Na Av. Eduardo Mondlane havia um bar baptizado “Goa”, conhecido em todo o grande Maputo pela essência dos petiscos ali servidos, em particular os mariscos que levavam os irresistíveis temperos asiáticos. Bebia-se cerveja a rodos desde o amanhecer, e todos aqueles que lá iam pela primeira vez, queriam voltar outra vez e nunca mais abandonavam o lugar que se tornou histórico, resistindo aos ventos infaustos do tempo, até ao momento em que tudo aquilo colapsou.
É aqui onde João Paulo, o arrebatante blues man e soul music man, inspirava-se para a loucura dos clubes noturnos reservados aos grandes, e ele reverberava, tornando-se assim, aquele cometa que jamais voltará. Era ele, o João, a principal referência quando o “Goa” entrou em derrocada até se tornar uma espelunca. João Paulo também estava em derrocada, até que a morte, cansada de esperar por um indivíduo que ia devagar em direcção à guilhotina, em cada duplo de Jack Daniels, trespassou-o.
Nos Últimos anos, - meados de 2000 - “Goa”, apesar de se ter tornado um lugar desprezível, era uma importante lagoa, onde mais do que ir refrescar-se com as suas águas turvas, as pessoas que lá se materializavam , muitas delas, faziam-no com o propósito de debater ideias. Havia massa pensante que transformava esta gruta em fonte de sabedoria, não se falava de putas. Quer dizer, em todas as mesas a conversa era desenvolvida em torno do saber, e o que se notava é que quanto mais embriagados, mais lúcidos ficavam os intervenientes.
João Paulo apelidou o “Goa” de “Bar dos Crâneos”, querendo dizer com isso que o “Goa” é bar dos pensantes. O que se falava lá dentro e na esplanada cá fora, não eram balelas. Havia oradores esclarecidos, que se destacavam e eram promovidos, pelo seu conhecimento, a mais do que simples pivots. Outros ainda, aqueles cuja capacidade de oratória e de cultura geral era limitada, ficavam empolgados em escutar os arautos, e pediam mais cerveja. Para eles próprios e para aqueles que falavam.
No “Goa” não havia interlúdio. Em todas as mesas destacava-se um maestro, ou vários, mesmo assim não se perdia a consonância. Era como você estar num estádio com vários palcos, onde em cada um deles a música que se toca, é tocada por grandes músicos, e você quer ouvir todas as músicas ao mesmo tempo. Com a diferença de que chega um momento em que o maestro dilui-se. Cada executante quer tocar a sua música e quer que os outros a escutem. Mas esse é o ressurgimento dos “crâneos”, todos querem brilhar. Aliás, eles vão ali para brilhar. E mostrar que brilham.
Pois é! Lembrei-me destes momentos indeléveis na memória, quando há uma semana estive em Maputo e passei por este lugar onde ainda fui tempo de sentir o cheiro do João Paulo, sem precisar de entrar. Já não se chama “Goa”, mudou de nome e de história, como todos nós. Já não somos os mesmos!
É uma situação que já não me permite calar, senão sentirei remorso para o resto da minha vida, caso amanhã apareça mais um colega de Órgãos de Comunicação Social dos ditos independentes morto.
A situação não está boa no País para o exercício pleno desta profissão nobre – o Jornalismo. Eu penso que quem está no terreno e não só, sabe do que me refiro, embora esta triste situação seja mais visível quando praticada por autoridades ou instituições do Estado. Entretanto, este não é o cerne deste artigo de opinião ou grito de socorro, não para mim, mas para quem pratica um jornalismo “fora da caixa”.
O cerne deste texto não visa atacar as lideranças do MISA-Moçambique ou do Sindicato Nacional de Jornalistas (SNJ), porém, sugerir que estejam atentas face à real situação dos “jornalistas independentes” baseados em Províncias como Cabo Delgado, Nampula, Sofala, Manica, Tete, Inhambane, Maputo e outras, principalmente no que respeita ao tipo de representante existente nestas províncias, pois, a situação não é boa. Digo isso por experiência própria e com evidências reunidas ao longo de três anos de viagens constantes para estas regiões.
São inúmeras vezes que alguns colegas da profissão, por saberem que eu estava na sua Província, evitaram encontros presenciais devido ao medo exacerbado de ficarem a ser “mal vistos” pelas lideranças locais porque, alegadamente, caso alguma “bomba” rebentasse, ele ficaria a pagar a factura em meu nome ou os representantes das instituições formalmente concebidas para defender a Liberdade de Imprensa no País convidá-lo-iam para um “café nazista” nos escritórios do Governo Provincial para saber se não terá sido ele a escrever o tal artigo.
Em Cabo Delgado, quando os ataques ainda reportados pelos Órgãos de Comunicação Social privados eram todos vistos aos olhos oficiais como “fake news”, por não quererem que a informação fosse veiculada ao povo e ao mundo, jornalistas correspondentes de Órgãos de Comunicação Social nacionais e internacionais foram, por várias vezes, torturados psicologicamente. Ora, o mais estranho destes actos é que eles não são protagonizados, na sua maioria, por Agentes Secretos ou pela Polícia, porém, por jornalistas e representantes de organizações como o MISA ou SNJ, que deveriam defender a classe nestes locais.
Todos nós acompanhamos a situação vivida por Amade Abubacar, Estácio Valoi, Germano Adriano e, recentemente, Ibrahimo Mbaruco. Alguém já viu ou ouviu falar de uma Conferência de Imprensa do MISA ou SNJ em Cabo Delgado a exigir que as autoridades judiciais tragam resultados das investigações? Se eu estiver errado, estão livres de usarem os mesmos meios para desmentirem. Agradeceria bastante.
Em contrapartida, quando, em 2019, eu e a minha colega Paula Mawar, vítima destes actos nocivos de certos profissionais acobertados em organizações defensoras da Liberdade de Imprensa nas províncias, denunciamos a situação de limitação de circulação de informações sobre os ataques em Cabo Delgado por ordem do então Governador da Província, foram os representantes do MISA e SNJ que vieram ao público, alguns pousando, simultaneamente, como repórteres e fontes de informação, distanciando-se e desmentido a ocorrência de tal acto como se de um gesto nobre e patriótico estivessem a prestar à nação.
Por conseguinte, os dias que se seguiram foram tenebrosos para os jornalistas que trabalham para privados e internacionais. Vários foram interrogados e ameaçados. Na altura, o meu telemóvel não parava de chamar, alguns se despedindo ou mesmo chorando para mim. E quando os questiono se se tratavam de Agentes do SISE ou SERNIC, os colegas diziam um sonante “NÂO”, pois eram ameaçados por colegas da profissão!
Sobre o caso Amade Abubacar, por exemplo, eram jornalistas como ele que propalavam, em certos circuitos, que Abubacar era mesmo o que as autoridades diziam – informante dos insurgentes. Alguns chegaram até de se deslocarem à residência do proprietário da casa, onde Amade Abubacar havia arrendado, para dizê-lo que ele estava a albergar alguém estranho e controlado pela justiça. Coitado do Abubacar, o qual, até hoje, aguarda por um desfecho do caso! Infelizmente, devido a estas situações, o homem teve que se reinventar.
A Paula Mawar, que logo que a onda de terror começou, foi colocada na parede para decidir se continuava a escrever sobre os ataques ou se abandonava a instituição. Por sua vez, o Estácio Valoi, embora tenha ganhado o processo contra a Polícia, ainda sonha com o seu material de trabalho em mãos incertas. Sobre o caso Ibrahimo Mbaruco, infelizmente, devido à nossa consciência voltada ao esquecimento, já lá se vão quase dois anos que não se sabe da sua situação. Alguns colegas, por conseguinte, tiveram que trocar as suas assinaturas e vivem mudando, constantemente, de residência por temer o pior – apesar disso, os representantes destas instituições nem estão para eles.
Mesmo na Cidade de Maputo, a técnica de funcionamento é idêntica. Contudo, a vantagem de Maputo é a existência de vários Órgãos de Comunicação Social, no entanto, a solidariedade jornalística é um mito, ou seja, escreve-se por ocasião, para o inglês ver. Em caso de um acontecimento, os colegas julgam-te, dizem que já sabiam que ele era assim. Até os que são raptados e espancados, há quem corre para informar as lideranças que se tratava de questões sociais. Quando se queima um escritório de um jornal, prendem-no arbitrariamente e acusam-no de crimes que não cometeste. E os colegas da classe afirmam: “isso é assunto dele, não vamos nos intrometer”.
Eu sou um exemplo disso! Recentemente, um colega, curiosamente, Coordenador de uma associação de jornalistas, disse-me na cara que o caso da minha detenção não foi assim como tem sido explicado, que a Procuradoria da Cidade de Maputo, que decidiu em se abster do processo, não tinha que o fazer, pois, eu teria cometido os tais actos sobre os quais fui acusado. Não imaginam o quanto fiquei chateado com aquele colega e, por pouco, partia para a ignorância, contudo, como sei o tamanho das grades mentais que o tipo carrega, preferi agir como um monge!
Posição similar cheguei a ouvir com outros colegas da classe, os quais confessaram que, a princípio, deram razão às autoridades policiais, entretanto, quando juntaram as peças, viram que eu tinha razão. Mesmo assim, eles sugeriram que eu deveria abrandar o nível de trabalho que tenho realizado, para não voltar a ter estresses de género, entre outras coisas. Alguns até foram prometidos cargos, em instituições estatais, caso fornecessem informações comprometedoras ao meu respeito, mas a prudência e verticalidade ajudou-lhes a reflectir melhor!
Outra situação preocupante está a ser vivida, nos últimos dias, pelo jornalista Luciano da Conceição, natural de Tete, e correspondente da DW África na Província de Inhambane. O homem tem vivido uma autêntica situação ao modo nazista protagonizada por jornalistas e representantes do SNJ em Inhambane e não só. Ele, que há meses foi raptado na porta de casa e deixado numa praia inconsciente, vive actualmente em constante hostilização por parte dos colegas da classe e de outras individualidades.
A hostilidade ao jornalista intensificou-se desde que ele escreveu o artigo sobre as qualificações académicas do Administrador de Vilankulo, Edmundo Galiza Matos Jr. Como é apanágio destes grupos, Luciano foi removido de todos os grupos de WhatsApp de jornalistas e do Sindicato na Província, humilhado pelos colegas e chamado para um “café nazista” de enculturação dos âmbitos jornalísticos da Província pelo representante do SNJ, alegadamente, porque o homem está a agir fora da caixa. Luciano da Conceição recebe ligações constantes destes grupos, ameaçando-o e demonstrando algumas atitudes tribalistas.
Nas agendas de trabalho da Província, o jovem jornalista é excluído porque, alegadamente, não escreve como “patriota”, ou seja, ser patriota é replicar os supostos feitos da administração local – sinceramente – que o diga Armando Nenane, abandonado à sua sorte e exigido a pedir desculpas ao General, por ter exercido um direito constitucional – Liberdade de Imprensa e de Informação – agora é sugerido a ajoelhar-se nas botas do General, lambê-las e vir, publicamente, confessar o crime de informar – só mesmo em Moçambique. E os mesmos defensores organizacionais da Liberdade de Imprensa dizem não ter dinheiro para o apoiar – que coisa, nem!?
Na Cidade da Beira, o jornalista Arsénio Sebastião, quando pensava que o caso, que aparentava ter sido dirimido em 2020, eis que um Tribunal local decidiu condená-lo pelo Crime de Corrupção. Já se passaram semanas e nenhuma organização veio ao público para denunciar e repudiar esta acção incompreensível do Tribunal.
Portanto, os casos são variadíssimos, e espalham-se em todo o País. Talvez terei que fazer um segundo texto para narrar mais casos de género, porque é importante que haja mudanças de comportamentos e atitudes por parte de todos nós.
Por conseguinte, chegando a esta parte, eu penso que seja de vital importância que se repense sobre quem representa a classe jornalística em algumas Províncias. Não se pode admitir que assessores de dirigentes que, estranhamente, ainda exercem a profissão estejam na liderança de organizações como MISA-Moçambique e SNJ, as quais, quando bem dirigidas e representadas, tornam-se num veículo importante de defesa, protecção e moderação desta profissão nobre que, em outros quadrantes, constitui o Quarto Poder, mas, aqui na Pérola do Índico, alguns guardam o poder no quarto!
Atenciosamente. Até já!
“Alguma novidade de Kigali?”. Foi assim que esta manhã, à mesa do café, fui recebido pelos amigos. Pelos vistos será a praxe dos próximos tempos - contrariamente ao habitual – a luz da chegada da tropa ruandesa, sobretudo depois do primeiro briefing, a partir de Kigali, a capital do Ruanda, alusivo a evolução da luta contra o terrorismo em Cabo Delgado. Antes a pergunta, sobre a mesma matéria, dirigida ao último a chegar à mesa e cabendo-o o voto de qualidade, era um tímido “ouvimos dizer que…! Confirmas?”
O intróito lembra-me que no quadro da ajuda ocidental ao desenvolvimento de Moçambique, e parte considerável tida como doação (grátis), eu cresci a ouvir que o país não podia fazer determinadas coisas (e soberanas) porque “o Fundo Monetário Internacional (FMI) não deixa”, que “o FMI vai repreender” e que desta instituição, a fonte de informação segura sobre as novidades e contornos do desenrolar dessa ajuda e de outras relações financeiras como fora o caso das chamadas “dívidas ocultas”.
Hoje, face aos contornos da presença da tropa ruandesa em Moçambique, para citar um exemplo, oiço/vejo em “reply” o mesmo filme com o FMI, mas actualizado. Na sua comunicação à nação, o Chefe de Estado moçambicano disse que no quadro da ajuda estrangeira (ruandesa), que é solidária (grátis), o comando no teatro de operações continuaria em Maputo. Não se esperou tanto, menos de uma semana, para que os sinais do briefing ruandês, pelo menos por enquanto, indicassem que Kigali será o palco das novidades (e o comando?) e, na senda, o provável destino dos ganhos. Infelizmente, da experiência com a versão original do filme, não se tirara a devida lição de que “a ajuda não é caridade” tal como dissera um antigo e então PM do Canadá, um país doador ocidental, nos primórdios do corrente século, a propósito da ajuda ao desenvolvimento.
Do dito, e para terminar, auguro (oxalá erradamente) que decorrente da caridade de Kigali, ou de uma outra capital que parta a ajuda militar, os nossos filhos cresçam a ouvir de que “Kigali não deixa”, “ Kigali não vai gostar” que “Kigali quer assim” e de que “são ordens de Kigali”. E assim, e em jeito de resposta à pergunta que me fora colocada à chegada para o café matinal, é caso para dizer de que a novidade (da ajuda) que nos chega de Kigali é a de sempre (velha, conhecida e rabugenta) e que só difere o samaritano, Kigali. Alguém confirma?
Soube esta manhã que o Jornalista João Matola da Rádio Moçambique (RM) partiu. Soube-o ao ler o texto de despedida/homenagem lavrado pelo seu colega da RM, Arão Cuambe e publicado no Jornal Carta. Enquanto lia, invadia-me a memória de um certo dia de Agosto em 2006. Foi um dia de reunião do Conselho de Administração da RM. Eu e um colega, na qualidade de organizadores do I Fórum Social Moçambicano (que teria lugar em Outubro de 2006), participávamos na dita reunião e que definiria as linhas da parceria entre a RM e a organização do Fórum Social Moçambicano, nomeadamente na divulgação e cobertura integral deste evento pela RM.
“Temos interesse e queremos ser um parceiro estratégico deste evento”. Assim concluiu Botelho Moniz, que dirigia a reunião que terminara, no ponto de agenda atinente ao Fórum Social Moçambicano, com a indicação do João Matola, convidado a propósito à reunião, para que este fosse o ponto de ligação da RM na parceria com o Fórum Social Moçambicano. Desde esse dia e por 03 meses o João Matola foi mais do que um ponto de ligação - um amigo, conselheiro, assessor, activista social – tendo o seu empenho traduzido numa divulgação e cobertura do evento comparável e de fazer inveja com a de grandes eventos oficiais e privados deste país.
Lembro-me, para dar uma ideia do compromisso e entrega de João Matola, que na manhã do dia seguinte ao da reunião do Conselho de Administração da RM, enquanto preparava-me para entrar no ar no programa de Emílio Manhique, outro saudoso jornalista, este pergunta-me para quando é que era o evento. Depois da minha resposta ele ficara espantado pois ainda faltava muito tempo, o que não era normal no seu programa.
Da leitura do texto do Arão Cuambe, ressaltou-me o seguinte trecho: “ …Ao final do dia, o João, como um bom “marronga”, com passagem pelas escolas portuguesas, actuava como meu enólogo fazendo-me provar desde a Casa de Insua, de casta agradável, e um bom Borba, entre outros vinhos Portugueses”. Mal ainda terminara a leitura enviei, por Whatsapp, o link do texto a um amigo que também participara na organização I Fórum Social Moçambicano. Com o link foi a seguinte mensagem: “Thomas. Este é quem ficara encarregue pelo Conselho de Administração da Rádio Moçambique para cobrir integralmente o I Fórum Social Moçambicano tendo cumprido com sucesso. De lá até hoje ficamos por tomar um copo e quem sabe nesse dia eu teria tido uma aula sobre vinhos.” Do Thomas, a resposta: “Não repita isso de ficar a dever alguém uma sessão de copos”.
“Um copo de balanço” por tomar com João Matola é a sessão em dívida desde os finais de Outubro de 2006 e que desde então, eu e o João Matola, sempre que nos cruzássemos, era recordada como um pendente. E ainda continua um pendente. Saravá João Matola!
Enquanto o tio Manuelinho costurava as palavras, em conversa, sobre a proposta do seu contrato para ser Presidente do Município de Quelimane, o Jota, seu sobrinho, era interpelado, em sua imaginação, a cada segundo, por várias colocações.
Por um lado, não conseguia entender como era possível haver propostas de contratos para Presidentes de Municípios, uma vez que a legislação vigente preconizasse outra realidade. Por outro, não parava de cogitar a respeito das cerimónias fúnebres sobre a ida ao além da sua estimada tia Marciana. Eram pensamentos contrários que deslizavam na sua cachimónia!
Além disso, em sua mente, chovia também uma descarga de meditações sobre a realização da Conferência Internacional de Jornalismo Investigativo, para a qual ele havia sido selecionado a participar, em representação daquele famoso domicílio de formação de jovens jornalistas, que hoje se encontram espalhados pelos quatro cantos da nossa estética e extensa Pérola do Índico.
Entretanto, ainda não estava claro se o Jota haveria de participar nas cerimónias fúnebres, pois, para que isso acontecesse, ele teria de escolher entre assistir ao funeral da sua tia e perder a Conferência ou regressar a Maputo, um dia antes do enterro, a fim de viajar à vizinha terra do rand aonde decorreria a já esperada Conferência, onde teria, igualmente, a única oportunidade de assistir de perto à Carlos Cardoso Memorial Lecture dedicada ao mais célebre Jornalista Investigativo Moçambicano. Era o anseio de todos Jornalistas, principalmente os Estagiários.
Contudo, entre todos os pensamentos, além do contrato para Presidente de Município, o que mais agitava os seus milhões de neurónios era o Chinês, único passageiro que fotografou as nossas florestas. Ele era o mais curioso cidadão, naquele autocarro, que apreciava todas as passagens verdes, repletas de clorofila, que desfilam ao longo da Estrada Nacional Número Um.
Ora, eu até suspeitei, uma vez que já tinha perdido a conta das vezes que o Chinês se havia levantado para memorizar, com imagens, a nossa floresta verdejante. Pensei nos variadíssimos, alguns não registados, abates de árvores e exportações ilegais de madeiras, ao longo do nosso extenso País, praticados por seus compatriotas, claro, em conluio com alguns irmãos nossos.
Naquele instante, Jota lembrou-se de uma conversa aberta que teria com um amigo Engenheiro Florestal, produzido na mais antiga Universidade do País, e questionou ao tio Manuelinho:
— Tio, lembra-se do discurso de Ban Ki-moon, o antigo e oitavo Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), que proferiu aquando da aprovação da Resolução sobre a Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável?
— Claro, meu sobrinho mais velho. Na liderança do Secretariado das Nações Unidas, Ban Ki-Moon é sucessor de Kofi Annan, o ganês, e antecessor de António Guterres, o Tuga, actual Secretário-Geral. — Enquanto soltava alguns sorrisos. E acrescentou: — Seguindo a lógica do funcionamento do mundo, estas informações são importantes para quem não deseja viver a ser enganado. É imperioso que estejamos atentos a isso. Lembro-me muito bem, meu filho. Queres que eu cite o que ele disse? — Indagou, confiadamente, o Manuelinho.
— Eu conheço a responsabilidade do teu cérebro, que assiduamente preserva, em memória, toda informação impagável e digna de apreço — Disse o Jota, num tom de voz despreocupado.
— Jota, meu sobrinho…. Você, sempre a querer colocar-me no terraço! “Os 17 Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) são a nossa visão comum para a Humanidade e um contrato social entre os líderes mundiais e os povos”, garantiu Ban Ki-moon. E adicionou: “São uma lista das coisas a fazer em nome dos povos e do planeta, e um plano para o sucesso”.
O Jota estava desqueixolado pela rápida e pontual resposta do tio Manuelinho. E, consecutivamente, juntando algumas consoantes e todas vogais do nosso alfabeto, desatou:
— Muito bem, tio. Eu sabia que não me irias decepcionar. Isso não é de hoje e eu já estou acostumado! Na verdade, eu estaria preocupado se não tivesse uma resposta depois de 30 segundos. — Ao mesmo tempo que estendia os seus gêmeos olhos para os bancos de trás do autocarro, onde o Chinês estava sentado, tentando controlar os movimentos daquele cidadão estrangeiro que não parava de fotografar as nossas valiosas florestas.
— Olha, esta Resolução entrou em vigor no ano passado, ou seja, a 1 de Janeiro de 2016 e carrega como bandeira a seguinte expressão: “Transformar o nosso mundo: Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável”. Além disso, ela possui 17 Objectivos, divididos em 169 Metas, e foi aprovada consensualmente por 193 Estados-Membros da ONU, reunidos em Assembleia-Geral, nos States, para resolver as necessidades humanas nos países desenvolvidos, bem como nos países em desenvolvimento e tem como destaque: “ninguém deve ser deixado para trás”.
O Jota ficou em silêncio, tentando mastigar e ruminar as informações que acabara de receber, ao mesmo tempo que procurava encaixar o caso do Chinês na famosa Agenda 2030. E Manuelinho, num rápido movimento exercido na Área de Broca do seu cérebro, acumulou:
— Trata-se de uma Agenda muito ambiciosa que reúne várias dimensões do desenvolvimento sustentável (social, económico, ambiental) e promove a paz, a justiça e instituições eficazes.
— E como é feita a avaliação da implementação das metas estabelecidas em cada um dos 17 Objectivos? — Questionou o Jornalista-Estagiário, devidamente aconselhado pela Área de Wernick do seu cérebro. Ele queria compreender os detalhes da execução daquela Agenda.
Enquanto isso, ouviu-se o barulho do empurrar de um dos vidros do autocarro, no lado de trás. Conseguia-se escutar, também, os sons do volume de um Smartphone que recolhia fotos para a sua quase entulhada galeria. Do lado de fora daquela janela, havia uma enorme quantidade de árvores. Um verde escuro banhado de clorofila! E ali estava, novamente, como se nada estivesse a acontecer, o Chinês, planificadamente mansinho, com o seu Huawei preto, capturando imagens da nossa vasta floresta. Em seguida, Manuelinho respondeu:
— Olha, sobrinho. A avaliação da implementação e o progresso dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável serão realizados de forma regular, por cada País, envolvendo os governos, a sociedade civil, as empresas e outros representantes dos vários stakeholders ou partes interessadas. E os jovens não devem ficar de fora neste processo importantíssimo!
— Entendo, tio. Então, a questão da exploração ilícita ou abate de árvores igualmente está contemplada nestes Objectivos? — Interrompeu, em jeito de provocação, o jovem sobrinho.
— Exactamente, Jota. Eu penso que você sabe muito bem disso. Trata-se do Décimo Quinto Objectivo, que se refere a “Proteger, restaurar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, travar e reverter a degradação dos solos e travar a perda de biodiversidade”. É o Objectivo das florestas!
— Hahaha... Este é mesmo para o Chinês! Aliás, o tio notou bem que aquele passageiro turista continua, constantemente, a fotografar as nossas florestas? Não são essas fotos que comprometem a nossa economia?
— Como assim, Jota? — Questionou, espantado, o Manuelinho.
— Tio, afinal, não verificou as incontáveis vezes que ele, sempre, se levantava para tirar fotos das nossas reservas florestais? Não notou que ele fotografava exclusivamente as regiões com quantidades extraordinárias de árvores? Isso é normal, tio? — Rematou o Jornalista-Estagiário.
— Ahaaannn… Sim! Tens toda razão, sobrinho. Eu também já estava a ficar preocupado com a constante movimentação dele. Sabes, se for o que estamos aqui a pensar e conversar, isso pode comprometer a meta que se deve alcançar daqui a três anos, em 2020, de se assegurar a conservação e recuperação do uso sustentável de ecossistemas terrestres e de água doce interior e os seus serviços, em especial as florestas.
— É verdade, não precisa de óculos para ver e entender que a missão do Chinês é clara. Quem aqui anda a tirar fotos só de árvores? Será que ele é o único passageiro com celular neste carro? Nem mesmo Engenheiros Florestais andam a tirar fotos só de árvores. Eu já viajei com alguns e nenhum deles andava a fotografar as nossas árvores. Posso ligar para confirmar!
— Tens razão, sobrinho. Tens toda razão, meu filho! — sentenciou Manuelinho.
— Eu penso que o Chinês está a fazer o mapeamento das nossas zonas florestais para, depois, desenhar um esquema de abate de árvores. É até bem possível que já exista uma Operação Nó Górdio para desflorestar a nossa Pátria. Querem consumir a nossa madeira! Em todo o País, principalmente em Sofala, Zambézia e Cabo Delgado, verifica-se o desmatamento das florestas sem a respectiva substituição das espécies abatidas. Quantas vezes ouvimos e lemos, nos jornais e TVs, casos de detenção de enormes quantias de madeira transferida para países asiáticos? — Relatou o Jota e, com uma voz veemente em defesa da Pátria, acrescentou:
— Por exemplo, há cinco anos, em 2012, foram capturados 562 contentores de madeira virgem que estava prestes a ser exportada. No ano passado, assistimos a maior captura de sempre, isto é, cerca de 1.300 contentores de madeira confiscados. Mesmo neste ano (2017), ouvimos falar da apreensão de três contentores de madeira. Todos estes casos foram registados no Porto de Nacala e tinham um destino comum: a populosa República da China. Isso é mera coincidência?
Não é que o Jota, apesar da triste situação de infelicidade da sua tia Marciana, estava mesmo vigilante e com os ponteiros dos neurónios bem acertados. As florestas são importantes não só como fonte de madeira, mas também como protectoras das colinas e reguladoras do fluxo de água, protegem as bacias hidrográficas e a vida selvagem, reduzem a taxa de erosão do solo, contribuem para o estabelecimento do turismo, armazenam as vastas quantidades de carbono que servem para mitigar as mudanças climáticas, que anualmente asfixiam milhares de gente.
— Tio, a Umbila (Pterocarpus angolensis), Chanfuta (Afzelia quanzensis), Tanga-tanga (Albizia versicolor), Jambirre (Millettia stuhlmannii), Cimbirre (Androstachys johnsonii), Muanga (Pericopsis angolensis), Mutondo (Cordyla africana) e Mpingo, também conhecido como Pau-Preto (Dalbergia melanoxylon), são algumas das espécies da primeira categoria ilegalmente exploradas para empanturrar os bolsos de muita gente de classe privilegiada, deixando a nossa economia cada vez mais pálida e magrizela, quando contabilizados todos desvios nesta área.
— Jovem, vejo que você anda bem informado sobre os nossos recursos florestais e faunísticos. Eu pensei que, além de alguns Agrónomos, apenas Engenheiros Florestais conheciam os nomes científicos das nossas reservas florestais. — Disse uma voz grossa, que vinha da parte traseira da cadeira aonde o Jota e tio Manuelinho estavam assentados. — E adicionou, calmamente:
— A propósito, você é um destes profissionais que acabei de mencionar? — Questionou aquela voz que, sem pedir licenças, acabava de se embrulhar numa conversa que se diga familiar.
— Nenhum de nós fez esta área — Respondeu o Manuelinho, e, em seguida, aditou: — É verdade, Jota. Isso também afecta o cumprimento de outros Objectivos. Por exemplo, o Primeiro Objectivo, que prevê, até 2030, erradicar a pobreza extrema em todos os lugares. — Disse Manuelinho — Que, logo a seguir, somou mais palavras à sua fala: — O desvio de fundos provenientes de corte ilegal e venda de árvores, bem como o valor de taxas envolvido, que também é desviado neste esquema, pode contribuir para que este Objectivo não seja alcançado.
E aquela voz acompanhante de um passageiro desconhecido, que vinha do banco de trás, interpelando o discurso do tio Manuelinho, acrescentou:
— O Segundo Objectivo é identicamente afectado. Por exemplo, a prática ilegal de abate de árvores pode influenciar o garante de sistemas sustentáveis de produção de alimentos e implementação de práticas agrícolas resilientes, para aumentar a produtividade e a produção ao nível local e nacional. Além disso, não ajudará a manter os ecossistemas e fortalecer a capacidade de adaptação às alterações climáticas, às condições meteorológicas extremas, secas, inundações e outros desastres, a fim de melhorar, de forma progressiva, a qualidade da terra e do solo. — Rematou e, consecutivamente, devolveu a sua voz no abrigo do silêncio.
— Isso é muito sério! — Atirou o Jota, tendo adicionado: — Afecta, de igual modo, o Quarto Objectivo. Com o constante desmatamento e abate de árvores, ilegalmente, como será possível, até 2030, garantir-se que todos os meninos e meninas completem o Ensino Primário e Secundário de qualidade, se a madeira que deveria servir para construir as Escolas e produzir carteiras e quadros é malandramente desviada para bem longe das suas zonas de origem?
— Sobrinho. Estamos mesmo numa situação difícil de gerir. Imagina só, daqui a três anos, em 2020, o Sexto Objectivo prevê proteger e restaurar os ecossistemas relacionados com a água, incluindo florestas e zonas húmidas. Será que isso vai acontecer? — Interrogou o Manuelinho.
Enquanto isso, o Chinês continuava, aqui e acolá, a fotografar todas as zonas verdes que espalham sombras densas ao longo dos riachos e lombas interiores espalhados na nossa já cansada Ene Um. Ele era mais apreciador e fotógrafo de árvores que um simples passageiro. Mesmo onde o motorista parava o carro para que os passageiros descarregassem das suas bexigas, entre as verdejantes árvores, águas ácidas, e dos seus intestinos grossos, restos de comida, a missão do Chinês era clara e específica: fotografar a nossa floresta!
— A minha irmã foi destacada para integrar a equipa que está a realizar o Inventário Florestal Nacional, que iniciou em 2015 e tem prazo de dois anos. Portanto, termina neste ano, mas será publicado nos finais de 2018. Em conversa, ela segredou-me que uma das recomendações do estudo, para evitar a exploração ilegal da nossa frondosa e vasta floresta, é reduzir o actual número e proibir a entrada de novos operadores florestais por 5 ou 10 anos. Neste período, serão monitorados os efeitos destas medidas. — Expôs uma passageira no banco de frente.
— Muito obrigado, Moça. — Afirmou Manuelinho, soltando seu olhar sedutor em direcção àquela jovem viajante. E voltando-se para o seu sobrinho, que calculava o diâmetro do seu olhar, disse:
— Olha, Jota, espera-se, também, daqui a três anos, em 2020, em todo mundo, promover a implementação da gestão sustentável de todos os tipos de florestas, travar a deflorestação, restaurar florestas degradadas e aumentar os esforços de florestação e reflorestação. Portanto, uma das metas é tomar medidas urgentes e importantes para reduzir a degradação de habitat naturais, travar a perda de biodiversidade, proteger e evitar a extinção de espécies ameaçadas; mobilizar recursos para financiar a gestão florestal sustentável e proporcionar incentivos adequados aos países em desenvolvimento para promover a gestão florestal sustentável, inclusive a conservação e o reflorestamento. — Revelou Manuelinho, esbanjando ciência.
— Contudo, se continuarmos a ter muitos passageiros como estes, Chineses, Moçambicanos ou de qualquer nação, que somente andam a fotografar as nossas florestas, duvido que estas ambiciosíssimas metas sejam alcançadas. No lugar de preservar, teremos as nossas florestas cada vez mais despidas de verdes e beleza natural e assistiremos, sempre, contentores carregados da nossa madeira a atravessarem o vasto Oceano Índico. Enfim, vamos aguardar para ver, tio. Porém, confesso que a minha reserva de esperanças está quase a esgotar-se.
Não é de se admirar! Casos de exploração ilegal de árvores e contrabando de madeira continuam a afectar a nossa biodiversidade e a acarretar, em grande medida, os cofres do Estado. Em Setembro de 2020, em Cabo Delgado, Província com uma das maiores densidades florestais do País, foram confiscados 102 contentores de madeira, que seguiam à China. Em Julho deste ano, na Província de Sofala, somas de dinheiro foram perdidas devido ao contrabando de madeira.
Apesar de existir mecanismos nacionais e internacionais que trabalham para melhorar a governação do sector florestal, a sustentabilidade das florestas, através da aplicação das leis e administração deste sector, não há muita esperança para ver as nossas florestas beneficiarem a população local e engrossar os cofres do Estado para o bem de todos os moçambicanos.
Não obstante, será impossível alcançar a Agenda 2030, principalmente os Objectivos e Metas relativos à protecção, restauração e promoção do uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gestão sustentável das florestas, combate da desertificação, degradação dos solos e travar a perda de biodiversidade nacional e mundial, bem como os seus efeitos no cumprimento de outros Objectivos e Metas, se mais Chineses continuarem, livremente, a fotografar as nossas florestas!
Nos princípios do mês de Maio do ano em curso, nas matas do distrito de Mueda, na martirizada Província de Cabo Delgado, por pouco aconteceria uma carnificina que culminaria com um escândalo de proporções catastróficas. E não foi por falta de aviso!
Tudo se deveu a uma aterragem de Forças Especiais Estrangeiras, as quais esperavam que a operação fosse secreta e sem deixar rastos. Os soldiers aterraram nos moldes hollywoodianos. De paraquedas e mochilas, desceram como raios de trovão e pousaram quão os bravos soldados das cenas cinematográficas americanas com destino ao índico a fim de combater numa guerra que em tempos os nossos protectores estabeleceram um prazo de uma semana para que os malfeitores se entregassem.
Sucede, porém, que no pretérito dia, os militares, que tinham como destino o Quartel Central de Mueda, aterrizaram numa área com mata densa e sem rede telefónica. A ideia era fazer o reconhecimento do local, no entanto, logo que chegaram numa determinada região guarnecida por milícias populares, a situação mudou de mares. Os soldados locais pensaram que fossem homens do inimigo, uma vez que por lá tudo é possível.
Em poucos minutos, o ar mudou. A tensão subiu. As carabinas foram manipuladas. Afinal, estava-se diante de um possível ataque, mas não. Longe do conhecimento deles, eram parceiros estratégicos que vinham combater ao lado dos filhos da Pérola do Índico que, desde Outubro de 2017, lutam para aniquilar em definitivo a força inimiga.
Assim, a tensão durou por meia hora, uma vez que, aparentemente, os guardiões da pátria não tinham nenhum conhecimento da vinda dos “Chucks Norris Africanos”, alegadamente porque a informação estava com um burocrata a 2.514,9 quilómetros daquele quase esquecido território no cume de Moçambique.
Com os militares já posicionados, os canhangulos em posição de mira, é quando o Coronel que comandava as Unidades recebe a informação de que eram Forças Estrangeiras parceiras – isto é, depois de várias tentativas de informar, militarmente, em meio a falhanços, os especialistas foram recebidos e, meses depois, entraram, oficialmente, os 1000 homens.