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sexta-feira, 12 abril 2019 09:00

Reflexão em torno do atual PÂNICO MORAL

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"Pânico moral" é um conceito de sociologia cunhado por Stanley Cohen, em 1972 – [cf: Cohen, S. (2011). Folk devils and moral panics. Routledge.], para definir a reação de um grupo de pessoas baseada na falsa ou empolada perceção de que o comportamento de um determinado grupo, normalmente uma minoria ou uma subcultura, é perigoso e representa uma ameaça para a sociedade no seu todo. O termo tem sido amplamente adotado tanto pelos meios de comunicação de massa quanto no uso cotidiano para se referir à reação social exagerada causada pelas atividades destes determinados grupos e/ou indivíduos, invariavelmente vistos como grandes preocupações sociais e a reação da mídia amplia esse "pânico" que os cerca.

 

Existem, de acordo com o Cohen, quatro fases para a construção do pânico moral, nomeadamente:

 

  1. Alguém, alguma coisa ou um grupo são definidos como uma ameaça às normas sociais ou interesses da comunidade;
  2. A ameaça é então representada de forma simples e reconhecível pela mídia;
  3. O retrato deste símbolo desperta preocupação pública;
  4. Há uma resposta das autoridades e formuladores de políticas;
  5. O pânico moral sobre a questão resulta em mudanças sociais dentro da comunidade.

Mais ainda, Stanley Cohen mostrou que os órgãos de comunicação de massa eram a principal fonte de conhecimento do público sobre comportamentos desviantes e problemas sociais. Ele argumentou ainda que o pânico moral dá origem ao diabo público, através da etiquetagem das ações e dos indivíduos.

 

De acordo com Cohen, a comunicação social (e agora as redes socais também) desempenham uma ou todas três principais funções para a consolidação do pânico moral.

 

  1. Definição da agenda - selecionando eventos desviantes ou socialmente problemáticos considerados dignos de notícia, e depois, usando filtros mais refinados para selecionar quais eventos dignos de serem considerados como “pânico moral”.
  2. Transmissão das imagens – construindo o argumento, com recurso a retórica dos pânicos morais.
  3. Quebrar o silêncio e liderando a “indignação coletiva”, digo, seletiva.

Para terminar, importa falar das características do pânico moral. São cinco, nomeadamente:

 

  1. Preocupação - Deve haver a crença de que o comportamento do grupo ou atividade considerada desviante é suscetível de ter um efeito negativo sobre a sociedade.
  2. Hostilidade - A hostilidade em relação ao grupo em questão aumenta e eles se tornam "diabos públicos". E forma-se uma clara divisão entre “nós” e “eles”.
  3. Consenso – Independentemente de ser nacional ou não, deve haver o consenso de que o grupo em questão representa uma ameaça real à sociedade. É importante nesta fase que os "empreendedores morais" sejam vocais e os "diabos públicos" pareçam fracos e desorganizados.
  4. Desproporcionalidade - a ação tomada é desproporcional à ameaça real representada pelo grupo acusado.
  5. Volatilidade - Os pânicos morais são altamente voláteis e tendem a desaparecer tão rapidamente quanto aparecem porque o interesse público diminui ou as notícias mudam para outra narrativa. E é neste ponto que nos leva ao segundo conceito: EPIFENÓMENO.

EPIFENÓMENO: fenômeno secundário que ocorre ao lado ou paralelamente a um fenômeno primário, ou simplesmente, subproduto de um fenómeno.

 

Às vezes, e para o nosso caso (moçambicano), os pânicos morais manifestam-se em forma de epifenómenos, caracterizados por “ondas de indignação” coletiva ou mesmo seletiva, que de forma sucessiva se substituem, à medida que elas vão caindo no esquecimento.

 

Enquanto grande parte do debate público e de movimentos de advocacia ancorar-se à volta de “pânicos morais” e epifenómenos, dificilmente estes chegarão a lado algum, senão a letargia e resignação. O pânico moral anda de mãos dadas com a etiquetagem e o medo.

 

O advento das redes sociais propicia a difusão do pânico, do medo, de rumores e de notícias falsas, levando a que as pessoas tomem atitudes congruentes a essas mesmas notícias em tempo real, mesmo que posteriormente tais notícias ou pânicos se revelem falsas.

 

A característica mais perigosa com a qual o mundo cibernético deve agora lidar chama-se decadência da verdade, caracterizada pela supremacia da opinião sobre os factos: o cinismo, o anti-intelectualismo bem como a emergência de subculturas e contraculturas; crescente divergência sobre factos e interpretações analíticas sobre os mesmos, indefinição da linha entre opinião e facto, abundância em termos de quantidade e disponibilidade e consequente maior influência da opinião e experiência pessoal sobre facto e o declínio da confiança em fontes e factos anteriormente respeitados.

 

Isto tudo contribui para que os cidadãos não sejam capazes de pensar fora do âmbito de emergência em que se encontram, contribuindo para uma esfera pública em permanente ebulição.

 

Referências

Arbesman, S. (2012). Truth decay: the half-life of facts. New Scientist215(2883), 36-39.

Cohen, S. (2011). Folk devils and moral panics. Routledge

Rich, M. D. (2018). Truth decay: An initial exploration of the diminishing role of facts and analysis in American public life. Rand Corporation.

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