Quero compartilhar consigo, neste texto, parte de um diálogo que rabisquei enquanto pensava na actual situação da nossa Pérola do Índico, Moçambique. Espero que este curto texto o ajude a lembrar-se de algo, senão de muitas coisas, que ocorre no solo pátrio. Trata-se de uma conversa entre uma mãe e um filho a respeito do que acontecia em sua casa, aliás, no seu País.
FILHO: Mãe, eu tenho uma pergunta. Posso fazer?
A mãe, ansiosa, e com um olhar transparecendo cansaço, cautelosamente, interpelou a voz do filho, a qual cortava o seu sossego.
MÃE: Fala, meu herdeiro de qualidade. O que se passa?
FILHO: Mamã, será que o nosso Pai nos ama de verdade? Será que ele mesmo pensa em nós, nas nossas irmãs que choram pelos castigos dos guardas deformadores, pelas chamas e agressões de todos os lados, pelas dificuldades que enfrentamos para construir o nosso humilde lar, e por tantas outras coisas que acontecem aqui em casa?
A mãe, entusiasta, como de costume, suspirou bem fundo e retornou ao filho, soltando palavras escoltadas de atenção e cautela, interrogou:
MÃE: Porquê, meu filho? O que se passa de verdade?
E o filho, acumulando uma média de coragem nos seus pulmões, fez atravessar, passando pela laringe e faringe, dos seus largos pulmões livres do fumo das drogas palavras, numa mistura das cordas vocais, palavras compostas de sons vozeados e silábicos, fonética e fonologicamente organizados, e asseverou:
FILHO: Mamã, mamã… Porque o Pai é Bombeiro, e a nossa casa está em chamas, ardendo de todos os lados, porém, parece que ele nem sequer nos que socorrer... Isto é normal, mamã?
MÃE: Eish, mwananga, mathala (ou seja – Eish, meu filho, cala-te – traduzido da língua Sena, falada no Centro de Moçambique). Sempre que falas, só abalas! Evite, meu filho!
Ora, a mãe, como quem tivesse entendido a plenitude da mensagem por detrás da pergunta do filho, continuou, efusiva:
MÃE: Mwanawe, una passiwa xikonde iwe! (Meu filho, vais receber um golpe na cabeça, em Sena). O teu Pai está sempre atento a estes tipos de comentários. Ele tem muitos ouvidos... Até parece um Superman! Ele sempre ouve comentários de todos sobre a nossa casa, principalmente quando não são a favor da sua liderança. Ele ainda não quer aceitar que isso é para o bem de todos nós. Pensa que lhes queremos mal. Talvez sejam os seus muitos ouvidos que mal transmitem estas mensagens… Talvez sejam eles que distorcem os comentários para ganhar mais confiança e credibilidade, bem como mostrar que estão a trabalhar. Isso já se normalizou em nossa casa, infelizmente.
Ora, o filho, logo em seguida, alinhou as suas palavras ao discurso que a sua já cansada mãe acabara de tecer. Quase desesperado, sem saber onde recorrer por ajuda, expôs:
FILHO: Ahhh, yá! Só posso sair desta casa... Não quero morrer afogado, muito menos ter o meu corpo totalmente incinerado, mamã. Se eu continuar aqui, com estes meus comentários, todos os meus sonhos se tornarão em cinzas. Vão incendiá-lo como tentaram fazê-lo ao Canal de Moçambique. Há muitas coisas que não posso suportar. Não posso ver, em silêncio, as minhas irmãs vendidas na cadeia, a nossa casa a queimar no telhado, onde lutamos pela nossa libertação, e a família toda impedida de construir porque alguns senhores decidiram e não querem que nós, os mais desfavorecidos, tenhamos onde reclinar a cabeça. Até denunciaram um animal em extinção, o Dugongo.
Vendo que o seu filho até tremia as bochechas quando falava, transparecendo o temor que ecoava do fundo das suas entranhas, e o medo de ver o seu futuro abortado antes do raiar do astro solar, a mãe atravessou a comunicação do filho, e afirmou:
MÃE: Filho, fica comigo. Vamos suportar as chamas até que um dos vizinhos nos venha ajudar... Tenha Paciência, Mwananga (Meu filho, em língua Sena)! Não se precipite!
Após este intercalar da sua mãe, uma medida de poucas palavras, carregadas de conteúdo semântico exibido pela sensibilidade da sua voz, associadas às gotas salgadas que espreitavam pela janela do seu rosto cheios de experiências tristes, colocando a mão sobre a cabeça, procurando palavras para melhor se expressar, o filho contestou:
FILHO: Shiii, mamã… Já não te reconheço mais. É tudo o que me tens a dizer? Queres mesmo que vendamos o nosso carácter a preço de banana por temer a quem nos deveria proteger e lutar pelo nosso bem-estar? É isso mesmo, mamã? Sério?
MÃE: Tens alguma ideia melhor, meu filho? – Questionou a mãe, toda preocupada. Ela tremia tanto que abanava a única capulana que a concedia a dignidade de uma mulher emancipada. A penúria, ao de longe, denunciava-se na sua aparência.
FILHO: Um momento, mamã. Deixa-me consultar aos meus irmãos, amigos, colegas e vizinhos. Talvez alguém tenha alguma solução que seja melhor para nós. Talvez, mamã!
Após ter pronunciado estas palavras, o filho deu algumas voltas no pátio da casa, que há tempo solicitava por Primeiros Socorros. Os Bombeiros viram o incêndio, mas, quando chegaram, não tinham água para apagar as chamas. Até tentaram! Também, os guardas sabiam das suas responsabilidades, porém, a sua ganância tinha mais autoridade sobre as suas consciências. Além disso, os políticos têm a noção da nossa pobreza, contudo, preferiam defender as suas causas a lutar pelo bem comum e por aqueles que os elegeram. Os líderes, por sua vez, sabem o que é necessário fazer para resolver os vários problemas do povo, no entanto, confiaram esta responsabilidade aos Parceiros de Cooperação e organizações externas. A Sociedade Civil, por seu turno, grande parte dela, é apática ao que realmente acontece. Ela luta com vigor por sonhos e necessidades particulares. Enfim, é muito ingrediente para uma única refeição!
Passados alguns minutos, o filho bradou altíssimo:
FILHO: Por favor, alguém me ajuda… Alguém aí nos pode ajuda, please? Está a ser difícil continuar nesta ilha. Os nossos sonhos estão a ser, aos poucos, confiscados!
De repente, um par de silêncio invadiu o cenário onde ambos conversavam. Era visível aquela presença friorenta que alcançou toda a vizinhança, incluindo àqueles que moravam em lugares mais distantes daquela velha casa de alvenaria amarfanhada.
Surpreendentemente, ninguém ousou em responder ao pedido de ajuda, que ecoava dos quintais de quase todos os bairros, apesar de, literalmente, todos conseguirem ouvir. No entanto, algum tempo depois, as chamas invadiram outros pátios, os danos alastraram-se e afectaram a muitos bolsos.
Em seguida, algo incrível aconteceu. Agora, quase TODOS julgavam ter respostas ao pedido de socorro. Ou melhor, quase todos tinham algo por dizer sobre o assunto, pelo que vozes emanavam de todos os pontos cardeais da crosta terreste, de latitudes, altitudes e longitudes diversas.
Posto isso, o filho, ao deparar-se com esta realidade, soltou, espantado:
FILHO: Yá! Rendi... Agora somos TODOS génios! Só porque as chamas também lhes afectaram... Será que precisava mesmo de chegarmos a este ponto?... Haja MUDANÇA!
A mãe, tentando socorrer-se da fala do filho, asseverou:
MÃE: Mwananga, mwananga (meu filho, meu filho). É melhor cooperares com o silêncio. Caluda. Eu já sepultei a muitos filhos que tentaram agir como tu. Seja apenas um mero espectador, telespectador, ou ouvinte… Nada de fazer perguntas. Até porque não fizeste jornalismo, e ninguém da nossa família fez este curso. Aliás, até os jornalistas formados, renomados e outros mais novos na área, já se cansaram de perguntar e receber cheques em branco como respostas. Não te quero perder antes da lua nova!!!
O filho, boquiaberto pela reacção da sua mãe, com todas as suas forças, retorquiu:
FILHO: Mamã… Se assim for, já me perdeste há muito tempo. Acorda, mamã. Acorda, senão vamos todos perecer aqui… Nesta casa, aliás, ilha, há vendedores de sonhos!
Tendo terminado de dizer estas palavras, alguém gritou: – “Você aí, muito cuidado!” Assustado, de repente, o filho abriu os seus olhos. Afinal, tratava-se de um sonho. Despertou, sem saber o que fazer em seguida… Assim, ele está à procura de alguém que possa ajudá-lo a desvendar o seu sonho.
Alguém aí pode ajudar?