Director: Marcelo Mosse

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Actualizado de Segunda a Sexta

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Carta de Opinião

Para concorrer a cargos de governação pública, em particular dos sujeitos ao escrutínio do povo, existem candidatos por iniciativa própria e os que concorrem sob proposta de terceiros (grupos e pessoas). No país escasseiam os primeiros e abundam os segundos. Contudo, e especificamente para os últimos, existem sinais prévios, a priori inocentes, que observados à lupa, provam que de facto “...ali vai um (silencioso) interessado por um cargo público”.

 

Os primeiros sinais ocorrem na família, a nuclear e a extensiva. Do nada (para quem vê) ele passa a ter mais tempo para a família nuclear e com ela aparece mais vezes em público (recintos culturais, desportivos e comerciais), transbordando beleza, coesão, felicidade e dado a grandes e efusivos cumprimentos e abraços, a largos e contagiantes sorrisos, incluindo com quem nunca se avistara. A nível da família extensiva (e amigos), assinalar o abrupto interesse do visado em fazer parte de diversos “Xitiques”, cerimónias e outras actividades, incluindo as de lazer, nas quais inflaciona a simpatia e as contribuições de ordem financeira e logística.

 

A aparição constante na imprensa é também um sinal e com apostas em actividades de prestígio e visibilidade, sendo normal que a imprensa passe a cobrir o lançamento de seus cirúrgicos livros e comunicações em conferências bem como na publicação de textos, entre literários e científicos, e na sua requisição, na qualidade de um reputado analista, para participação em debates, entrevistas e comentários ocasionais. Nestas aparições o seu CV é majestosamente exposto, focalizando estrategicamente matérias que se enquadram ao pretendido.

 

As redes sociais são igualmente uma outra montra. Para o efeito é até contratado um gestor ou uma equipe que se ocupa da trajetória do interessado cujas imagens e vídeos de arquivo com figuras importantes, nacionais e internacionais, e da participação em grandes eventos, no país e no estrangeiro, bem como de diversas acções e intervenções públicas, constituem o prato forte da divulgação. Uma outra característica, e de grande alcance mediático, é a súbita sensibilidade do interessado por causas sociais, passando a ser um renomado solidário no apoio aos mais desfavorecidos e de pessoas com necessidades especiais.

 

Estes e outros sinais não deixam dúvidas de que algo esteja a acontecer, embora nunca transpareçam o que move de facto o ilustre interessado. Entre portas, este tipo de comportamento é característico de alguns quadros nacionais, até entre os mais qualificados, que penosamente, e até certo ponto a roçar a mendicidade, expectam por convites para grandes cargos (ministeriais) de governação política e económica (empresas públicas), sobretudo em vésperas da formação e vigência de um determinado governo ou ainda da aproximação de etapas cruciais de processos eleitorais, incluindo a da realização de eleições (presidenciais, legislativas, provinciais e municipais).

 

Posto isto, e uma vez que o país caminha para processos partidários e oficiais no quadro das diversas eleições que se seguem, é recomendado que se fique atento para os “Sinais de que ali vai um (silencioso) interessado por um cargo público”. E para o caso das eleições presidenciais, a atenção deve ser redobrada para os sinais que sopram do centro (quiçá dos bons sinais) a menos que as águas do vasto Zambeze, que se preveem turbulentas, levem a lógica da alternância para outros estuários.

 

PS1: As candidaturas por iniciativa pessoal, que de tanto escassearem no país, passam a impressão de que sejam informalmente proibidas ou, no mínimo, que não sejam bem-vindas (é só recordar o enredo com Samora Jr. no seu partido). Destas, e a nível do partidão, apenas retenho como iniciativas de sucesso a de Armando Emílio Guebuza, para a Ponta Vermelha, e a do saudoso Carlos Tembe, para o Município da Matola (estranho que os palácios municipais não tenham nome/marca), destacando que ambos mobilizaram os militantes do partido e franjas da sociedade para os respectivos projectos ou visão do que pensavam fazer nos seus mandatos. Assim devia ser o normal.

 

PS2: Das candidaturas por iniciativa de terceiros, o grosso ou a globalidade dos candidatos justificam que não tiveram como esquivar a confiança depositada, existindo (i) os que dizem terem sido apanhados de surpresa, e (ii) os que deliberadamente prepararam a surpresa, porém ambos capturados pelos grupos e pessoas que tomam e controlam as iniciativas. Isto é o normal e, deste contexto e tipo de candidatos, dificilmente brota alguma originalidade, fora o habitual e grotesco refrão de que concorrem em cumprimento de mais uma missão.

quinta-feira, 24 junho 2021 12:24

O tiro para a independência económica

Em texto anterior partilhara uma história extraída de um livro do sociólogo Elísio Macamo, na qual uma anciã rural da província de Gaza, que desesperada e frustrada pelo rumo do país depois da independência, questiona: “Para quando o fim da independência?” Por acaso, há dias e em conversa ocasional sobre o assunto com um contemporâneo da anciã, mas urbano, este disse que a saída não é o fim da independência, mas a conquista de uma outra independência: a independência económica. Segundo ele, a independência de 1975, e desde então, é apenas política. 
 
Do pouco da conversa deu para perceber que o argumento central do cota é o de que não se pode fazer política/governar e ser, em simultâneo, um empresário ou um agente económico. “Foi isto que tramou o país”. Sentença exarada. Para ele, o país saiu ainda mais lesado porque, e nas duas áreas, o desconhecimento fora a premissa de partida. E como alternativa, quiçá uma premissa de chegada, ele aponta que para a conquista da independência económica é necessário que haja um movimento para a libertação económica cujo objecto é a separação do exercício simultâneo da governação política com o exercício da actividade económica. Quem dá o primeiro tiro? “Cabe ainda a  Nachingweia, enquanto geração/processo, essa responsabilidade”. Assim respondeu o cota da urbe.
 
E assim, para terminar, vou aproveitar o feriado dos festejos do dia da independência, que se assinala amanhã, 25 de Junho, e fazer uma viagem a Gaza. A ideia é procurar convencer a anciã rural a ter um pouco mais de paciência e acreditar que possivelmente as coisas possam melhorar e que para tal basta um pouco de colaboração de “Nachingweia”. E mesmo a terminar: espero que encontre a anciã rural ainda em vida (biológica), caso não, certamente que a encontre eleitoralmente viva.

Escrevi recentemente um artigo intitulado “A promoção da mediocridade – relações de poder e dependência na nossa sociedade”, onde abordara o escândalo das formandas de Matalane que foram abusadas sexualmente pelos instrutores, tendo algumas delas ficado grávidas. Um episódio que causou uma onda de indignação e consternação a vários níveis da sociedade e que envergonhara uma das instituições estatais de maior relevo e utilidade pública, que deve transpirar credibilidade e verticalidade.

 

Eis que mais um vergonhoso episodio abala e mancha toda uma instituição que se pretende ser de reeducação e preparação para a reinserção social de pessoas privadas da liberdade – falo do estabelecimento prisional de Ndlavela. Fruto de uma pesquisa aturada realizada pelo Centro de Integridade Pública (CIP), o vergonhoso escândalo do esquema de prostituição envolvendo presidiárias foi tornado público chocando toda uma sociedade. Na verdade estamos perante manifestações diferentes para uma mesma enfermidade – caracterizada a decadente moralidade que grassa a nossa sociedade, o sexismo exacerbado, as relações de super poder, e o sentido de impunidade.

 

Um negócio de exploração de mulheres para fins de prostituição, que choca com todos princípios atinentes a ética social e institucional e esfaqueia as entranhas da dignidade da pessoa humana em todas suas dimensões. Um acto praticado de forma sistemática, envolvendo altas patentes do estabelecimento prisional de Ndlavela e uma elite abastada que paga grandes somas  em troca de serviços sexuais.

 

Aquando do escândalo de Matalane, vozes existiram que de forma peremptória acusaram as formandas de falta de postura deontológica, oferecimento e de assédio aos instrutores. Por outras palavras, as instruendas passaram de vítimas a prevaricadoras e, entre críticas, vilipêndios e pedido de punição exemplar, a sociedade não se esqueceu mas arquivou o caso.

 

E para Ndlavela, o que diremos? O que faremos e o que poderemos esperar? O que a sociedade fará para não deixar que este e mais casos se esfumem ao sabor da indiferença e das contra narrativas existentes?

 

É de todo inegável que estamos diante de um crime público. Ou melhor, de vários crimes públicos que se alimentam em cadeia. Legalmente esta estabelecido e previsto no número 3 do Artigo 61 da CRM, que nenhuma pena na República de Moçambique implica a cessação dos direitos fundamentais. Obviamente, haverá algumas restrições advindas da tipologia da própria pena, não sendo o caso nem de um nem de outro fenómeno aqui reflectido.

 

Uma breve leitura de estudos sobre género como ferramenta metodológica, política e social para problematizar e reflectir os processos que instituem e sustentam desigualdades sociais entre homens e mulheres, e autorizam formas de subordinação feminina, facilmente poderíamos somar vários indícios que sinalizam uma trajectória de reconhecimento, incorporação  e legitimação crescentes dessa teorização. Quero com isto dizer que há indícios bastantes para afirmar a existência de uma legitimação silenciosa a nível doméstico, institucional e social de várias práticas atinentes a desvalorização, subordinação e inferiorização da mulher.

 

A história moderna e contemporânea testemunhou a partir da primeira metade do século XX a emergência de vários movimentos de mulheres e tipos de Feminismos que chamaram atenção à necessidade de se investir mais em produção de conhecimento e estudos com vista uma maior capacidade de denunciar e sobretudo compreender e explicar a subordinação social e a quase inexistência nos processos de participação política a que as mulheres estavam sujeitas até pelo menos o final do século transacto.

 

De entre várias acepções existentes, ressaltam duas diferentes e conflituantes: Por um lado, o género vem sendo usado como um conceito que se opõe ou se complementa a noção de sexo biológico e se refere aos comportamentos, atitudes ou traços de personalidade que a(s) cultura (s) inscreve (m) sobre corpos sexuados. Por outro lado, género tem sido usado, sobretudo pelas feministas para enfatizar que “a sociedade forma não só a personalidade e o comportamento, mas também as maneiras como o corpo {e portanto, também o sexo} aparece”. E nestas acepções, podemos ir buscar algumas explicações elementares para tentar pelo menos perceber a génese deste tipo de pensamento que conduz a uma acção negativa que é legal e socialmente inaceitável. 

 

Quando me refiro a capacidade de denunciar, sobretudo compreender e explicar a subordinação social, quero me insurgir quanto a normalização do anormal, a estabilização do absurdo e a perpetuação de dogmas e medos que não nos edificam enquanto sociedade. Esta sucessão de fenómenos aparentemente dispersos, pode ser ainda mais comum e mais viva em muitas instituições e em vários quadrantes do nosso vasto país. É uma sucessão perigosa  de um fenómeno indicativo daquilo a que muitas instituições se foram tornando ao longo do tempo e hoje encontram-se manchadas com nodoas de imoralidade.

 

Na verdade não se trata de um fenómeno de Matalane ou de Ndlavela apenas. É um fenómeno que tem raízes muito mais profundas e estes são apenas alguns dos resultados, e por sinal resultados da vergonha e da falta de pudor. Denominador comum nisto é que são as mulheres quem mais sofrem com isto – daí o nosso foco analítico nas relações de género e seus desdobramentos com o poder instituído. São as mulheres as maiores vítimas destas atrocidades e são elas que mais são vitimizadas em vez de protegidas (processo de normalização do anormal).

 

Numa análise profunda a estes e mais fenómenos vividos e sobejamente conhecidos por nós, facilmente se chega a conclusão que estes casos são na verdade o reflexo daquilo que somos como sociedade e da forma como olhamos e tratamos a mulher. É um sintoma grave que veemente e copiosamente vamos ignorando, pois nas relações de género nos foi ensinado que o homem é o mais poderoso e tem mais direitos que a mulher.

 

É premente fazer uma introspeção e iniciar uma reforma nas nossas casas, locais de trabalho e na sociedade. As instituições tanto estatais como privadas devem recuperar o normal funcionamento e a restauração do seu modus operandi e dos modelos de moralidade pública e privada, do respeito que outrora existiram. É preciso coragem para abordar, firmeza para desconstruir, integridade para actuar de forma imparcial,  mão dura para punir os infractores, e valores éticos no seu mais alto nível para elevar a paz e harmonia social. Talvez assim poderemos resgatar o estado e suas instituições desta tremenda imundice e promiscuidade que envergonha a todos.  Deste modo poderemos sonhar em edificar uma sociedade alicerçada em valores fundados no humanismo, na verticalidade e acima de tudo no respeito pelos direitos humanos.

 

Por Hélio Guiliche (Filósofo)

quarta-feira, 23 junho 2021 09:34

Ilha dos sonhos confiscados...

Quero compartilhar consigo, neste texto, parte de um diálogo que rabisquei enquanto pensava na actual situação da nossa Pérola do Índico, Moçambique. Espero que este curto texto o ajude a lembrar-se de algo, senão de muitas coisas, que ocorre no solo pátrio. Trata-se de uma conversa entre uma mãe e um filho a respeito do que acontecia em sua casa, aliás, no seu País.

 

FILHO: Mãe, eu tenho uma pergunta. Posso fazer?

 

A mãe, ansiosa, e com um olhar transparecendo cansaço, cautelosamente, interpelou a voz do filho, a qual cortava o seu sossego.

 

MÃE: Fala, meu herdeiro de qualidade. O que se passa?

 

FILHO: Mamã, será que o nosso Pai nos ama de verdade? Será que ele mesmo pensa em nós, nas nossas irmãs que choram pelos castigos dos guardas deformadores, pelas chamas e agressões de todos os lados, pelas dificuldades que enfrentamos para construir o nosso humilde lar, e por tantas outras coisas que acontecem aqui em casa?

 

A mãe, entusiasta, como de costume, suspirou bem fundo e retornou ao filho, soltando palavras escoltadas de atenção e cautela, interrogou:

 

MÃE: Porquê, meu filho? O que se passa de verdade?

 

E o filho, acumulando uma média de coragem nos seus pulmões, fez atravessar, passando pela laringe e faringe, dos seus largos pulmões livres do fumo das drogas palavras, numa mistura das cordas vocais, palavras compostas de sons vozeados e silábicos, fonética e fonologicamente organizados, e asseverou:

 

FILHO: Mamã, mamã… Porque o Pai é Bombeiro, e a nossa casa está em chamas, ardendo de todos os lados, porém, parece que ele nem sequer nos que socorrer... Isto é normal, mamã?

 

MÃE: Eish, mwananga, mathala (ou seja – Eish, meu filho, cala-te – traduzido da língua Sena, falada no Centro de Moçambique). Sempre que falas, só abalas! Evite, meu filho!

 

Ora, a mãe, como quem tivesse entendido a plenitude da mensagem por detrás da pergunta do filho, continuou, efusiva:

 

MÃE: Mwanawe, una passiwa xikonde iwe! (Meu filho, vais receber um golpe na cabeça, em Sena). O teu Pai está sempre atento a estes tipos de comentários. Ele tem muitos ouvidos... Até parece um Superman! Ele sempre ouve comentários de todos sobre a nossa casa, principalmente quando não são a favor da sua liderança. Ele ainda não quer aceitar que isso é para o bem de todos nós. Pensa que lhes queremos mal. Talvez sejam os seus muitos ouvidos que mal transmitem estas mensagens… Talvez sejam eles que distorcem os comentários para ganhar mais confiança e credibilidade, bem como mostrar que estão a trabalhar. Isso já se normalizou em nossa casa, infelizmente.

 

Ora, o filho, logo em seguida, alinhou as suas palavras ao discurso que a sua já cansada mãe acabara de tecer. Quase desesperado, sem saber onde recorrer por ajuda, expôs:

 

FILHO: Ahhh, yá! Só posso sair desta casa... Não quero morrer afogado, muito menos ter o meu corpo totalmente incinerado, mamã. Se eu continuar aqui, com estes meus comentários, todos os meus sonhos se tornarão em cinzas. Vão incendiá-lo como tentaram fazê-lo ao Canal de Moçambique. Há muitas coisas que não posso suportar. Não posso ver, em silêncio, as minhas irmãs vendidas na cadeia, a nossa casa a queimar no telhado, onde lutamos pela nossa libertação, e a família toda impedida de construir porque alguns senhores decidiram e não querem que nós, os mais desfavorecidos, tenhamos onde reclinar a cabeça. Até denunciaram um animal em extinção, o Dugongo.

 

Vendo que o seu filho até tremia as bochechas quando falava, transparecendo o temor que ecoava do fundo das suas entranhas, e o medo de ver o seu futuro abortado antes do raiar do astro solar, a mãe atravessou a comunicação do filho, e afirmou:

 

MÃE: Filho, fica comigo. Vamos suportar as chamas até que um dos vizinhos nos venha ajudar... Tenha Paciência, Mwananga (Meu filho, em língua Sena)! Não se precipite!

 

Após este intercalar da sua mãe, uma medida de poucas palavras, carregadas de conteúdo semântico exibido pela sensibilidade da sua voz, associadas às gotas salgadas que espreitavam pela janela do seu rosto cheios de experiências tristes, colocando a mão sobre a cabeça, procurando palavras para melhor se expressar, o filho contestou:

 

FILHO: Shiii, mamã… Já não te reconheço mais. É tudo o que me tens a dizer? Queres mesmo que vendamos o nosso carácter a preço de banana por temer a quem nos deveria proteger e lutar pelo nosso bem-estar? É isso mesmo, mamã? Sério?

 

MÃE: Tens alguma ideia melhor, meu filho? – Questionou a mãe, toda preocupada. Ela tremia tanto que abanava a única capulana que a concedia a dignidade de uma mulher emancipada. A penúria, ao de longe, denunciava-se na sua aparência.

 

FILHO: Um momento, mamã. Deixa-me consultar aos meus irmãos, amigos, colegas e vizinhos. Talvez alguém tenha alguma solução que seja melhor para nós. Talvez, mamã!

 

Após ter pronunciado estas palavras, o filho deu algumas voltas no pátio da casa, que há tempo solicitava por Primeiros Socorros. Os Bombeiros viram o incêndio, mas, quando chegaram, não tinham água para apagar as chamas. Até tentaram! Também, os guardas sabiam das suas responsabilidades, porém, a sua ganância tinha mais autoridade sobre as suas consciências. Além disso, os políticos têm a noção da nossa pobreza, contudo, preferiam defender as suas causas a lutar pelo bem comum e por aqueles que os elegeram. Os líderes, por sua vez, sabem o que é necessário fazer para resolver os vários problemas do povo, no entanto, confiaram esta responsabilidade aos Parceiros de Cooperação e organizações externas. A Sociedade Civil, por seu turno, grande parte dela, é apática ao que realmente acontece. Ela luta com vigor por sonhos e necessidades particulares. Enfim, é muito ingrediente para uma única refeição!

 

Passados alguns minutos, o filho bradou altíssimo:

 

FILHO: Por favor, alguém me ajuda… Alguém aí nos pode ajuda, please? Está a ser difícil continuar nesta ilha. Os nossos sonhos estão a ser, aos poucos, confiscados!

 

De repente, um par de silêncio invadiu o cenário onde ambos conversavam. Era visível aquela presença friorenta que alcançou toda a vizinhança, incluindo àqueles que moravam em lugares mais distantes daquela velha casa de alvenaria amarfanhada.

 

Surpreendentemente, ninguém ousou em responder ao pedido de ajuda, que ecoava dos quintais de quase todos os bairros, apesar de, literalmente, todos conseguirem ouvir. No entanto, algum tempo depois, as chamas invadiram outros pátios, os danos alastraram-se e afectaram a muitos bolsos.

 

Em seguida, algo incrível aconteceu. Agora, quase TODOS julgavam ter respostas ao pedido de socorro. Ou melhor, quase todos tinham algo por dizer sobre o assunto, pelo que vozes emanavam de todos os pontos cardeais da crosta terreste, de latitudes, altitudes e longitudes diversas.

 

Posto isso, o filho, ao deparar-se com esta realidade, soltou, espantado:

 

FILHO: Yá! Rendi... Agora somos TODOS génios! Só porque as chamas também lhes afectaram... Será que precisava mesmo de chegarmos a este ponto?... Haja MUDANÇA!

 

A mãe, tentando socorrer-se da fala do filho, asseverou:

 

MÃE: Mwananga, mwananga (meu filho, meu filho). É melhor cooperares com o silêncio. Caluda. Eu já sepultei a muitos filhos que tentaram agir como tu. Seja apenas um mero espectador, telespectador, ou ouvinte… Nada de fazer perguntas. Até porque não fizeste jornalismo, e ninguém da nossa família fez este curso. Aliás, até os jornalistas formados, renomados e outros mais novos na área, já se cansaram de perguntar e receber cheques em branco como respostas. Não te quero perder antes da lua nova!!!

 

O filho, boquiaberto pela reacção da sua mãe, com todas as suas forças, retorquiu:

 

FILHO: Mamã… Se assim for, já me perdeste há muito tempo. Acorda, mamã. Acorda, senão vamos todos perecer aqui… Nesta casa, aliás, ilha, há vendedores de sonhos!

 

Tendo terminado de dizer estas palavras, alguém gritou: – “Você aí, muito cuidado!” Assustado, de repente, o filho abriu os seus olhos. Afinal, tratava-se de um sonho. Despertou, sem saber o que fazer em seguida… Assim, ele está à procura de alguém que possa ajudá-lo a desvendar o seu sonho.

 

Alguém aí pode ajudar?

quarta-feira, 23 junho 2021 09:32

A nova e rentável bolada da terra do rand

Enquanto os brutamontes da Pérola do Índico caçam os calvos, albinos e os "magnatas de origem indiana ou asiática", na terra do pai Madiba o foco agora é outro. Já não são os diamantes, ouro, viaturas luxuosas, produtos faunísticos, assaltos ou raptos que estão na moda lá na djone.

 

Os brutamontes da terra do rand viraram o foco e passaram a olhar para um novo negócio que infelizmente abrange a pessoas dos 40 anos de idade em diante. Os tipos não querem saber de trintões, mas sim de quarentões em diante. Porque o alegado produto é mais rentável nesta faixa etária.

 

A nova e rentável bolada da terra do rand são os joelhos. Para eles, não interessa qual dos membros inferiores desde que a estrutura do mesmo esteja completa com o vasto lateral, medial, intermédio, recto femoral, bíceps, semi-tendinoso, semi-membranoso, responsáveis pela extensão e flexão do joelho estejam em condições e fortificados.

 

Os brutamontes fazem a selecção do alvo durante vários dias. Vasculham em bares, mercados, locais desportivos, prostíbulos e campos agrícolas. A ideia é conhecer a rotina da vítima. Chegando o dia da captura eles introduzem-te substâncias químicas que te deixam em coma momentânea. E durante o período de inconsciência e num sono profundo, com a anestesia aplicada, eis que é removido o joelho e interligado novamente. O esquema é altamente sofisticado. Fazem parte médicos, cirurgiões, anestesistas, enfermeiros e indivíduos das negociações.

 

O maior susto das vítimas acontece quando despertam e tentam caminhar. Acabam percebendo que uma das pernas já não tem os mesmos movimentos; e quando a anestesia acaba a dor é insuportável.

 

Os brutamontes que durante anos dedicaram-se ao extermínio de rinocerontes e outras espécies animais da vida selvagem agora viraram o foco para o ser-humano – autentica banalização da vida humana! Ou seja, enquanto o corno do rhino era/é mais rentável quando vem de um animal jovem, o negócio dos joelhos é mais rentável quando o ser-humano é adulto – que coisa! O homem caçando outro homem e criando uma nova sociedade de mutilados. Era bom que esse novo negócio rentável da terra do rand não se expandisse em outros países como o nosso – Moçambique – a barbárie seria maior.

segunda-feira, 21 junho 2021 09:39

Vou abandonar este pais

Nhambuli  está cansada de viver aqui, no seu próprio país, onde as pessoas, segundo ela diz, correm todos os dias e não chegam a lugar nenhum. Fumam cannabis sem parar, nas calçadas, na tentativa vã de atingir a felicidade na alucinação, e o que se vê  é a contínua degradação do tecido da carne e do espírito. O pior é que nunca mais amanhece, para se concrectizar a poesia de Jorge Rebelo, “Não importa que seja longa a noite/a verdade é que há-de amanhecer.

 

De que vale eu ter todos estes bens que alimentam a minha carcaça – desabafa Nhambuli – se aqui mesmo ao lado há crianças que dormem sem comer! De que vale toda a bebida refinada de que me disponho, se aqui mesmo as mulheres são violadas diante de toda a gente, as cerianças estupradas! De que vale tudo isso se as hienas não esperam que a gente morra para nos degustarem! De que vale viver!

 

Nhambuli é uma mulher de finos cristais por dentro, onde bate descompassado – mas firme - um coração de ouro puro filtrado pelo fogo. Admiro-a, sobretudo pela serenidade transmitida pela voz profunda, e pelo olhar perturbador. Também noto sem muito esforço que apesar de melancólica, ainda mantém a lanterna nas mãos -  no lugar das armas - a procura de outros caminhos que a possam levar a novas auroras.

 

Nhambuli venera o silêncio, por isso leva-me frequentemente – no seu carro - à praia de Guinjata, onde ficamos longas horas a ouvir a música ora tranquila, ora retumbante, interpretada pelas ondas do Índico. Neste paraíso nós somos meros mirones sexagenários, não propriamente frustrados, mas sem muita esperança. É por isso que Nhambuli diz repetidamente sem se cansar, vou abandonar este país!

 

Nhambuli nunca saíu de Inhambane, provavelmente seja por isso que de dentro dela nunca nascem farpas. Dentro dela há harpas que soam nas palavras e no olhar. Os olhos de Nhambuli cantam, ou ao pestanejar ou ao fixarem-se sobre algo como agora que contempla o Índico, agradecendo toda esta dádiva de estarmos aqui, quando muitos neste belo Moçambique, definham no desespero, sem nada para comer. É injusto!

 

Mas há uma orca dentro da Nhambuli, e Nhambuli não quer que essa orca sobreviva. Então, o melhor é fugir daqui – segundo diz nos intervalos dos goles de scotch -  no barco de Gilberto Gil, “vamos fugir deste lugar baby/Estou cansado de esperar que você me carregue”. Ela canta sempre essa poesia do Gil, sem celebração nos olhos, nem na alma, implantada na voz. Nhambuli é a rola que deseja ardentemente voar para outro horizonte, e deixar para trás esta noite que nunca mais amanhece.