- Armando Artur, em entrevista fictícia *
Armando Artur pode ser um homem taciturno, ele diz que é uma forma de defesa. Não é o tempo que conta na sua vida, mas a importância das coisas que faz. Foi na AEMO onde aprendeu a valorizar a amizade e a partilha. Não guarda ressentimentos, mesmo dos malucos que em algum momento lhe apedrejaram na vida, “eu também sou maluco”.
Acompanhe na íntegra a conversa mantida num final de tarde, na varanda da sua casa, lembrando o sol a esconder-se no esplendor dos Montes Namuli.
-Nasceste em Nauela num ano qualquer. Em 1982 chegas a Maputo com um pequeno bornal no regaço, ninguém te conhecia. O que é que te moveu para um lugar movediço e tão distante da tua terra?
- Você fala do bornal que eu trazia no regaço e faz me lembrar que bornal é uma saca usada pelos soldados, obreiros e itinerantes para transportar provimentos ou mantimentos, mas a minha saca não tinha nada. Se calhar vim para aqui com a necessidade urgente de encher o coração e eu não sabia. Provavelmente aportei neste grande entreposto como um pedaço desconhecido da cordilheira de Namuli, que já tinha as palavras a zumbirem em forma de poesia dentro de mim.
- O que é que te arrebatou em primeiro lugar ao desceres num lugar que não tinha nada a ver contigo?
- Eu era imberbe, deixei-me conquistar pelo fascínio de uma grande metrópole sempre sonhada na pacatez desse lugarejo onde minha mãe me deu à luz, na verdade todo o bulício de Maputo, o frenesim consubstanciado no ruído dos carros, as pessoas a quererem passar todas ao mesmo tempo, os grandes autocarros abarrotas com pessoas penduradas nas portas, tudo isso foi um choque profundo para um rapaz atrevido que apenas confiava na poesia.
- E confiava nos búzios também!
- Depois de retirares a carne desse molusco, a carrapaça do búzio assobia ao sibilar do vento, e na esteira dos médiuns torna-se uma verdadeira bússola, dependendo das mãos que a manipulam, mas os meus búzios são outros, são cada verso da poesia que vou cantando em vários sopros de meditação. Por vezes nas paródias.
- Depois foste parar a esse efervescente alfobre que é a Associação dos Escritores Moçambicanos (AEMO), onde te mantens até hoje como uma das pedras angulares. O que é que significou para ti entrar nesse clube restrito?
- Se eu sou uma das pedras angulares da AEMO, só pode ser no sentido de que sou um fragmento de uma rocha maior, com o risco de me precipitar e diluir-me no mar. A AEMO é um baluarte sagrado onde aprendi a arrumar as palavras que já trazia da cordilheira de Namuli. A AEMO é um depositário de tesouros, aqui abriu-se-me a luz que me fez perceber o valor da amizade e da partilha. Sinto-me lisonjeado por fazer parte desta orquestra esquisita, em que cada um toca a música dele sozinho, tentando atingir a perfeição e querendo profusamente que os outros escutem essa música.
- Já atingiste essa perfeição?
- Olha, como já te disse, nasci em Nauela na província da Zambézia. É uma zona superabundante que faz parte dos Montes Namuli, abrange Gurúè onde se estende aquela exuberância toda das plantações de chá. Você olha para aquilo tudo e diz, que obra da natureza tão perfeita! Então, a única perfeição que reside em mim, é o lugar onde nasci.
- A propósito, há muita gente que vem das províncias de Moçambique, chega a Maputo e desumbilica-se completamente das suas origens. Como é que tem sido a tua relação com Nauela?
- Desumbilicar-me de Nauela seria abdicar da poesia, e abdicar da poesia é o mesmo que rejeitar a própria vida. Não me canso de repetir isso. Eu sou um dos grãos das poeiras da cordilheira de Namuli, mesmo que levite em escaparates reais e imaginários, de vez em quando tenho que ir para lá, poisar naquele chão para deste modo poder ressurgir e continuar a rugir fora das jaulas.
- Foste secretário-geral da AEMO durante dois mandatos. A tua consciência tranquiliza-te ao pensares no tempo que ficaste lá?
- Tranquiliza-me no sentido de que fiz tudo o que estava ao meu alcance para manter a família unida, e levar a agremiação a níveis de organização satisfatórios, claro com a colaboração de todos os confrades, cada um com a sua afinação. Mas o mais empolgante era eu dormir a pensar que no dia seguinte ia voltar ao bulício onde tudo era imprevisível, ir ao trabalho preparado para ser apedrejado sem mais nem menos por alguns malucos, alguns dos quais ainda sobrevivem, com roupa mais leve, sem a verve do veneno.
- Esses malucos deixaram-te alguns recalques?
- O poeta que me orienta é também um maluco que luta permanentemente pela paz, por isso não tenho como, mesmo que o quisesse, ter ressentimentos. Farto-me de rir quando me lembro desses momentos, com saudade.
- Você anda longe da vida pública, transformaste-te num taciturno, pareces ter medo de alguma coisa!
- Somos todos mutantes, o próprio mundo já não é o mesmo, nem a cordilheira de Namuli, como é que eu, uma pessoa tão pequenina, tão insiginificante perante esses gigantes não vou ter medo! Provavelmente seja um taciturno como tu o dizes, mas essa pode ser uma forma de defesa, pois perante uma vida absolutamente vituperada, a melhor coisa que podes fazer é ficar em silêncio, no silêncio, deixar as palavras avançarem, como se elas fossem a tua jangada e tua muralha ao mesmo tempo. Mas também não é verdade que ande longe da vida pública, depende da lupa que usas para me focares.
- Trinta e cinco anos de carreira é um marco importante para um poeta, há muitas flores espalhadas no percurso, e espinhos que podem ficar encravados para sempre na alma, muitas frustrações, incongruências. Será que depois deste tempo todo você está em condições de embalar a troucha e dizer, deixem-me voltar a Nauela beber conhaque?
- (Risos). Não há conhaque em Nauela (Risos), mas tem muita cachaça que bebo sempre quando vou para lá. Bebo para renovar e fortificar a minha relação com os espíritos lómwè que me guiam. Quanto aos trinta e cinco anos, não é isso que me vai marcar, não é o tempo que me marca, é a forma como tenho vivido a vida até aqui, lançando palavras ao léu, muitas delas grafadas em livro como um monumento erigido em memória de mim. Isso é que conta, não o tempo que levei a juntar as pedras. De resto o que importa é não sermos vencidos.
- Mesmo assim como é que te sentes perante esta efeméride que é uma comemoração da tua vida?
- A emoção é maior ao ver o envolvimento dos meus confrades na minha homenagem, significa que eles dão-me valor, significa que sou importante para eles, mesmo sem o merecer, e eu não posso querer mais nada para além desse conforto espiritual. Eles não o fazem porque brilho, mas será com certeza por amor, ao qual agradeço sem parar. Choro quando penso nisso tudo.
* Entrevista publicada na antologia em homenagem aos 35 anos do poeta
Se me perguntares sobre a crise económica
Que a tantas entranhas macabramente carcoma
Mesmo depois dos famigerados acertos da Kroll
Associada às ameaças de malandros doadores
Aprumada de reclamações de gente faminta
Protestos desencantados de um cúmulo de teóricos
E canções malnutridas que de pálidos lábios ecoam
NADA TE DIREI!
Se me perguntares sobre o ignorado esconderijo
Onde astuta e em tendenciosas propagandas
As moedas que dos nossos bolsos desapareceram
E hodierno nossos filhos lamentam esfomeados e imóveis
NADA TE DIREI!
Se me insistires e perguntares
Sobre as esquinas das ocultas negociações
Os conflitos armados ao relento travados
A crónica da cruel e aplaudida pobreza absoluta
E abismo mal-acostumado de paulados analistas
NADA TE DIREI!
Se me perguntares sobre o paradeiro da boa educação
Onlinamente desnutrida pela falta de qualidade e dispositivos
Em somatório pálido à ineficaz rede de acesso móvel
E os meninos que há tempo sonham com salas de aulas dignas
NADA TE DIREI!
Se insistentemente me perguntares
Sobre consultas médicas monetariamente apadrinhadas
Médicos abandonados aos desvarios da pandemia em laboratórios forjada
E o reajuste salarial que há tempos os nossos pais reclamam
NADA TE DIREI!
Se quiseres teimosamente saber
Sobre o plano agrícola carinhosamente desnutrido
Alegando suportar famílias nos campos malnutridas
Sabotadas pela desnutrição crónica do exaltado sustenta
NADA TE DIREI!
Se continuares e me perguntares
Sobre a apreciação da nossa pálida moeda
Que nos bolsos do pacato cidadão escasseia
E nas contas de decisores de políticas público-monetárias abunda
E em bolsas de nossas mamanas nos dumbanengues desaparece
NADA TE DIREI!
Se me perguntares sobre nossas mães, irmãs e filhas
Matalanizadas entre ramos secos naquela floresta governamental
E em escritórios de Supervisores de turnos e tarefas
Que defendem tutu mafia e pura obra de ficção ser
NADA TE DIREI!
Se quiseres saber sobre o relatório da Comissão de Inquérito
Para aferir os relatos do CIP e de mulheres ndlavelizadas
Por supostos agentes de disciplina e boa conduta
Indiciados de estabelecer negociações público-privadas
Para suas vontades e prazeres perante todas satisfazerem
E em suas contas, em comissão, de moedas encherem
NADA TE DIREI!
Se me perguntares sobre a consumista mambas desvenenada
Que cuspe derrotas a cada vez que na floresta desfila
E a juventude planificadamente amamentada com leite carmesim
Filhos e netos das mamanas que coloridas capulanas adoram
Mas nada fazem pelas mártires de Ndlavela e Matalane
NADA TE DIREI!
Se insistentemente me questionares
Sobre os jovens que esforços de meninos primários banalizam
Enquanto eles confiantes incalculáveis memes produzem
E socialmente, em suas redes, fotos sem conteúdos disseminam
NADA TE DIREI!
Se me perguntares sobre nossa vontade de alguma coisa querer ser
Mesmo sem prévia consulta e indicação de chefaturas monopolistas
Em meio à decadência e extinção de fortes candidatos que no povo pensam
NADA TE DIREI!
Se me perguntares sobre a nossa desviada madeira
E luxuosas máquinas que pelas fronteiras atravessam
Em boladas coadjuvadas por agentes e filhos da pátria amada
E dos cofres do Estado avultadas quantias para bolsos particulares encaminha
NADA TE DIREI!
Se me pedires para continuar a descrever
A frustração que hoje em nosso pátio sem máscaras se vive
Meu punho de escrivão encravarei
Meus pergaminhos distantes guardarei
Meus desnutridos lábios em defesa cerrarei
E NADA TE DIREI!
Por conseguinte, hoje, acanhados
Pelo sucesso do NADA TE DIREI
Os corolários desta atitude bebemos nós
E para Michafutene caminhamos, silenciosamente!
Mesmo assim, NADA TE DIREI!
A Covid-19 está a matar! Os números de pessoas infectadas não param de crescer. Os entendidos da matéria andam apavorados, mas, infelizmente, os boémios nada disso entendem.
Na cidade de Maputo, por exemplo, em bairros periféricos, as festas continuam ao rubro. As pessoas ainda bebem à moda alemã. Festejam como adeptos ingleses em partidas entre clubes rivais como Liverpool e Manchester United. Na capital, se caminhares em bairros como Magoanine, Laulane, Hulene, Mahotas, Chamanculo, Inhagoia, entre outros, percebes de antemão que alguns moçambicanos não mudam, mesmo com a já conhecida teoria dos 21 dias de repetição, mediante a qual, desde 2020, se canta e grita para usarmos máscaras, nos distanciarmos, ficarmos em casa, ou bebermos água de 15 em 15 minutos. Campanhas e apelos são feitos em todos os canais, entretanto, as pessoas fazem ouvidos de mercador.
E com efeito, a Covid-19 está a matar! Os nossos vizinhos estão a desaparecer. Porém, os cépticos ou negacionistas questionam sobre o paradeiro das pessoas que morrem desta já conhecida doença. “Nunca vi uma vítima sequer, por isso, deixem-nos curtir!” – Assim dizem os farristas da capital e de outras zonas do País, para os quais a máscara, o distanciamento social, bem como a lavagem das mãos são insignificantes regras científicas, pelo que, podem beber até suas almas abandonarem os seus pobres corpos.
Estranhamente, mesmo diante de certas operações televisionadas, mediante denúncias de vizinhos conscientes ou insatisfeitos, alguns Chefes da Polícia com negócios particulares na área de restauração, outros com parentes que operam nesta área, amigos e amantes que têm bares, restaurantes ou barracas, continuam a fazer das suas, protegendo locais onde vários farristas se embebedam e desgraçam não somente as suas almas, mas de tantos outros que nem sequer disso se apercebem.
Em bairros como Hulene, Magoanine ou Mahotas, até alguns polícias são imobilizados e impedidos de prosseguir com as operações em determinados lugares, alegadamente porque o local onde se vende álcool é de um grande Chefe da Corporação. Assim, todos os agentes escalados para fazer valer o Decreto Presidencial de Estado de Calamidade Pública querem parte da receita no final do dia – o resto não importa – as pessoas podem continuar a ser infectadas ou a infectar-se, porque só assim é que a bolada policial se manterá em pé.
Por conseguinte, a pandemia da Covid-19, na capital e noutros centros urbanos, virou o braço direito das gangues corruptas. Ela aumentou a renda diária, semanal e mensal dos destacados. Por isso, as brigadas policiais descobriram uma forma de trabalhar – chamar a imprensa ressonante e fingir que estão a trabalhar, dar a palavra ao Porta-voz que, em seguida, põe-se a deslindar nas câmaras de filmar, e assim o dia se vai.
Contudo, nos locais-chave, onde as festanças continuam a acontecer, ninguém mostra força e educação para impedir a contínua expansão do vírus maligno que, embora não seja nas dimensões da Malária, Cólera, HIV-SIDA, Ébola, Meningite e Tuberculose, está a matar e paralisar a normalidade quotidiana e os planos de diversas famílias no mundo inteiro!
Mónica Fungayi, mulher com quem tenho muitas afinidades, ligou-me às seis da manhã e disse, estou a passar Xai-Xai, e eu exclamei, a passar Xai-Xai?! Ela disse, sim, estou a passar Xai-Xai, meu caro!
Vinha de Maputo e eu estou em Inhambane. Fiquei uns instantes a pensar na maneira como ela conduz, segura, entretanto perigosa. Viajar ao seu lado é aceitar o suicídio, contudo a conversa e o whisky diluem todo o medo, apesar de já não termos idade para suportar a pressão, como nos tempos de juventude, quando viviamos a vida em cascata.
Foi ela quem retornou e disse, vou à Tete, queres ir comigo?
Mas eu nunca me surpreendi com as maluquices da Mónica Fungayi, ela podia estar a falar a sério ou a brincar, dela espero tudo, é uma pessoa inesperada, está pronta a todo o momento a responder ao chamamento da liberdade, e o que mais admiro nela, é o desejo permanente de ver os outros, livres, como Bob Marley quando dizia, “deixo as pessoas que amo, livres, se voltarem é porque as conquistei, se não voltarem, é porque nunca as tive”.
Eu volto sempre para Mónica Fungayi porque conquistou-me, não resisto ao seu fogo feito de palavras sempre novas. Então, se for verdade que está a passar Xai-Xai a caminho de Tete, vou com ela, essa proposta é irrecusável. Irresistível, por todas as diabruras que se anteveem.
Chove uma chuva intermitente aqui onde estou, e por causa disso não fui fazer a minha caminhada habitual. Se não caminho, desce sobre mim o tédio, o dia fica longo, sufocante, desgastante, e esta chamada da Mónica Fungayi vem mudar meu azimute, dá-me as luzes que preciso para enfrentar o dia.
- Daqui a uma hora e meia estou aí, meu brada, surge et ambula!
Nunca tenho as malas feitas, sou um barco fundeado. O que me safa é que as minhas amarras e a âncora, estão sempre prontas a moverem-se na dança de uma nova canção temporária, não sou prisioneiro, nem de mim. Viajar com Mónica Fungayi será uma dança vertiginosa, e quem vai cantar essa canção somos nós os dois. Falaremos, na nossa paródia cíclica, do Fela Kuti, do Hugh Masekela, dos Beatles, do Ray Phiri, da Elis Regina, da Abete Masikini, do Marlon Brandon, do Francis Coppola, nossos ídolos de sempre.
Iremos contemplar a cordilheira de Catandica, na província de Manica. Do outro lado daqueles montes fica o Zimbabwe. Então chegará até às nossas memórias o odor de Thomas Mafume e Oliver Mtukuzi e Chiwoniso Maraire, nossos ídolos imortais. É tudo isso que me faz saltar da cama nesta manhã de chuviscos descontinuados. É a Mónica Fungayi que desenha, na minha solidão, a aurora para dissipar pensamentos pensamentos nefastos, é ela que repete sempre, sem se cansar, essa lírica: quem te disse que estás sozinho!
Daqui a pouco ela vai chegar, vinda de Maputo onde vive uma vida anarquista, vem levar-me para uma viagem de 1500 km, um empreendimento que pode ser a saga dos loucos, sem previsão de chegada, pois o tempo fica por conta da nossa liberdade. Do gozo em si.
Enquanto Mónica Fungayi não chega, vou entregando-me à imaginação. Às lembraças de locais de Tete como Kwatchena Ku Nhartanda, Canongola, Matundo, Nhamabira, Chimadzi, locais que bem conheço na minha vida de ex-andarilho. Não nos faltará ainda a oportunidade – quando chegarmos - de procurar um lugar onde se vende pombe (cerveja dos aantepassados da Mónica). E aí atingiremos o auge de tudo.
As portagens (urbanas) e o investimento em estradas alternativas deviam merecer uma maior atenção no estímulo ao crescimento e na conectividade de outras áreas/eixos/corredores da Área Metropolitana de Maputo (AMM). A proposta, que decorre das lições apreendidas da experiência da estrada N4 em Maputo, quer positivas (atraiu infraestruturas) quer negativas (o fecho ao progresso de outros corredores), entre outras valias e adversidades, pode, e muito bem, ser uma resposta para o actual contexto (assimétrico e desordenado) de desenvolvimento (infraestruturas e serviços) da AMM.
Em termos práticos, as portagens, cujos valores, definidos em função de uma ou de mais variáveis, tais como a dimensão do veículo (talvez a única em uso na estrada N4), horários, lotação (carros particulares), matriz energética, o sentido (saída/entrada) e o serviço prestado (transporte, bombeiros, etc.), concorreriam, entre outros, para que i) as estradas alternativas acomodassem o tráfego que é desviado dos acessos com portagem, libertando estes para as prioridades definidas, ii) as áreas conexas ao trajecto das estradas alternativas atraíssem investimento de outros sectores (económicos e sociais), e iii) o sistema de transporte público fosse melhorado e o seu uso como uma das alternativas para circulação, particularmente dos que se locomovem de carro, e ainda de singelo contributo para a redução da poluição ambiental.
Do exposto, embora breve e para terminar, subjaz um princípio: o da utilização de portagens (urbanas) como um instrumento de gestão de tráfego e de urbanização sustentável e não a de mera fonte de financiamento para a manutenção de estradas conforme, quanto ao processo de instalação de portagens na estrada circular de Maputo, a recorrente posição (governamental) da REVIMO, a gestora da circular. E decerto, um princípio que faz jus à posição da sociedade civil, através da organização CDD, que critica as citadas portagens pelo facto, entre outros, de não responderem aos problemas de mobilidade e de desenvolvimento inclusivo da AMM.
Esperamos que, desta vez, tudo mude. Que as decisões tomadas saiam do papel à realidade. Que os que nos escravizaram em Ndlavela sejam devidamente responsabilizados. Que tudo não termine somente nos nossos velhos hábitos e costumes. Que não saiam apenas as caras, mas também os casacos velhos – que saiam deste local junto dos seus fantasmas.
Esperamos, igualmente, que as retiradas diúrnas e nocturnas das novatas para orgias sexuais mediante ameaças e agressões não continuem a ser vistas como um mero exercício interno. Estranhamente, o Inquérito integrou também mulheres como nós, em papéis fundamentais, as quais, no final, vieram dizer que os dados do Centro de Integridade Pública (CIP) eram exagerados.
Sua Excia, o nosso medo pela vida, dentro deste recinto atormentador, só piorou desde que este escândalo foi despoletado. Os que ficaram olham-nos com desdém e ódio. Julgam-nos e condenam-nos pelas suas dificuldades. Culpam-nos pelas suas carências financeiras e fome que as suas famílias passam ultimamente.
A verdade é que explicamos à Comissão tudo o que vivíamos. Agora, se abuso sexual não tem o mesmo impacto quando comparado à exploração sexual, isso não cabe a mim explicar neste meu pequeno desabafo, porque, como contei noutra minha intervenção (Diário de uma reclusa de Ndlavela (cartamz.com)), não entendo as razões pelas quais nós passamos por tudo isso. Éramos comidas a hora que lhes apetecia, mas ninguém registou isso. Para eles, tudo que acontecia devia às relações de força e poder que existem neste recinto. Esperamos que o caso seja criminalizado e tudo não termine apenas mediante medidas administrativas.
Apesar disso, o nosso maior pavor é ter um fim indesejado. É sermos estupradas por uma equipa de futebol e seus suplentes. É terminarmos numa vala comum e às nossas famílias informar-se-lhes que morremos de Covid-19, pelo que o nosso corpo não pode ser entregue, em respeito às medidas de contenção da propagação desta pandemia infernal.
O nosso pavor será, ainda, ver a justiça vencida ao relento. A verdade desmentida e os inocentes silenciados. O nosso pavor é continuar a sermos exploradas “legalmente”, prostituídas gratuitamente e violadas eternamente. Embora não sejamos filhinhas de mamã, somos também humanas. Somos mulheres, apesar de condenadas pelo erro e violadas sem piedade.
Hoje, a Comissão de Inquérito terminou a sua missão, os resultados foram apresentados e, possivelmente, alguns dos infractores serão encaminhados para outros postos e, num ciclo vicioso, continuarão com as mesmas práticas. Talvez parte deles serão promovidos ou, ainda, outros serão responsabilizados. Quem sabe!
Sua Excia, enquanto a justiça não for feita, as nossas lágrimas e a força interna dos nossos choros continuarão a ecoar das nossas atormentadas almas. Algumas de nós serão coitadas para sempre e condenadas pelo linguajar jurídico que esmiuçou a diferença entre abuso e exploração sexual. Ai de nós!
Quid juris? Que a culpa não morra solteira…!