Director: Marcelo Mosse

Maputo -

Actualizado de Segunda a Sexta

BCI
João Nhampossa

João Nhampossa

INTRODUÇÃO

 

O judiciário em Moçambique, pelo menos ao nível dos diferentes tribunais e do Ministério Público, mostra-se sobrecarregada de processos, desde os mais simples aos mais complexos, incluindo os mediáticos, o chamados “processos quentes” pela natureza e dimensão do objecto dos mesmos, as vezes ligados à corrupção, desvio de fundos públicos ou má gestão da coisa pública, violação sexual, furto, roubo, violação de direitos humanos de diversa natureza, responsabilidade civil do Estado, matérias sensíveis de família, processos laborais, etc.

 

Ora, não obstante o reconhecimento público de que os magistrados judiciais e do Ministério Público estão assoberbados de trabalho, para além da problemática da escassez dos mesmos a nível nacional, tendo em conta a elevada demanda processual, ou seja, a cada vez mais intensa procura pela justiça pelos cidadãos; dúvidas não restam de que a tramitação dos processos nos tribunais e no Ministério público é excessiva e abusadamente morosa, com alguma cobertura legal e de certa maneira institucionalizada, entanto que uma prática reiterada sem nenhuma consequência do ponto de vista de responsabilização de quem pratica a morosidade processual.

 

Em bom rigor a lei define prazo para a prática de actos dos juízes, bem como prazo geral para as promoções ou pareceres do Ministério Público nos termos seguintes: “Na falta de disposição especial, os despachos que não sejam de mero expediente serão proferidos dentro do prazo de cinco dias. Os despachos de mero expediente serão proferidos no próprio dia, salvo o caso de manifesta impossibilidade.” (Cfr. n.º 2 do artigo 159 do Código do Processo Civil). “As promoções do Ministério Público são dadas dentro do prazo de três dias, salvo se outro for fixado por lei ou pelo juiz.” (Cfr. artigo 160 do Código do Processo Civil). Por sua vez, o artigo 658.º do Código em referência estabelece que: “Concluída a discussão do aspecto jurídico da causa, vai o processo concluso ao juiz, que proferirá sentença dentro de quinze dias.”

 

O PALCO DA MOROSIDADE PROCESSUAL

 

Há processos que duram por mais de cinco ou dez anos a serem tramitados e em muitos casos apenas aguardando a realização de julgamento ou da proferição da decisão final. Os tribunais comuns, cujo órgão superior da hierarquia é o Tribunal Supremo, e o Tribunal Administrativo revelam-se os campeões da morosidade processual. Estes tribunais constituem uma espécie de local onde os processos entram em estado de coma prolongado, ou seja, sine die, sobretudo quando se trata processos de interesse público de matérias de natureza económica/financeira, política ou que envolve altos dirigentes do Estado ou ainda processos que visam a protecção dos direitos humanos, incluindo processos relativos ao pagamento de indeminização, acesso à saúde, educação e ao emprego por parte dos cidadãos, só para dar alguns exemplos que relevam para o prejuízo da salvaguarda do efeito útil dos processo judiciais ou da justiça. Os processos no âmbito da proteção dos direitos das comunidades afectadas pelos grandes investimentos, com destaque para a indústria extractiva são evidências da morosidade processual propositada. O Tribunal Administrativo leva uma eternidade para decidir sobre determinado processo e muitas das vezes profere seus Acórdãos, excessivamente demorados, escudando-se em questões meramente formais que obstam ao conhecimento do mérito da causa, como é o caso da falta de constituição de advogado ou falta de indicação da parte contra-interessada no processo ou caducidade do direito de interposição do processo ou ainda incompetência do tribunal. Ora, não é compreensível durar com um processo cinco, dez ou mais anos para decidir com base em questões de mera formalidade, sem discutir o fundo da causa, quando apreciação processual das questões formais pode ser feita em poucos meses.

 

Outrossim, o Ministério Público tem dificuldades em tramitar, com a necessária celeridade, os referidos processos quentes em que estão implicados altos dirigentes do Estado ou em que estão em causa os interesses políticos do Partido no poder ou ainda em que está em causa a responsabilidade do Estado por violação dos direitos humanos e liberdades fundamentais dos cidadãos.

 

As providências cautelares, que são processos de natureza urgente nos termos da lei, também são remetidas para as gavetas judiciais da morosidade processual e aqui o Tribunal Administrativo também se destaca pela negativa, na medida em que os Juízes Conselheiros do mesmo têm plena consciência de que não vão ser sujeitos a qualquer responsabilização por essa conduta ociosa em prejuízo da realização da justiça pelo cidadão. 

 

A lei não é clara quanto a responsabilização contra os magistrados pela prática da morosidade processual em prejuízo do acesso à justiça. O juiz pode ficar uma eternidade sem proferir sentença ou Acórdão e não é responsabilizado por isso. A lei não indica de forma expressa e inequívoca a sanção a aplicar aos magistrados judiciais por violação das normas sobre o prazo judicial para a práctica de actos pelos mesmos.

 

No mesmo sentido, a lei não especifica a sansão a aplicar os magistrados do Ministério Público por violação dos prazos processuais a que estão obrigados a cumprir nos termos da lei.

 

Na jurisdição laboral, os processos também tendem a ser objecto de excessiva morosidade para a realização de julgamento, uma vez praticados todos os actos processuais necessários para o efeito. Há cidadãos que aguardam a realização de julgamento dos seus casos há mais de dois anos. Nos casos de despedimento dos trabalhadores e que reivindicam indeminização no tribunal por despedimento sem justa causa é extremamente doloroso e injusto a longa espera, sobretudo quando devem pagar os elevados encargos judiciais enquanto estão na condição de desempregados e sobretudo quando são a parte vencida no processo.

 

Regar geral, do ponto de vista de normas internas da corporação, os magistrados judiciais são obrigados a cumprir metas em termos de números de processos julgados, o que releva para a avaliação do desempenho do magistrado e por vezes são distinguidos por atingir essas metas, uma espécie de premiação. Curiosamente, trata-se de uma avaliação quantitativa e não necessariamente qualitativa. Não interessa a qualidade das decisões, o tipo e a complexidade do processo em causa. Daí que, por exemplo, nos processos crimes, o juiz ou juíza que julga vários processos sumários-crime, que geralmente não são complexos, independentemente de julgar sem fundamentar devidamente as suas decisões, é percebida como tendo bom desempenho processual.

 

CONCLUINDO

 

São significativos os casos em que os cidadãos perdem interesse pelos seus processos judiciais devido a irrazoável morosidade chegando ao ponto dos tribunais julgarem extinto o processo por alegada falta de interesse do autor do mesmo. O pior é que com essa decisão o tribunal cobra coercivamente as custas do processo à vítima da morosidade processual. Curiosamente, nestes casos de cobrança do valor das custas judiciais os tribunais são altamente céleres e implacáveis.

 

Os tribunais hipotecam as vidas dos cidadãos que vivem reféns do desfecho dos seus casos numa difícil e penosa gestão de expectativas.

 

Pelo que, urge uma “task force” séria e eficaz que congregue advogados, magistrados judicias e do ministério público, Provedor de Justiça, Comissão Nacional dos Direitos Humanos, bem organizações da sociedade civil relevantes para esta matéria com vista a uma investigação e monitoria da morosidade processual, bem como para a reforma legal sobre a responsabilização dos magistrados pela morosidade dos processos. É, pois, preciso colocar fim a esta prática injusta, legalizada, institucionalizada e recorrente no judiciário.

 

Por: João Nhampossa

 

Human Rights Lawyer

 

Advogado e Defensor dos Direitos Humanos

Pág. 5 de 5