O comunicado de imprensa sobre os assuntos abordados por Filipe Nyusi e Cyril Ramaphosa, na cimeira de ontem, foi divulgado depois das 19 horas. Segundo o documento, os progressos na implementação do acordo sobre o Desarmamento, Desmobilização e Reintegração dos elementos armados da RENAMO foi um dos assuntos centrais na conversa. Ramaphosa congratulou o PR moçambicano pelos avanços verificados.
Por outro lado, os dois Chefes de Estado observaram a necessidade de aguardar pelo curso normal da justiça e deixar as instituições competentes realizarem o seu trabalho no âmbito da separação de poderes, numa referência explícita sobre a detenção na República da África do Sul, de Manuel Chang, por mandado da Interpol, e do cidadão sul-africano Andrew Hannekon, indiciado pelas autoridades judiciárias moçambicanas de colaboração com os insurgentes que protagonizam ataques na região norte da província de Cabo Delgado.
A visita inseriu-se, segundo o comunicado, no âmbito do reforço e aprofundamento dos laços de solidariedade, amizade e cooperação política, económica, social, cultural entre os dois países.
O Presidente da República da África do Sul, Cyril Ramaphosa, fez-se acompanhar de uma delegação composta pelos Ministros da Defesa e Veteranos Militares, da Polícia e o da Segurança do Estado e outros quadros da Presidência e do Governo da República da África do Sul. No fim, da conversa, longa, Cyril Ramaphosa convidou ao seu homólogo para a próxima Sessão da Comissão Binacional a ter lugar em Pretória, ainda no presente ano, em datas por acordar através do canal diplomático. (Carta)
A casa comprada por Renato Matusse, antigo conselheiro político do ex-Presidente Armando Guebuza, com dinheiros de subornos que recebeu da Privinvest, foi cedida a duas firmas distintas, apurou uma investigação de “Carta de Moçambique”. Trata-se da Okanga Representações Limitada, em transmissão de posse feita em Fevereiro de 2014, e Situr, Serviços, Imobiliária e Turismo, em processo realizado em Julho no mesmo ano. Quando em 2013 Matusse comprou o apartamento num quinto andar do Prédio Xenon (correção: não é o prédio de construção recente, mas aquele que sempre esteve implantado do lado direito do antigo cinema, designadamente onde recentemente se hospedou o franchise local da Pizza Hut) ele recebeu da vendedora, a jurista Neuza de Matos, uma procuração de plenos poderes irrevogáveis, através da qual assumiu a posse do imóvel.
De acordo com documentos vistos pela nossa investigação, Renato Matusse enviou à Privinvest dois números de contas de Neuza de Matos, um em Moçambique e outro em Portugal (na CGD), onde ela viveu anos como estudante na Universidade Clássica de Lisboa. Matusse ordenou à Privinvest que o pagamento fosse feito em prestações, a última das quais excedeu o montante que devia ser transferido. Documentos em nossa posse mostram que Neuza de Matos transferiu prontamente o valor em excesso da última prestação para Renato Matusse. O montante não regressou, pois, ao banco de proveniência. Foi enviado para uma conta indicada por Matusse.
Uma fonte da investigação disse à “Carta” que em Abril de 2017, poucos dias depois de a lista da PGR, solicitando a quebra de sigilo bancário de 19 figuras que supostamente terão recebido dinheiro das Privinvest, ter sido vazada, Neuza de Matos, cujo nome constava entre os visados, contactou a PGR para contar a sua história, mostrando que não tinha nada a ver com o escândalo das dívidas ocultas e que apenas recebeu de Renato Matusse valores devidos em função da venda da sua casa. A jurista escreveu, por iniciativa própria, um depoimento detalhado, onde juntou os “borderaux” das transferências ordenadas por um banco do Dubai em nome da Privinvest. “Carta” sabe que Renato Matusse é um dos arguidos que será acusado por corrupção e branqueamento de capitais.
Neuza de Matos também terá sido arrolada como arguida apesar de que, de acordo com um parecer legal, quem apenas recebeu dinheiro de proveniência duvidosa através da venda de um bem não pode ser, legalmente, considerado como estando envolvido no processo de lavagem, como escrevemos numa edição recente de “Carta”. Neuza de Matos foi a chefe do gabinete jurídico de Armando Guebuza durante os dois mandatos, depois de ter servido também no consulado do ex-Presidente Joaquim Chissano. De acordo com uma investigação de “Carta”, Neuza abriu em 2011 um negócio de venda de roupa de mulheres, onde é sócia do marido. Chama-se NCoisas, Lda, e tem duas lojas em Maputo, nomeadamente no Maputo Shopping e no Glória Mall. “Carta” tentou infrutiferamente obter um depoimento seu. (M.M.)
As primeiras eleições gerais, sem a presença de Afonso Dhlakama, continuam uma incógnita nos círculos com tradicionais eleitores do ex-líder, que morreu em Maio de 2018, por diabetes, numa das bases do partido na Gorongosa. Nas vésperas do Congresso da Renamo, que se realiza esta semana e vai eleger o seu sucessor, vários habitantes de Macadera, um povoado fustigado pelo último conflito político-militar entre as forças governamentais e o braço armado da Renamo, no distrito de Vanduzi, em Manica, consideram que a ausência da habitual cara de Afonso Dhlakama nos boletins de voto “poderá confundir” os eleitores mais idosos.
“A cara de (Afonso) Dhlakama guiava os fiéis e tradicionais eleitores", defendeu Ana Vulande, uma camponesa, se expressando num português “fino”, habitante de um povoado onde os traços da destruição, são ainda visíveis. A zona sofreu demasiado supostamente por ter “albergado atacantes” das escoltas militares no troço Vanduzi-Changara.
Outro morador, Mateus Raimundo, observa que as eleições gerais deste ano vão decorrer após profundas mudanças na Lei Eleitoral conseguidas por Afonso Dhlakama, sustentando que o seu sucessor deverá estar “à altura do carisma de Dhlakama”.
A Renamo deverá eleger esta semana, no seu VI Congresso, que decorre de 15 a 17 de Janeiro na Gorongosa, o sucessor de Afonso Dhlakama, que será igualmente o candidato do partido nas eleições presidenciais de Outubro. Recentemente, aquando da reunião do seu Conselho Nacional, a Renamo definiu que o sucessor de Afonso Dhlakama deve ter a nacionalidade moçambicana, ter ocupado a função de Secretário-Geral, ter 15 anos de militância e ser membro idóneo e de reconhecido mérito. Além disso, o próximo líder deve ser uma figura que combateu pela Renamo na Guerra Civil dos 16 anos, que opôs o braço armado do partido e as forças governamentais.
Na mesa estão quatro nomes, apesar de ainda não serem candidatos oficiais. Um deles é Elias Dhlakama, irmão mais novo de Afonso Dhlakama, que entrou para a reserva em Outubro, após vários anos servindo o exército governamental. Os outros três apontados à sucessão de Afonso Dhlakama são Ossufo Momade, Coordenador-Interino da Renamo, Manuel Bissopo, actual Secretário-Geral, e Hermínio Morais, que em Outubro concorreu para a chefia da edilidade de Maputo, tendo perdido para Eneas Comiche. Num tweet este domingo, Ivone Soares, Chefe da Bancada da Renamo na Assembleia da República (AR), escreveu: “Eu acredito que Deus nos irá iluminar para que vença a genuína vontade da maioria de homens e mulheres que confiam num Moçambique bem governado”. E acrescentou: “É possível”. Soares é tida como uma grande apoiante de Elias Dhlakama, seu tio. Pelo menos 700 pessoas, entre delegados e convidados vão participar do VI Congresso da Renamo, que reúne numa das bases localizadas próximas donde morreu Dhlakama. (Osvaldo Matambira)
O antigo Ministro do Plano e Finanças, Tomaz Salomão, defendeu hoje que Manuel Chang deve ser julgado pelos crimes de que é acusado. Numa entrevista à RM, Salomão disse: “Eu não estou preocupado com o lugar onde ele vai ser julgado. Ele vai ser julgado, quer seja em Moçambique, quer seja na África do Sul, nos EUA ou em Haia. Ele vai ser julgado em algum sítio. E é bom que seja julgado, para que isso sirva de exemplo e referência para que coisas dessas não se repitam”.
O antigo ministro, que também já foi Secretário Executivo da SADC, defendeu que a justiça, além de julgar os envolvidos nas “dívidas ocultas”, deve ajudar Moçambique a recuperar os bens que foram delapidados.
Para Salomão, o debate sobre a detenção e julgamento de Manuel Chang não pode ser resumido ao local de julgamento. O essencial é que do julgamento se vai perceber se o país tem ou não uma dívida por pagar.“Se calhar chegaremos a conclusão de que nós não temos nenhuma dívida a pagar; nós como país; nós como cidadãos deste país. É o que penso, é minha opinião pessoal”.
Para o economista, instituições como o Ministério das Finanças, devem transmitir credibilidade, transparência e respeito perante os cidadãos. “Não se pode em circunstância nenhuma permitir que esta instituição seja assaltada por indivíduos de pensamentos maquiavélicos e que estão ali para montar, urdir planos que desgastem a imagem do país, a imagem das instituições, e as contribuições dos cidadãos, algumas delas feitas com muito sacrifício no meio da pobreza que temos”. Salomão acrescentou que “não se pode permitir que aquele edifício nobre [Ministério da Finanças] seja assaltado por pessoas de pensamentos ou motivações criminosas. Devemos proteger a nobreza de uma instituição como o Ministro das Finanças”. (Carta)
O Tribunal Administrativo (TA) tem uma tarefa urgente nas mãos. Responsabilizar 16 gestores públicos que estiveram envolvidos na contratação dos empréstimos que geraram as “dívidas ocultas”, entre 2013 e 2014, nomeadamente governantes que assinaram as garantias soberanas e os gestores que tiveram cargos relevantes nas empresas Proindicus, Ematum e MAM.
De acordo com a Procuradoria-Geral da República (PGR), os visados tiveram uma intervenção directa na celebração dos contratos de financiamento das dívidas, orçadas em pouco mais de 2 bilhões de USD. Na denúncia da PGR ao TA é mencionado o papel do então Ministro das Finanças, Manuel Chang, e do antigo Governador do Banco de Moçambique, Ernesto Gove, na autorização e na emissão de avales, sem qualquer critério legal, para a Proindicus, Ematum e MAM.
Manuel Chang assinou a emissão de garantias, obrigando o Estado em valores superiores aos limites autorizados pela Lei Orçamental. Ernesto Gove deu sua anuência às garantias. O pedido para a emissão de garantias foi formulado pelo então Director Geral do SISE, Gregório Leão José, violando para isso a Lei da Probidade Pública, e obteve os pareceres favoráveis de Isaltina Lucas Sales e Piedade Macamo, então Directora Nacional e adjunta do Tesouro, na época, do Director de Inteligência Financeira do SISE, António Carlos Rosário, também era o PCA das 3 empresas, e de Henrique Álvaro Cepeda Gamito, que desempenhava as funções de assessor do Ministro das Finanças. Outras figuras nomeadas como gestoras tiveram um papel relevante nas empresas, sentando nos seus conselhos de administração e auferindo salários chorudos sem trabalhar. As três empresas nunca funcionaram plenamente, mas os referidos gestores gozavam de mordomias consideradas exageradas.
Eis os restantes nomes da lista, de acordo com o papel que representavam em cada empresa: Victor Bernardo (PCA), Eugénio Henrique Zitha Matlhaba, Raúfo Ismael Irá e Manuel Gopo, todos administradores da Proindicus; António Carlos Rosário (PCA), Maria Isaltina Lucas (administradora), Ivone Lichucha (administradora), Agi Anlaué (administrador-executivo), Hermínio Lima Alberto Tembe (administrador-executivo), Henrique Álvaro Cepeda Gamito (administrador-executivo) e Cristina Matavel (Directora Geral e Presidente da Comissão Executiva), todos da Ematum; António Carlos Rosário (PCA), Nazir Felizardo Passades Aboodacar (Director Executivo), Raufo Amade Irá (Administrador Executivo) e Agi Anlaué (Administrador-Executivo), todos da MAM.
A denúncia do Ministério Público aponta contra os visados infracções financeiras imputáveis a gestores públicos. A PGR diz que os suspeitos abusaram de fundos públicos fazendo pagamentos indevidos, financiando projetos sem concurso público, assinando contratos sem a aprovação legal do Tribunal Administrativo e usando dinheiro do empréstimo para outros fins. Eles também se recusaram a cooperar com a auditoria solicitada pela PGR e executados Kroll.
Por Lei, a responsabilização financeira implica o pagamento de uma multa pecuniária. Desconhece-se os critérios que o TA vai usar para aferir o valor que cada um dos gestores terá de pagar ao Estado tendo em conta o seu papel e posição na contratação das dívidas e na gestão das empresas. Note-se que este processo, que segue curso em sede de Tribunal Administrativo, é distinto do processo-crime também ligado às dívidas ocultas, no âmbito do qual a PGR anunciou terem sido constituídos 18 arguidos. Alguns dos nomes estão nos dois processos. (Carta)
A Polícia da República de Moçambique (PRM) tentou impedir ontem, em Maputo, uma marcha do Movimento Democrático de Moçambique (MDM), visava entregar uma “monção de agradecimento” a embaixada americana em Maputo, na sequência da detenção, sob ordens da justiça daquele país, de Manuel Chang. Segundo a PRM, a marcha do MDM não foi autorizada e ao insistir no evento o Partido estava a violar a Lei.
Representantes do MDM disseram que o evento não podia ser confundido com uma manifestação tradicional mas era apenas um grupo de militantes que se tinha junto para caminhar na direcção à Embaixada para entregar uma monção de agradecimento pela prisão do ex-Ministro das Finanças. Houve muita altercação entre os militantes e agentes da polícia que tentavam impedir a marcha. Durou duas horas, e ao longo das Avenidas Acordos de Lusaka, Joaquim Chissano e Julius Nyerere, houve momentos de pânico, tudo porque os membros e simpatizantes daquele partido não estavam a respeitar os requisitos básicos para a realização de uma manifestação.
Sem nenhum entendimento entre as partes, o MDM insistiu e, no meio da confusão, um grupo de três membros conseguiu submeter o documento à Embaixada dos EUA. No final, Augusto Pelembe, do MDM, disse que a missão tinha sido cumprida e que a Polícia não os intimidara porque “o nosso gesto representa todos os moçambicanos, incluindo os membros da PRM, que é uma das classes mais abaladas pelas políticas do Governo do dia". Para Pelembe, os EUA deram o maior presente de Natal aos moçambicanos, porque finalmente prenderam uma das peças-chave das “dívidas ocultas”, Manuel Chang. (O.O.)