Ontem, dia em que Domingos de Albuquerque assumiu o cargo de presidente interino do Conselho Municipal, a cidade de Quelimane acordou sob fortes chuvas e com um aparato policial, nas principais ruas, fora do comum. O contingente policial foi estrategicamente colocado para tentar impedir que a população indignada manifestasse a sua insatisfação pelo acto da passagem de pastas de Manuel de Araújo para o presidente da Assembleia Municipal, Domingos de Albuquerque, que durante os próximos 18 dias assumirá interinamente o cargo de responsável máximo da autarquia.
De Araújo perdeu o mandato de autarca após ver o seu recurso chumbado pelo Tribunal Administrativo. Este validou a decisão do Conselho de Ministros de julgar procedente a sua perda de mandato.
Albuquerque tem a missão de “segurar” o município até à tomada de posse de um novo executivo que foi apurado nas eleições de 10 de Outubro de 2018, onde (recorde-se) Manuel de Araújo, enquanto cabeça de lista da Renamo, venceu com 56,01% dos votos, contra os 39,80% da Frelimo e 2,81% do MDM.
A cerimónia de tomada de posse foi dirigida por Júlio Mendes, Secretário Permanente da Província da Zambézia, em representação do Ministério da Administração Estatal e Função Pública. Na ocasião, Domingos de Albuquerque, como é da praxe, jurou servir os munícipes de Quelimane. Refira-se que foi Domingos de Albuquerque quem dirigiu o processo de cassação do mandato de Manuel de Araújo, o qual teve o aval das bancadas da Frelimo e do MDM. Após a mudança de partido do MDM para a Renamo, o antigo autarca viu as suas diligências com vista a assumir o cargo serem relegadas ao estado de assunto pendente. Mas, como foi dito acima, o TA acabou por julgar improcedente o seu recurso e o MAEFP determinou a passagem de pastas a favor do presidente da Assembleia Municipal. (Omardine Omar)
As instalações do Centro de Integridade Pública (CIP), na Sommerschield, em Maputo, estiveram cercadas esta manhã por agentes da Polícia da República de Moçambique (PRM), que tentavam impedir o curso normal de uma campanha intitulada “Eu não pago!”, que consiste na captação de vídeos onde cidadãos manifestam sua repulsa contra as chamadas dívidas ocultas.
A campanha arrancou na passada sexta-feira, tendo como principais protagonistas colaboradores do próprio CIP. Vestidos de camisetes pretas, com a estampagem de rosto de um homem gritando quase à rouquidão “Eu Não Pago”, os protagonistas explicam, cada um em 30 segundos, as razões pelas quais considera as dívidas do calote da Ematum, MAM e ProIndicus, uma dívida odiosa. E por essa razão, cada um declara que a dívida não deve ser paga.
Quando os primeiros vídeos começaram a circular, no fim de semana, comentadores afectos ao Governo do dia investiram no contra-ataque, considerando a campanha como um contra-senso. O ataque não demoveu dezenas de populares, académicos e activistas que aderiram à iniciativa. Esta manhã, as instalações do CIP estavam abarrotadas. Muitos queriam uma camisete e seus 30 segundos de activismo no vozeirão contras as dívidas que a ONG está a levar a cabo. Até ao final da manhã de hoje, mais de 1000 camisetes tinham sido distribuídas e 100 vídeos produzidos.
A iniciativa incomodou, para além de comentadores nas redes sociais (prolíficos na defesa do Governo) as autoridades policiais. Muito cedo, agentes da PRM posicionaram-se nos dois extremos da Fernão Melo e Castro, a rua que dá ao CIP. Seu papel era impedir que os populares saíssem das instalações do CIP em grupos e com as camisetes vestidas. “Isso seria considerado uma manifestação ilegal”, disse um dos agentes de plantão. Os polícias tinham ordens para fazer dispersar o grupinho e até confiscar as camisetes. Houve mesmo quem ficou sem a sua roupa de luta.
Alguns vídeos realizados circulam nas redes sociais. Conhecidos académicos e activistas juntaram-se ao movimento. Sua mensagem tem um pano de fundo: a dívida oculta foi corrupta e uma opção desastrosa num país sem protecção social e com serviços básicos de saúde e educação precisando de recursos. A tentativa de bloqueio policial também não demoveu o CIP. Esta tarde, numa conferência de imprensa, o seu Director Edson Cortez, disse que a campanha não ia parar. Que mais camisetes estão sendo estampadas. O objectivo da campanha não é, como muitos pensam, empurrar os cidadãos a suspenderem suas contribuições fiscais. Até porque, no caso do IPRS (o Imposto sobre Rendimento de Pessoas Singulares) é retido na fonte. Trata-se, sim, de uma maneira de pressionar o Governo a rever sua abordagem sobre o assunto: as dívidas devem ser declaradas ilegais e o Estado não deve pagá-las. Ponto final. (M.M. e E.C.)
Manuel de Araújo está impedido de governar a autarquia de Quelimane, a partir de amanhã, dia 21 de Janeiro. A proibição consta de um ofício emitido na sexta-feira pela Ministra da Administração Estatal e Função Pública, Carmelita Nhamashulua, segundo o qual o Tribunal Administrativo julgou improcedente o recurso interposto pelo edil contra o Conselho de Ministros por falta de fundamento legal.
O precedente desta decisão remonta a finais do ano passado, quando Manuel de Araújo concorreu às eleições autárquicas de 15 de Outubro último, numa lista (a da RENAMO) diferente da que foi eleito edil (MDM), antes do término do seu mandato.
O Conselho de Ministros determinara que Araújo devia cessar funções por ter violado a Lei da Tutela Administrativa do Estado sobre as Autarquias Locais. Face à decisão, Manuel de Araújo interpôs um recurso contra a ordem do Conselho de Ministros mas, no seu julgamento desse recurso, o Tribunal Administrativo deliberou que o mesmo não tinha base legal. Sendo assim, e de acordo com Nhamashulua, “mantém-se válida a perda de mandato de Manuel de Araújo, declarada pelo Decreto nº 50/2018, de 29 de Agosto, do Conselho de Ministros”, lê-se no documento.
O despacho determina então Araújo que proceda à entrega dos serviços a Domingos de Albuquerque, actual Presidente da Assembleia Municipal da Cidade de Quelimane, até o dia 21 de Janeiro corrente. Numa breve conversa hoje com “Carta”, ele disse que ainda não tinha tomado conhecimento desse ofício pois, alegadamente, o mesmo apenas deu entrada no seu gabinete na passada sexta-feira.
“Amanhã, quando tomar conhecimento, vou aconselhar-me devidamente”, disse ele, sem mostrar-se incomodado. Ele revelou que já sabe do conteúdo do ofício por intermédio das redes sociais mas estranha o facto de uma decisão tomada numa sexta-feira (18) tenha efeitos a partir desta segunda-feira (21), sem que ele, o principal visado, tenha acusado sequer a recepção do documento. (Evaristo Chilingue)
A principal organização anti-corrupção moçambicana, o CIP, exigiu hoje a demissão da Procuradora-Geral da República, Beatriz Buchili, por “demonstrar, de forma clara e inequívoca, a sua pretensão de obstruir a realização da justiça, no processo das chamadas dívidas ocultas”. Num comunicado emitido esta tarde, o CIP diz que o Ministério Público moçambicano solicitou junto das autoridades judiciárias sul-africanas que Manuel Chang regresse a Moçambique, onde deverá, alegadamente, enfrentar a justiça moçambicana, mas “sem transmitir quaisquer indícios de que estão em curso diligências sérias e credíveis com vista a viabilizar a justiça ou a busca da verdade material no referido processo, internamente”.
O CIP recorda que o pedido de extradição de Manuel Chang para Moçambique, produzido e expedido pela PGR, foi confirmado esta sexta-feira pelo representante do Ministério Público sul-africano, junto do Tribunal que julga o caso da detenção de Chang. A organização pergunta-se: quais são as reais pretensões da PGR de Moçambique, enquanto mais alto órgão do Ministério Público neste caso: “salvar a sua honra, completamente posta em causa pela sua inacção ao longo do tempo que, alegadamente, disse estar a investigar com afinco este caso, ou pura e simplesmente, procurar com esta acção, e em desespero notório mostrar alguma falsa 'musculatura', sabendo-se de antemão que age neste tipo de casos a soldo do poder político?”.
O CIP, agora dirigido por Edson Cortez, recorda que Manuel Chang foi detido na África do Sul com recurso a um mandado da justiça norte-americana e que era um homem totalmente livre e circulava em Moçambique e para o exterior, sem quaisquer limitações à sua liberdade ou direito de ir e vir, e não era fugitivo da justiça moçambicana. Por isso, diz o CIP, não se percebe quais são os pressupostos para ser formulado um pedido de extradição para Moçambique, tanto mais que a PGR não anunciou qualquer medida de coação que tivesse sido arbitrada contra qualquer dos alegados arguidos em Moçambique. O CIP suspeita que a solicitação da PGR visa impedir que Chang seja extraditado para os Estados Unidos. E sugere que há uma grande interferência política no caso em Moçambique e exigindo, por isso, a demissão imediata da Procuradora-Geral da República, Beatriz Buchili. (Carta)
O frenesi que se instalara à volta do “Processo Chang” na África do Sul vai começar a afrouxar hoje. A audição marcada para esta manhã no Kempton Park Magistrate Court pode não ter lugar, disse ontem à “Carta” Rudi Krause, um dos advogados que tenta libertar o ex-Ministro das Finanças, Manuel Chang, e evitar a sua extradição para os Estados Unidos da América. “Não creio que amanhã (hoje) haverá algum desenvolvimento. É muito provável que a audição será adiada”, disse ele, evitando entrar em detalhes sobre as prováveis razões para este novo ritmo lento que começa agora a marcar a discussão de dois aspectos imediatos decorrentes da detenção de Chang a 29 de Dezembro na RAS: a decisão sobre um eventual pedido de liberdade provisória sob caução, que estava marcada para ser tomada hoje; a extradição de Manuel Chang para os EUA, conforme requerido pela Justiça americana, mas não ainda fundamentado.
Na breve conversa que manteve connosco ontem, Krause revelou que o Departamento de Justiça americano ainda não tinha submetido a papelada necessária para fundamentar o pedido de extradição, designadamente os elementos de prova. “Carta” apurou que o novo ritmo do caso decorre da entrada em cena do Ministério Público moçambicano (PGR), que solicitou formalmente às autoridades sul africanas, em carta em enviada ao Ministério da Justiça e Desenvolvimento Constitucional, o desejo de Chang ser julgado em Moçambique, para se acautelar o confisco de bens.
”Não se trata de um pedido de extradição como tal. Na nossa carta, nós não falamos taxativamente em extradição para Moçambique. Dissemos apenas que queremos que o deputado Chang seja julgado em Maputo”, disse-nos ontem uma fonte do Ministério Público moçambicano. “A denominação e os procedimentos do sistema sul africano são muito diferentes do nosso. E pode ser que a carta remetida no dia 10 de Janeiro seja suficiente para se decidir sobre a extradição para Moçambique sem ser necessário outro expediente adicional, como os advogados estão a referir”, acrescentou a fonte. O provável adiamento da sessão de hoje tem justamente a ver com esse pedido de Moçambique. “Carta” sabe que a resposta formal ao desejo expresso pelas autoridades de Maputo vai ser dada na próxima segunda-feira pelo Ministério da Justiça e Desenvolvimento.
A entrada em cena do Ministério da Justiça sul africano, arrastando a decisão do caso para um plano politico e não meramente judicial, já era previsível, mas não se esperava que fosse tão já. Os advogados de Chang haviam deixado perceber que iriam apostar no arrastamento do processo por longos meses, até o caso ultrapassar o foro da justiça como estabelece a legislação sul africana: a decisão final de um processo de extradição na África do Sul não se esgota com uma ordem judicial. A decisão final de uma extradição é tomada pelo governo.
O actual Ministro da Justiça e Desenvolvimento Constitucional, Michael Masutha, pode negar a extradição de Chang para os EUA se achar que não seria do "interesse da Justiça”, ou a extradição seria “injusta”, ou a punição “severa demais”. A decisão é unicamente do Ministro e não é passível de recurso e nem importa se o seu raciocínio é questionável. Assim sendo, o novo dia D para Manuel Chang é a próxima segunda-feira, quando Masutha anunciar o seu veredicto político. A entrada em cena Ministério Público argumentando que deve ter precedência no julgamento de Chang, também já constituído arguido em Moçambique, e tendo como pressuposto que ele é um antigo membro do Governo, alterou completamente o rumo das coisas. O facto de o Departamento de Justiça dos EUA não ter ainda submetido a fundamentação para o pedido de extradição joga também a favor de Chang. (Marcelo Mosse, em Joanesburgo)
Numa disputa que não foi renhida como se esperava, o General Ossufo Momade acabou vencendo folgadamente a eleição para o cargo de Presidente da Renamo, colocando-se como o próximo candidato do maior partido da oposição às eleições presidenciais de 2019. O processo selectivo terminou esta madrugada, cerca da 1 hora, na serra da Gorongosa. Elias Dhlakama, irmão mais novo de Afonso Dhlakama, que morreu em Maio de diabetes, foi o segundo mais votado, com 238 votos. Manuel Bissopo, o actual Secretário-Geral (cargo que a partir de hoje deverá pertencer a um outro militante), confirmou sua impopularidade ao conquistar apenas 7 votos. E Juliano Picardo, um parlamentar da Renamo na Assembleia da República, também representou a cara da irrelevância, ao obter somente 5 votos.
Ontem, a escassos minutos do início da votação, o General Hermínio Morais decidiu retirar a sua candidatura para apoiar Ossufo Momade. Fica ainda por se avaliar até que ponto o apoio de Morais a Momade foi decisivo para a concentração da maioria dos votos naquele que, até ontem, era o Coordenador Interino da Renamo. A opção por Ossufo Momade mostra, no entanto, que a residir na serra da Gorongosa desde Maio de 2018 e rodeado pelo generalato da Renamo, ele conseguiu cair nas graças dessa ala castrense que continua a comandar a linha política do partido, nomeadamente, impingindo a sua barganha bélica no diálogo com o Governo, nos derradeiros passos da pacificação em curso, iniciada pelo Presidente Filipe Nyusi e pelo anterior líder, Afonso Dhlakama.
Ainda não é claro se o novo Presidente da Renamo vai continuar a residir na serra, mas é provável que isso venha a acontecer, o que confirmará que os generais são os que têm a voz no comando. Ou seja, Ossufo Momade será uma líder completamente a mercê da ala militar, numa etapa crucial da história do movimento, particularmente a da sua transformação em partido político não armado. Aliás, a sua eleição é também prova de que ele foi já “domesticado” por esse generalato.
Originário de Nampula e de etnia macua, também antigo membro do exército governamental antes de transitar para a Renamo nos anos 80, em Maio, quando chegou a Gorongosa para assumir a pasta interina, Momade era ainda olhado sob certa desconfiança e os seus passos milimetricamente teleguiados, como se viu quando em Junho foi frustrado um encontro com o PR Filipe Nyusi na Beira. Apesar de ter o ar de durão, Ossufo Momade não tem o carisma e a espontaneidade de Dhlakama.
Mas, a escolha dos militantes da Renamo não terá sido para encontrar o candidato que mais se parecesse com o antigo líder (por aí, a preferência talvez recaísse sobre Elias Dhlakama).
Foi claramente para encontrar quem tinha credenciais firmes de “open mindedness”, alguém capaz de ouvir e dialogar, fazer pontes entre as várias franjas de opinião interna e, sobretudo, garantir uma convergência entre as chamadas ala política e militar da Renamo.
“Momade já é deputado há muitos anos e também um general de mão cheia”, recordou um analista político, realçando que ele era a figura ideal para conduzir a transformação final da Renamo num partido político completamente descasado do seu ADN bélico. Um dos grandes desafios internos de Momade é assegurar que a Renamo não se parta entre a corrente que votou em si e os “dhlakamistas” (onde se destaca a aguerrida deputada Ivone Soares e também António Muchanga), apoiantes de Elias Dhlakama, que arrecadou quase metade dos votos, demonstrando um grande nível de respeitabilidade interna.
Os "dhlakamistas" preferiam Elias como a figura que podia fazer apelo ao carisma do irmão, mais através do apelido e das parecenças físicas e menos por sua nunca provada postura e capacidade de liderança. Elias foi olhado sob desconfiança. Viveu integrado no exército governamental saído de acordo de Paz de Roma de 1992 e esteve sempre afastado da luta política da Renamo nos últimos anos.
Mas, houve também quem temesse que a sua escolha seria empurrar a Renamo para uma característica de vertente clânica, matando a sua diversidade étnica, com base nas regiões centro e centro/norte de Moçambique. Momade deverá agora construir uma ponte de convergência com os eleitores do “dhlakamismo”. O primeiro grande teste para ver se ele vai mesmo apostar na coesão interna é o perfil do seu grupo de trabalho, que será montado muito brevemente. É provável que Elias Dhlakama venha a ter uma palavra a dizer nesse quadro dessa almejada coesão interna. (Marcelo Mosse)