Povo chora
Político rouba
Terra rara
Vida soberba
Juventude desempregada
Sociedade acorrentada
Esperança arrancada
Pátria encrencada
Instituição corrupta
Incapaz governa
Nação sangrenta
Guerra eterna
Pérola bonita
Vida prostituta
Tribalismo aumenta
Sociedade publicitá
Coração despedaçado
Corpo repartido
Violência cultural
Diferença abismal
Humano corrompido
Terra vendida
Dívida ocultada
Mentor protegido
Omardine Omar – Maputo, Dezembro de 2020
Se calhar já cheguei ao ponto em que devo parar e prescrutar os últimos sinais do abismo. Sinto isso na minha incapacidade de socialização. Tento inventar novas palavras mas vejo que estou metido num beco sem saída, e o meu poço está seco, nem lama tem. Nas intervenções que tenho feito para as pedras existentes dentro de mim, a percepção é de que estou a plagiar-me em cada sílaba, e a plagiar os outros. O eco que volta dessas pedras interiores raspa-me dolorosamente a profundeza do coração, que deixou de ritmar ao compasso da juventude.
Sentado sozinho na minha varanda onde fumo lhamba sem parar, vejo tudo a metamorfosear-se em meu redor, e chego a conclusão que na verdade estou no limite, então o melhor é não trazer à memória as incongruências que comandam a minha vida desde o início. É melhor assim, até porque estou no palanque falando para a opacidade, ninguém me ouve, nem eu próprio me oiço. Não oiço nada, senão as mesmas palavras cansadas de mim de tanto repeti-las até a náusea.
Mas este silêncio que outrora debruava o paraíso da minha luta pelo amor, transformou-se em sismo, abala tremendamente a minha alma. Nem posso chorar, a Zabeli não está aqui para enxugar meu rosto. Ligo para ela.... nada, não atende! Envio mensagens atabalhoadas pedindo perdão... também nada, não responde! Ameaço-a dizendo que vou-me suicidar se ela não voltar, e a resposta, desta vez, vem da gargalhada dos mabecos.
Sou o fósforo inteiro sem glória, pronto a arder e queimar-me todo, deixando a cinza que voará aos pés dos sabujos. Estou à espera da faúlha que vem devagar para este limite onde me rigozijo por ainda poder tirar algumas palavras do meu poço sem água nem lama no fundo. São as mesmas palavras, eu sei, recusadas por todos de tanto serem repetitivas até se tornarem supérfluas. Desprezíveis.
O que me reconforta é que vou morrer fumando lhamba enrolada em papel arrancado dos meus livros que nunguém compra. Então estou a fumar as palavras que eu próprio escrevi em noites de solidão, num quarto onde ainda sinto o perfume da Zabeli. Embevece-me fumar as palavras buriladas ora com sentimento mais profundo, ora com gozo.
É este o lado belo da loucura, quando a gente chega ao limite e dá conta de que perdemos a capacidade de inventar novas palavras, novo futuro, e só nos resta fumar profusamente a lhamba enrolada em papel arrancado dos livros que nós mesmos escrevemos. Livros que ninguém compra, e se ninguém os compra é porque ninguém os lê. Nem a Zabeli, que vai-me matando aos pedaços.
- Senhora Luísa, você tentou uma vez candidatar-se a candidato a presidente da República, depois não conseguiu. Como é que se sentiu após essa derrota?
- A vida é composta de batalhas intermináveis. Aliás, já ao sairmos do ventre da nossa mãe, recebemos imediatamente esse aviso através da pancadinha que nos dão no rabinho, e choramos. O normal seria sorrirmos ao ver a luz do sol pela primeira vez, mas não é isso que acontece, choramos de susto e medo perante os verdugos que nos aguardam, disfarçados no imenso brilho do próprio universo.
- Mas qualquer batalha perdida deixa em nós uma dor!
- Eu acerdito que você já assistiu a grandes jogos de futebol, e nesses jogos deve lembrar-se de ter visto um grande golo marcado por um jogador genial, mas o árbitro entende anular esse tento que até pode ser de antologia. Por isso, ao entrarmos para grandes desafios, temos que contar com aqueles que têm o machado na mão, prontos para decapitarem-nos.
- Então sabia que podia perder naquele jogo de candidatura a candidato a presidente da República, onde pontificavam nomes avultados, não propriamente por aquilo que fizeram para o desenvolvimento do país, mas por outrios motivos!
- Em todas as minhas lutas contei sempre com o inesperado. A vida em si é inesperada. O próprio Jesus sabia que iria lhe acontecer o pior, mas veio a terra enfrentar os chacais e jamais deixou de lutar.
- Continua a acreditar que um dia pode vir a ser Presidente da República?
- O objectivo da minha vida não se circunscreve ao poder. Há várias frentes de luta, e a de presidente é apenas uma delas.
- Mas a Luísa Diogo queria (quer) ser Presidente da República!
- Há coisas que você só pode fazer tendo o poder na mão.
- Mas a senhora está no poder!
- O problema não é estar no poder. É ter o poder na mão.
- Há uma contradição nas suas palavras, e pela forma como fala deixa-nos perceber que afinal há uma espécie de obsessão dentro de si nesta luta!
- Se há alguma obsessão dentro de mim, é no sentido de que o meu desejo fervoroso é lutar para que algumas pessoas deixem de pensar que este país é deles sozinhos.
- É isso que lhe move na luta por ter o poder na mão?
- O que me move é a luta pela justiça, pelo respeito aos direitos dos cidadãos. É isso que me move.
- Os seus camaradas não têm conseguido isso?
- Eles combateram um bom combate, mas a partir de um determinado momento degeneraram, e precisam de descansar. Então precisamos todos nós, de um novo paradigma.
- E acha que esse novo paradigma está nas suas mãos?
- (Risos)
- Senhora Luísa, você teve momentos de pico, continua a ser uma mulher respeitada, é temida por aqueles que não querem novas luzes. Não receia que amanhã possa sair do cume onde está, para o sopé?
- Primeiro, não sabia que eu era temida por aqueles que não querem novas luzes, você é que está a dizer-me agora. Outrossim, nós vivemos entre os cumes e os sopés, segundo o escritor Lucílio Manjate, e eu subscrevo. Jesus Cristo foi aviltrado, achincalhado, pisado como areia, mas há uma coisa que não conseguiram tocar nele, a alma. Então se Jesus, que é uma Pessoa Grandiosa, chegou a ser puxado até ao nível do chão, quem sou eu para não ser posto a rastejar. Mas podem acreditar, a minha alma é inabalável. Continuo a acreditar na vitória dos meus propósitos.
- Moçambique tem futuro?
- Moçambique sempre teve futuro, o que acontece é que estamos ainda no alto-mar, a ser abalroados. Mas lá chegaremos, nem que seja a bordo de uma mwadia (canoa).
- Há quem diz que essa mwadia é a Luisa Diogo!
- (Risos) Nunca ouvi essa professia
* Entrevista imaginária
* Entrevista imaginária
A TOTAL, uma empresa petrolífera francesa, suspendeu a continuação do projecto de gás em Afungi, Cabo Delgado, alegando razões de força-maior (insegurança). Da decisão seguems, em jeito de ecos e raparos, algumas e breves notas.
Eco 1. Por conta das consequências nefastas que advirão da decisão da TOTAL, a classe empresarial nacional veio a terreiro, e bem alto, falou da profundeza das àguas em que se viram mergulhados os empresários, apontando para um naufrágio estimado em milhões de dólares americanos. Até aqui tudo bem (mal), mas para a posteriedade fica o seguinte reparo: alguém lembra-se de gritos quando a torneira de Afungi estava a jorrar? .
Eco 2. Ainda na senda da suspensão, quem ainda não se pronunciou é a entidade responsável pela elaboração do “Modus Operandi” do Fundo Soberano, mormente a condução da sua fase da ascultação pública. Sobre o silêncio, e para a posteriedade, vai o reparo: será que o processo de elaboração do quadro operacional do Fundo Soberano também foi suspenso?
Eco 3. Na mesma semana da decisão da TOTAL , não passou despercebido o anúncio de mais uma doação (e no quadro da ADIN, Agência de Desenvolvimento Integrado do Norte). Fala-se em mais de um bilião de dólares americanos. É muita massa, mas que dá muita massada (uma delas a burocrática) e pelo histórico das doações é mais um adiamento do desenvolvimento e da afirmação da soberania. Contudo, fora este entretanto, e em jeito de raparo para a posteriedade, dói que o país não possa financiar o seu desenvolvimento com fundos da sua riqueza e no lugar ter que mendigar/depender da caridade (problemática) de terceiros.
Certamente que existem outros ecos e reparos, mas por enquanto estes são os que me ocorrem e para a posteriedade, em jeito de fecho, vai, à francesa , o reparo-maior:“Cest la vie!”.
Eram 16 horas do dia 24 de Março, numa quarta-feira do ano de 2021 quando homens fortemente armados e equipados atacaram a terra do gás e do petróleo – Palma. Um local que até a data do ataque estava amplamente guarnecido e militarizado. Mas não foi o que se viu naquele dia! A vila estava escancarada. Desprotegida e vulgarizada. Os que viveram o cenário contam como é conhecer o inferno. Ver as palavras contidas nos amuletos sagrados na prática ou sentir-se um morto ressuscitado no dia do julgamento final - mas estavam vivos – vivenciando o horror em directo!
No dia 24 de Março, todos rezavam para ter asas para voar. Poderes sobrenaturais para combater ou desaparecer. O cenário era de tristeza. Os terroristas pegaram as pessoas de surpresa, numa hora que ninguém imaginava e fardados de uma forma idêntica às Forças de Defesa e Segurança, mas com lenços vermelhos e pretos amarrados na cabeça.
Os abutres gritavam Allahu Akbar (Deus é o maior)…hoje é hoje (…) os que não tiveram sorte foram decapitados, esfolados, esquartejados, esnobados, profanados ou queimados. Entretanto, alguns conseguiram vencer o terror correndo e nadando durante dias em busca de segurança e salvação – alguns não aguentaram, morreram tentando!
Todos haviam sido surpreendidos! As pessoas corriam de um lado para outro e com várias perguntas sem resposta – como conseguiram entrar até aqui? Quem são eles? Porquê estão a fazer isso? Para a surpresa de todos, parte dos terroristas eram jovens locais. Que dias antes dedicavam-se aos serviços de moto-táxis, corte de cabelo, vendedores ambulantes cuja maioria eram provenientes de Mocímboa da Praia e nas suas discussões diziam que queriam que os terroristas entrassem em Palma para igualarem!
As cobras que entraram dias antes como lagartijas ou animais de estimação (como lobos em pele de cordeiro) pessoas famintas e que perderam tudo, afinal não passavam de inimigos camuflados e que chegaram meses antes como deslocados internos e foram acolhidos pelos populares que lhes deram água, comida, roupa, introduziram-lhe no interior das suas residências e deram-lhes uma esteira e cobertores para dormir – ou seja, abriram-lhes as portas e trataram-lhes como familiares, mas no dia do ataque pareciam que estavam possuídos ou acabavam de cair acidentalmente no nosso planeta.
O espanto é que a maior parte deles não gostavam de trabalhar e parte deles era normal negarem trabalhar nas empresas locais por alegarem que o salário era pouco e preferiam passar o tempo a jogarem futebol, dama ou cartas.
Os tipos já estavam infiltrados nas comunidades! Atacaram a próspera vila de Palma por dentro, porque dormiam, conviviam e comiam com a população e os militares, aguardando o dia do ataque chegar. Escolheram as pessoas que iriam matar e as infraestruturas que deveriam ser incendiadas. Alteraram a realidade plena de um povo abençoado e condenado por nascer e viver numa terra inundada pelos preciosos recursos – "gás e petróleo"…Esta é uma das faces da guerra em Cabo Delgado, onde quase sempre o inimigo dorme ao nosso lado!