebidas para pagar os impostos e multas devidas.

 

Em bom rigor, é estranho e curioso o facto de num contexto de venda desordenada e irresponsável de bebidas alcoólicas na via pública e nos mercados informais, sobretudo de bebidas espirituosas de duvidoso fabrico, proveniência e qualidade para o consumo, a Autoridade Tributária e a PRM apenas se tenham deslocado, na sua acção de “busca e apreensão”, para locais de venda de bebidas alcoólicas caras e de significativa qualidade sem proceder ao devido registo nos termos da lei.

 

Parece que as autoridades estaduais em causa estavam preocupadas em saquear as referidas bebidas para o benefício próprio ou para fins inconfessáveis que sejam alheios aos interesses do Estado.

 

Sem transparência na apreensão, é difícil saber que destino foi dado às bebidas e faz desconfiar que foi para benefício de um grupo de pessoas que usaram ilegalmente a força do Estado para o efeito.

 

Os factos demonstram que a alegada apreensão afinal se tratou de roubo para empobrecer os cidadãos vítimas da referida apreensão arbitrária dos seus produtos. São ilustrativos disso as imagens e vídeos desse saque que se propalam nas redes socias. Será que o Estado está numa campanha de consumo abusivo de bebidas alcoólicas dos vendedores informais, com recurso arbitrário dos instrumentos do poder de autoridade? Dá que desconfiar e é o que a voz popular diz: “Estão a levar nossas bebidas para eles mesmos a custo zero.”

 

Ora, embora seja legítima a arrecadação de receitas através dos impostos pela comercialização de produtos de diversa índole, incluindo as bebidas alcoólicas, a sanção ou método de apreensão dos bens em causa mostra-se injusta, irrazoável e não proporcional , para além de que viola parte dos objectivos fundamentais do Estado moçambicano, quais sejam: “a edificação de uma sociedade de justiça social e a criação do bem-estar material, espiritual e de qualidade de vida dos cidadãos; a defesa e a promoção dos direitos humanos e da igualdade dos cidadãos perante a lei”; consagrados nas alíneas c) e e) do artigo 11 da CRM, respectivamente.

 

Portanto, não é compreensível, nem aceitável, num Estado de Direito Democrático conforme é Moçambique, que a Administração Pública enverede por mecanismos obscuros e dúbios no uso da força pública. A acção do Estado, mais do que legal e transparente, deve acima de tudo ser pedagógica e justa.

 

1Esta Lei regula a formação da vontade da Administração Pública, estabelece as normas de defesa dos direitos e interesses dos particulares.

 

Por: João Nhampossa

 

Human Rights Lawyer

 

Advogado e Defensor dos Direitos Humanos

 

 

A prática da usurpação da terra, sobretudo das comunidades locais afectadas pelos grandes investimentos, bem como a prática do negócio ilegal de compra e venda da terra constituem parte das barreiras mais frequentes na salvaguarda do Direito de Uso e Aproveitamento da Terra (DUAT) dos seus legítimos titulares, particularmente os pobres, mulheres e demais grupos vulneráveis no acesso à terra.

 

São vários os casos em que as comunidades locais vêem as suas terras usurpadas e vendidas a outras pessoas com considerável poder económico, facto que tem gerado muitos conflitos de terra, com difíceis meios e oportunidades de resolução, devido à complexidade e falta de clareza dos mecanismos de tutela do DUAT, sobretudo quando estão envolvidas as grandes empresas, com destaque para as multinacionais, os quais têm significativa influência sobre as relevantes autoridades na gestão da terra, incluindo o poder político.

 

De alguma forma, alguma legislação que regula o DUAT parece permitir espaço para a prática dissimulada da compra e venda da terra e para usurpação da mesma, senão vejamos;

 

As normas contidas nos n.ºs 4 e 5 do artigo 15 do Regulamento da Lei de Terras, aprovado pelo Decreto nº 66/98, de 08 de Dezembro, determinam o seguinte, respectivamente:

 

  1. A celebração de contratos de cessão de exploração está igualmente sujeita à aprovação prévia da entidade que autorizou o pedido de aquisição ou de reconhecimento de direito de uso e aproveitamento da terra e, no caso das comunidades locais, depende do consentimento dos seus membros.”
  2. Os contratos de cessão de exploração só são válidos quando celebrados por escritura pública.”

 

As normas em referência, do Regulamento da Lei de Terras, não têm qualquer correspondência com o teor de qualquer norma contida na Lei n.º 19/97, de 1 de Outubro (Lei de Terras). Em bom rigor, a Lei de Terras não consagra o mecanismo jurídico que consiste na cessão de exploração do DUAT, embora estipule no n.º 2  do seu artigo 16 que “Os titulares do direito de uso e aproveitamento de terra podem transmitir, entre vivos, as infra-estruturas, construções e benfeitorias nela existentes.” É evidente a desconformidade entre estes dois diplomas legais. Aliás, considerando que o Regulamento da Lei de Terras é hierarquicamente inferior à própria Lei de Terras e sendo esta lei o fundamento daquele Regulamento, é deveras notória a aventura juridicamente incoerente, senão ilegal, deste Decreto em pretender regulamentar matéria não prevista na Lei de Terras.

 

Noutros termos, é, pois, axiomático que o Regulamento da Lei de Terras está em contradição com a própria lei que visa regular, na medida em que procura regular matéria que não está prevista na Lei de Terras sob qualquer forma, o que configura uma flagrante ilegalidade, considerando que os limites e a fonte do Regulamento da Lei de Terras residem na própria Lei de Terras.

 

A mecanismo da cessão de exploração prevista nos n.ºs 4 e  5 do artigo 15 do Regulamento da Lei de Terras pode estar a ser usada ou aplicada para efeitos de celebração de negócios obscuros para aquisição de DUAT ou exploração ilegítima das terras das comunidades locais.

 

No contexto do projecto para a exploração de GNL, na região de Afungi, Distrito de Palma, na Província do Cabo Delgado, sobre terras das comunidades directamente afectadas por este projecto, com destaque para a comunidade de Quitupo, foi emitido um DUAT definitivo emitido no dia 31 de Maio de 2017, sobre uma área de quase 7.000 hectares, através do título nº 004/2017, a favor da empresa Sociedade Rovuma Basing LNG Landa – RBLL.

 

Estranha e curiosamente, esse DUAT foi, numa primeira fase, atribuído à Empresa Nacional de Hidrocarbontetos (ENH), em Setembro de 2012, a título provisório, seguidamente, a ENH transferiu o mesmo DUAT a favor da sociedade Rovuma Basis LNG Land, Lda (RBLL), em Dezembro de 2012. Por sua vez, a RBLL cedeu o mesmo DUAT à exploração exclusiva pela Anadarko e a transmissão do DUAT em questão teve por base um contrato de cessão de exploração, cuja transparência e legalidade são desconhecidas. Actualmente, a multinacional Total é que está a explorar as referidas terras no âmbito do projecto de gás em Palma.

 

A gestão da terra cabe ao Estado que tem a obrigação exclusiva de determinar as condições de uso e aproveitamento da mesma, conforme resulta do disposto no nº 1 do artigo 110 da Constituição da República. Aliás, os n.ºs 1 e 2 do artigo 109 da  Constituição da República determinam que a terra é propriedade do Estado e não deve ser vendida, ou por qualquer outra forma alienada, nem hipotecada ou penhorada.

 

A celebração de contrato de cessão de exploração de DUAT das comunidades afectadas pelo projecto de exploração do gás na Bacia do Rovuma apresenta sérios sinais de um processo de venda da terra ou alienação em clara violação da Constituição da República.

 

O Regulamento da Lei de Terras consagra a figura de contrato de cessão de exploração de forma extremamente ambígua e não é claro sobre o objecto da transacção. Mesmo assim, é perceptível que não deve incidir sobre a terra propriamente dita. O Regulamento não se refere em que medida o contrato de cessão de exploração incide sobre o DUAT.

 

Importa aqui referir que a Ordem dos Advogados de Moçambique (OAM), em defesa do Estado de Direito e dos direitos sobre a terra das comunidades afectadas pelo projecto do gás em Palma, interpôs, no ano de 2018, um processo no Tribunal Administrativo, mas este órgão jurisdicional decidiu negar, a todo o custo, conhecer do mérito da causa, no sentido de julgar o fundo da questão que é a ilegalidade ou não do processo de transmissão do referido DUAT das comunidades afectadas pelo projecto de exploração do GNL em Palma, conforme o Acórdão n.º 77/2019, referente ao processo n.º 121/2019-P do Tribunal Administrativo.

 

Chamado o Conselho Constitucional para apreciar a ilegalidade das normas em causa do Regulamento da Lei de Terras, o mesmo órgão de soberania especializado em matérias de natureza jurídico-constitucional decidiu, através do acórdão n.º 22/CC/2019, de 14 de Novembro, nos seguintes moldes: “…não declarar a ilegalidade dos n.ºs 4 e 5 do artigo 15 do Decreto n.º 66/98, de 8 de Dezembro, Regulamento da Lei de Terras, que estabelecem o contrato de cessão de exploração, como uma das formas de transmissão temporária de infra-estruturas, construções e benfeitorias, ao lado do contrato de compra e venda das mesmas, e a sua sujeição à escritura pública e autorização da entidade concedente do DUAT e, no caso das comunidades locais, ao consentimento dos seus membros, como requisito de validade formal do respectivo negócio jurídico.

 

Basicamente, entende o Conselho Constitucional no seu Acórdão n.º 22/CC/2019, de 14 de Novembro, que o contrato de cessão de exploração introduzido pelos n.ºs 4 e 5 do artigo 15 do Regulamento da Lei de Terras incide sobre as infra-estruturas, construções e benfeitorias existentes no terreno sobre o qual o cessionário adquiriu o DUAT, ou seja, que o contrato de cessão de exploração não incide sobre a terra, considerando ainda que este tipo de contrato é, por natureza, um contrato de locação, em conformidade com o artigo 1022.º do Código Civil.

 

Ora, no polémico caso de alegada cessão de exploração no contexto dos direitos sobre a terra das comunidades afectadas pelo projecto de exploração do gás em Palma não se percebe quais as infra-estruturas, construções e benfeitorias implantadas naquelas terras que foram cedidas àquelas empresas, temporariamente, para a fruição das mesmas! Em bom rigor, neste caso, a terra é que foi negociada em nome da figura da cessão de exploração, uma vez que está consagrada de forma atabalhoada no Regulamento da Lei de Terras sem qualquer correspondência com o artigo 16 da Lei de Terras.

 

Apesar de polémica e dúbia a forma de transmissão do DUAT baseada na cessão de exploração nos termos concebidos no Regulamento da Lei de Terras, a revisão da Política Nacional de Terras não trata desta questão para melhores esclarecimentos, directrizes e maior protecção dos direitos sobre a terra das comunidades locais, em especial, considerando que há sinais de que a cessão de exploração que aqui se refere pode ser um mecanismo dissimulado da venda da terra.

 

Por: João Nhampossa

 

Human Rights Lawyer

 

Advogado e Defensor dos Direitos Humanos

Recentemente, a Assembleia da República aprovou a Proposta de Revisão da Lei n.º 14/2013, de 12 de Agosto, atinente à Prevenção e Combate ao Branqueamento de Capitais e Financiamento ao Terrorismo, elaborada e submetida à apreciação da AR pelo Conselho de Ministros.

 

A realidade e os relatórios de monitoria da implementação da Lei n.º 14/2013, de 12 de Agosto, atinente à Prevenção e Combate ao Branqueamento de Capitais e Financiamento ao Terrorismo, incluindo o Relatório de Avaliação Nacional dos Riscos de Branqueamento de Capitais e de Financiamento ao Terrorismo e o Relatório da Avaliação Mútua de Moçambique sobre Medidas de Combate ao Branqueamento de Capitais e Financiamento ao Terrorismo, demonstram que há um problema profundo concernente à implementação da lei em questão, bem como tendência crescente de espaço fértil para a prática de actos de branqueamento de capitais, num contexto de fraca responsabilização e prevalência da impunidade.

 

A Proposta da Revisão da Lei n.º 14/2013, de 12 de Agosto, aqui em análise, prevê expressamente a responsabilização e sanções das instituições financeiras e das entidades não financeiras pelas violações das normas previstas na mesma Proposta de Revisão, as quais são aplicadas pelas autoridades de supervisão competentes que detectem violações das obrigações previstas no mesmo diploma legal, uma vez em vigor.

 

Conforme o artigo 54 da referida aprovada Proposta de Revisão pela Assembleia da República, a supervisão das instituições financeiras e das entidades não financeiras no âmbito da prevenção e combate ao branqueamento de capitais, financiamento do terrorismo e financiamento da proliferação de armas de destruição em massa é exercida pelas seguintes autoridades:

 

  1. Banco de Moçambique, relativamente aos bancos, cooperativas de crédito, micro-bancos e outras empresas que sejam qualificadas como instituições de crédito por Decreto do Conselho de Ministros;
  2. Instituo de Supervisão de Seguros de Moçambique, em relação às sociedades gestoras de patrimónios;
  3. Inspecção- Geral de Jogos;
  4. Ordem dos Advogados de Moçambique em relação a advogados e àqueles que exercem a procuradoria ilícita;
  5. Ordem dos Contabilistas e Auditores de Moçambique em relação aos Contabilistas e Auditores;
  6. Ministério que superintende a área de recursos minerais, em relação a gemas e metais preciosos;
  7. Ministério que superintende a indústria e comércio, em relação  ao comércio automóvel e de joalharias
  8. Gabinete de Informação Financeira de Moçambique – GIFiM, em relação às entidades não financeiras que não estejam sujeitas a qualquer outra autoridade de supervisão em matéria de prevenção e combate ao branqueamento de capitais, financiamento ao terrorismo e financiamento à proliferação de armas de destruição em massa.

 

Os deveres das supra mencionadas autoridades de supervisão estão previstos, essencialmente, nos artigos 55 e 56 da mesma Proposta de Revisão. No entanto, esta Proposta da Revisão é omissa relativamente à responsabilização ou sanções pela violação dos deveres ou fraca implementação da lei em questão por parte das autoridades de supervisão.

 

Nessa sequência, a questão de fundo que se coloca é: O que acontece ou que responsabilização para as autoridades de supervisão quando não cumprem com os seus deveres? Que responsabilização e/ou sanções para as autoridades de supervisão quando permitem por qualquer forma a prática de actos de branqueamento de capitais, financiamento ao terrorismo e crimes conexos ou precedentes como é o caso da corrupção?

 

A previsão de acções de responsabilização das autoridades de supervisão é importante para o sucesso dos objectivos pretendidos com a legislação sobre a Prevenção e Combate ao Branqueamento de Capitais e Financiamento ao Terrorismo. Aliás, a determinação de normas sobre deveres das autoridades de supervisão sem as correspondentes sanções enfraquece a própria função de supervisão, tratando-se de uma espécie de “norma morta.”

 

A fraca implementação da Lei n.º 14/2013, de 12 de Agosto, atinente à Prevenção e Combate ao Branqueamento de Capitais e Financiamento ao Terrorismo ainda em vigor está também ligada ao fraco exercício dos poderes de supervisão sobre a  instituições financeiras e entidades não financeira no âmbito da mesma lei. Daí que não se percebe a razão pela qual a aprovada Proposta de Revisão desta lei ignorou fortificar as regras para a garantia do efectivo cumprimento rigoroso dos deveres das autoridades de supervisão.

 

Portanto, enquanto não houver mecanismos claros que forçam a implementação da lei atinente à Prevenção e Combate ao Branqueamento de Capitais e Financiamento ao Terrorismo e que eliminam os espaços de manobras para as autoridades de supervisão não levar a cabo as suas obrigações, os objectivos pretendidos com esta legislação não serão alcançados.

 

Por: João Nhampossa

 

Human Rights Lawyer

 

Advogado e Defensor dos Direitos Humanos

A educação é um direito fundamental e, ao mesmo tempo, um direito humano, do qual depende o livre exercício e gozo de outros direitos humanos conexos, incluindo o direito ao desenvolvimento, o direito à informação, à participação pública, o direito ao trabalho, à liberdade de pensamento e de escolha do que se pretende ser e fazer, sobretudo, profissionalmente. A educação constitui um instrumento de poder para os cidadãos que lhes permite controlar o curso das suas vidas e contribuir eficazmente para o desenvolvimento da nação. A falta de educação básica ou a má qualidade de formação afecta os conhecimentos dos cidadãos sobre o ambiente, saúde e higiene, o que impacta negativamente sobre a qualidade das suas vidas. A negação do direito à educação nas suas diversas formas, que abrange a má qualidade de ensino, é também denegação do desenvolvimento do pleno potencial dos cidadãos e da participação significativa na sociedade.

 

O direito à educação enquadra-se essencialmente na categoria dos direitos económicos, sociais e culturais e está plasmado no artigo 88 da Constituição da República de Moçambique (CRM) nos seguintes termos:

 

  1. Na República de Moçambique, a educação constitui direito e dever de cada cidadão.
  2. O Estado promove a extensão da educação à formação profissional contínua e a igualdade de acesso de todos os cidadãos ao gozo deste direito.

Por sua vez, a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (CADHP), de que o Estado moçambicano é parte, determina no n.º 1 do seu artigo 17 que: “Todas as pessoas tem direito à educação.” O artigo 22º da mesma Carta consagra o direito ao desenvolvimento nos seguintes termos:

 

  1. Todos os povos têm direito ao seu desenvolvimento económico, social e cultural, no estrito respeito da sua liberdade e da sua identidade, e ao gozo igual do património comum da humanidade.
  2. Os Estados têm o dever, separadamente ou em cooperação, de assegurar o exercício do direito ao desenvolvimento.

 

Este direito ao desenvolvimento está em grande medida relacionado com o exercício e gozo do direito à educação que deve ser acessível, aceitável e de qualidade para a edificação de uma sociedade de justiça social, de bem-estar material, espiritual e de qualidade de vida dos cidadãos, conforme preconiza a alínea c) do artigo 11 da CRM.

 

A garantia e a salvaguarda dos direitos humanos, dos direitos e liberdades fundamentais cabe, em primeira linha, ao Estado, seja à luz da CRM ou dos instrumentos internacionais de direitos humanos de que Moçambique é parte.

 

Aliás, determina o n.º 1 do artigo 56 da CRM que: os direitos e liberdades individuais são directamente aplicáveis, vinculam as entidades públicas e privadas, são garantidos pelo Estado e devem ser exercidos no quadro da Constituição e das leis.

 

Da leitura e exercício hermenêutico da norma contida no n.º 1 do artigo 56 da CRM é fácil perceber a responsabilidade do Estado para com os direitos e liberdades fundamentais como é o caso do direito à educação. No mesmo sentido, a alínea e) do artigo 11 da CRM estabelece como um dos objectivos fundamentais do Estado: “a defesa e a promoção dos direitos humanos e da igualdade dos cidadãos perante a lei.” Importa também referir que o artigo 1 da CADHP impõe que os Estados partes da presente Carta reconheçam os direitos, deveres e liberdades enunciados na mesma e se comprometam a adoptar medidas legislativas e outras para aplicá-los.

 

Ora, há mais de dez anos que o investimento no sistema de educação tem sido insignificante para aquilo que são os objectivos do sistema nacional de educação definidos na legislação e políticas de educação. O orçamento para o sector da educação, para além de não ser de gestão transparente, revela-se problemático no concernente à alocação de fundos para a construção de escolas, que, infelizmente, tem sido reduzido à “construção de salas de aulas precárias.” A esta situação, acresce o deficiente  mecanismo de aquisição do material escolar essencial e de contratação e formação de professores para um processo de ensino e aprendizagem de qualidade, particularmente no ensino primário e secundário.

 

Outrossim, o governo permite espaço para o consumo de bebidas alcoólicas nas escolas, cujos sistemas de segurança são altamente frágeis. A instalação de barracas e/ou bares nas proximidades das escolas cresceu bastante, constituindo um convite aos alunos e professores para o consumo de bebidas alcoólicas, enquanto frequentam as aulas. Ademais, os currículos do sistema nacional de educação não estão consolidados e não são objecto de um debate público aberto entre os profissionais da educação, encarregados de educação e sociedade civil que trabalham na área de educação e outras conexas, não obstante esses currículos sofrerem constantes alterações ou reformas em períodos muitos curtos à medida que se mudam dos dirigentes do sector da educação.

 

Recentemente, foi determinada a leccionação de aulas de várias disciplinas por um único professor em determinadas classes em que durante muito tempo cada disciplina tinha o respectivo professor qualificado e não se percebe as razões para tamanha transformação institucional, atendendo ao elevado padrão de qualidade de ensino que se pretende.

 

No mesmo sentido, os salários e incentivos para os professores, sobretudo os do ensino básico, são extremamente baixos, os livros que deviam ser de distribuição gratuita são na verdade entregues para esquemas de negociação ou venda tanto no mercado negro, como nas escolas privadas ou particulares em detrimento das escolas públicas. Curiosamente, as condições e qualidade ensino nas escolas públicas tendem a ser muito débeis, ao que parece ser para alimentar o ensino privado que é altamente lucrativo para os respectivos donos.

 

O processo de elaboração e aquisição dos livros escolares tem sido obscuro e não chegam ao País em tempo útil, nem apresentam a devida qualidade de conteúdo para um eficaz e eficiente processo de ensino e aprendizagem, com vista à realização do direito à educação no quadro da Constituição da República em vigor.

 

Distribuir livros com erros ortográficos e de conteúdo graves é um atentado ao direito à educação, que dá a entender que se trata de um plano obscuro de destruição do sistema nacional de educação e a consequente denegação do direito ao desenvolvimento dos cidadãos e do Estado moçambicano, considerando que estão em prática vários mecanismos e/ou acções que demonstram se estar perante um processo sistemático de debilitação e violação do direito à educação em Moçambique.

 

Portanto, é notório que o Estado, através do seu governo, não está a cumprir com os seus deveres legais de respeitar, promover, proteger e realizar o direito à educação e, nessa vertente, está, igualmente, a denegar o direito ao desenvolvimento aos cidadãos, pelo que urge uma advocacia e atitude para mudança e eliminação de todas as barreiras ao acesso à educação de qualidade, num contexto de adopção de processos de tomada de decisão transparente e com a participação pública abrangente dos interessados no sector em questão.

 

Por: João Nhampossa

 

Human Rights Lawyer

 

Advogado e Defensor dos Direitos Humanos

JoaoNhampossanovaa220322

 

A Assembleia da República aprovou, recentemente, as polémicas propostas de revisão da Lei n.º14/2013, de 12 de Agosto, atinente à prevenção e combate ao branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo e da Lei n.º 5/2018, de 2 de Agosto, que estabelece o regime jurídico específico aplicável à prevenção, repressão e combate ao terrorismo e acções conexas.

 

Trata-se de uma legislação bastante contestada pela sociedade devido ao impacto e retrocesso que a mesma representa nos esforços para a consolidação do Estado de Direito Democrático e salvaguarda dos direitos e liberdades fundamentais, com destaque para a liberdade de associação, direito à informação, liberdade de expressão e de imprensa, bem como o direito de propriedade, que são de extrema importância não só para o processo da democratização do País, para o exercício da cidadania e desenvolvimento do espaço cívico, como também para o exercício da liberdade negocial e segurança no ambiente de negócios, sem esquemas de perseguições arbitrárias e “caça às bruxas”.

 

Nos termos do n.º 1 do artigo 2 da Constituição da República de Moçambique (CRM), a soberania reside no Povo. Por sua vez, o n.º 2 do mesmo artigo constituicional determina que: “O povo moçambicano exerce a soberania segundo as formas fixadas na Constituição.” Ora, uma das formas de exercício da soberania é através dos representantes do povo, que são os deputados da Assembleia da República, conforme se depreende do artigo 167 da CRM e do Regimento da Assembleia da República.

 

A Assembleia da República tem como função principal legislar no interesse do povo, na qualidade  do mais alto órgão legislativo na República de Moçambique e, assim, determinar, no interesse do povo, as normas que regem o funcionamento do Estado e a vida económica e social de toda a colectividade. É o que estabelece o artigo 168 da CRM. Pelo que, claro está que, em bom rigor, a Assembleia da República não legisla no interesse próprio ou dos partidos que os deputados representam, senão no interesse do povo entanto que titular da soberania.

 

Nesse sentido, se o povo ou a sociedade não concorda com o teor de determinada proposta de lei, como é o caso da legislação sobre branqueamento de capitais e combate ao terrorismo recentemente aprovada, então significa que a aprovação da mesma não está em conformidade com os interesses do povo que a Assembleia da República deve respeitar e, por isso, inquinada do vício de ilegitimidade. Essa legislação carece de legitimidade e reconhecimento do povo. Mais do que isso, é que se a legislação aprovada representa um retrocesso para os direitos e liberdades dos cidadãos, que constituem um dos maiores interesses do povo, tal significa que a legislação em questão enferma de inconstitucionade e não representa os interesses do titular da soberania.

 

Estranho ainda é que, não concordando com os termos da revisão da legislação sobre branqueamento de capitais e combate ao terrorismo e sem negar a importância da revisão da mesma, a sociedade pede tempo razoável para melhor reflexão e elaboração de normas mais eficazes e consistentes com a Constituição. No entanto, é ignorada pela maioria dos seus representantes que, por interesses inconfessáveis, relevaram tanta pressa em aprovar uma legislação altamente contestada por ser obscura, ambígua e ameaçadora do Estado de Direito Democrático e dos direitos humanos.

 

Curiosamente, esses representantes do povo sequer tiveram tempo razoável para analizar as propostas de revisão da legislação aqui em referência, assumindo cegamente o que lhes foi proposto pelo Poder Executivo “em cima do joelho”.

 

Portanto, pelo acima exposto, o Presidente da República, na sua qualidade de garante da Constituição, conforme dispõe o n.º 2 da CRM e dentro das suas competências de promulgação e veto plasmados no artigo 162 da CRM, tem elementos bastantes para não promulgar a revisão da Lei n.º14/2013, de 12 de Agosto, atinente à prevenção e combate ao branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo e a revisão da Lei n.º 5/2018, de 2 de Agosto, que estabelece o regime jurídico específico aplicável à prevenção, repressão e combate ao terrorismo e acções conexas, aprovadas pela Assembleia da República nesta semana.

 

Por: João Nhampossa

 

Human Rights Lawyer

 

Advogado e Defensor dos Direitos Humanos

 

  1. O PROBLEMA

 

Nos últimos anos, Moçambique tem sido palco de actos regulares que atentam conta o Estado de Direito Democrático constitucionalmente consagrado, seja através do recurso abusivo da força policial para limitar o exercício da cidadania, sobretudo, por parte dos activistas sociais e/ou de direitos humanos, bem como de determinados académicos e organizações da sociedade civil que tendem a ser críticos dos maus comportamentos da Administração Pública na gestão da coisa pública e no respeito pelos direitos humanos.

 

O Princípio do Estado de Direito Democrático está plasmado no artigo 3 da Constituição da República de Moçambique (CRM) nos seguintes termos: “A República de Moçambique é um Estado de Direito, baseado no pluralismo de expressão, na organização política democrática, no respeito e garantia dos direitos e liberdades fundamentais…”

 

No mesmo sentido e como corolário do princípio do Estado de Direito, a CRM consagra como objectivos fundamentais do Estado, de entre outros, os seguintes:

 

“A edificação de uma sociedade de justiça social e a criação do bem-estar material, espiritual e de qualidade de vida dos cidadãos”; (Cfr. alínea c) do artigo 11 da CRM).

 

“A defesa e a promoção dos direitos humanos e da igualdade dos cidadãos perante a lei”; (Cfr. alínea e) do artigo 11 da CRM).

 

“O reforço da democracia, da liberdade, da estabilidade social e da harmonia social e individual”; (Cfr. alínea f) do artigo 11 da CRM).

 

“A promoção de uma sociedade de pluralismo, tolerância e cultura de paz”; (Cfr. alínea g) do artigo 11 da CRM).

 

A administração pública e quaisquer instituições em Moçambique devem agir no pleno respeito ao sentido, alcance e espírito do princípio do Estado de Direito Democrático.

 

No entanto, há muito que é notória a prática da arbitrariedade pelas autoridades, na medida em que não permitem que os cidadãos exerçam, pacífica e livremente, o direito fundamental à liberdade de manifestação, sobretudo a manifestação do tipo marcha na via pública, em respeito à CRM, a Lei n.º 9/91, de 18 de Julho (Lei das Manifestações) e a Lei n.º 2/2001, de 7 de Julho que altera alguns artigos da Lei da Manifestações.

 

Os que se atrevem a exercer direito à liberdade de manifestação, no campo do exercício da cidadania para reivindicar outros direitos e interesses legítimos, ou ainda para denunciar as práticas da má governação, violações de direitos humanos e má gestão do bem público, são arbitrariamente detidos ou agredidos fisicamente ou submetidos a maus tratos. Actualmente, em Moçambique quase que só são permitidas as manifestações na via pública que visam exaltar o Presidente da República ou o Governo do dia e isto é muito grave por violar as liberdades dos cidadãos.

 

O n.º 3 do artigo 2 da Lei das Manifestações estabelece que: “A manifestação tem por finalidade a expressão pública de uma vontade sobre assuntos políticos e sociais, de interesse público ou outros.” É, pois, uma forma de exercício da cidadania e da permanente participação democrática dos cidadãos na vida pública, no contexto do Estado de Direito Democrático que caracteriza Moçambique.

 

Mais grave ainda sobre os sinais de ameaça ao Estado de Direito Democrático é o facto de em certos casos de aparente manifestação, mas que se trata de mero exercício do direito fundamental à liberdade de circulação, as autoridades policiais serem chamadas a intervir no sentido de interpelar os cidadãos, pela intimidação, para não exercício de tal direito. Ora, foi o que aconteceu em Novembro de 2021 na Cidade de Quelimane quando a Polícia da República de Moçambique (PRM) tentou, por via de uma acção infundada e vergonhosa para o Estado de Direito Democrático, impedir um passeio de bicicleta do Presidente do Conselho Municipal da Cidade de Quelimane, Manuel de Araújo, juntamente com alguns diplomatas que visitavam esta cidade.

 

Outrossim, mostra-se demasiadamente limitado o direito à liberdade de expressão em Moçambique, principalmente pela intensificação do discurso de ódio contra os activistas sociais e/ou de direitos humanos, contra determinadas organizações da sociedade civil críticos da governação e contra alguma imprensa independente, o que chega a ferir a liberdade de imprensa. A concessão à sociedade civil de direitos ou possibilidade de acesso à informação e participação nos processos de tomada de decisão é problemática e deveras violada para um País que se pretende de facto e de jure um Estado de Direito Democrático.

 

Não menos importante, senão a situação mais crítica e preocupante é que a questão da independência do judiciário e o seu compromisso na protecção dos direitos humanos e respeito pelo Estado de Direito Democrático mostra-se precária, num contexto em que está cada vez mais evidente a influência do poder político sobre o judiciário e praticamente um caminhar para a morte do princípio da separação de poderes. Tanto o poder judicial como o pode legislativo estão a subordinar-se ao poder executivo.

 

Afinal quem garante a salvaguarda do Estado de Direito Democrático em Moçambique que se mostra ameaçada, conforme supra demonstrado? O Estado de Direito é respeitado quando as leis são postas em prática de forma consistente em circunstâncias relevantes e quando o poder arbitrário dá lugar à supremacia da lei e da justiça. O Estado de Direito também implica igualdade perante a lei no sentido de que casos semelhantes são tratados da mesma forma.

 

Por: João Nhampossa

 

Human Rights Lawyer

 

Advogado e Defensor dos Direitos Humanos

A participação pública está consagrada na Constituição da República de Moçambique (CRM), nos principais instrumentos internacionais de direitos humanos de que Moçambique é parte e, ainda, de forma dispersa em diversa legislação relevante que regula a funcionamento da Administração Pública na sua relação com os particulares. Contudo, a sociedade moçambicana ainda se debate profundamente com obstáculos sérios ao acesso a informação e falta de abertura das autoridades para a participação pública no processo de tomada de decisão.

 

Moçambique é um Estado de Direito Democrático baseado no respeito e na garantia dos direitos humanos e liberdades fundamentais, tendo em conta a participação do cidadão no processo de tomada de decisão à luz da natureza democrática da estrutura funcional do Estado. Aliás, os objectivos fundamentais do Estado consagrados no artigo 11 da CRM só podem ser melhor e efectivamente alcançados de forma sustentáveis mediante o respeito pela participação pública e correspondente disponibilização de informação de interesse público.

 

Nesse sentido, a elaboração de políticas públicas e o processo de produção legislativa, sobretudo daquelas matérias que impactam directamente sobre os direitos humanos e/ou as condições de vida dos cidadãos, deve ter por base a participação pública que seja transparente, abrangente, sem discriminação e com a maior disponibilização de informação sobre a matéria em questão.

 

Há muito que a sociedade reclama profundamente de fraca ou deficiente participação pública nos processos de tomada de decisão, seja para a adopção de políticas públicas, seja no âmbito da produção legislativa. A sociedade civil tem alertado sobre os problemáticos processos de consultas públicas, a falta de conhecimento da estratégia de comunicação entre os decisores e os cidadãos e falta de informação sobre os reais fundamentos que ditam a elaboração e aprovação de uma determinada política pública ou legislação.

 

Alguns exemplos curiosos mais recentes sobre a problemática da participação pública e deficiente acesso à informação são os seguintes:

 

  • Processo em curso de revisão da Política Nacional de Terras que está sendo deveras contestado pela obscuridade que a caracteriza e por estar a ser feita por uma Comissão de Revisão da Política Nacional de Terras, cujos critérios de selecção não são transparentes e, sobretudo, por excluir tanto as entidades relevantes sobre as questões de direitos sobre a terra, incluindo os problemas de fundo que tem gerado inúmeros conflitos de terra em Moçambique.  
  • Processo de concessão das Estradas à empresa REVIMO – Rede Viária de Moçambique, S.A, para a instalação de postos de portagens, cujos critérios de fixação das respectivas taxas são desconhecidos, para além de ser caracterizado por deficiente participação pública e não disponibilização de informação relevante de interesse público relativamente ao contrato de concessão em questão e informação detalhada sobre o destino real a ser dado o valor das taxas que são cobradas.
  • Parte significativa das leis aprovadas pela Assembleia da República enferma de deficiente participação pública e de discriminação, ou seja, de exclusão. São leis aprovadas quase que no contexto de secretismo, sobretudo as leis que estabelecem regalias e demais subsídios para os dirigentes, bem como aquelas leis que prejudicam sobremaneira a garantia dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos.
  • O processo da revisão da lei de imprensa (lei nº18/91, de 10 de Agosto), cuja denominação se pretende Lei da Comunicação Social está sendo demasiado criticado principalmente pelos próprios profissionais da comunicação social e pela sociedade civil que se sentem marginalizados e traídos pelo conteúdo da proposta da Lei da Comunicação Social submetida à Assembleia da República para os devidos efeitos de debate e aprovação.
  • As decisões do Município de Maputo, seja no âmbito da apreensão dos bens dos vendedores de rua com vista a impedir que os mesmos exerçam negócio informal nas artérias da Cidade de Maputo, seja no âmbito da fixação das taxas e multas relativamente ao estacionamento rotativo, seja no contexto da remoção das árvores antigas, incluindo as acácias que caracterizam a Cidade de Maputo, não são acompanhadas de um verdadeiro processo que privilegia a participação pública para legitimar as decisões e garantir a identidade das mesmas com os interesses do povo. Ora, é incoerente aprovar decisões com sérios encargos para o povo, sem que ao mesmo seja dada a oportunidade de participação pública transparente para compreensão das razões e objectivos das decisões tomadas.
  • Recentemente, o Governo decidiu agravar o preço dos combustíveis praticamente sem qualquer debate público ou envolvimento do povo para melhor esclarecer as razões e critérios do agravamento do preço do combustível, bem como o impacto desta decisão no custo de vida dos cidadãos, sobretudo os pobres.
  • A celebração dos contratos no âmbito dos megaprojectos seja de exploração dos recursos naturais, seja de agronegócios são caracterizados por elevado secretismo e falta de participação pública não obstante o impacto dos megaprojectos sobre as condições de vida dos cidadãos, em particular as comunidades directamengte afectadas.

 

É, pois, axiomático que a participação pública é um elemento chave da boa governação e que todos os cidadãos têm direito a participação e acesso à informação relativamente aos processos de tomada de decisão que afectam as suas vidas. Daí a necessidade urgente de um regime jurídico específico sobre a participação pública que estabeleça de forma clara os critérios de transparência, de acesso à informação, das formas de participação pública e importância das contribuições oferecidas, bem como os prazos para o efeito. Um regime jurídico de participação pública que seja claro relativamente ao papel e responsabilidade dos consultores contratados para o efeito de reforma ou elaboração de determinada política pública ou legislação a ser aprovada pela Assembleia da República ou pelo Conselho de Ministros dependendo na natureza ou tipo de actos normativos (Leis, Decreto-leis, Decreto, etc).

 

A participação pública tem a vantagem de melhorar a capacidade e credibilidade do Estado, na medida em que são criadas as condições para os cidadãos poderem expressar suas opiniões e realizar suas demandas, reduzindo os problemas de acesso à informação e de deficiências na prestação dos serviços públicos, bem como na prestação de contas.

 

Portanto, o Estado deve trazer a voz do povo na definição de políticas públicas e na produção legislativa, abrindo caminhos para os cidadãos e grupos da sociedade civil darem a sua a sua opinião e incentivar uma participação mais ampla no processo de tomada de decisão e na alocação de bens e serviços, de tal sorte que os projectos e programas de desenvolvimento terão maior e melhor sustentabilidade.

 

Por: João Nhampossa

 

Human Rights Lawyer

 

Advogado e Defensor dos Direitos Humanos

Contextualização

 

O Comandante-Geral da Polícia da República de Moçambique decidiu dar ordens com características ditatoriais que ameaçam o Estado de Direito e a salvaguarda dos direitos humanos dos membros da PRM ao determinar o seguinte:

 

“Queremos que na primeira formatura do ano de 2022 cada membro da Polícia da República de Moçambique (PRM) traga o seu cartão de vacinação (…) quem tem que entrar no recinto do serviço tem de exibir o cartão de vacinação. Não é nenhum pedido, é uma ordem que o Comandante-Geral está a dar. Então quem não traz não entra no serviço e corre o risco de ser processado (…) Vamos marcar falta…”

 

Em bom rigor, pelo menos do ponto de vista legal, não existe nenhuma obrigatoriedade de vacinação contra a COVID-19 em Moçambique que esteja em harmonia com a Constituição da República de Moçambique (CRM), sobretudo no que diz respeito à salvaguarda dos direitos, liberdades e garantias fundamentais, bem como no que respeita aos princípios que a norteiam, mormente a legalidade e o Estado de Direito Democrático.

 

Ora, não se percebe com que base o Comandante-Geral da PRM deu as ordens supracitadas que limitam o direito ao trabalho e à liberdade de escolha dos membros da PRM, para além de interferir infundadamente no direito à saúde dos mesmos e ameaçá-los com a instauração de processos disciplinares fora dos termos previstos no Estatuto Geral dos Funcionários e Agentes do Estado e do regime jurídico específico da PRM.

 

O Comandante-Geral da PRM, enquanto órgão da Administração Pública, deve actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites das competências e atribuições que lhe são atribuídos por lei, sob pena de abuso de poder e com o risco de ser sujeito ao competente processo disciplinar e/ou criminal no caso dos órgãos de justiça para o efeito pautarem pelo respeito ao Estado de Direito Democrático que caracteriza o Estado Moçambicano.

 

Se as ordens supracitadas emanadas pelo Comandante-Geral da PRM não encontram qualquer substracto legal, significa que são arbitrárias, contrariando as regras do funcionamento da Administração Pública. Outrossim, são contrárias aos direitos humanos e direito à justiça dos membros da PRM.

 

Aliás, considerando que a ordem emanada pelo Comandante-Geral da PRM deve ser cumprida pelos visados, a forma pública como foi praticada e tendo em conta a elevada importância da corporação em causa na manutenção da lei e ordem no país, tal comportamento do Comandante-Geral da PRM pode ter efeito multiplicador para os outros sectores, acarretando prejuízos incalculáveis para o País do ponto de vista económico, político, ou seja, da democratização do Estado, da edificação de uma sociedade de justiça social e da defesa e promoção dos direitos humanos e da igualdade dos cidadãos perante a lei, conforme preconiza a CRM.

 

Pela gravidade das ordens em questão, urge, pois, a intervenção do Ministério Público como garante da legalidade, defendendo assim os interesses que a lei determina para o funcionamento da Administração Pública.

 

Também, é aqui chamado o Provedor de Justiça, enquanto órgão que tem como função a garantia dos direitos dos cidadãos, a defesa da legalidade e da justiça na actuação da Administração Pública.

 

Não menos importante será a intervenção da Comissão Nacional dos Direitos Humanos, (CNDH) criada através da Lei nº 33/2009 de 22 de Dezembro que é uma instituição de direito público, independente, que goza de autonomia administrativa e funcional em relação aos demais órgãos do Estado. Nos termos da Lei nº 33/2009 de 22 de Dezembro, o mandato da CNDH é de promover, proteger e monitorar os direitos humanos no país, bem como consolidar a Cultura de Paz. Dúvidas não restam sobre a importância da CNDH na promoção e protecção dos direitos humanos dos agentes da PRM.

 

Alguém deve colocar ordem legal nas ordens emanadas pelo Comandante-Geral da PRM se pretendemos construir o Estado de Direito Democrático nos termos previsto na CRM.

 

Por: João Nhampossa

 

Human Rights Lawyer

 

Advogado e Defensor dos Direitos Humanos

Contextualização

 

De acordo com o artigo 35 da Constituição da República de Moçambique (CRM), que estabelece o Princípio da Universalidade e Igualdade: “Todos os cidadãos são iguais perante a lei, gozam dos mesmos direitos e estão sujeitos aos mesmos deveres, independentemente da cor, raça, sexo, origem étnica, lugar de nascimento, religião, grau de instrução, posição social, estado civil dos pais, profissão ou opção política.” Nesta disposição constitucional, para além do princípio da igualdade, está plasmado o princípio da não-discriminação, o que é corroborado pelas normas do direito internacional sobre os direitos humanos de que o Estado moçambicano é parte, cujos princípios orientadores inspiraram a elaboração da CRM, como se pode aferir da Declaração Universal dos Direitos Humanos, da Carta Africana sobre os Direitos Humanos e dos Povos, do Pacto internacional dos Direitos Civis e Políticos, da Carta Africana sobre os Valores e Princípios da Função, Administração Pública, etc.

 

Aliás, determina o artigo 43 da CRM que: “Os preceitos constitucionais relativos aos direitos fundamentais são interpretados e integrados em harmonia com a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Carta Africana sobre os Direitos Humanos. Em bom rigor, esta Carta Africana é muito mais ousada e inequívoca ao proibir, no seu artigo 2, a discriminação baseada nos critérios definidos pela CRM, conforme acima descrito, como também baseada em qualquer outra situação.

 

Ora, na comunicação do Presidente da República dirigida à nação no dia 20 de Dezembro corrente, na sequência da declaração da situação de Calamidade Pública em virtude da pandemia da COVID-19, S.Exa. disse, em jeito de ameaça para a massificação das vacinações, que poderá, nos próximos tempos, pôr em prática medidas restritivas no acesso a serviços essenciais básicos contra aqueles que não tenham vacinado contra a COVID-19. O que significa que o exercício e gozo de determinados direitos e liberdades fundamentais e com destaque para a dignidade humana podem ser limitados em função da efectivação ou não da vacinação em questão, mediante apresentação do correspondente comprovativo, cartão ou certificado de vacinação, uma espécie de Green Card para acesso a direitos e/ou serviços públicos básicos.

 

O Problema

 

À semelhança de vários países afectadados pela pandemia da COVID-19, corre também em Moçambique o processo de vacinação da população contra a COVID-19 de modo que o maior número da população esteja imunizado quanto à mesma.

 

No entanto, ainda não existem vacinas em número suficiente para todos os elegíveis para o efeito. Relativamente às vacinas adquiridas, Moçambique não realizou os devidos testes de qualidade; não há qualquer garantia ou certeza de que as pessoas já vacinadas estão de facto imunizadas no sentido de que não contraem a COVID-19 e nem transmitem para os outros; também, não há qualquer estudo que certifique que aqueles cidadãos que não vacinaram são os que representam o risco de contaminação ou infecção por COVID-19, bem como de transmissão para os demais, colocando em perigo toda uma sociedade. Outrossim, até ao presente momento, não se sabe quantas dozes de vacina são necessárias tomar para fazer face a todas as variantes e/ou vagas da COVID-19 até agora existentes, tendo em conta os tipos e marcas de vacina que Moçambique adquiriu, incluindo a eficácia dos mesmos.

 

Com efeito, a possibilidade de pôr em prática medidas restritivas no acesso a serviços essenciais básicos contra os cidadãos que vacinaram quais sejam: acesso à escola, aos hospitais, ao trabalho, aos transportes públicos, aos serviços de segurança social, aos diferentes serviços públicos para tratar e levantar documentos como bilhete de identidade e carta de condução; consubstancia um acto de discriminação contra os cidadãos não vacinados para a prevenção e controlo da COVID-19, o que viola o artigo 35 da CRM e os instrumentos internacionais de direitos humanos supra referidos no que à proibição da discriminação diz respeito.

 

Em bom rigor, caso se materialize a referida ameaça, tratar-se-á de uma atitude que se vai traduzir na limitação arbitrária dos direitos e liberdades fundamentais, atendendo que, da interpretação do n.º 2 do artigo 56 da CRM, o exercício dos direitos e liberdades pode ser limitado em razão da salvaguarda de outros direitos ou interesses protegidos pela Constituição, o que não é o caso em apreço, pois, discriminar os cidadãos não vacinados contra a COVID-19 não garante a salvaguarda da saúde pública e da vida. A limitação dos direitos, liberdades e garantias fundamentais só pode ter lugar nos casos expressamente previstos na CRM. (Vide n.º 3 do artigo 56 da CRM).

 

Mais do que isso, é que a ameaça feita por S.Exa. Presidente da República aqui em análise representa uma ditadura da vacinação, o estabelecimento de um processo de vacinação compulsivo em violação da liberdade de escolha de tratamento contra a COVID-19, quando os mesmos cidadãos sequer têm certeza de que o Presidente da República vacinou e se vacinou, que tipo de vacina tomou, se é a mesma que pretende obrigar o povo a tomar e qual medida de certeza existente de que S.Exa. está completamente imune e não constitui risco para os outros!

 

Concluindo

 

A não-discriminação e a igualdade são princípios fundamentais aplicáveis ao direito à saúde. Considerando que o Presidente da República é o garante da CRM, entanto que Chefe de Estado, resulta não só perigoso e grave o pronunciamento que fez sobre a possibilidade de imposição de restrições no acesso aos serviços sociais básicos para aqueles que não vacinaram contra a COVID-19, como também resulta algo preocupante e assustador relativamente à garantia da salvaguarda do respeito pelos princípios da igualdade e da não discriminação, da liberdade de escolha e dos direitos humanos que se mostram ameaçados com essa pretensão um tanto quanto inconsequente e arbitrária, sobretudo quando há vários elementos de incerteza quanto ao tipo de prevenção (vacina) contra a COVID-19 que se pretende aplicar aos cidadãos de forma coerciva e abusiva.

 

O que dizer das outras doenças contagiosas ou perigosas para a saúde pública cujas vacinas o Estado moçambicano não garante? Com que fundamento legal e ético o Presidente da República poderá mandar vacinar coercivamente os cidadãos e sancionar quem não vacinar? O Presidente da República deve melhor comunicar com os cidadãos e nas suas decisões respeitar sempre os direitos humanos ou a dignidade humana.

 

Portanto, nada demonstra qualquer eficácia para salvaguarda da saúde pública e da vida com a ideia de vacinação compulsiva e restrições a quem não aderir.

 

Por: João Nhampossa

 

Human Rights Lawyer

 

Advogado e Defensor dos Direitos Humanos

Pág. 3 de 5