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Actualizado de Segunda a Sexta

quinta-feira, 21 março 2019 14:44

Carta ao Presidente da República

Escrito por

Ericino de Salema

- A propósito do drama humano causado pela infeliz combinação do ciclone IDAI e cheias

 

Excelentíssimo Senhor Presidente da República,

 

Em primeiro lugar, felicito-o por ter chegado, em tempo oportuno, à conclusão de que o não cancelamento da Visita de Estado ao Reino de Eswatini, e que iniciou poucas horas depois de o ciclone IDAI fazer estragos na cidade da Beira e noutros pontos do centro do país e do extremo norte da província de Inhambane, não fora uma decisão feliz. É próprio de pessoas responsáveis se reconciliarem consigo mesmas quando se apercebem de que “meteram água”.

 

O facto de ter saído do Eswatini directamente para o sobrevoo das regiões afectadas sugere, por um lado, que se o Senhor Presidente da República tivesse tido noção, em tempo oportuno, da real dimensão da tragédia que estava iminente, muito provavelmente não teria abandonado o país e, por outro lado, que se não coibiu de agir como Chefe do Estado e, por essa via, cuidar da superintendência das operações.

 

A realização da última sessão do Conselho de Ministros na cidade da Beira foi, quanto a mim, uma decisão feliz do Senhor Presidente da República. Sobre a não participação do representante eleito dos beirenses nesse encontro, Daviz Simango, naturalmente como convidado, ainda não tenho opinião formada, havendo “informações contraditórias” quanto ao que terá concorrido para isso. Mas se o Senhor Presidente tiver tomado a decisão de o marginalizar, não o convidando, saiba que terá perdido uma extraordinária oportunidade de se posicionar como Presidente da República de todos, sem “cor partidária” no que aos assuntos de Estado diz respeito.

 

Excelentíssimo Senhor Presidente da República,

 

Como bem sabe, a gestão de eventos extremos no país tem sido plataforma para os malandros colocarem em prática os seus apetites criminais e animalescos. E esses malandros acham-se presentes em várias esferas, desde a esfera pública à privada, passando pelas igrejas e associações de vária índole, sem pôr de lado as acções desenvolvidas por grupos informais de titulares de direitos (cidadãos aqui inclusos!), sejam eles moçambicanos ou não.

 

Quando foi das cheias de 2000, por exemplo, uma avaliação especializada à resposta dada às mesmas, como o Senhor Presidente há-de estar recordado, chegou à conclusão de que houvera muitos malabarismos, incluindo o “misterioso desaparecimento”, do Instituto Nacional de Gestão de Calamidades (INGC), de pouco mais de 100 barcos que tinham sido doados ao país. No mesmo contexto, negligência ou imperícia gerencial ou outra coisa fizera com que toneladas de mantimentos apodrecessem nos armazéns sob a égide do INGC, havendo gente extremamente necessitada. Alguns gestores de topo do INGC foram até julgados por um tribunal de Maputo.

 

Sobre o INGC, não será exagerado recordar as palavras de Leonardo Simão, na altura ministro dos Negócios Estrangeiros e Cooperação (que tutelava na altura o INGC), sobre a mudança de nome de DPCCN (Departamento de Prevenção e Combate às Calamidades Naturais) para INGC, proferidas numa conferência no Hotel Rovuma, em Maputo: “Concluímos que a imagem do DPCCN estava muito gasta, devido a problemas de gestão e até fraudes, daí a mudança de nome”. Entretanto, o chefe máximo foi mantido, não tendo havido evidências de mudanças substanciais nos sistemas de gestão.

 

Excelentíssimo Senhor Presidente da República,

 

A observância de uma gestão transparente, inclusiva e profissional da resposta ao desastre humanitário, que constitui o leit motiv desta missiva, pode nos ajudar, como país, a maximizar os esforços tendentes à mitigação dos impactos negativos do mesmo (desastre humanitário). Nisso, a centralidade do Governo de que o Senhor Presidente da República é chefe constitucional é mais do que óbvia.

 

Como bem sabe, o Senhor Presidente da República disse, quando proferia o seu ´Discurso Oficial de Investidura´, ali na Praça da Independência, em Maputo, a 15 de Janeiro de 2015, a dado passo do mesmo, que “...promoverei uma governação participativa fundada numa cada vez mais confiança e num efectivo espírito de inclusão”, pouco depois de ter referido, na mesma ocasião, que “O meu compromisso é o de respeitar e fazer respeitar a Constituição e as leis de Moçambique”.

 

Por falar em leis, no quadro da promoção de uma gestão transparente, inclusiva e profissional da resposta ao desastre humanitário essencialmente pelo centro do país, temos, há já sete anos, um diploma legal que nos ajudaria a promover uma situação tal, nomeadamente a Lei número 7/2012, de 8 de Fevereiro, que estabelece as bases gerais da Organização e Funcionamento da Administração Pública, também conhecida por LEBOFA.

 

A referida lei, que se aplica aos órgãos e instituições da Administração Pública, bem assim às autarquias locais e demais pessoas colectivas públicas, como o INGC, possui um artigo interessante sobre a participação do cidadão na gestão da coisa pública (artigo 14), que a seguir o transcrevemos na íntegra:

 

“Artigo 14

 

(Participação do cidadão na gestão da Administração Pública)

 

1.            Os órgãos colegiais da Administração Pública promovem a integração da sociedade civil interessada na sua composição.

2.            Para os efeitos do disposto no número anterior, são considerados membros da sociedade civil os representantes de associações, sindicatos, organizações não-governamentais ou quaisquer outras formas de organização colectiva legítima, cujo objecto esteja relacionado com as atribuições de determinado órgão ou instituição da Administração Pública.

3.            O disposto nos números anteriores não é extensivo aos partidos políticos.”

 

A democratização de órgãos colectivos da Administração Pública e de outras pessoas colectivas públicas, a partir dos seus órgãos colegiais, seria, Senhor Presidente, uma boa notícia para a nossa jovem democracia. E, atentos ao causado pelo ciclone IDAI e cheias, bem assim às lições de um passado (relativamente) recente, aplicar a fórmula de inclusão sugerida pela LEBOFA ao INGC afigura-se mais do que urgente. E, a partir dali, expandir a outras entidades públicas, como os Conselhos de Administração da Rádio Moçambique (RM) e da Televisão de Moçambique (TVM), que, em mais um ano eleitoral, precisam de ser factor de estabilidade e não o contrário.

 

Obrigado por qualquer atenção dispensada, Senhor Presidente da República.

Ericino de Salema, aos 21 de Março de 2019

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