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sexta-feira, 05 abril 2019 06:03

Das teorias de conspiração

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Compreender os moçambicanos é uma tarefa que ainda não iniciou

 

É minha forte intuição que a academia moçambicana, principalmente dos ramos da psicologia, comunicação e ciência política ainda não dedicaram a necessária atenção para compreender a cosmovisão dos moçambicanos. Este pode, provavelmente, ser a causa que justifique o desencontro entre a academia e sua produção com a política e suas respostas.

 

Há meses, Dulce Passades, Psicóloga e Docente Universitária da Universidade Pedagógia enviou-me um estudo de psicólogos britânicos, norte-americanos e canadianos sobre a cosmovisão conspiratória (cf: Franks, B., Bangerter, A., Bauer, M.W., Hall, M. and Noort, M. C. (2017). Beyond “Monologicality”? Exploring Conspiracist Worldviews. Frontiers in Psychology, 8:861. doi: 10.3389/fpsyg.2017.00861).

 

Apesar de feito num outro contexto e outras latitudes, resultado dessa pesquisa adequam-se perfeitamente ao contexto moçambicano.

 

DOS CONCEITOS

 

COSMOVISÃO OU VISÃO DE MUNDO: é o conjunto ordenado de valores, crenças, impressões, sentimentos e concepções de natureza intuitiva, anteriores à reflexão, a respeito da época ou do mundo em que se vive. Por outras palavras, é a orientação cognitiva fundamental de um indivíduo, de uma colectividade ou de toda uma sociedade, num dado espaço-tempo e cultura, a respeito de tudo o que existe - sua gênese, sua natureza, suas propriedades.

 

TEORIA DE CONSPIRAÇÃO: ou teoria conspiratória, é uma hipótese explicativa ou especulativa que sugere que duas ou mais pessoas ou uma organização têm tramado para causar ou acobertar, por meio de planeamento secreto e de acção deliberada, uma situação ou evento tipicamente considerado ilegal ou prejudicial.

 

Muitas pessoas acreditam que pessoas poderosas – que no nosso caso seriam empresários ou políticos - trabalham juntas para esconder a verdade sobre alguma prática importante ou algum evento ou situação. Tais crenças geralmente espalham-se como resultado de erros cognitivos identificáveis, operando em colaboração com a influência e reputação informativas. Uma característica das teorias da conspiração é a sua qualidade de auto-protecção (cf: Sunstein, C. R., & Vermeule, A. (2009). Conspiracy theories: Causes and cures. Journal of Political Philosophy, 17(2), 202-227.).

 

PORQUE É QUE AS PESSOAS CRIAM OU ACREDITAM EM TEORIAS DE CONSPIRAÇÃO?

 

O estudo de Franks e colegas oferece uma interessante resposta. Para eles, as teorias de conspiração resultam de eventos perturbadores ou traumas coletivos. No caso moçambicano, não é novidade que desde o estabelecimento do estado novo e publicação do Acto Colonial em 1930, os moçambicanos têm experimentado momentos de grande trauma e violência directa: o colonialismo insidioso, a guerra de libertação, a guerra civil, as tensões militares; mudanças bruscas na economia (reajustamento estrutural), calamidades naturais, por aí em diante. Por isso, as teorias de conspiração são basicamente, um mecanismo de defesa e de justificação. Elas são uma maneira de explicar os acontecimentos perturbadores. Tais “explicações alternativas sobre os fenómenos” são, na sua maioria, reconfortantes, pois elas tomam uma situação complexa e perturbadora e reduzem essa situação à acções de um conspirador, que trama tudo a partir dos bastidores.

 

Se perguntasse, por exemplo (1) Porquê Moçambique é pobre?; (2) Porquê a corrupção não acaba? Aposto que grande parte dos pressupostos para tais respostas seria baseada em teorias de conspiração. Pior, se cada um fosse responder às duas perguntas, existe grande probabilidade de todas elas fundarem-se em bases conspiratórias.

 

Sunstein e Vermeule (2009) avançam sete agentes causadores das teorias de conspiração, sobre os quais irei comentar brevemente:

 

  1. Défice epistemológico –a maioria dos filósofos moçambicanos são disso o exemplo;
  2. Boatos e especulação
  3. O papel da informação – quando esta, deliberadamente tem por objectivo influenciar para um lado só (os vícios do enquadramento noticioso)
  4. O papel da reputação – recurso a personagens aparentemente credíveis para a confirmação de um viés
  5. O viés da disponibilidade – a falácia da heurística; da ancoragem e do ajustamento
  6. Polarização de grupo – ou és daqui ou dalí. O caso da nossa sociedade política
  7. Exposição/atenção selectivas – a busca activa e deliberada pela informação que apenas confirme os credos, ideologias ou preconceitos.

Existe um último elemento interessante dos que acreditam em teorias de conspiração: a sua visão de futuro. Para estes, o futuro melhor implica uma mudança radical e a queda das ELITES DO MAL. Crentes em teorias de conspiração olham-se como parte fundamental da mudança positiva da sociedade em que se inserem. Por causa disso, eles também são parte de cidadãos muito engajados na política por exemplo, dado ao seu interesse em fomentar tal mudança radical e que a julgam de positiva.

 

O que acabei de resumir pode parecer trivial. Mas a compreensão da visão do mundo do moçambicano pode ajudar no enfrentamento não só da desinformação, mas também no sucesso de inúmeros programas de desenvolvimento tais sejam a vacinação (resistência), o tratamento antirretroviral (aderência ou desistência), fenómeno de sanguessuga, etc. Na dimensão política, pode também ajudar na mitigação do excessivo cepticismo/cinismo dos cidadãos para com as instituições e mesmo na reformulação das várias “narrativas fundantes” sobre Moçambique e seus processos sociopolíticos, económicos, culturais, etc.

 

Aos interessados, podem ler mais sobre o tema em:

 

Franks, B., Bangerter, A., Bauer, M.W., Hall, M. and Noort, M. C. (2017). Beyond “Monologicality”? Exploring Conspiracist Worldviews. Frontiers in Psychology, 8:861. doi: 10.3389/fpsyg.2017.00861

 

Sunstein, C. R., & Vermeule, A. (2009). Conspiracy theories: Causes and cures. Journal of Political Philosophy, 17(2), 202-227

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