Resumo a história:
- O Prof. Damasceno é um médico cardiologista, com trinta anos de experiência como especialista, um dos top máximos em Moçambique, com grande prestígio internacional e com uma produção científica de que poucos docentes universitários se podem ufanar.
- Depois de um longo processo, o Prof. Damasceno conseguiu submeter o processo para concorrer a Professor Catedrático de Medicina Interna (a Cardiologia é tratada como parte da disciplina de Medicina Interna) na Universidade Eduardo Mondlane, em Novembro de 2017.
- O edital do concurso foi divulgado em Julho deste ano, tendo a UEM solicitado ao Prof. Damasceno que apresentasse toda a documentação para as provas no prazo de trinta dias, prazo que foi cumprido por ele.
- Tendo-lhe sido solicitados nomes de três Professores Catedráticos de outras universidades estrangeiras para se escolher um para integrar o júri, o Prof. Damasceno enviou-os, eram todos de universidades portuguesas. Aqui, terá havido uma falha da parte dele – um dos indicados, o Prof. Jorge Polónia, um especialista com inúmeros prémios científicos, particularmente pelo seu trabalho na área de hipertensão, é Prof. Associado com Agregação na Universidade do Porto, sendo Prof. Catedrático convidado da Universidade de Aveiro, também uma das melhores universidades portuguesas.
- Depois do acerto de datas, ficando as provas marcadas para o dia 11 de Dezembro, a UEM enviou o convite formal ao Prof. Polónia, chamando-o Prof. Catedrático da Universidade do Porto e pedindo-lhe o CV. Não foi feito pela UEM nenhum contacto com a Universidade do Porto.
- O Prof. Polónia, talvez por achar que a falha de o colocarem como catedrático no Porto quando ele o é em Aveiro como não muito relevante, aceitou o convite e mandou o CV onde toda a sua actividade, títulos, categorias, etc. está detalhadamente descrito.
- Tudo parecia estar portanto em condições quando, na véspera das provas, o director científico da UEM contactou o Prof. Polónia, hospedado pela UEM no Hotel Cardoso, para lhe dizer que as provas já não se iam realizar e insinuando que ele tinha enganado a UEM. Quando o Prof. Polónia lhe referiu ser catedrático em Aveiro e que tudo estava claro no CV enviado um mês e meio antes, o dito director calou-se — mas não mudou de posição.
- Às 21 horas, o Prof. Damasceno foi convocado para uma reunião com o Reitor da UEM, com outros elementos da direcção da universidade e outros membros do júri presentes (mas não o Prof. Polónia). Apesar dos esclarecimentos prestados pelo Prof. Damasceno, a posição da universidade não se alterou.
- No dia seguinte, ao saber do assunto, troquei mensagens com o Reitor, onde ele reconheceu ter havido falhas dos dois lados.
Pensei, na minha ingenuidade (é verdade, apesar dos anos que se acumulam, continuo a ser um parvo), que a UEM queria tratar do assunto discretamente e que ia rapidamente lançar um novo concurso. Por isso, fiquei surpreendido ao ler na “Carta de Moçambique” do dia 13 (e Marcelo Mosse é um jornalista por quem tenho respeito) este lixo escrito em letra de forma:
Na noite de ontem, “Carta de Moçambique” ouviu ontem uma fonte da direcção da UEM, sob anonimato. A fonte disse que o adiamento foi decidido dentro das normas, e só aconteceu porque não estavam criadas as condições para que as provas fossem prestadas. Disse que o “dossier” do candidato foi submetido apenas na quarta-feira anterior e o júri detectou alguns problemas que deviam ser sanados. Um deles tinha de ver com o facto de que um dos membros do júri ser Professor Associado. A outra era que Damasceno estava a candidatar-se para uma vaga numa cátedra distinta da sua área de docência. Ele é cardiologista mas a candidatura era para Catedrático em Clínica Geral. Albertino Damasceno não quis comentar.
A verdade é que a fonte da UEM mente descaradamente. Mente quando diz que o dossier apenas foi submetido na 4a feira anterior (foi-o em Agosto). Mente quando afirma que um dos membros do júri era Professor Associado (o Professor Polónia é catedrático convidado da Universidade de Aveiro, uma das melhores universidades portuguesas, a UEM recebeu o seu CV um mês e meio antes das provas). Mente ainda quando informa que o Prof. Damasceno se candidatou em Clínica Geral (foi em Medicina Interna) e que devia ter-se candidatado em Cardiologia e não em Medicina Interna (não há uma disciplina e, portanto, uma cátedra em Cardiologia, esta área é tratada como parte de Medicina Interna).
Não estou a discutir regulamentos, bati-me por que eles existissem e por que fossem cumpridos. Mas aqui, regulamentos são apenas pretexto. Tratar desta maneira cavalar uma personalidade como o Prof. Damasceno diz muito sobre o que está a acontecer à nossa mais antiga e mais prestigiada universidade. Como escreveu, a propósito deste assunto, um outro prestigiado nome da Medicina moçambicana, o Prof. António Bugalho: Doutor Albertino, pessoa que na verdade honra mais o título de catedrático do que o título o honra a ele.
Entrei nesta universidade em 1966, formei-me e comecei a dar aulas em 1971, fiz lá toda a minha carreira. Apesar de reformado desde 2007, continuei a dar aulas até este ano. Sinto a universidade como minha, alegro-me quando ela progride, dói-me ao ver retrocessos. Mas creio que, cada vez mais, esta já não é a minha universidade, é outra coisa. Não falo de questões científicas ou pedagógicas, falo de outra coisa, mais importante, que é o seu comportamento ético, indispensável para que nos orgulhemos dela, indispensável para que os estudantes saiam melhores cidadãos, mais ainda quando a universidade carrega o peso do nome Eduardo Mondlane. Infelizmente, o caso do Prof. Damasceno já teve antecedentes em outras situações, até mais graves.
É porque eu tenho o meu nome associado a esta instituição que quero pedir desculpa ao Prof. Damasceno pela parte que me toca nesta malfeitoria. Ao meu amigo Tino só lhe posso mandar um abraço solidário.