“O melhor presente que uma sociedade pode dar a si mesma é a boa educação dos seus filhos.” (Cícero, 106–43 a.C., Estadista, Orador e Escritor Romano)
Era uma Sexta-feira, manhã alegre e cálida de 03 de Fevereiro de 2017, um dia banhado de enorme desfile dos raios solares. Os Moçambicanos preparavam-se para celebrar o Dia dos Heróis, alusivo à heroicidade prematura de Eduardo Chivambo Mondlane, consequência de um assassinato encomendado, que até hoje se reveste de ocultismo, ao Primeiro Presidente da Frente de Libertação de Moçambique, a então FRELIMO de todos.
O Jota, que naquele dia afogueado completava mais um ano de vida, estava ansioso para realizar as suas actividades costumeiras. Todavia, para a surpresa dos amantes das celebrações festivas, as árvores eram vigorosamente sacudidas por ventos moderados, que sopravam de todas as direcções e latitudes. Era o auspício de um dia que banharia a terra de chuva.
A dona Adélia, a mãe do Jota, estava toda preocupada com os seus negócios domésticos. Por isso, como sempre, agitava-se de um lado para o outro, procurando encontrar alternativas para resolver as responsabilidades familiares que pesavam sobre os seus já cansados ombros de mãe moçambicana exemplar, culturalmente ensinada a cuidar de casa e dos filhos.
Por sua vez, o tio Manuelinho havia chegado de uma viagem. Vinha da cidade das bicicletas, que guarda os bons sinais da entrada triunfal dos colonialistas portugueses, o pequeno Brasil de Moçambique, a cidade natal do jovem Contratado para ser Presidente do Município.
O tio Manuelinho havia decidido passar o feriado dos Heróis Moçambicanos e o final de semana prolongado em casa da sua irmã de coração. No pátio daquela casa típica dos Maputenses, ele conversava sobre diversos assuntos com o sobrinho, o Jota, ora Jornalista-Estagiário do único Laboratório de Multimídia instalado na Cidade das Acácias – Mídia Lab[1] – o qual produziu jovens brilhantes dedicados à comunicação.
Tratava-se de uma conversa cheia de alegrias e tristezas, de boas e más notícias, um verdadeiro arco-íris comunicacional. A conversação de tio e sobrinho fluía como o escorregar turbulento das correntes de água num dia de chuvas torrenciais.
Entretanto, na noite anterior, o Jota teve um sonho, que ficou gravado em sua memória, em forma de um diálogo que, em seguida, rabiscou, enquanto dialogava com o seu tio em relação à situação da nossa Pérola do Índico, Moçambique.
Diz respeito a uma conversa que tivera com a sua mãe em relação ao que estava a acontecer em sua casa nacional. Era um sonho repleto de realidades, cimentadas na vida dos cidadãos, as quais contrariavam as celebrações do jubilante Dia dos Heróis.
― Mãe, eu tenho uma pergunta. Posso fazer? ― Interrogou o Jota, preventivo.
A mãe, desassossegada, e com um olhar desatento transparecendo cansaço, cautelosamente, interpelou a voz do filho, a qual lhe cortava o sossego.
― Fala, meu herdeiro de qualidade. Afinal, o que se passa contigo? Vejo que, ultimamente, andas muito inquieto.
― Mamã, será que o nosso Pai nos ama de verdade? Será que ele pensa em nós, nas nossas irmãs, que choram pelos castigos dos guardas prisionais deformadores, que pranteiam pelas chamas e agressões de todos os lados, que lamentam pelas dificuldades que enfrentamos para construir o nosso humilde lar e por tantas outras coisas que acontecem aqui em nossa casa? ― Questionou, profundamente, o Jornalista-Estagiário.
A mãe, entusiasta, como de costume, suspirou bem fundo e retornou ao filho da sua alma atormentada. Soltando palavras escoltadas de bastante atenção e cautela, interrogou:
― Porquê, meu filho? O que se passa contigo, Jota? O que está a acontecer de verdade, meu filho? ― Triquestionou a mãe do Jornalista-Estagiário.
E o filho, acumulando uma média de audácia nos seus apavorados pulmões, que produziam um conjunto de ar ofegante, fez atravessar, passando pela laringe e faringe, dos seus largos pulmões livres do fumo das drogas, numa mistura das cordas vocais, palavras e expressões frásicas compostas de sons altamente vozeados e silábicos, fonética e fonologicamente bem organizados, e asseverou:
― Mamã, mamã… Porque o Pai é Bombeiro e a nossa casa está em chamas, a arder de todos os lados, porém, parece que ele nem sequer nos quer socorrer… Isso é normal, mamã? É normal, isso? ― Questionou o sobrinho do tio Manuelinho.
― Eish, mwananga, mathala iwe[2]. Sempre que falas, só abalas! Não faças isso, meu filho! Antes de falar, preste muita atenção, meu filho. Preste atenção! ― Aconselhou, com amor misturado de temor, a dona Adélia.
No entanto, ela, como que tivesse entendido a plenitude da mensagem escondida nas entrelinhas da pergunta do filho, continuou, toda efusiva:
― Mwanawe, una passiwa xikonde iwe[3]! O teu Pai está sempre atento a este tipo de comentário e conversa. Ele tem muitos ouvidos… Até parece um Superman[4]! ― Disse a dona Adélia, e, em seguida, acrescentou:
― Ele sempre ouve comentários de todos sobre o funcionamento da nossa casa, principalmente quando não são a favor da sua liderança. Ele ainda não quer aceitar que isso é para o bem de todos nós. Pelo contrário, ele pensa que lhes queremos mal. ― Sublinhou, cautelosamente, a irmã do tio Manuelinho. Após suspirar por alguns segundos, tentando ruminar os pensamentos que escorregavam em sua mente, adicionou mais conteúdos à sua fala:
― Talvez sejam os seus muitos ouvidos que transmitem mal estas mensagens… Talvez sejam eles que distorcem os nossos comentários para ganhar mais confiança e credibilidade, bem como para mostrar que, realmente, estão a trabalhar. Isso já se normalizou na nossa casa, filho…. Infelizmente! É o pão de cada dia produzido pelos lambe-botas da Pérola do Índico!
O filho, imediatamente, alinhou as suas palavras com o discurso que a sua já cansada mãe acabara de produzir. Quase desesperado, sem saber onde buscar ajuda, como que apanhado de surpresa, expôs abertamente:
― Ahhh, yá! Só posso sair desta casa… Não quero morrer afogado, muito menos ter o meu corpo totalmente incinerado, mamã. Se eu continuar aqui, com estes meus comentários, todos os meus sonhos serão arquitectamente carbonizados e tornar-se-ão em cinzas. Vão incendiá-los ― como daqui a três anos, na noite de Domingo do dia 23 de Agosto de 2020, farão ao Semanário Canal de Moçambique[5]. Há muitas coisas que não posso divulgar, nem suportar, mamã. ― Revelou, profeticamente, o Jornalista-Estagiário, que se mostrava visivelmente emocionado, e aditou:
― Não posso ver, em silêncio, as minhas irmãs a serem vendidas na cadeia, a nossa casa a queimar no telhado, lá no Cabo do Norte, onde lutámos pela nossa libertação, e a família toda impedida de construir, porque alguns senhores decidiram e não querem que nós, os mais desfavorecidos, tenhamos onde reclinar a cabeça. ― Referiu o jovem apaixonado pela comunicação multimídia e pelas almas dispersas que precisam de um salvador e apascentador. E aproveitou para, de forma profética, fazer algumas revelações.
― Mamã, sabes que, daqui a três anos, alguns madalas[6] do mercado de cimento tentarão denunciar um animal em vias de extinção representado em forma de uma empresa produtora e vendedora de cimento, a Dugongo? Espere e verá!
Vendo que o filho se assustara e até lhe tremiam as bochechas quando falava, transparecendo o temor que ecoava do fundo das suas entranhas, e o medo de ver o seu futuro prematuramente abortado, como acontece com as meninas que são entregues ao casamento antes de o astro solar completar os seus 18 movimentos giratórios, a mãe do Jota atravessou a comunicação do filho e, despejando pânico, afirmou:
― Filho, fique comigo. Vamos suportar as chamas até que um dos nossos vizinhos nos venha ajudar… Paciência, Mwananga[7]! Não te precipites tanto. Vamos aguardar até que surja alguém tão corajoso para nos ajudar! Tu não és herói, filho!
Após esse intercalar da sua mãe, uma medida de poucas palavras, carregadas de conteúdo semântico exibido pela sensibilidade da sua voz, associadas às gotas salgadas que espreitavam pela janela do seu rosto cheios de experiências tristes, colocando a mão sobre a cabeça, procurando vocábulos para melhor se expressar, o Jornalista-Estagiário, como um Activista lúcido, contestou com todas as suas forças:
― Shiii, mamã… Já não te reconheço mais. É tudo o que me tens a dizer? Queres mesmo que vendamos o nosso raro carácter a preço de banana, por temer quem nos deveria proteger e lutar pelo nosso bem-estar? É isso mesmo, mamã? Sério?!
― Tens alguma ideia melhor, meu filho? Não vês que não temos saída? ― Controverteu a mãe, toda preocupada.
Ela tremia tanto que abanava a única capulana que lhe concedia a dignidade de uma mulher emancipada. A penúria, todavia, ao de longe, sem recurso a qualquer tipo de microscópio, denunciava-se na sua aparência esbofeteadamente sofrida.
― Um momento, mamã. Deixa-me consultar os meus irmãos, amigos, colegas e vizinhos. Talvez alguém tenha alguma solução ou alternativa que seja melhor para nós. Talvez, mamã! Talvez! ― Interveio o Jota, com esperança brotando adentro.
Após ter pronunciado aquelas palavras, o filho da dona Adélia deu algumas voltas no pátio da casa, que há tempo solicitava por Primeiros Socorros. Os Bombeiros viram o incêndio, mas, quando chegaram, não tinham água para apagar as chamas. Até tentaram! Os Instrutores de Matalane e guardas de Ndlavela sabiam das suas responsabilidades, porém, a sua ganância exercia mais autoridade sobre as suas consciências.
Além disso, os políticos tinham e têm a noção da nossa pobreza, contudo, preferiam defender as suas próprias causas a lutar pelo bem comum e por aqueles que os elegeram. Outros líderes, por sua vez, sabem o que é necessário fazer para resolver os vários problemas que sufocam o povo. No entanto, confiaram esta responsabilidade aos renomados Parceiros de Cooperação e às organizações externas, quer privadas quer nacionais.
A Sociedade Civil, por seu turno, grande parte desta, mostrava-se e continua a mostrar-se apática ao que realmente acontecia. Uma parte dela, geralmente, luta, com vigor e todas as suas garras e forças, por sonhos e necessidades particulares, e é, infelizmente, especialista nisso. Enfim, era muito ingrediente para uma única e simples refeição de conversa de mãe e filho!
E os ponteiros do relógio não paravam de girar. Passados alguns minutos, o filho, o Jornalista-Estagiário, bradou altíssimo:
― Por favor, alguém para nos ajudar… Alguém aí nos pode ajudar, please[8]? Está a ser difícil continuar a viver e, inclusive, respirar nesta ilha. Os nossos sonhos estão a ser, aos poucos, gradual e malandramente, sem travões, confiscados!
De repente, um par de silêncio e interrogações invadiu o cenário e pátio onde ambos conversavam. Era visível aquela presença friorenta e intimidatória que alcançou toda a vizinhança, incluindo aqueles que moravam em lugares mais distantes e recônditos em relação àquela velha casa negligenciada de alvenaria amarfanhada num pátio de Maputo.
Surpreendentemente, ninguém ousou responder ao pedido de ajuda que ecoava dos quintais de quase todos os bairros suburbanos, apesar de, literalmente, todos conseguirem ouvir. No entanto, algum tempo depois, as chamas invadiram outros pátios vizinhos, os danos alastraram-se e afectaram muitos bolsos, muitas famílias e escorregavam rumo ao futuro.
De seguida, algo incrível aconteceu. Agora, quase TODOS julgavam ter respostas aos vários pedidos de socorro. Ou melhor, quase todos tinham algo a dizer sobre o assunto, pelo que vozes emanavam de todos os pontos cardeais da crosta terreste moçambicana, de latitudes, altitudes e longitudes diversas. Quase todos tinham a solução para os problemas.
Posto isso, o Jota, ao deparar-se com aquela realidade, sem reservas e molhos de hipocrisia, soltou a sua voz, espantado:
― Yá! Rendi… Agora, somos TODOS génios! Só porque as chamas também os afectaram…. Será que precisava mesmo de chegarmos a este ponto? Será?! Haja MUDANÇA!
A mãe, tentando socorrer-se da fala do filho, declarou:
― Mwananga, mwananga[9]. É melhor cooperares com o silêncio. Caluda! Eu já sepultei muitos filhos que tentaram agir como tu. Como mãe, aconselho-te a seres apenas um mero espectador, telespectador ou ouvinte… Não faças perguntas. ― Disse a dona Adélia, que, na sequência, acrescentou:
― Até porque ainda não és Jornalista, meu filho. Aliás, até os Jornalistas formados, renomados e outros mais novos na área, já se cansaram de perguntar e receber cheques em branco como respostas às suas várias e incansáveis reclamações e observações. Outros Jornalistas, até, já levaram sovas por causa de abrirem as suas bocas acima da medida politicamente recomendada. E tu, meu filho, queres mesmo seguir este caminho…. É isso? Eu não te quero perder, antes do romper da lua nova, meu filho!!! ― Exclamou a dona Adélia, enquanto tremia e respirava pavor.
O filho, boquiaberto pela reacção da mãe, com todas as suas forças, borbulhando por dentro, retorquiu:
― Mamã… Se assim for, já me perdeste há muito tempo. Acorda, mamã. Acorda, senão vamos todos perecer aqui… ― Confessou o Jornalista-Estagiário. Após uma pausa de silêncio, matematicamente calculada, ele acrescentou:
― Nesta casa, aliás, nesta ilha, há vendedores de sonhos, mamã! E eu não quero ser mais uma vítima de sonhos confiscados! Não é por isso que os meus irmãos, quando vão estudar no exterior, preferem ficar por lá e usar o conhecimento que adquiriram para robustecer mais ainda aquelas terras estrangeiras? E nós vamos, continuamente, perdendo quadros?
Tendo terminado de proferir aquelas palavras, uma voz desconhecida, que vinha do lado exterior da casa, bradou:
― Você aí, muito cuidado! É melhor calar, está bem?
Assustado, de repente, o Jota abriu os olhos. Afinal, tratava-se de um sonho. E ele despertou, sem saber o que fazer. Até tentou procurar alguém que lhe ajudasse a desvendar os significados daquele sonho, mas não sabia em quem confiar.
Após contar o sonho ao tio Manuelinho, este vociferou para todos os cantos do quintal da casa da sua irmã e perguntou:
― Alguém aí nos pode ajudar? ― Logo depois, devolveu a sua voz ao abrigo do silêncio, aguardando por uma resposta de qualquer cidadão voluntário, nacional ou internacional.
Até hoje, a casa ainda é uma ilha de sonhos confiscados!
Autor: Janato Janato
Extraído do livro “Contratado para ser Presidente
[1] É uma Organização Não-Governamental (ONG) moçambicana que trabalha para boa governação e transparência, através do desenvolvimento e fortalecimento do Sector da Mídia, com capacitação intensiva, aprendizagem situacional e oportunidades práticas para Jornalistas emergentes; orientação, treinamento e educação continuada para Jornalistas experientes; adopção de novas tecnologias digitais, plataformas multimídia e estratégias de engajamento online para negócios de Mídia, e no desenvolvimento de operações sustentáveis e modelos de negócios para proprietários do Sector.
[2] Eish, meu filho, cala-te – Traduzido do Sena, língua falada no Centro de Moçambique (particularmente nas Províncias de Sofala, Zambézia e Tete).
[3] Meu filho, vais receber um golpe na cabeça – Traduzido da língua Sena.
[4] Super-homem – Traduzido do Inglês.
[5] Na noite de Domingo, do dia 23 de Agosto de 2020, indivíduos desconhecidos arrombaram as instalações onde funciona o jornal Canal de Moçambique, na Avenida Maguiguana, n.º 1041, na Cidade de Maputo, e introduziram dois bidões de combustível de 20 litros cada, para depois atearem fogo, antes de abandonarem o local. O fogo destruiu completamente a redacção, o arquivo, mobiliário e todo o equipamento utilizado para a produção do Canal, colocando em causa a produção da Edição do dia 26 de Agosto de 2020 do jornal.
[6] Palavra popular utilizada para se referir a “pessoas mais velhas, avançadas em idade ou idosos”.
[7] Meu filho – Traduzido da língua Sena.
[8] Por favor ou por obséquio – Traduzido do Inglês.
[9] Meu filho, meu filho – Traduzido da língua Sena.
Em Memória de Edson da Luz (Azagaia) (1984–2023).
Sei que teu sonho sempre foi
Povo no poder um dia ver
Sei que tua luta sempre foi
Teus irmãos sustento e comida suficiente ter
Povo no poder, hoje sem poder!
Sei que pelos teus irmãos lutaste
E contra As Mentiras combateste
Para que sua Babalaze não fosse de tentação
Mas de extrema revolta contra a fraternal exploração
Da tua amada terra que hoje pranteia endividada e em chamas
Povo no poder, hoje sem poder!
Sei que pelas tuas amadas irmãs
Versos e cantos diversos grafaste
Para que seu real e maior tesouro
Não fosse apenas capulana em seu corpo envolto
Ou em uniões promíscuas com estrangeiros
Mas a pujança das mamanas dos mercados e machambas
Que como Josina, embora sem Machel,
Vergam as mãos e lutam para a miséria vencer!
Povo no poder, hoje sem poder!
Sei que muitas Mentiras da Verdade em vida ouviste
Sobre Mondlane, Urias, Samora e até Dhlakama
Cujos detalhes ainda hoje somente jazem
Encriptados em cavernas dos deuses da governação!
Sei que continuarias a escrever
Sobre as desgraças de Matalane e Ndlavela
Esboçadas em espaçosos escritórios
Com carimbos de conhecidos grandes chefes
E em motéis implementadas à luz de vela
Cujas sequelas ainda hoje entre nós ressoam
Mesmo assim, similar aos tantos casos de rapto,
De mulatos, monhés e nossos irmãos em Cabo Delgado,
Enterraram-se as provas da real investigação!
Sei que continuarias a escrever
Sobre o patriotismo de Cardoso e Siba Siba
Cujos pormenores ainda se encontram algemados
Em conhecidas Procuradorias e Tribunais
Similares à tenda das revelações das dívidas semi-políticas
Escoltados por famigerados Esquadrões da Morte!
Sei que continuarias a escrever
Sobre os nossos vastos e raríssimos recursos
Que apenas ao povo favorece em vazios discursos!
Sei que continuarias a escrever
Sobre o nosso abundante Petróleo e Gás
Cujos benefícios apenas nos chegam
Em agabinetados relatórios e páginas de jornais!
Sei também que continuarias a escrever
Sobre os dados das nossas adoentadas eleições
Cujos resultados são em conluio e politicamente aprovados
Em rodas monetárias secretas, carimbados debaixo de lençóis!
Sei ainda que um dia havias de escrever
Sobre as nossas famosas três refeições
Que de Roma em nossas telas invadiram
Suplantando casos de crónica e aguda desnutrição
Que também se vê em nossa saúde e educação
Espalhados pelos cantos desta Pátria desleixada
Que caminha ao ritmo de teoria txova xitaduma!
Ainda sim, sei que também sabes
Que o verdadeiro aroma destas três doações, aliás refeições
Somente ao de longe pobremente sentimos
Em pátios de indivíduos muito bem partidarizados!
Sei que continuarias a escrever
Sobre a nossa tão desgastada educação
Em Labirintos intencionalmente desenhada
Para deformar a tua e Minha Geração
Ensinando-a o ABC das Mentiras da Verdade
Que manterá este povo muito longe do poder!
Mesmo assim, sei que ainda sonhas um dia ver
Esta nossa juventude não mais adormecida
E como verdadeiros Soldados da Paz, desentorpecida
Rumo à marcha da revolução democrática!
Sei também que um dia quererás ver
E em páginas de jornais grafadas um dia ler
Quanto nossos heróis de libertação nacional
Que o povo finalmente ganhou coragem
E diante de todos matou o individualismo
Para juntos e como Nação, dar à luz ao associativismo
Que conduzirá este tão sofrido povo ao poder!
Povo no poder, hoje sem poder!
Sei também que sonhas com um dia
Em que a consciência patriótica e nacional
Triunfará sobre os deslizes do estômago individual
E a tinta que a cada quinquénio nossos polegares suja
Finalmente conceberá o tão aguardado milagre
De o povo colocá-lo no poder!
Sei que ainda sonhas com um dia
Em que esta demo que chamamos cracia
Finalmente estará a favor do teu povo
E através de Testemunhas Alternativos
Derrubará os Cães de Raça da Maçonaria
Que Vendem o País com Memorandos de Entendimento
Que nos fazem calar e sequestram a revolução
Para desenhar uma nova estratégia da Nação
Que levará este povo ao poder!
Povo no poder, hoje sem poder!
Comemorando os 100 Anos de José Craveirinha, Poeta-mor!
Desde que partiste
Não parámos de gritar
Pois diferente de outrora
Quando vivo entre nós estavas
Hoje mais negros nos tornamos
E nosso patrão é nosso conhecido-irmão
E como antigamente, ainda somos carvão!
Desde que partiste, ó nobre Mestre
Ainda somos arrancados do chão
Como minas de Moatize e outras geografias
Somos explorados sem auditoria honesta
Não apenas por Vales que das nossas terras nos baldeiam
Mas também por aqueles que dizem sacrificialmente lutar
Para nos proporcionar o sonho que nos fez batalhar
Contra a escravidão de brancos e pretos embranquecidos!
Desde que partiste
Quem explora a nossa mina
É o nosso irmão, mas hoje um ferino patrão
E nós, ó nobre Mestre, continuamos mais pretos, carvão!
Desde que partiste
O irmão que nos deixaste
Com o tempo, como um génio camaleão
Camufladamente, ao olho nu, foi-se revelando
Um autêntico capitalista, um supremo-patrão!
Desde que partiste, ó nobre Mestre
Nossas estradas ganharam novos donos
E mesmo abarrotas de valas comuns
Que escondem sangue de gente inocente
Até dentro da cidade, não muito longe de Mafalala
Pagamos quotas para à vontade circular!
Desde que partiste
Ao longo das nossas estradas malfeitas
Brotaram empreendedores de combustíveis
Especialistas em economia de mercado lobista
Similares a Mestres de Kung fu e Karaté
A cada página de estrada vazia de alcatrão
Apertam o cinto da miséria dos teus pobres irmãos!
Desde que partiste, ó nobre Mestre
Os mesmos velhos que deixaste a governar
Pululam pelas pontas vermelhas, governamentais e municipais
Desta pobre terra de cabo do norte queimado
Como especialistas em inovações químico-laboratoriais
Intoxicam o povo com políticas que dizem a todos beneficiar
Mas sabemos que seus planos e suas estratégias, é tutu mafia!
Desde que partiste
O custo de vida não parou de subir
E a subida de que profeticamente escreveste
Não é só do pão, óleo, carvão, transporte
Não é só da educação, saúde, formação
Nosso batimento cardíaco também subiu
Pois o salário mínimo apenas sobe alguns degraus
Quando já há um plano vampírico para sem dó o tirar!
Desde que partiste, ó nobre Mestre
A educação que nos podia educar
É feita por lobistas designados professores
E os livros que nos podiam iluminar
São malandramente produzidos para nossos filhos deformar
E banhados de ignorância, perdermos o norte que nos podia salvar!
Desde que partiste
Nossa Constituição, aquele livro legal sagrado
Tem sido folheado por cientistas-pecadores
Como um manual de empreendimentos laboratoriais
Para garantir mandatos e a todos controlar!
Desde que partiste, ó nobre Mestre
Até governadores pelo povo eleitos
Como estudantes e funcionários estagiários
Têm supervisores faz-tudos directamente da base central
Afinal, o que deve prevalecer não é a vontade do teu povo irmão
Porém decisões superiores dos famosos Grandes e Eternos Chefes!
Desde que partiste
O que mata os nossos irmãos
Não são guerras, fomes, secas, doenças ou ciclones
É a ganância pintada de coragem de um irmão insatisfeito
Que em revolta, sem coração, prefere inocentes trucidar
Para sua voz ecoar mais alto e sua superioridade declarar!
Desde que partiste, ó nobre Mestre
Pouco se escreve para o povo iluminar
Mas páginas em branco, de livros e manuais, se enchem
E murais de redes sociais espalhados na internet se inundam
Com deformações históricas, geográficas, económicas
Sociais, políticas, religiosas, repletas filosofias sanguessugas
Para deturpar o caminho da educação, saúde e salvação!
Desde que partiste
Ainda somos carvão
Ainda se consome nossa combustão
Mas como abertamente disseste
Arder eternamente, não patrão!
Não poderemos continuar a arder
Ser a mina explorada de um patrão- irmão
Que ontem garantiu até seu sangue derramar
Para nossas vidas economicamente melhorar
E devolver o sangue que por séculos nos foi sugado!
Portanto, ó nobre Mestre
Temos que continuar a arder
E com a chama da nossa combustão
Queimar tudo que malandramente nos sufoca
E com temperos de políticas e má governação
Nosso presente e futuro dos nossos filhos na terra inferniza!
Desde que partiste
Mesmo nascidos em terra consagrada independente
E governados por gente que diz democracia defender
Hoje ainda somos um futuro cidadão
Mas como abertamente disseste
Arder eternamente, não patrão!
Muito do que se sabe e escreve
Sobre a biografia do teu vasto corpo
Desde o Norte ao Sul, do Leste a Oeste
Foi-nos por mentes estrangeiras embeberado
Como esponja seca exposta a rios de abundantes águas
Assim, a tua nobre história nos foi maquinosamente revelada!
Ó mãe África
Nós, teus filhos e tuas filhas,
Julgamos-te orgulhosamente
Pelas coloridas e caríssimas capulanas asiáticas
Escoltadas de lenços feitos em cabeças despenteadas.
Nós, teus filhos e tuas filhas,
Sorrimos com lábios batonizados
Reclamando a injustiça que sofremos do racismo
Que também se aloja em nós perante nossos irmãos.
Afinal, ó mãe África
Qual é mesmo a nossa verdadeira raça?
Será que está na cor da nossa enegrecida pele
ou no conteúdo das nossas quase entupidas mentes?
Afinal, ó mãe África
Qual é mesmo a nossa língua?
Swahili, Árabe, Afrikans, Changana, Sena ou Emakua
Ou Inglês, Espanhol, Português, Francês e Mandarim?
Diz-nos, ó mãe África
Quem realmente nos pode ajudar
Em meio a tantas incertezas e maquilhadas hi(e)stórias?
Diz-nos, ó mãe África
Para onde foi o tempero que nos uniu
E deu à luz os 59 anos que em humandemia celebramos?
Diz-nos, ó mãe África
Será que os teus verdadeiros filhos
Sumiram com o emergir de uma era independente
Ou as astutas ovelhas ganharam o formato de lobos?
Diz-nos, ó mãe África
A quem confiaste a tua verdadeira história?
Aos teus filhos euroamerisiaticamente colonizados
Ou sua versão actualizada, importadores de colonização?
Aos senhores feudais que outrora nos colonizaram
Ou a sua versão capitalista africanamente modernizada?
Afinal, ó mãe África
Quem realmente carboniza o teu sonho
E de todos teus filhos, de crescer e desenvolver?
São agentes político-financeiros estrangeiros
Que nos apoiam a cometer brilhantes asneiras
E a envenenar a nossa afrirmandade sanguínea
Para depois surgirem como disciplinados auditores-investigadores
Ou teus quase ingénuos filhos, verdadeiros nacionalobistas
Que compactuam com estes malabarismos macabros?
Diz-nos, ó mãe África
Em meio a tantas e importadas maquilhagens
Hoje, ubuntu já não mais nos une como outrora
E a linguagem que ansiamos educacionalmente aprender
Entupida de memes e vídeos sem conteúdos, nos contamina.
Afinal, ó mãe África
Quem são os teus verdadeiros filhos?
Os líderes políticos e libertadores de ontem
Ou todos que nasceram do teu vasto ventre pátrio?
Afinal, ó mãe África
Porque a pobreza se recusa nosso pátio abandonar
Se em teu vastíssimo corpo de berço da humanidade
Banhado do mais sustentável recurso, teus jovens txiladamente embebedados,
Descobrem-se vestígios de abundantes recursos naturais, aquáticos e petrolíferos?
Afinal, ó mãe África
Quem são as tuas verdadeiras filhas?
As que pegaram na caneta e aprenderam a discutir o feminismo importado
Ou as que, submissas, sobrevivem com marcas de enxadas em suas palmas?
Afinal, ó mãe África
Quando os teus jovens filhos e filhas
Tomarão as rédeas da tua geografia
Serão protagonistas da tua tão sofrida moderna história
Dominarão as áreas da circunferência da tua economia
Ensinarão teus filhos com a devida qualidade técnico-científica
E comandarão os destinos deste navio que carrega teu vasto, mas sofrido povo?
Diz-nos, ó mãe África
Quando teus velhos filhos
Como bons atletas, com olhos fitos no futuro, para o bem comum
Passarão o bastão da tão desgastada governação para as novas gerações
Que sucumbem no desemprego alimentado pelo exacerbado custo de vida?
Diz-nos, ó mãe África
Quando a formação académica e saúde de qualidade
Voltarão a pisar e habitar no teu vasto pátio
Hoje mais terra de gente de outras geografias
Que usurpa e domina sobre tudo e todos?
Diz-nos, ó mãe África
De onde virá a nossa esperança?
Mesmo assim, ó mãe África
Hoje cimentamos a certeza de que a tua juventude
Que caminha entorpecida e txiladamente adormecida
Receberá a luz da consciência e do espírito pan-africanista
E com eles fará o transplante da chama da tua vigorosa veia pensante
Definindo caminhos e alternativas de resposta acertadas
Para travar os vários desafios que aos teus filhos atormentam
E conduzir a tua vasta e riquíssima geografia ao porto desejado
Abrindo assim uma nova página para escrever a tua tão esperada história
Onde prevaleçam o mérito, a verdade, a coesão e a justiça social!
“Quem exagera o argumento prejudica a causa.” (Friedrich Hegel, 1770-1831, Filósofo Alemão, considerado um dos mais influentes da História)
QUATRO ANOS MAIS TARDE…
Era 07 de Abril de 2021, uma aclarada e movimentada Quarta-feira que fluía como as moléculas nos vasos sanguíneos de gente activa. Nas bermas das estradas da Cidade das Acácias, viam-se milhares de mulheres, as irmãs da Josina. Grande parte delas fingia conhecê-la e reclamava por coloridas peças de capulana para celebrar aquela memorável data!
Olhando para as filas de vozes femininas espalhadas na baixa da Cidade, as quais procuravam por peças de capulana para celebrar o 07 de Abril, alusivo à Josina Machel, o Jota, Jornalista-Estagiário no Mídia Lab (ML), entre 2017 e 2018, que se fazia acompanhar pelos seus dois amigos e uma amiga, ambos de qualidade, membros honorários do Sistema Nervoso Central[1], que eles fundaram enquanto estagiários no ML, questionou:
― Afinal de contas, o que realmente as irmãs da Josina, pintadas de peças de capulana, celebram no dia 07 de Abril?
Imediatamente, sem exercer muito esforço hermenêutico, o Omardine, jovem arrojado, soltou a sua voz e respondeu:
― Jota, a Josina Machel, que hoje elas celebram, iniciou, aos 7 anos, os seus estudos, a 1.ª Classe, em Mocímboa da Praia, local onde se ouviram os primeiros tiros dos insurgentes, a 05 de Outubro de 2017. Lá, naquele Cabo do Norte da nossa Pérola queimada, hoje, crianças, jovens, mulheres e homens clamam por socorro, mesmo assim, as irmãs da Josina estão aqui, todas emocionadas, à procura de peças de capulana para celebrar.
Comovido com a colocação do Omardine, na sequência, o Cornélio, que também era um Jornalista-Estagiário altamente informado e com qualidades firmes e autenticadas, sustentou:
― A Josina, que hoje elas celebram, juntou-se ao Núcleo dos Estudantes Africanos Secundários de Moçambique (NESAM)[2], onde desenvolveu a sua consciência político-cultural para lutar por Moçambique e libertar o País do jugo colonial português. Foi essa entrega que a fez abandonar os prazeres de vestir peças de capulana coloridas e rumar para as terras de Julius Nyerere, onde se treinou para defender a Pátria Amada. E hoje, lá, onde a Josina teve a sua primeira educação formal, sofre ataques violentos de estranhos e, por isso, muitas irmãs e suas filhas têm sido atacadas e abertamente vitimadas. Porém, estas irmãs, em vez de juntarem as suas vozes e lutarem para libertar as suas irmãs queimadas no Cabo do Norte sangrento, batalham por meras capulanas. Que cenário triste!
― Olha, aos 18 anos, a Josina abandou o solo pátrio para Tanzânia e Zâmbia. Pelo caminho, foi presa, e, em seguida, malandramente deportada; ainda jovem, ela era espionada por Polícias Coloniais, por causa das suas aventuras político-culturais movidas pela então Frelimo de todos contra a opressão portuguesa. ― Afirmou a Cátia Mangue, outra Jornalista-Estagiária brilhante, que se mostrava visivelmente revoltada. Ela sentia, na epiderme da sua iluminada pele, a dor das suas irmãs de Cabo Delgado, violenta e barbaramente maltratadas.
Minutos depois, aproximou-se o Sérgio Nhambi, outro Jornalista-Estagiário, excelente comunicador, que se juntou à conversa. De imediato, como que tivesse recebido, profeticamente, uma revelação divina, como alguém que conhecia os pormenores daquela conversação juvenil jornalisticamente bem nutrida, interveio:
― Presumo que estejam a falar da mãe das Mulheres Moçambicanas, a nossa Josina Machel. Dava para entender o baloiçar dos vossos lábios. Os ventos segredaram-me a vossa efervescente interacção. É isso, né? ― Interrogou o Nhambi.
O Jota, logo a seguir, correspondeu à solicitação do seu amigo de qualidade e disse:
― É verdade! Você sabia que Josina Machel, aos 19 anos, abandonou Moçambique e rumou para Suazilândia, onde foi acantonada num centro de refugiados? E pouco tempo depois, com a ajuda de um Pastor Presbiteriano, ela refugiou-se na África do Sul, e depois em Botswana, onde foi considerada visitante indesejada e, pelo governo Britânico, deportada. Sabia, Nhambi?
― Como não, meu amigo de qualidade. Graças a Eduardo Mondlane, nosso arquitecto-mor, construtor da Nação e visionário da nossa libertação do jugo colonial português, que convenceu os Britânicos, Josina foi enviada à Zâmbia e, seguidamente, para Tanzânia, o seu centro de formação político-militar, onde se tornou Mulher Moçambicana, mesmo fora de Moçambique… Tudo tendo em vista a nossa total e completa libertação, para ela, na altura, seu escravizado povo. ― Acrescentou o Nhambi, cheio de confiança.
― Aos 20 anos, Josina Machel assistiu a Janet Mondlane, esposa de Eduardo Mondlane, no Instituto de Moçambique, para treinar os seus irmãos e as suas irmãs, a fim de lutar e alcançar a Independência Nacional. ― Referiu o Omardine.
― Parece que estamos todos em sintonia aqui. Que sincronia! ― Conferenciou a Cátia que, em seguida, acrescentou:
― Aos 21 anos, Josina Machel abandonou uma Bolsa de Estudos para Suíça e livremente se juntou ao Destacamento Feminino, onde teve formação político-militar, com vista a melhorar o seu enquadramento na Luta de Libertação Nacional.
Em tempos de guerra, Josina Machel cuidava dos feridos, órfãos e de crianças abandonados; ela fazia de tudo para lhes fornecer apoio de natureza médica, moral, educacional e social. As suas mãos estavam treinadas não apenas para pegar na arma e lutar pela libertação do País, mas, também, para cuidar dos filhos das suas irmãs e dos mais desfavorecidos, hoje esquecidos.
― Aos 23 anos, a Josina advogava pela inclusão de raparigas e mulheres em todos os aspectos da Luta de Libertação. Nessa altura, ela tornou-se Representante das Relações Internacionais do Destacamento Feminino na então Frelimo de todos. ― Afirmou o Cornélio ― E, virando os seus olhos para as largas e compridas filas de mulheres que lutavam por coloridas peças de capulana, questionou aos seus companheiros:
― Afinal, onde aquelas irmãs buscaram tamanha inspiração para celebrar a Josina com peças de capulana?
Em seguida, fez-se um silêncio ensurdecedor. Naquele momento, os jovens Jornalistas fizeram viajar as suas mentes em profundas meditações. Pensavam Moçambique! Segundos depois, a conversa continuou. E o Jota, de súbito, adicionou:
― Com 24 anos, Josina já viajava para eventos internacionais, onde partilhava a sua experiência e de outras Jovens e Mulheres Moçambicanas e não só, advogando pela igualdade de participação em todos os aspectos de desenvolvimento ao nível local, regional e internacional. Foi com ela que o sonho das Mulheres Moçambicanas teve raízes profundas e sólidas, que, gradualmente, foram brotando até aos nossos dias. Será que aquelas irmãs da Josina sabem disso ou apenas querem celebrá-la, confortavelmente inconscientes?
― Hummm… Será?! Ainda aos 24 anos, a Josina já liderava o Departamento de Assuntos Sociais, na então Frelimo de todos e trabalhava, extensivamente, para prover cuidados de saúde e educação às crianças no Norte de Moçambique e, naquela altura, instava para a necessidade de formação de raparigas e mulheres. Vê-se, aqui, que ela tinha os olhos fitos no futuro não somente do País como, também, das suas irmãs, muitas das quais viriam a esquecer-se dos seus feitos. Mesmo assim, entregar-se-iam em comemorações nos futuros setes de Abril. ― Asseverou, com um ar carregado de profunda indignação, o valente Omardine.
Em meio à guerra, Josina Machel lutou por Moçambique. Após a morte de Eduardo Mondlane, ela juntou-se à Janet Mondlane para a consolar por aquele ataque que, igualmente, era um golpe para Moçambique e todos os Moçambicanos. Aliás, aquele golpe ao patrono da Nação, até hoje, permanece uma incógnita reservada aos deuses da Luta de Libertação Nacional.
Naquele instante, algumas vozes, que passavam próximas à Avenida que carregava o nome daquela heroína quase esquecida, Av. Josina Machel, onde começava a fila das mulheres que batalhavam por peças de capulana, interromperam a conversa daqueles jovens Jornalistas. Um jovem ambulante, com o corpo abatido pelas correrias da vida, aproximando-se à Cátia, única mulher naquela conversa juvenil, de viva voz, tentando granjear mais clientes, perguntou:
― Moça, não queres esta capulana para celebrar o dia de hoje, 07 de Abril? Viste como ela é bonita e combina contigo? Posso dar-te um bom desconto, se quiseres. Experimenta só esta capulana aqui. Eu juro que vais gostar. Experimenta lá!
A Cátia, boquiaberta, olhando para os seus colegas, soltou um sorriso radiante, e respondeu ao jovem ambulante, que atentamente recolhia a atenção de todas as mulheres que desfilavam nos corredores daquele pátio da baixa da Cidade:
― Desculpa lá, mano. Eu já estou a celebrar, e muito bem, com os meus colegas. ― E, olhando para os seus amigos, fazendo desabraçar as gêmeas fileiras de dentes alimpados que compõem a sua cavidade bucal, soltando um par de sorriso, ruçou-se.
No entanto, o jovem ambulante tentou convencer aquela jovem mulher para adquirir uma peça de roupa colorida que ele e os seus amigos traziam. Todavia, ele não foi capaz de persuadir aquela Jornalista de firmes qualidades.
Em seguida, esquecendo-se daquela interrupção, o Jota, ressuscitando a conversa sobre Josina, interveio e disse:
― Eu penso que aqueles jovens não sabem que, aos 25 anos, Josina Machel foi diagnosticada cancro do fígado. Mesmo assim, ela continuou a lutar por Moçambique exercendo, incansavelmente, as suas funções na então Frelimo de todos. Ainda que à beira da morte, a sua garra pela libertação do seu povo falava mais alto, por isso tudo fazia para o ver libertado do jugo colonial português.
― Nessa época, Josina Machel deixou o seu filho, o Samito – que, já adulto, se viu forçado a abandonar a corrida às Eleições Autárquicas de 2019, como Cabeça-de-Lista de um partido fundado com urgência para desafiar a hegemonia da antiga Frelimo de todos, seu partido de nascimento, e colocá-lo na Presidência do Município da Cidade de Maputo – quando tinha apenas 1 ano de idade, em Tanzânia, e viajou à Niassa para tratar de assuntos sociais e ajudar raparigas e mulheres naquele período de guerra, que matava o sonho de muitos homens e mulheres Moçambicanos. ― Revelou, abertamente, o Omardine.
― Ainda aos 25 anos, Josina Machel viajou a Cabo Delgado, onde começou a sua trajectória educacional, para verificar o progresso de programas sociais naquela Província. Naquela altura, ela sofria de graves problemas de saúde, e o cansaço e a perda de peso, gradualmente, tiravam a vida desta mulher lutadora pela causa nacional moçambicana.
― Acrescentou o Nhambi, com uma voz cheia de saúde.
― Infelizmente, já com a saúde totalmente debilitada, e de regresso à Tanzânia, a Josina foi internada, e no dia 07 de Abril de 1971, deixando para trás o seu sonho de ver Moçambique liberto da opressão colonial crónica, ela morre e os seus restos mortais foram no subsolo das terras do Pan-Africanista Julius Nyerere, entornados. ― Sublinhou o Jota, meneando a cabeça para os lados, enquanto vigiava o seu redor movimentado.
Entretanto, as irmãs da Josina Machel, naquele dia em que conversavam, não estavam a pensar em tudo isso. Elas só e tão somente queriam celebrar, com peças de capulana!
― Mesmo depois da sua morte, hoje, nós lembramos o sonho de Josina: “Camaradas, já não posso mais continuar a lutar; levem a minha arma e entregam-na ao Comandante Militar para contribuir para a salvação do Povo Moçambicano.” ― Revelou a Cátia.
― Foi assim que, um ano após a morte de Josina, a então Frelimo de todos declarou o 07 de Abril como Dia Nacional das Mulheres e, em Março de 1973, estabeleceu-se a Organização da Mulher Moçambicana (OMM), enquanto movimento social e político inspirado nos ideais de emancipação defendidos por Josina Machel, hoje quase todos simbolicamente trocados por simples peças de capulana enroladas em corpos que, igualmente, clamam por total libertação. ― Decretou o Cornélio.
― Hoje, a Mocímboa da Praia, que ensinou Josina Machel a ler e escrever, está em chamas. As suas irmãs Palma, Macomia, Muidumbe, Mueda, também, choram lágrimas amargas de guerra e assalto à soberania nacional. Mesmo assim, as irmãs da Josina fingem conhecê-la e reclamam por peças de capulana para a celebrar. Estranho, né! ― Acrescentou o Jota.
Os grandes problemas crónicos da pobreza generalizada, as famosas Dívidas Ocultas, os ignorados conflitos armados no Cabo do Norte queimado e a crise humanitária, os casamentos prematuros – hoje uniões prematuras –, as violações dos Direitos Humanos, o abuso de menores e a violência doméstica, as grávidas de Matalane e as negociações promíscuas de Ndlavela, os assaltos aos produtos das mamanas[3] nos mercados, protagonizados por Polícias Municipais, entre tantos outros problemas que assolam a nossa extensa Pátria Amada, as irmãs da Josina Machel que fingem conhecê-la, desconhecem-nos, e, contudo, reclamam por coloridas peças de capulana para celebrar a mesma Josina Machel que se entregou pela libertação do Povo Moçambicano.
― Afinal, o que realmente as irmãs da Josina Machel celebram a cada dia 07 de Abril que passa? ― Questionou, preocupada, a jovem Cátia.
Em seguida, respondendo a uma chamada telefónica, com qualidades de urgência, a Cátia desapareceu do meio daqueles jovens Jornalistas. E, por conseguinte, os quatro jovens separaram-se e continuaram com as suas agendas editoriais e de trabalho da semana.
Autor: Janato I. Janato
Texto extraído do livro “Contratado para ser Presidente do Município” (2022), págs. 53-61.
[1] Sistema Nervoso Central (SNC) é o nome atribuído pelo Jota ao grupo composto por 7 Jornalistas-Estagiários que faziam parte da Edição do Jornal semanal produzido pelos Estagiários. Os membros do SNC eram responsáveis por filmar e editar as peças jornalísticas, montar o jornal principal, rever e assistir ao jornal, anotar os possíveis erros e corrigi-los. Todas as Sextas-feiras, após as verificações, o líder do SNC deveria levar o jornal, num flash ou HD, e submetê-lo à STV para ser veiculado às 11h30 do dia seguinte. Às vezes, os membros deste grupo saiam da redacção às 23h ou mesmo à meia-noite.
[2] O Núcleo dos Estudantes Secundários de Moçambique (NESAM) foi uma associação estudantil moçambicana nacionalista, estabelecido nos princípios de 1949, na então Lourenço Marques, actual Cidade de Maputo, com cerca de 20 membros, que funcionava no Centro Associativo dos Negros da Colónia de Moçambique (CANCM). O NESAM tinha como objectivo fomentar a unidade e camaradagem entre os jovens africanos, através do desenvolvimento da sua capacidade intelectual, espiritual e física, para melhor servir a sociedade. Nos primeiros anos da sua existência, as autoridades coloniais portuguesas consideravam-no uma organização nacionalista embrionária, pelo que os seus membros eram considerados inimigos ao regime português, sendo, por isso, perseguidos pelas tropas coloniais.
[3] Mães – Forma popular de dizer.
“Ninguém comete erro maior do que não fazer nada porque só pode fazer pouco”.
(Edmundo Burke, 1729-1797, Escritor e Político Anglo-irlandês)
Nós, os números:
Somos apenas 10 irmãos
Do mais novo “0” ao mano “9”.
Soltos, representamos senão lúgubre unidade
E se restringe, deveras, nossa quantidade!
Todavia, unidos
Somos a complicação de muitas mentes!
Jovens, adultos e velhos
Com ou sem casaco, trémulos
Reclamam o poder e a influência
Da nossa estratégica associação!
Ademais, reconhecemos que as letras
Engenhosamente grafadas ou manuscritas
Unidas, geram a temida Matemática
Mas nós construímos a sua essência
E isso as letras designam ciência!
Igualmente, nós, as letras:
Somos senão vinte e seis membros
De classes de cinco e vinte e uma
E a nossa influência é sem preço
Basta olhar para as palavras e frases
Expressões, folhetos, livros e compêndios
Somos a chama de grandes revoluções!
Soltas, desde a novata “a” a sonora “z”
Limitam-se nossa influência e nosso poder
Encolhem-se e estacionam-se as mais nobres mentes
Perdem-se a cor e o brilho das coisas
E quase sobre nada se pode escrever!
Entretanto, quando unidas:
Nascem pensamentos e sonhos
Despertam-se revolucionárias ideias,
Aureoladas e extraordinárias conquistas!
Além disso,
Erguem-se enormes livrarias
Clássicas e modernas bibliotecas
E a chama por um mundo melhor
Encontra em nós o seu embrião!
Bem que os homens
Que nos pensaram e deram vida
Poderiam algo de nós aprender
Pois se isolado cada um permanecer
Sua influência será de menor alcance!
Entretanto, os homens
Longe das nossas expectativas
Buscando auto-reconhecimento e vanglória
Aprenderam, com invejável destreza, a unir-nos
E esquecendo-se de si próprios e da sociedade que criaram
Hodierno, vivem resmungando socorro!
E nós, números e letras
Minúsculas ou maiúsculas
Em algarismo ou por extenso
Unânimes, somos o fósforo da revolução!
A semana finda foi marcada por diversos acontecimentos que se despejavam nas páginas da história do nosso País. Em alguns cantos, ouviram-se gritos de socorro, por causa de surtos de raptos à luz do sol, destapados nas artérias da Cidade das Acácias e algumas vindas do exterior. Igualmente, assistiu-se ao interromper e à restrição da livre demonstração das liberdades fundamentais dos homens, uma clara evidência de atropelo à Constituição da República, bem como outros regulamentos jurídicos regionais e mundiais de defesa e celebração dos Direitos Humanos.
Ademais, além do empurrão de um dos mais ilustres causídicos das Dívidas Ocultas, Alexandre Chivale, que defendia o mais especial Agente Secreto da Pérola do Índico, sacudido pela batina e peruca da Magistrada Ana Sheila Marrengula, com o carimbo do martelo do Capitão de punk judicial, das paredes envelhecidas daquele edifício localizado ao longo da Avenida 24 de Julho, que esconde o tormento do povo, ouviam-se algumas vozes engravatadas, pintadas de leite e cremora, que, em plena Casa Magna, destilavam desnecessárias declarações de amor.
Não quero falar das suas atrocidades linguísticas, nem dos processos contrários à formação de palavras, das dissonâncias fonológicas e morfossintácticas do seu falar, ou do desvozeamento das sílabas solteiras que, a cada sessão parlamentar, ecoam dos seus movimentos bilabiais estranhos à oficina da língua. Até que poderíamos entender, se, no mínimo, usassem o seu pobre vocabulário para cozinhar ideias úteis destinadas ao bem do esquecido povo. Antes, quero falar de outros assuntos entornados no tapete especial da Casa Magna, a nossa Assembleia da República!
É verdade que a nossa diva da Literatura Moçambicana, a Paulina Chiziane, merece todo o nosso respeito, mas trocar os problemas do povo, a fome dos desempregados, a escassez dos cuidados hospitalares, a educação malnutrida que nos rodeia, as mortes, os deslocamentos das comunidades e a assistência desumanitária que se vive em Cabo Delgado, bem como as nossas filhas e irmãs Matalanizadas e Ndhlavelizadas, por salvas de palmas cheias de declarações de amor e elogios desprovidos de sensibilidades pelas causas de quem mais merece, é mesmo falta de vergonha!
Aliás, quando ela, e tantos outros nobres Escritores, escrevia os contos e romances a descrever a nossa triste realidade como País, nenhum daqueles Deputados defendia o reconhecimento dos seus escritos, que perfazem as páginas marginalizadas da nossa Literatura Moçambicana, nem do Ministério da Cultura e Turismo se ouviam sussurros de apelos virados para a promoção da cultura nacional representada, democraticamente, nos escritos daquela embondeira da escrita moçambicana, africana e mundialmente traduzida, e lida nos cantos dos quatro pontos cardeais.
Além disso, quando Paulina escrevia os seus rabiscos, aqueles Deputados se enchiam de regalias e saldos volumosos que engrossavam os seus corpos já cansados de desfrutar dos prazeres dos impostos do desgraçado povo, que também serviam para pagar os Escrivães que rabiscavam as páginas dos seus discursos saciados de elogios, porém, desprovidos de educação e sentido de responsabilidade face aos clamores dos corpos cujos dedos lhes colocaram naquelas bancadas.
Duvido, ainda, que aqueles Deputados, declamadores de frases de amor, se sentam, conscientes, em frente às páginas brancas do computador, simplesmente, para as encherem de adjectivos vazios de significados que o povo não as quer ouvir. Outros até chegam a falar de pecados, enquanto os seus discursos estão carregados de revelações pecaminosas, malandra e diabolicamente inspirados, com vista a empurrar, cada vez mais, o cidadão comum à margem da desnutrição educacional.
Aliás, não é que isso é, igualmente, resultado de falta de respeito e consideração pelo povo que os colocou naquelas bancadas de colchões volumosos que os enchem de conforto e sonolência, os quais, como seguimento, recebem respostas de mentes cansadas e desnutridas, que reflectem a sua incapacidade em defender aqueles que realmente precisam do seu apoio.
Ora, as declarações de amor dos Deputados, também, estenderam-se ao Informe do Provedor da Justiça, o Pai da Legalidade na Pérola do Índico. Contudo, como disse o Deputado Silvério Ronguane, de uma população de 30 milhões, em 1 ano, apenas 477 requerentes recorreram ao Gabinete do Provedor de Justiça (GPJ). Ou seja, o GPJ e os funcionários nele alocados receberam e deram seguimento a 1 processo por dia e, nos dias mais atarefados, 2 processos: “Que boa vida sua, Senhor Provedor da Justiça!” Apesar de esconderem outros detalhes, os números falam!
Por lei, o Provedor de Justiça, com a sua régua de justiça, deve intervir para o bom funcionamento e endireitar todos os arruamentos entorpecidos e manipulados da nossa Administração Pública, em todo o território nacional. Por dia, assistimos a muitos casos de ilegalidades que, desconhecendo os seus motivos, não pousaram nas páginas daquele informe repleto de imagens fotográficas.
Tal como o edifício que se encontra anexo à margem dos prédios da Avenida Julius Nyerere, na área nobre da Cidade das Acácias, o foco do Gabinete do Provedor de Justiça concentra-se na Cidade de Maputo. Assim, os demais Moçambicanos, espalhados pelo País, são deixados à sua sorte, na margem do esquecimento, sem gotas de justiça nem primeiros socorros diante das chagas de injustiça que, diariamente, visitam os seus corpos, sem apoio do órgão que lhes deveria defender. Por isso, o povo continua mergulhado em injustiças e pouco se faz para tirá-lo de lá!
Ademais, como referiu António Muchanga, Deputado que integra o grupo daqueles que são considerados a “ala dos sem amor à pátria” na Assembleia da República, além das fotos de edifícios e viagens pelo mundo, um martelanço de imagens, o informe do Provedor de Justiça, nas suas 63 páginas, é um álbum fotográfico… e, por isso, estava claro que ele veria navio na sua governação.
Além disso, quase tudo que se discute não apenas na Assembleia da República, mas também nas Assembleias Municipais e em diferentes órgãos e instituições deste nosso Estado, revela que nós estamos a brincar de governar. Assim, quando chega a hora de informar ao povo e ao mundo sobre os feitos da nossa governação, também, brincamos de informar. E vê-se, nessas brincadeiras, uma tendência de se recorrer ao temido Segredo de Estado para esconder informações úteis que ajudariam a resolver os caducados problemas que há muito atormentam o povo.
Já era de se esperar. Muitos daqueles senhores nunca foram depósitos de aplausos verdadeiros. Mesmo enquanto crianças, já deixavam transparecer o seu futuro conturbador. Quase todas as crianças da sua idade, na altura, reclamavam dos seus maus comportamentos intelectuais. Não se sabe ao certo, mas eles chegaram ao Parlamento, politicamente constitucional. Tudo por conta da política! E desta vez, eles não só lançavam areia nos olhos dos colegas da Casa Magna, mas, também, pelas suas artimanhas, comprometiam o futuro dos seus irmãos e das novas gerações.
A propósito, como falar da independência dos Tribunais, enquanto as dívidas ocultamente planeadas tiveram o carimbo visível daqueles Deputados, simplesmente, porque queriam defender interesses obscuros resumidos em aprovações de informes descabidos e propostas legislativas que apenas apadrinham as suas cozinhas, os seus bolsos, enchendo-os de prazeres, não apenas nas suas poucas horas de trabalho, mas, sobretudo nos seus abundantes momentos de lazer?
Será que devemos, sempre, produzir elogios aos nossos irmãos, mesmo quando fazem macaquices ao céu aberto, simplesmente porque em nós correm o mesmo líquido partidário? Será que aqueles Deputados escrevem os seus discursos conscientes ou no seu mais elevado estágio de desprezo às necessidades do já empobrecido povo esbofeteado pelos ataques da natureza, dos insurgentes no Cabo queimado e da Covid-19, que asfixia o mais básico direito à vida condiga do povo?
Moçambique é um território com muitas novidades, bem como centenas de Grandes Chefes. Porém, o que não nos havia sido dito, em público, é que muitos Grandes Chefes da Pérola do Índico são autores de postulados e teorias, nunca antes estudados nas salas de aulas das nossas desgastadas, muitas delas internadas, Escolas e Universidades espalhadas em todo o País.
Contudo, nestes dias, a partir da mais falada tenda do País, a tenda das revelações, localizada na Cadeia de Máxima Segurança desprovida de segurança, passamos a receber aulas gratuitas sobre os Postulados negacionistas de defesa e a Teoria dos Martelos, descascados em martelanços, ora pequenos, ora grandes, sejam pretos-brancos, sejam coloridos, quer nacionais, quer chineses.
No início das audições, quem não ficou colado às telinhas de TVs ou dos smartphones, queimando energia e os poucos megabytes que tinha, para acompanhar ao mais mediático julgamento económico de Moçambique – o Caso de Querela sobre as Dívidas Ocultas?
Assim, em poucos dias, duas personagens, quase por todos desconhecidas no País e no mundo, ganharam estatuto de modelos de justiça e de luta contra a corrupção. Pelo que, não faltaram elogios nem aplausos, escoltados de choros alegres e palmas de alívio de cidadãos desesperados e com bolsos furados gotejando migalhas de miseráveis esperanças.
Em seguida, vieram os Arguidos, os quais, após definido o Código Penal em uso naquele processo, transformaram-se em Réus. Com a audição de Mutota, passamos a saber que os nossos Grandes Chefes, também, são agricultores com machambas desconhecidas, nas quais, em pleno século 21, desperdiçam milhares de dólares sem planos claros de retorno – um SUSTENTA insustentável!
À entrada triunfal de Nhangumele, foi-nos referido que o projecto que levou à contracção dos 2.2 biliões de dólares foi esculpido por artistas secretos, com técnicas mágicas, provenientes de um planeta ainda por se descobrir e, caso aquele plano funcionasse, estaríamos seguros como nação. Ele disse não estar interessado em devolver parte das moedas que nos levaram à vala comum.
Quando chegou a vez do réu mais mimado da Pérola do Índico, entendemos que Jean Boustani, lá dos Emirados Árabes, estava enganado ao chamar de Cinderela um indivíduo que teve a coragem de espalhar perfumes de arrogância e malcriadez, bem como desrespeitar a todos Moçambicanos, pois, segundo ele, além de não ter memória de elefante, como ovelha inofensiva conduzida ao matadouro, foi injustamente empurrado nas dívidas publicitadas para atacar a sua família real.
Veio o seu amigo de infância, que, também, apesar de não constar da árvore genealógica da família real, transpirou chuvas venenosas de prazeres de insubordinação à justiça associadas ao seu problema de memória de curta metragem. Apesar de ele ser elefante em esquemas (i)mobiliários e monetários, afirmou não ter qualidades daquele animal em vias de extinção.
Igualmente, vieram outros Réus e Rés, que reclamaram sofrer injustiças e perseguições do guardião da legalidade no País. Alguns mais grosseiros que outros e outros produtores de respeito e obrigados em larga escala. Algumas até cuspiram verdades face aos apelos de sensibilidade do Tribunal e outras se revelaram autênticas artistas e costureiras de esquemas milionários.
Nisto, corriam as audições em sede de Tribunal. O alarme soou e chegou a vez do Chefe dos Agentes Secretos nacionais. Em contramão a todas as nossas expectativas, o rei da selva revelou, estrategicamente, desconhecer o pelouro que dirigia, despossuir abertamente a memória de um elefante, nem saber os contornos do projecto que, segundo eles, havia sido esboçado para nos proteger. Insólito! Era o primeiro leão sem juba, que disse ter potência inferior a algumas hienas e alguns abutres que pastavam e alimentavam-se nas relvas daquele pátio nas tendas da B.O.
Além disso, o rei da selva fez-nos saber que ele era um eterno apaixonado pela sua leoa, que não parava de interceder e enviar pingos de orações em favor da vida do casal, a fim de proteger a sua imagem, malandramente manchada pela falta de atenção aos detalhes de transações bancárias planificadas, esculpidas e monitoradas pelos Agentes Secretos liderados pelo leão, que não parava de rugir diante do Tribunal e de todos que acompanhavam as sessões de julgamento.
Aliás, quase todos estávamos acostumados em ouvir vários postulados negacionistas, a saber, postulado não me recordo, postulado não vou responder, postulado já respondi ontem, postulado está consignado em acta, postulado do silêncio, entre outros misturados com caril de malcriadez.
Por conseguinte, quando todos pensávamos que havia chegado a hora de ouvir grandes revelações do espião mais esperado de Moçambique, em sede da tenda das revelações, fomos brindados não apenas com postulados negacionistas de defesa, mas com uma teoria nunca antes ouvida, que diariamente gotejava em série, a Teoria dos Martelos de um Grande Chefe.
Aliás, não era a primeira novidade: assistiu-se e ouviu-se, naquela tenda, desfiles abertos de gatos, que procuravam devorar anexos, volumes e folhas daquele processo, mas o Juiz, sem investigar ou mandar averiguar, concedeu cobertura plena aos gatos. Não demorou, aqueles animais domésticos, que dominavam as coordenadas das tendas da B.O, passaram, às mesmas horas, no final do dia, a cortar energia em meio às audições. Porém, mesmo assim, os gatos tiveram mimos.
Assim, para chamar à atenção da sua presença ignorada, os gatos ganharam a coragem, afiaram os seus dentes e mastigaram algumas folhas com provas acusatórias contra o Grande Chefe. Era um recado-ataque claro e aberto dos gatos apessoados para alertar a todos, a fim de que não fossem mais ignorados, pois, eles estavam a sofrer injustiças e eram publicitados nas tendas da B.O.
Estava a ficar claro, diante de todos, que os Postulados dos Réus e a Teoria dos Martelos do Grande Chefe faziam parte de uma estratégia malandra para abandonar a tenda da B.O com aplausos escoltados de elogios que os conduziria a caminho de casa. Aliás, os golpes de saudação do Grande Chefe, à entrada e saída do Tribunal, eram truques mafiosos para comprar a atenção dos telespectadores e internautas. Afinal, os filmes de inteligência e espionagem, que assistimos, já nos haviam alertado que um Agente Secreto ou Espião nunca fala a verdade, mesmo quando escoltado de chuvas de espancamento ou arrancados ambos olhos. Mas aquele não era o caso!
Após quebrar o recorde do seu antigo Chefe, outro Grande Chefe, cuja chefatura lhe persegue até no Língamo, sua actual residência preventiva, o Grande Chefe das três empresas do calote das Dívidas Ocultas começou a conjugar a sua teoria, aos pedaços, aos quais designou por martelanços. Todas as provas lançadas pelo Ministério Público, para o Grande Chefe, eram resultado de marteladas que se transformavam em martelanços preparados sem mestria.
Com a sua Teoria dos Martelos, o Grande Chefe começou, até, a fazer piadas e enervar o Tribunal e a todos, já que em sede de Tribunal, televisionado ao vivo, não era possível receber presentes em punhos de raiva que se acumulavam nos sujeitos para quem ele se dirigia, zombadamente.
Portanto, superando a intervenção de outros Réus, o Grande Chefe, a cada audição, em julgamento na tenda da B.O, desfilando manguais de esperteza e conjunto de postulados, abrindo livros com páginas repletas de inteligência e teorias parasitas, buzinava bem alto e raspava o chão, sacudindo a poeira e o barulho nos olhos e ouvidos do povo, para se escapar das acusações que pesavam contra si. Assim, a cada postulado e teoria, cementava mais ainda a miséria dos seus compatriotas!
“O escritor não se deve calar perante o que o indigna.” (Mia Couto, 1955-Actualmente, Escritor e Biólogo Moçambicano)
Segundo informações e dados linguísticos, nas páginas das gramáticas bantu, a palavra “desporto” não existe nas línguas nacionais moçambicanas. Pelo que, por associação de significado, de modo a encontrar-se um termo substituto, que melhor o descreva, utiliza-se a palavra “brincadeira” para se referir a “desporto”.
Portanto, a Secretaria de Estado do Desporto (SED) de Moçambique, por assimilação do significado da palavra “desporto” vigente nas línguas nacionais moçambicanas, equivale à Secretaria de Estado da Brincadeira. Feliz ou infelizmente, essa brincadeira dilatou-se e estende-se à Federação Moçambicana de Futebol (FMF)! E assim começa a brincadeira em toda a cadeia desportiva no País!
Por isso, nas artérias da agitada Cidade das Acácias, bem como em todas as cidades espalhadas pelo extenso Moçambique, ouviam-se várias conversas acesas sobre a actuação da SED e da FMF. Até analistas renomados da praça, grande parte deles da sociedade civil nacional, comentavam em suas páginas de Facebook, bem como nas suas intervenções nas telas das TVs nacionais sobre a ineficácia e ineficiência da governação desportiva vigente no País.
Assim, não apenas os adultos, mas, também, os jovens não se distanciavam daquele assunto, razão pela qual revelavam, aqui e acolá, as suas concepções em relação ao mesmo. Mais uma vez, aquele assunto nos colocava, não somente na boca do povo local, mas da Região Austral, de África e do mundo. Todos eram unânimes e diziam que a forma como, quer a SED quer a FMF, eram desgovernadamente conduzidas… Quase tudo relacionado ao desporto e futebol deixava a desejar. E as esperanças de ver a situação mudar estavam a esgotar-se!
― Há uma semana, fomos blindados com mais uma intervenção decisiva da Confederação Africana de Futebol (CAF). Trata-se de uma decisão que vem demonstrar as brincadeiras desenhadas pelos representantes desta brincadeira chamada futebol. ― Revelou o Jota, que conversava com o tio Manuelinho.
― É verdade, sobrinho. O nosso melhor pátio, onde brincamos com a bola, foi chumbado pela falta de condições para organizar o embate entre os Mambas desvenenados e os indomáveis leões, os Camarões. ― Retorquiu o tio Manuelinho.
― Aliás, em Novembro do ano passado (2020), naquele mesmo estádio, hoje sem temperos para fazer o caril da brincadeira futebolística, Camarões ofereceu uma goleada gémea à Pérola do Índico, isto é, duas bolas sem resposta. ― Acrescentou o Nelo, que, também, se juntou àquela conversa de tio e sobrinho.
― Tens razão, Nelo. ― Disse a Raquel, tia do Jota.
E, em seguida, somando palavras à sua fala, ela adicionou:
― Como meninas, os Mambas brincaram com a bola, mesmo estando em solo pátrio. As derrotas e os poucos empates que conseguimos, associados a algumas manobras desconhecidas, descascaram o estádio e levaram-no à total reprovação.
― Então, porquê nós, constantemente, nos perguntamos: “Afinal, quando voltaremos a gritar “golo”, não para chorar e confirmar a derrota, mas para celebrar os nossos compatriotas por nos brindarem com a vitória? ― Interpelou, indignado, o sobrinho do tio Manuelinho.
― É verdade, amigo. Parece que ainda não temos a certeza da resposta a esta simples pergunta. Sim, a resposta é simples, porém, os meios são longos e complexos. Mas nada de extraordinário! É uma questão de planificação, como articulou o Rui Lamarques, brilhante Jornalista, Editor e Formador de Jornalistas, incluindo o Jota, numa publicação recente partilhada na sua conta do Facebook. ― Compôs o Nelo, como se estivesse a brincar com as teclas do seu piano familiar.
― Quando recebemos a carta de demissão que nos tirava o direito de acomodar a partida de brincadeira com os Camarões, na batalha para o ingresso ao Mundial de 2022, carimbamos a nossa certeza: sabíamos que não estávamos qualificados para tal. ― Indicou o Jota, sobrepondo a sua voz à fala de Nelo.
― Apenas estávamos a tentar a sorte, como nos jogos de carta. Sonhávamos que teríamos todos os trunfos, desde o “A” ao “6” e, assim, a jogada seria simples. Mas não foi! ― Acrescentou a tia Raquel, mostrando-se uma cidadã consciente.
― Portanto, a desorganização e a falta de planificação vieram a revelar-se. Chumbamos no totobola desta brincadeira. ― Rematou o tio Manuelinho.
Em poucos minutos, sacudimos os ombros e escrevemos uma carta embelezada de adjectivos, bajulando toda a Federação Sul-Africana de Futebol e os seus representantes governamentais, traduzida no Google Translator, e, como eternos pedintes, corajosos, submetemo-la aos nossos vizinhos e irmãos, os donos do Rand.
― Não foi por falta de alerta, mas esquecemo-nos de que eles já estavam fartos das nossas brincadeiras. Mesmo com relações historicamente carimbadas entre nós, desta vez, os nossos irmãos não responderam à carta de reconhecimento das nossas brincadeiras. ― Carimbou, mais uma vez, o Jota.
Da terra do rand, um membro do governo posicionado, desapontado, segredou:
― Afinal, o que se passa com estes nossos irmãos e vizinhos? Além de recebermos milhares dos seus filhos, nas nossas terras, estamos a gastar milhões de rands para acomodar as nossas tropas que militam no Cabo queimado das suas terras. E os custos aumentarão, pois, querem prorrogar a permanência daqueles soldados lá.
― Os nossos cidadãos pagam somas de impostos e uma parte é destinada para custear as caminhadas dos nossos soldados que protegem a Pátria deles quase queimada. ― Adicionou outro cidadão Sul-Africano, membro do Parlamento.
Em seguida, um representante do Desporto Nacional de África do Sul questionou:
― Não são eles que disseram que aquilo era um jogo de polícia-ladrão e resolveriam em apenas uma semana? Mas essa semana ainda não terminou e está a afectar a nossa economia local. Agora, com 46 anos de independência, eles enviaram esta carta e dizem não ter um campo adequado para realizar uma partida de futebol com os Camarões? É isso meso?
― Isso só pode ser mesmo brincadeira! ― Afirmou uma cidadã Sul-Africana, que se mostrava verdadeira conhecedora daquele assunto mal-parado e vergonhoso.
― Ora, não foi por causa de alguns erros de comunicação ou porque eles estão cansados de nos ajudar. É por causa da forma como tratamos o nosso desporto, aliás, a nossa brincadeira! É a mesma brincadeira que nos faz pensar que o nome da nossa selecção é a causa das derrotas. ― Atirou o Jota, virando-se para Nelo.
― É essa brincadeira que nos faz pensar que o facto de um jogador estrear numa equipa Europeia ou Tanzaniana constitui garantia e selo para alcançarmos bons resultados. ― Acrescentou o Nelo, o qual foi interpelado pelo tio Manuelinho:
― É essa brincadeira que nos faz gastar somas de dinheiro para comprar cremes de bolos e usar migalhas na confeição dos bolos. Como esperar golos de bolos localmente malfeitos? ― Questionou, sublinhadamente, o tio Manuelinho.
― Não é apenas a África do Sul que se recusou de custear as preparações de um campo para assistir a mais uma demonstração da nossa brincadeira, mas toda África Austral. ― Ajuntou a tia Raquel, enquanto, com a sua cabeça, acenava, negativamente, reprovando aquele comportamento de gestão desportiva nacional.
― Como resultado, e não sabemos a que custos, lá do corno da cabeça da nossa mãe, de Marrocos, ouviu-se uma voz que disse: “Nós sabemos que vocês gostam de brincar! Temos um espaço livre para as vossas demonstrações, incluindo voos, hotéis, táxis e outras despesas. Estejam à vontade!” ― Atirou o sobrinho do tio Manuelinho, revelando um plano inglório.
Por conseguinte, todos, felizes e ávidos para gastar as nossas poucas migalhas e economias, que seriam úteis para endireitar aquele campo maltratado e muitas outras necessidades locais, carimbamos a despesa para mais uma demonstração da exaltação da brincadeira! E, assim, como nação, seguimos, orgulhosamente!
“Dê um deserto a um burocrata e em cinco anos ele estará importando areia” – (Henri Jeason).
Já me não reconheço mais
Há muito que ando foragido do meu modesto mundo
Quando livremente circulava pelos ares
Hoje brutalmente poluídos por pseudo-santos homens!
Não me esqueci
Mas já não consigo mais andar
Não me esqueci
Mas já não consigo mais voar…
Hoje sou um pálido pássaro-aquático
Igual a tantos outros pássaros
Hoje sou um moribundo pedestre-marinho
E nisto confesso, não estou sozinho!
O mundo dos outros, hoje puramente é meu
Comigo também estão a Rosa e o renomado Romeu
Juntos e isolados, lutamos pelo mesmo troféu
Que somente se ganha, quando se já morreu…
Cavalgo sigiloso nas escuras e lúgubres sombras de tubarões
Silenciosos e calmos, de olhares meio serenos
Maquinam planos para alegremente devorar os pobres peixinhos…
Tão quão a sua gigantesca estatura, fartos de vida
Assim é o tamanho do seu descuidado
Face aos pacatos protestos dos pobres peixinhos
Tão bravos nas suas atitudes e decisões
Ruminam os sagrados planos dos peixinhos
Maleficamente cobiçosos e incontinentes
Erguem planificadamente desumanos
O património dos futuros tubaronzinhos!
Assim como o sopro, o tempo passou
De igual modo, muita coisa mudou:
Hoje vivo no mundo dos outros
Como a comida dos outros
Falo e canto com a voz dos outros
Danço e bamboleio com as pernas dos outros
Enfim, sou quase tudo dos outros!
Os génios e forasteiros
Ensinaram-nos a moda actual:
Se quiserem falar e reclamar
Façam-no de boca fechada
E se quiserem gritar
Abram suavemente os vossos pobres lábios
Entretanto, jamais deixem
Que os vossos débeis dentes se desabracem
Pois melhor é chorar para dentro
Chorar para fora, é barulho
E barulho só atrapalha
Por isso, não atrapalhem…
Ora, de tanto chorar para dentro
Sofro hoje desconhecidas patologias
E hoje o meu abdómen inteiro reclama por justiça
Já não consigo mais andar
Para asseveradamente protestar
A carnívora vida que hodierno
Lenta e camufladamente feroz
Os forasteiros, sequestrando o vigor dos nossos sentidos
Malandramente implantaram em todos nós
E hoje, sim, nós os peixinhos
Ao mundo inteiro e a quem tem ouvidos
Clamamos um significante SOCORROOO…!