Director: Marcelo Mosse

Maputo -

Actualizado de Segunda a Sexta

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Janato Janato

Janato Janato

Nos olhos da juventude estão o destino e a história da nossa humanidade.” – (Thiago Mota)

 

A viagem era longa. Moçambique possui uma larga extensão de terra. Partindo da cidade de Maputo à capital provincial de Sofala, a cidade da Beira, são necessários aproximadamente 1200 quilómetros. Essa distância, de transporte rodoviário, similar ao que lavava Manuelinho, Jota e outros passageiros, numa velocidade média de 75 quilómetros, perfaz perto de 16 horas.

 

Ou seja, quando os carros partem de Maputo à Beira, ou vice-versa, geralmente, às 4 horas, nas escuras, chegam ao destino quando o relógio se aproxima da hora 20. No entanto, se a condição dos bolsos possibilitar, o que não é comum para a maioria da população que vive espalhada pelo nosso belo País, o transporte aéreo precisa de apenas 1 hora para chegar ao destino. Contudo, a circunstância de Manuelinho e Jota, na altura, permitia somente que ambos seguissem de autocarro. Aliás, mesmo para tal, era necessário um sacrifício a dobrar.

 

Ambos, na companhia de outros companheiros de viagem, seguiam rumo à Beira. Entretanto, uma coisa era visível no rosto dos passageiros: todos reclamavam da vastidão da Província de Inhambane. E com uma voz masculina berrante, desprovida de bons modos de cortesia, um passageiro, cansado de aquecer as suas nádegas nos ferros daquele autocarro, resmungou:

 

— Se fosse possível remover a Província de Inhambane do mapa terrestre, pouparíamos quase 7 horas de viagem. A estas horas, teríamos apenas 4 horas para chegar ao nosso distante destino, mas ainda temos 8 horas de estrada, à nossa espera, pela frente.

 

Ora, a fala daquele passageiro ressuscitou outras intervenções. Do fundo do autocarro, uma senhora avançada em idade, que se fazia acompanhar dos seus dois netos, reclamou:

 

— É verdade, meu filho! Eu até já não sei para qual lado virar de tão cansada de suportar os meus netos neste pequeno lugar. — Igualmente, outra passageira, que agitava todo autocarro com a sua voz potente, similar a das mamanas que guevam nos mercados, como se estivesse, insistentemente, a negociar o preço dos produtos que quisera comprar, acrescentou:

 

— A estas horas, nós já estaríamos a entrar em Muxúngue. Esse Motorista está a conduzir como meu filho de um ano e finge não saber que nós temos muitas coisas que nos espera em casa. — E, em seguida, gritou intensamente, com todas as suas forças, desviando a atenção daquele que, com o volante fixo em suas mãos, detinha o destino das nossas almas:

 

Motorista, vuna lá mais um pouco paaa!!! Estamos cansados de dividir as nossas bundas com estas cadeiras aqui. — Outras vozes, também, juntaram-se àquela e, sacudindo os ouvidos quase empoeirados do Motorista do autocarro, vociferaram:

 

— Mas, Motorista, sabes que nós não estamos a ir para Xiquelene, nem? E você está a conduzir como se estivesse no Mercado Compone na hora de ponta. Faz favor, paaa!!! — Disse um senhor. Enquanto devolvia a sua voz ao abrigo do silêncio, outra senhora acumulou:

 

— Motorista, vuna lá iwe…. Queremos chegar cedo em casa para cozinhar para os nossos maridos! — Dá lá esse volante aí. Vamos te mostrar o que é conduzir! — Disseram uns jovens.

 

Enquanto isso, várias vozes atropelavam-se, naquela circular rectangular de oito rodas que marchava, em terra descascada e cheia de valas comuns, com alcatrão incolor, rumo à cidade da Beira. Pela necessidade de chegar o mais rápido ao seu destino, quase todos ignoravam os variados acidentes de viação que se registam nas nossas estradas ao longo de todo o País.

 

Naquele autocarro, quase todos desconheciam o facto de em nossa amada Pátria, dos 35.600 quilómetros de extensão de estrada, as estatísticas revelavam que, em 2019, perto de 73% das nossas estradas não estavam revestidas de alcatrão ou pavimentadas. E os poucos 27% que possuíam coberturas em seu corpo deitado horizontalmente, como a Ene Um que seguíamos, grande parte delas se encontrava em avançado estado de sangramento contínuo, reclamando, diariamente, às lideranças governamentais, seus negligenciados pedidos de socorro.

 

Além disso, poucos, naquele autocarro desprovido de qualidade, sabiam que naquele mesmo ano, em 2017, as Províncias de Manica, Sofala e do Sul do País, incluindo Inhambane, por onde passavam, haviam registado altos índices de acidentes de viação, principalmente, devido às condições das estradas, com ligaduras há tempo abandonadas, e altas velocidades. Afinal, os acidentes de viação são uma das principais causas de mortes em todo o território nacional.

 

Muitos desconheciam, identicamente, como se sabe que os números não mentem, exceptuando-se os do último Recenseamento Eleitoral da Província de Gaza, que o número de vítimas, feridos graves e mortos, que ao céu aberto tombavam sem dizer adeus aos seus familiares, resultantes de acidentes de viação nas estradas do nosso País, apresentava uma tendência crescente, principalmente naquele ano, bem como nos dois anos seguintes.

 

Outros, que não estavam naquele autocarro, tinham, em largas mesas dos seus escritórios, a quase desconhecida Política Nacional de Segurança Rodoviária, já aprovada, que, como pastor alemão envenenado por ladrões, sossegava impávida sem a devida implementação. Aliás, não havia interesse claro de se investir nessa área, principalmente pelos sectores responsáveis.

 

Naquele instante, o Jota, contemplando o semblante de Manuelinho, que, já cansado, enviava mensagens de quem precisava de tempo para pagar a dívida que o seu corpo cobrava, uma vez que ele não havia fechado os olhos na noite anterior à viagem. Manuelinho, estendido apertadinho no seu lugar, sonhava com as cerimónias fúnebres da sua irmã Marciana.

 

Contudo, não lhe corria em mente que se a irmã fosse enterrada na Cidade das Acácias, em Maputo, teria o espírito preocupado com os valores de renda, mensal e anual, que se lhes cobrariam para enterrá-la, além dos custos referentes à placa de identificação e licença de construção da campa, bem como uma factura quatro vezes superior ao salário mínimo base, se desejasse uma campa de alvenaria, para proteger os seus ossos da chuva e de ladrões. Afinal, a tia Marciana era uma simples doméstica. Graças a Deus que ela seria sepultada na Beira!

 

Neste interlúdio, o Jota arrumou as malas dos seus neurónios e, com todas as passagens devidamente pagas, fez uma viagem ao futuro, lembrando-se de uma conversa que teria com o seu amigo de infância, o Aizeque, que se outorgou Androide, por causa das suas “aplaudidas” habilidades de memória. Assim, em poucos segundos, estava na capital moçambicana. Parado nas margens da esquecida Praça da Juventude, localizada no abraço romântico da extensão das Avenidas Julius Nyerere e Lurdes Mutola, no distrito Municipal KaMavota, afirmou:

 

Brada, o nosso País, com a população jovem que possui, tem tudo para ser uma nação de referência em muitas áreas, não achas? — Questionou o sobrinho do tio Manuelinho.

 

Aizeque, estendendo os seus olhos cansados de ver a miséria dos seus irmãos, espalhados naquela desgraçada praça, desfolhada de beleza, brilho e vigor, que em nada dignifica a nossa esperançosa juventude, prontamente, respondeu ao seu estimado amigo de infância:

 

— Meu brada, isso até me dói! Segundo os últimos dados do Censo Geral da População, Moçambique é um País com quase 65% da população jovem abaixo dos 35 anos, e é considerado uma das nações mais jovens do mundo. Porém, ter uma população maioritariamente jovem pode significar, por um lado, que grande parte da população sejam potenciais agentes de mudança e contribuam para o crescimento e desenvolvimento do País. Ou, por outro, pode significar que essa maioria da população, por não produzir ou depender de outras pessoas para produzir, constitua uma grave ameaça que deve ser combatida, um fardo a ser descarregado ou mesmo um grande problema para o avanço da nossa sociedade. — E após uma pausa, acrescentou: — Sonho com um dia em que essas estatísticas, sobre os jovens, não apenas serão números, mas se transformarão para o benefício do nosso País.

 

— Então, no seu entender, meu amigo, o que se deve fazer para que essa maioria, os jovens, se transforme em verdadeiros agentes de mudança e não pedrinhas rígidas entre os dedos dos pés num salto bem apertado? — Questionou, calmamente, o Jornalista-Estagiário.

 

— Olha, Jota! É importante entender que o problema não é, necessariamente, a população de um País ou sociedade, mas a qualidade da população que esse País ou sociedade possui. Por isso, podemos ter uma maioria, como alguns camaradas diriam, retumbante e visivelmente esmagadora, mas sem efeitos práticos. Será apenas uma maioria cosmética, como batom e enfeites de maquiagem, usada para impressionar o mundo ou quem simplesmente olha para a aparência externa e não cava para, de perto e aos detalhes, aferir o conteúdo dessa maioria.

 

Em seguida, olhando para os lados, tentando ver se havia, por perto, alguém com um gravador ou ouvidos estendidos e atentos àquela conversa de simples jovens, adicionou:

 

— Olha só para a nossa Praça. Nem vou comparar com as outras, como as do Xiquelene, da Junta, ou da OMM! Não quero entrar neste barulho, senão hei-de ressuscitar fantasmas. Já viu como nós, os jovens, somos considerados neste País? Custa investir um pouco nesta praçinha, dar um banho com pedras e flores, cobrir com uma rotundinha, pintar de brilho e devolver a vida e energia dos jovens? Custa, mesmo!? — Desabafou Aizeque, para depois acrescentar:

 

— Eu penso que se deve investir seriamente na educação e formação dos jovens. Este aspecto tem um grande peso e constitui uma mais-valia para qualquer sociedade ou País, especialmente Moçambique. Atenção, não falo de passagem automática, para depois, num futuro não muito distante, termos mentes que, de igual modo, não pensam por si, se não forem activadas e, automaticamente, reproduzirem discursos da minoria ditadora e absolutista! — Referiu, espontaneamente, Aizeque, jovem e estudante contínuo de Filosofia e outras ciências.

 

— Olha, o que dizes é realmente interessante, brada. Além disso, na minha opinião, nenhuma sociedade ou País deve olhar para os seus jovens como líderes do futuro se, no presente, negligenciar a sua educação e formação. — Sublinhou o sobrinho do tio Manuelinho, que já se encontrava entre os mais brilhantes astros galácticos, a sonhar com um Moçambique onde aos mortos não lhes é cobrado uma renda, mensal ou anual, para que os seus ossos habitem nas areias da terra que lhes viram nascer.

 

Jota sabia que faltavam apenas poucos dias para a celebração do Dia Internacional da Juventude que, anualmente, é celebrado a cada 12 de Agosto. Nestas celebrações, vinca-se, a cada 365 dias que passa, que o principal objectivo desta data é destacar a educação e conscientização dos jovens a respeito da responsabilidade que eles assumem como representantes do futuro do planeta, sem, contudo, esquecer-se do seu papel no presente!

 

— Sim, do futuro! O presente só se conjuga em períodos vizinhos ou durante os pleitos eleitorais, bem como nas comemorações das festividades do Dia dos Jovens. Fora disso, o papel dos jovens é delegado para o futuro, quando eles forem adultos e, maltratados pela vida, estiverem velhos e sem vigor para fazer a diferença! — Declarou, profeticamente, o Aizeque.

 

Shiii, Aizeque, acabaste de reproduzir o que eu estava a pensar. És mesmo um Androide, paaa! Já agora, sabes que faltam apenas alguns dias para celebrarmos o Dia Internacional dos Jovens? Assim, vamos comprar máscaras de vergonha e viremos celebrar aqui nesta praça?

 

— Sim, eu sei, Jota. Sabe, quando penso nesta Resolução 54/120, que, em 1999, por iniciativa da Organização das Nações Unidas (ONU), reuniu, na terra dos Tugas, que, durante séculos, em consórcio com outras potências imperialistas, sabotaram os nossos sonhos e recursos, aprovada em conferência mundial dos Ministros dos Jovens, questiono-me: Quantos jovens têm a noção da sua influência em relação aos destinos, não somente das suas vidas, mas também dos seus Bairros e Distritos, das suas Localidades, Províncias e Nações?

 

— Sabes, Aizeque, do mais alto órgão, ao nível mundial, até às nossas bases locais, temos iniciativas que se assemelham a flores embelezadas, mas o seu efeito é de pouco alcance! Lembras-te do Programa Mundial de Acção para a Juventude, da ONU, que visa incentivar um conjunto de acções políticas e directrizes para melhorar a qualidade de vida dos jovens de todo o mundo? O que dizer da quase desconhecida Carta Africana da Juventude (CAJ), adoptada em 2006 durante a Conferência de Chefes de Estado e de Governo, em Gâmbia, sendo Moçambique um dos países que a ratificou. Será que se esqueceu da importância da participação e do envolvimento da juventude para o desenvolvimento dos Países do nosso rico, porém, empobrecido continente? E se a tua memória for fiel contigo, diga-me, meu irmão, qual foi a última vez que se ouviu falar da nossa quase enterrada Declaração Juvenil da Matola?

 

Virando-se para o seu amigo, Aizeque, em seguida, rematou audaciosamente:

 

— Não se pode falar do Renascimento Africano sem um investimento sério e adequado na juventude, que representa cerca de 65% da população Africana (incluindo nos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), como Angola, Guiné Bissau, Guiné Equatorial e Moçambique). Sabias que cada Estado-membro da CAJ tem responsabilidades no desenvolvimento da juventude, de tal forma que devem facilitar o intercâmbio e a cooperação entre organizações juvenis para promover a solidariedade regional, a consciência política e a participação democrática da juventude em colaboração com os parceiros de desenvolvimento?

 

— Sim, meu amigo. Por exemplo, no ano passado, tanto se falou de “A África que Queremos”. Apesar de se reconhecer que o maior recurso de África são os jovens, que pela sua participação plena e activa, os Africanos podem ultrapassar as dificuldades com as quais são confrontadas, continuamos impávidos face aos problemas que sufocam as nossas vidas e de toda população Africana, moçambicana e mundial! É muito triste! Nem sabemos que África, realmente, nós queremos! Isso é muito triste, meu irmão. — Indicou o Jornalista-Estagiário, tentando segurar os baldes de lágrimas que espreitavam dos seus entristecidos olhos.

 

— É verdade, Jota. A Carta Africana da Juventude estabelece um quadro que permite aos responsáveis definir políticas que integrem as questões da Juventude em todas as estratégias e programas de desenvolvimento. Neste sentido, a CAJ possui uma base jurídica que garante a presença e a participação dos jovens em estruturas governamentais e fóruns a níveis nacional, regional e continental. Mas em quantas partes do País isso acontece? — Exigiu, Aizeque.

 

— Olha, mesmo aqui, vários estudos mostram que a participação dos jovens em fóruns governamentais e de liderança é quase uma incógnita. Por exemplo, o Estudo de Base sobre a Participação e Engajamento da Juventude em Processos Políticos em Moçambique, organizado pelo Instituto Eleitoral para a Democracia Sustentável na África (EISA), denuncia que poucos jovens participam activamente em processos políticos e espaços de tomada de decisão. E as mulheres são quase excluídas! E a minoria que participa, junta-se, principalmente, por causa dos benefícios que espera ou pode obter com a sua participação. — Nisto, Aizeque adicionou:

 

— É verdade! Alguns participam a fim de ser eleitos ou manter uma posição nos órgãos do poder executivo ou legislativo. Outros, por vestirem camisetes coloridas, veem o benefício de ter os seus problemas facilmente resolvidos, destacando-se o acesso ao emprego ou promoções profissionais e acesso às oportunidades económicas. Como consequência, os que caminham descamisados, ainda que unidos em associações, são marginalmente excluídos!

 

— Sabes, os jovens, se bem-intencionados, podem fazer a diferença! Além dos meios tradicionais, temos em nossa total disposição a internet e as redes sociais, canais relevantes para promover a participação e o engajamento dos jovens, bem como partilhar ideias e projectos inovadores, negócio e muito mais. Contudo, estes meios, apesar de estarem disponíveis, grande parte de jovens usa-nos para partilhar memes e conteúdos que em nada ajudam a desenvolver o ser cívico e agente de mudança de que nos referimos. Mentes que seriam a chave de grandes transformações estruturais, nas diversas áreas, sócio-económicas, técnicas, agrárias, médicas, de desenvolvimento espiritual, entre outras, estacionam as suas habilidades nos memes, vídeos engraçados, pornografias e mensagens atrofiantes! Outros até só partilham fake news e discursos de ódio. Desta forma, como será possível ter uma Juventude Engajada na Produção Alimentar para a Saúde das Comunidades? Não é por isso, também, que até a nossa Praça se encontra descabelada? — Realçou, inconformado, o Jota.

 

Naquele instante, Manuelinho estendeu a sua mão esquerda em direcção ao vidro do carro, exactamente no lado onde ele estava assentado. Com os seus olhos, espreitando, contemplava a vastidão de troncos altos cobertos de verde que não parava de receber reflexos de uma câmera de Huawei preto de um Chinês, único passageiro que fotografou as nossas florestas.

 

— Jota, mesmo assim, eu conheço muitos jovens que dedicam as suas energias para vencer a bandeira da pobreza, resultante da escassez de acesso ao emprego, à habitação, aos meios de transporte, bem como à educação, sobretudo nestes tempos difíceis marcados pelos estragos da pandemia da Covid-19. — Mencionou Aizeque, para depois acrescentar:

 

— Até porque, todos estes assuntos foram discutidos na quase desconhecida Declaração da Matola, realizada em 2019. Mas quantos jovens tem a informação dos escritos daquele documento que até se confunde com Segredo de Estado, senão os pouquíssimos que os redigiram e outros que tiveram a oportunidade de cheirar o aroma das suas páginas só naquele dia? Outros apenas participaram daquela Assembleia Juvenil, na Matola, mas desconhecem os desdobramentos deste manual proibido, tal como fizera o papado em relação à leitura da Bíblia antes de Martinho Lutero lançar as sementes do Protestantismo. — Rematou, Aizeque.

 

— É verdade, meu amigo. É por isso mesmo que até os gestores de associações juvenis estão mergulhados em actos de corrupção, falta de transparência, discriminação no acesso às oportunidades políticas e económicas, barramento de reposta às iniciativas empreendedoras juvenis. Sabe, tudo isso gera, também, como nos adultos, a falta de credibilidade e confiança nos jovens líderes. — Referiu o Jornalista-Estagiário, enquanto vigiava o seu redor.

 

— É tempo de os jovens se levantarem e unir as forças para mudar o actual cenário que se vive em nossa pátria de Cabo queimado. É necessário melhorar a participação política dos jovens, o ambiente de governação e prestação de contas, a boa gestão dos processos eleitorais, estimular e ampliar os programas de educação e informação sobre os processos políticos e incentivar o uso de novas formas de comunicação, para sairmos deste beco quase sem saída!

 

— De facto, Androide. — E desatou em risos! — Claramente, nós temos tantos documentos e informações para gerar mudanças desenvolvimentistas. Até o Plano de Acção de Implementação da Política da Juventude (PAIPJ) 2020 é, nada mais, senão um manual de receitas e boas intenções que, se não colocado em prática, apenas irá atiçar o nosso apetite, mas a comida necessária para matar a nossa fome, não irá produzir! — Asseverou o Jota.

 

Enfim, os jovens devem, de igual modo, criar mecanismos para desenvolver uma cultura da paz e tolerância para desencorajar a participação em actos de violência, terrorismo, xenofobia, discriminação racial e baseada no género, invasão estrangeira, tráfico de armas e de drogas, tendo em mente que, como assegura Thiago Mota, “nos olhos da juventude estão o destino e a história da nossa humanidade”, da nossa África e do nosso belo e extenso Moçambique, nos quais o seu maior tesouro não são os abundantes recursos naturais, mas sim, os seus jovens!

quinta-feira, 05 agosto 2021 09:32

A Ressurreição de “A Arte de Escrever”

Enquanto o Jota cogitava na situação do Chinês, que não descontinuava de fotografar a nossa vasta floresta, que há tempos reclama de violação e desflorestamento, ao longo das margens da extensa e abandonada Ene Um, ao mesmo tempo que em sua mente circulavam memórias de ocasiões que, em vida, havia partilhado com a sua amada tia Marciana, Manuelinho interpelou:

 

— Sobrinho, sabes que podes escrever sobre este assunto? — Referindo-se às fotografias do Chinês, com olhos arregalados espalhando-se entre os cantos daquele autocarro desprovido de modernidade. De imediato, os seus ouvidos hospedaram uma resposta vinda do Jota:

 

— Tio, escrever é um bom exercício para a nossa memória. Aliás, a escrita permite que nós preservemos não somente as nossas memórias, factos do dia-a-dia, mas também a própria história e os factos marcantes e não marcantes que se despejam nas páginas da vida.

 

— Falando nisso, sobrinho, já ouviu falar da obra “A Arte de Escrever”? — Inquiriu Manuelinho.

 

— Sim, tio. É “Arte de Escrever Bem”, nem? Eu até tenho este livro publicado em uma das minhas redes, a academia.edu.[i] É um manual meramente jornalístico que ensina a escrever bem. — Respondeu o jovem Jornalista-Estagiário e devolveu a sua voz ao abrigo do silêncio.

 

— Não é “Arte de Escrever Bem”, de autoria de Dad Squarisi e Aríete Salvador. Refiro-me à obra “A Arte de Escrever”, simplesmente, sem incluir o “BEM”, substantivo que evidencia um conjunto de qualidades positivas. É de autoria de Arthur Schopenhauer. Conheces, meu bom sobrinho?

 

— Se não é a mesma, então, não me lembro, tio. Podes falar-me um pouco sobre essa obra? Afinal, nunca devemos parar de aprender nesta vida. Os que param de aprender, igualmente, param de crescer. Isso funciona em todas as áreas da nossa vida. Quem não aprende, permanece estagnado e estático no tempo. — Afirmou o Jota, para depois acrescentar:

 

— É verdade, escrever é mesmo uma arte. E há quem realmente é um bom artista nesta área, como Mia Couto. Saber pegar nas 26 solteiras do nosso abecedário e, a partir delas, montar um bom guisado de frases, períodos e parágrafos, como Jacó, filho de Isaque e neto de Abraão, que se traduz em textos, relatórios, monografias ou mesmo livros, é, de facto, uma admirável arte. No entanto, como acontece em qualquer área de actuação, há quem escreve artisticamente mal.

 

— Confirmo, sobrinho. Mesmo na música, isso acontece. Às vezes, como Produtor Musical, eu sofro com Cantores e Músicos que vem gravar as suas músicas, mas a melodia não se encaixa na letra e vice-versa. Noutras ocasiões, sou obrigado a reescrever as músicas! Enfim, nem quero me lembrar disso! — Referiu Manuelinho. Em seguida, acrescentou:

 

— Voltando ao nosso assunto, Arthur fala muito bem deste assunto, aos mínimos detalhes. Eu penso que seria uma boa opção de leitura para ti ou qualquer amante das letras. — Declarou Manuelinho, numa tentativa de se esquecer das lágrimas que acabara de entornar e dos choros das suas irmãs, primas, tias e demais familiares que, num futuro bem próximo, teria de acomodar. Na sua cultura, os homens não choram para fora, molhando camisas e casacos. Pelo contrário, eles fazem escorregar as suas lágrimas para dentro. Naquele contexto, ele seria um dos casos notáveis, similares às quebra-cabeças da Multiplicação do Ensino Secundário.

 

— Então, tio, qual é a tónica desta lendária obra do renomado Arthur?

 

— Arthur Schopenhauer é um Filósofo e Professor Universitário Alemão, que nasceu no oitavo ano da nona década do século dezoito, depois de Cristo, e morreu no último ano da sexta década do século seguinte. Parte dos seus pensamentos tem base nas ideias de Immanuel Kant, renovável Pensador e Filósofo da era moderna. Arthur passou quase toda a sua vida a ensinar!

 

— Sério? Ele era seguidor do autor das Críticas, ou seja, a “Crítica da Razão Pura”, “Crítica da Razão Prática” e “Crítica do Juízo” ou, numa tradução mais próxima à obra original alemã, “Crítica da Faculdade do Juízo”? Então, vejo que a obra dele deve ser muito rica e possui ideias que podem ajudar a qualquer um que pretende escrever ou mesmo que escreva. Pois, não, tio? — Indagou o Jota, tentando puxar a conversa, a fim de ressuscitar a “” de Arthur.

 

— Ahaannn… Acertaste em cheio, meu filho! Por isso, Schopenhauer era um grande crítico dos Escritores da sua época. Nesta obra, A Arte de Escrever, ele critica o estilo dos Escritores, as preferências dos leitores, as recomendações dos críticos, bem como o pensamento dos Filósofos, e propõe uma nova dinâmica de fazer Literatura e Filosofia. Ele, identicamente, rebatia a forma como os seus contemporâneos reflectiam, liam, escreviam e usavam a língua para descrever as variadas realidades daquela época. — Assegurou Manuelinho, esbanjando ciência.

 

— Wooow… É muita coisa, tio. Se vivesse nos nossos dias e tivesse uma conta no Facebook, certamente, Arthur teria muito que dizer, principalmente, sobre os nossos estudantes universitários e afamados analistas televisivos, que trasbordam nas nossas telinhas mágicas e nas redes sociais. — Afirmou Jota, requerendo, informalmente, mais comentários da parte do tio.

 

— Hummmm… Sendo sincero, sobrinho, com base no que ele descreve em “A Arte de Escrever”, não estaria conformado com a nossa realidade. Arthur espantar-se-ia com a quantidade de estudantes e analistas, de todos os tipos e todas as idades, que se orgulham em ter apenas a informação, mas não a instrução, cuja honra se baseia no facto de terem informações sobre tudo, todas as pedras, ou plantas, ou batalhas, ou experiências, sobre o resumo e conjunto de todos livros. Não lhes ocorre que a informação é um mero meio para a instrução, tendo pouco ou nenhum valor por si mesma, se não for bem utilizada. — Sublinhou o jovem que perdeu o volumoso jackpot contractual para se tornar Presidente do Município de Quelimane.

 

— Isso é muito profundo, tio. Este pensamento é mesmo actual. Dá para ver que Arthur era um grande homem. — Disse Jota — Estendendo a sua mão direita sobre a cabeça e acrescentou:

 

— E sobre a escrita, o que ele diz em “A Arte de Escrever”? Eu creio que Arthur disse algo digno de registar em nossas memórias. Vou até abrir as páginas do meu cérebro e com a caneta dos meus neurónios caligrafar estas informações para a minha melhor instrução como Jornalista.

 

O mais belo pensamento corre o perigo de ser irremediavelmente esquecido, quando não é escrito. — Disse uma voz saudavelmente feminina, bem afinada e decorada de leite e mel frescos, que atravessou os nossos ouvidos. — “Assim como a amada pode nos abandonar, se não nos casamos com ela.” — Acrescentou Manuelinho, ao mesmo tempo que, influenciado pela frase que acabara de libertar, contornava a sua quase debilitada visão em direcção aos olhos castanhos, pintados de entusiasmo, daquela jovem e passageira de visíveis qualidades.

 

O saber é o princípio e a fonte para se escrever bem. — Adicionou aquela jovem.

 

— Olá, moça. Tudo bem? Chamo-me Manuel. — Disse Manuelinho, tentando mostrar que não era uma criancinha sem noção das coisas. — E acrescentou: — Também já leste o livro de que nos referimos? — Questionou, enquanto movimentava a língua sobre os seus lábios.

 

— Olá, Manuel. O meu nome é Shantel. — Referiu a jovem passageira e manteve-se em silêncio.

 

— Opha… Até que os nossos nomes rimam. Ambos terminam em “el”. Será isso uma mera coincidência ou um plano sobrenatural? — Assumiu, todo esperançoso, o Manuelinho.

 

— Tio, ainda em “A Arte de Escrever”, o que disse Arthur sobre os Escritores? — Interpelou Jota.

 

— Jota, meu filho… — Soltando alguns sorrisos, como quem quisera enviar uma mensagem encriptada. — Para Arthur, há dois tipos de Escritores: aqueles que escrevem em função do assunto e os que escrevem por escrever. Os primeiros tiveram pensamentos, ou fizeram experiências, que lhes parecem dignos de ser comunicados; os outros precisam de dinheiro e, por isso, escrevem. Escrevem somente por causa do dinheiro. Infelizmente, esses são bastantes!

 

— Tio, eu penso que muitos se enquadram na segunda categoria, da qual eu não quero integrar. — Desatou o Jornalista-Estagiário. Ele já reviu muitos textos, monografias e livros, por isso, sabia muito bem do que estava a falar. Além disso, ele era um Escritor em formação, que sonhava em ser autor de vários livros!

 

Também se pode dizer que há três tipos de Autores: em primeiro lugar, aqueles que escrevem sem pensar. Essa classe é a mais numerosa. Em segundo lugar, há os que pensam enquanto escrevem. Eles pensam justamente para escrever. São bastante numerosos. Em terceiro lugar, há os que pensaram antes de se pôr a escrever. Escrevem apenas porque pensaram. São raros! — Acrescentou a Shantel, visivelmente confiante, e soltou olhares macios e chamativos ao Jota.

 

— E qual é a base fundamental para escrever? — Perguntou o Jota, procurando colher mais conhecimentos sobre “A Arte de Escrever”. Ele não queria nada além disso.

 

— Escrever como se estivesse a preparar a construção de uma casa. Deve ter a planta do que pretende escrever. Esse é o começo! Não se difere da Arquitectura. É necessário ter o projecto do que você precisa de construir e não apenas começar a cavar, colocar blocos, pedras, areia, cimento, água, varrões, ou qualquer material de construção. É por isso que temos muitas casas malnutridas, e livros também, que desabam diante que qualquer ventinho. — Argumentou Manuelinho, como se estivesse a desabafar.

 

— É verdade, Manuel. Como disse Arthur, poucos escrevem como um arquiteto constrói: primeiro, esboçando o projecto e considerando-o detalhadamente. A maioria escreve da mesma forma como se estivessem a jogar cartas. Nesse jogo, às vezes, segundo uma intuição, ganhamos; às vezes, por mero acaso ou batotice, encontramos cartas certas para ganhar o jogo sem que o nosso adversário ganhe uma rodada sequer, e o mesmo se dá com o encadeamento e a conexão das frases desses Escritores. Mas não deveria ser assim. — Salientou a Shantel.

 

Só uma mente de destaque é capaz de nos oferecer algo digno de ser lido. — Mencionou Manuelinho, e acrescentou: — No fundo, o autor engana o leitor sempre que escreve para encher o papel, uma vez que o seu pretexto para escrever é ter algo a comunicar.

 

— São tantas coisas que, quando bem entendidas e aprimoradas, podem ajudar muitos jovens a desenvolver a Arte de Escrever, claro, com a devida qualidade e reverência necessária. — Sublinhou o Jota que, em seguida, demandou: — Segundo Schopenhauer, é possível aprender a escrever a partir dos escritos de outro Escritor, isto é, através da leitura de livros?

 

— É possível, sim, sobrinho. No entanto, ele adverte que nenhuma qualidade literária – como, por exemplo, a capacidade de persuasão, a riqueza de imagens, o dom da comparação, a ousadia, ou a amargura, ou a concisão, ou a graça, ou a leveza da expressão, ou mesmo a sagacidade, os contrastes surpreendentes, a ingenuidade, entre outras – pode ser adquirida pelo simples facto de lermos Escritores que possuem tal qualidade. — E acrescentou:

 

— Entretanto, se a pessoa que deseja escrever, o futuro Escritor, possui estas qualidades in potentia, pode evocá-las, trazê-las à consciência, ver que uso é possível fazer delas, fortalecer a sua inclinação, na disposição para usá-las, julgar o efeito da sua aplicação em exemplos e, assim, aprender a maneira correcta de usá-las; e só, então, é possível ter estas e demais qualidades de escrita desejáveis in actu, ou seja, na prática ou em acção, escrevendo.

 

Essa é a única maneira de a leitura ensinar a escrever, na medida em que ela nos mostra o uso que podemos fazer de nossos próprios dons naturais; portanto, pressupondo sempre a existência destes. Sem eles, não aprendemos coisa alguma pela leitura, a não ser uma forma fria e morta, de modo que não nos tornamos nada mais do que imitadores banais. — Sentenciou a Shantel. E, virando-se para o Jornalista-Estagiário, perguntou: — É isso que queres ser, Jota?

 

— Claro que não! Mas muitos escrevem apenas por escrever! Aliás, antes de escrever, deve-se, também, pensar no leitor. Ninguém deve escrever, simplesmente, para queimar o tempo do leitor. Afinal, é o leitor que não apenas actualiza, mas também, dá vida ao conteúdo do texto. Sem o leitor, o texto morre e não alcança o objectivo pelo qual foi escrito. Eu penso assim, querida Shantel! — Argumentou o sobrinho do Manuelinho.

 

— Até parece que leste “A Arte de Escrever”, Jota. É preciso ser económico com o tempo, a dedicação e a paciência do leitor, de modo a receber dele o crédito de considerar o que foi escrito digno de uma leitura atenta e capaz de recompensar o esforço empregado nela. — Sublinhou Manuelinho, enquanto afastava a cortina e empurrava o vidro do autocarro, onde ele estava sentado, para se escapar dos fortes raios solares que tentavam interromper a fluidez da nossa conversa.

 

— Vejo que este livro, A Arte de Escrever, é mesmo interessante, tio. — Comprovou Jota.

 

— Além de interessante, é uma obra importante e actual. E, como disse Arthur, cada livro importante deve ser lido, de imediato, duas vezes. Em parte, porque as coisas são melhor compreendidas na segunda vez, em seu contexto, e o início é entendido correctamente quando se conhece o final; em parte porque, na segunda vez, cada passagem é acompanhada com outra disposição e com outro humor, diferentes dos da primeira, de modo que a impressão se altera, como quando um objecto é observado sob uma luz diversa. — Concluiu Manuelinho e aquietou-se no seu assento, cuja almoçada, de tanto trilhar a estrada sem manutenção, estava quase descascada.

 

— Mais do que isso, Arthur fala de aspectos críticos sobre a leitura que, também, são dignos de destaque. Até parece contradição face ao que ele escreve, mas são meras verdades. — Afirmou Shantel — Para depois acrescentar: — Ler significa pensar com uma cabeça alheia, em vez de pensar com a própria. E nada é mais prejudicial ao pensamento próprio do que uma influência muito forte de pensamentos alheios, provenientes da leitura contínua.

 

Quando lemos, outra pessoa pensa por nós: apenas repetimos o seu processo mental, do mesmo modo que um estudante, ao aprender a escrever, refaz com a pena os traços que seu Professor fizera a lápis. — Adicionou Manuelinho.

 

Neste intervalo, ouviu-se o barulho do empurrar de um dos vidros do autocarro, no lado de trás. Conseguia-se escutar, igualmente, os sons do volume de um Smartphone que recolhia fotos para a sua quase entulhada galeria. Do lado de fora daquela janela, havia uma enorme quantidade de árvores. Um verde escuro banhado de clorofila! E ali estava, novamente, como se nada estivesse a acontecer, o Chinês, planificadamente mansinho, com o seu Huawei preto, capturando imagens da nossa vasta floresta.

 

Surpreso, após ouvir aquelas declarações, o Jota questionou:

 

— Então, que saída temos neste processo?

 

— Não te preocupes, Jota. Não significa que devamos parar de ler. Simplesmente, quer dizer que devemos ler e pensar ou meditar no que lemos. Se alguém lê continuamente, sem parar para pensar, o que foi lido, não cria raízes e se perde em grande parte. — Cimentou a Shantel.

 

— Além disso, quando lemos, somos dispensados em grande parte do trabalho de pensar. É por isso que sentimos um alívio ao passarmos da ocupação com nossos próprios pensamentos para a leitura. — Arremessou Manuelinho.

 

— Ahaaannn… Agora entendo a colocação de Arthur sobre a situação dos estudantes e estudiosos ou analistas da sua época que, de igual modo, se estende à nossa, ao distinguir a posse de informação da instrução de quem a possui. É por isso que não podemos confundir a compra dos livros com a assimilação do seu conteúdo. — Argumentou o Jornalista-Estagiário!

 

— Exactamente, Jota! — Exclamaram, em uníssono, Manuelinho e Shantel! Enquanto isso, o motorista aumentava a velocidade do autocarro e, assim, seguiam a viagem rumo ao Chiveve, terra de sonhos confiscados, na qual, dois anos mais tarde, IDAI semeou luto generalizado.

 

Naquele intervalo, momentâneo, banhados de fadiga e sono, uma voz masculina interrogou:

 

— Jovens, vejo que vocês guardaram, em vossas memórias, tudo sobre “A Arte de Escrever”. Não apenas ressuscitaram Arthur Schopenhauer, mas também a própria obra.

 

— Não, companheiro! Nós guardamos apenas o essencial para alimentar esta simples conversa. — Declarou Manuelinho e, conclusivamente, acrescentou:

 

Exigir que alguém tivesse guardado tudo aquilo que já leu é o mesmo que exigir que ele ainda carregasse tudo aquilo que já comeu! Entretanto, do mesmo modo que o corpo guarda apenas aquilo que lhe é útil, assim também acontece com a leitura, o cérebro guarda o que nos interessa e é necessário para o nosso bem-estar total, da mesma forma que expulsa o que não precisamos ou não nos é útil guardar ou reservar em nossa memória.

 

[i] https://www.academia.edu/8675024/A_ARTE_DE_ESCREVER_BEM

Enquanto o tio Manuelinho costurava as palavras, em conversa, sobre a proposta do seu contrato para ser Presidente do Município de Quelimane, o Jota, seu sobrinho, era interpelado, em sua imaginação, a cada segundo, por várias colocações.

 

Por um lado, não conseguia entender como era possível haver propostas de contratos para Presidentes de Municípios, uma vez que a legislação vigente preconizasse outra realidade. Por outro, não parava de cogitar a respeito das cerimónias fúnebres sobre a ida ao além da sua estimada tia Marciana. Eram pensamentos contrários que deslizavam na sua cachimónia!


Além disso, em sua mente, chovia também uma descarga de meditações sobre a realização da Conferência Internacional de Jornalismo Investigativo, para a qual ele havia sido selecionado a participar, em representação daquele famoso domicílio de formação de jovens jornalistas, que hoje se encontram espalhados pelos quatro cantos da nossa estética e extensa Pérola do Índico.

 

Entretanto, ainda não estava claro se o Jota haveria de participar nas cerimónias fúnebres, pois, para que isso acontecesse, ele teria de escolher entre assistir ao funeral da sua tia e perder a Conferência ou regressar a Maputo, um dia antes do enterro, a fim de viajar à vizinha terra do rand aonde decorreria a já esperada Conferência, onde teria, igualmente, a única oportunidade de assistir de perto à Carlos Cardoso Memorial Lecture dedicada ao mais célebre Jornalista Investigativo Moçambicano. Era o anseio de todos Jornalistas, principalmente os Estagiários.

 

Contudo, entre todos os pensamentos, além do contrato para Presidente de Município, o que mais agitava os seus milhões de neurónios era o Chinês, único passageiro que fotografou as nossas florestas. Ele era o mais curioso cidadão, naquele autocarro, que apreciava todas as passagens verdes, repletas de clorofila, que desfilam ao longo da Estrada Nacional Número Um.

 

Ora, eu até suspeitei, uma vez que já tinha perdido a conta das vezes que o Chinês se havia levantado para memorizar, com imagens, a nossa floresta verdejante. Pensei nos variadíssimos, alguns não registados, abates de árvores e exportações ilegais de madeiras, ao longo do nosso extenso País, praticados por seus compatriotas, claro, em conluio com alguns irmãos nossos.

 

Naquele instante, Jota lembrou-se de uma conversa aberta que teria com um amigo Engenheiro Florestal, produzido na mais antiga Universidade do País, e questionou ao tio Manuelinho:

 

— Tio, lembra-se do discurso de Ban Ki-moon, o antigo e oitavo Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), que proferiu aquando da aprovação da Resolução sobre a Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável?

 

— Claro, meu sobrinho mais velho. Na liderança do Secretariado das Nações Unidas, Ban Ki-Moon é sucessor de Kofi Annan, o ganês, e antecessor de António Guterres, o Tuga, actual Secretário-Geral. — Enquanto soltava alguns sorrisos. E acrescentou: — Seguindo a lógica do funcionamento do mundo, estas informações são importantes para quem não deseja viver a ser enganado. É imperioso que estejamos atentos a isso. Lembro-me muito bem, meu filho. Queres que eu cite o que ele disse? — Indagou, confiadamente, o Manuelinho.

 

— Eu conheço a responsabilidade do teu cérebro, que assiduamente preserva, em memória, toda informação impagável e digna de apreço — Disse o Jota, num tom de voz despreocupado.

 

— Jota, meu sobrinho…. Você, sempre a querer colocar-me no terraço! “Os 17 Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) são a nossa visão comum para a Humanidade e um contrato social entre os líderes mundiais e os povos”, garantiu Ban Ki-moon. E adicionou: “São uma lista das coisas a fazer em nome dos povos e do planeta, e um plano para o sucesso”.

 

O Jota estava desqueixolado pela rápida e pontual resposta do tio Manuelinho. E, consecutivamente, juntando algumas consoantes e todas vogais do nosso alfabeto, desatou:

 

— Muito bem, tio. Eu sabia que não me irias decepcionar. Isso não é de hoje e eu já estou acostumado! Na verdade, eu estaria preocupado se não tivesse uma resposta depois de 30 segundos. — Ao mesmo tempo que estendia os seus gêmeos olhos para os bancos de trás do autocarro, onde o Chinês estava sentado, tentando controlar os movimentos daquele cidadão estrangeiro que não parava de fotografar as nossas valiosas florestas.

 

— Olha, esta Resolução entrou em vigor no ano passado, ou seja, a 1 de Janeiro de 2016 e carrega como bandeira a seguinte expressão: “Transformar o nosso mundo: Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável”. Além disso, ela possui 17 Objectivos, divididos em 169 Metas, e foi aprovada consensualmente por 193 Estados-Membros da ONU, reunidos em Assembleia-Geral, nos States, para resolver as necessidades humanas nos países desenvolvidos, bem como nos países em desenvolvimento e tem como destaque: “ninguém deve ser deixado para trás”.

 

O Jota ficou em silêncio, tentando mastigar e ruminar as informações que acabara de receber, ao mesmo tempo que procurava encaixar o caso do Chinês na famosa Agenda 2030. E Manuelinho, num rápido movimento exercido na Área de Broca do seu cérebro, acumulou:

 

— Trata-se de uma Agenda muito ambiciosa que reúne várias dimensões do desenvolvimento sustentável (social, económico, ambiental) e promove a paz, a justiça e instituições eficazes.

 

— E como é feita a avaliação da implementação das metas estabelecidas em cada um dos 17 Objectivos? — Questionou o Jornalista-Estagiário, devidamente aconselhado pela Área de Wernick do seu cérebro. Ele queria compreender os detalhes da execução daquela Agenda.

 

Enquanto isso, ouviu-se o barulho do empurrar de um dos vidros do autocarro, no lado de trás. Conseguia-se escutar, também, os sons do volume de um Smartphone que recolhia fotos para a sua quase entulhada galeria. Do lado de fora daquela janela, havia uma enorme quantidade de árvores. Um verde escuro banhado de clorofila! E ali estava, novamente, como se nada estivesse a acontecer, o Chinês, planificadamente mansinho, com o seu Huawei preto, capturando imagens da nossa vasta floresta. Em seguida, Manuelinho respondeu:

 

— Olha, sobrinho. A avaliação da implementação e o progresso dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável serão realizados de forma regular, por cada País, envolvendo os governos, a sociedade civil, as empresas e outros representantes dos vários stakeholders ou partes interessadas. E os jovens não devem ficar de fora neste processo importantíssimo!

 

— Entendo, tio. Então, a questão da exploração ilícita ou abate de árvores igualmente está contemplada nestes Objectivos? — Interrompeu, em jeito de provocação, o jovem sobrinho.

 

— Exactamente, Jota. Eu penso que você sabe muito bem disso. Trata-se do Décimo Quinto Objectivo, que se refere a “Proteger, restaurar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, travar e reverter a degradação dos solos e travar a perda de biodiversidade”. É o Objectivo das florestas!

 

— Hahaha... Este é mesmo para o Chinês! Aliás, o tio notou bem que aquele passageiro turista continua, constantemente, a fotografar as nossas florestas? Não são essas fotos que comprometem a nossa economia?

 

— Como assim, Jota? — Questionou, espantado, o Manuelinho.

 

— Tio, afinal, não verificou as incontáveis vezes que ele, sempre, se levantava para tirar fotos das nossas reservas florestais? Não notou que ele fotografava exclusivamente as regiões com quantidades extraordinárias de árvores? Isso é normal, tio? — Rematou o Jornalista-Estagiário.

 

— Ahaaannn… Sim! Tens toda razão, sobrinho. Eu também já estava a ficar preocupado com a constante movimentação dele. Sabes, se for o que estamos aqui a pensar e conversar, isso pode comprometer a meta que se deve alcançar daqui a três anos, em 2020, de se assegurar a conservação e recuperação do uso sustentável de ecossistemas terrestres e de água doce interior e os seus serviços, em especial as florestas.

 

— É verdade, não precisa de óculos para ver e entender que a missão do Chinês é clara. Quem aqui anda a tirar fotos só de árvores? Será que ele é o único passageiro com celular neste carro? Nem mesmo Engenheiros Florestais andam a tirar fotos só de árvores. Eu já viajei com alguns e nenhum deles andava a fotografar as nossas árvores. Posso ligar para confirmar!

 

— Tens razão, sobrinho. Tens toda razão, meu filho! — sentenciou Manuelinho.

 

— Eu penso que o Chinês está a fazer o mapeamento das nossas zonas florestais para, depois, desenhar um esquema de abate de árvores. É até bem possível que já exista uma Operação Nó Górdio para desflorestar a nossa Pátria. Querem consumir a nossa madeira! Em todo o País, principalmente em Sofala, Zambézia e Cabo Delgado, verifica-se o desmatamento das florestas sem a respectiva substituição das espécies abatidas. Quantas vezes ouvimos e lemos, nos jornais e TVs, casos de detenção de enormes quantias de madeira transferida para países asiáticos? — Relatou o Jota e, com uma voz veemente em defesa da Pátria, acrescentou:

 

— Por exemplo, há cinco anos, em 2012, foram capturados 562 contentores de madeira virgem que estava prestes a ser exportada. No ano passado, assistimos a maior captura de sempre, isto é, cerca de 1.300 contentores de madeira confiscados. Mesmo neste ano (2017), ouvimos falar da apreensão de três contentores de madeira. Todos estes casos foram registados no Porto de Nacala e tinham um destino comum: a populosa República da China. Isso é mera coincidência?

 

Não é que o Jota, apesar da triste situação de infelicidade da sua tia Marciana, estava mesmo vigilante e com os ponteiros dos neurónios bem acertados. As florestas são importantes não só como fonte de madeira, mas também como protectoras das colinas e reguladoras do fluxo de água, protegem as bacias hidrográficas e a vida selvagem, reduzem a taxa de erosão do solo, contribuem para o estabelecimento do turismo, armazenam as vastas quantidades de carbono que servem para mitigar as mudanças climáticas, que anualmente asfixiam milhares de gente.

 

— Tio, a Umbila (Pterocarpus angolensis), Chanfuta (Afzelia quanzensis), Tanga-tanga (Albizia versicolor), Jambirre (Millettia stuhlmannii), Cimbirre (Androstachys johnsonii), Muanga (Pericopsis angolensis), Mutondo (Cordyla africana) e Mpingo, também conhecido como Pau-Preto (Dalbergia melanoxylon), são algumas das espécies da primeira categoria ilegalmente exploradas para empanturrar os bolsos de muita gente de classe privilegiada, deixando a nossa economia cada vez mais pálida e magrizela, quando contabilizados todos desvios nesta área.

 

— Jovem, vejo que você anda bem informado sobre os nossos recursos florestais e faunísticos. Eu pensei que, além de alguns Agrónomos, apenas Engenheiros Florestais conheciam os nomes científicos das nossas reservas florestais. — Disse uma voz grossa, que vinha da parte traseira da cadeira aonde o Jota e tio Manuelinho estavam assentados. — E adicionou, calmamente:

 

— A propósito, você é um destes profissionais que acabei de mencionar? — Questionou aquela voz que, sem pedir licenças, acabava de se embrulhar numa conversa que se diga familiar.

 

— Nenhum de nós fez esta área — Respondeu o Manuelinho, e, em seguida, aditou: — É verdade, Jota. Isso também afecta o cumprimento de outros Objectivos. Por exemplo, o Primeiro Objectivo, que prevê, até 2030, erradicar a pobreza extrema em todos os lugares. — Disse Manuelinho — Que, logo a seguir, somou mais palavras à sua fala: — O desvio de fundos provenientes de corte ilegal e venda de árvores, bem como o valor de taxas envolvido, que também é desviado neste esquema, pode contribuir para que este Objectivo não seja alcançado.

 

E aquela voz acompanhante de um passageiro desconhecido, que vinha do banco de trás, interpelando o discurso do tio Manuelinho, acrescentou:

 

— O Segundo Objectivo é identicamente afectado. Por exemplo, a prática ilegal de abate de árvores pode influenciar o garante de sistemas sustentáveis de produção de alimentos e implementação de práticas agrícolas resilientes, para aumentar a produtividade e a produção ao nível local e nacional. Além disso, não ajudará a manter os ecossistemas e fortalecer a capacidade de adaptação às alterações climáticas, às condições meteorológicas extremas, secas, inundações e outros desastres, a fim de melhorar, de forma progressiva, a qualidade da terra e do solo. — Rematou e, consecutivamente, devolveu a sua voz no abrigo do silêncio.

 

— Isso é muito sério! — Atirou o Jota, tendo adicionado: — Afecta, de igual modo, o Quarto Objectivo. Com o constante desmatamento e abate de árvores, ilegalmente, como será possível, até 2030, garantir-se que todos os meninos e meninas completem o Ensino Primário e Secundário de qualidade, se a madeira que deveria servir para construir as Escolas e produzir carteiras e quadros é malandramente desviada para bem longe das suas zonas de origem?

 

— Sobrinho. Estamos mesmo numa situação difícil de gerir. Imagina só, daqui a três anos, em 2020, o Sexto Objectivo prevê proteger e restaurar os ecossistemas relacionados com a água, incluindo florestas e zonas húmidas. Será que isso vai acontecer? — Interrogou o Manuelinho.

 

Enquanto isso, o Chinês continuava, aqui e acolá, a fotografar todas as zonas verdes que espalham sombras densas ao longo dos riachos e lombas interiores espalhados na nossa já cansada Ene Um. Ele era mais apreciador e fotógrafo de árvores que um simples passageiro. Mesmo onde o motorista parava o carro para que os passageiros descarregassem das suas bexigas, entre as verdejantes árvores, águas ácidas, e dos seus intestinos grossos, restos de comida, a missão do Chinês era clara e específica: fotografar a nossa floresta!

 

— A minha irmã foi destacada para integrar a equipa que está a realizar o Inventário Florestal Nacional, que iniciou em 2015 e tem prazo de dois anos. Portanto, termina neste ano, mas será publicado nos finais de 2018. Em conversa, ela segredou-me que uma das recomendações do estudo, para evitar a exploração ilegal da nossa frondosa e vasta floresta, é reduzir o actual número e proibir a entrada de novos operadores florestais por 5 ou 10 anos. Neste período, serão monitorados os efeitos destas medidas. — Expôs uma passageira no banco de frente.

 

— Muito obrigado, Moça. — Afirmou Manuelinho, soltando seu olhar sedutor em direcção àquela jovem viajante. E voltando-se para o seu sobrinho, que calculava o diâmetro do seu olhar, disse:

 

— Olha, Jota, espera-se, também, daqui a três anos, em 2020, em todo mundo, promover a implementação da gestão sustentável de todos os tipos de florestas, travar a deflorestação, restaurar florestas degradadas e aumentar os esforços de florestação e reflorestação. Portanto, uma das metas é tomar medidas urgentes e importantes para reduzir a degradação de habitat naturais, travar a perda de biodiversidade, proteger e evitar a extinção de espécies ameaçadas; mobilizar recursos para financiar a gestão florestal sustentável e proporcionar incentivos adequados aos países em desenvolvimento para promover a gestão florestal sustentável, inclusive a conservação e o reflorestamento. — Revelou Manuelinho, esbanjando ciência.

 

— Contudo, se continuarmos a ter muitos passageiros como estes, Chineses, Moçambicanos ou de qualquer nação, que somente andam a fotografar as nossas florestas, duvido que estas ambiciosíssimas metas sejam alcançadas. No lugar de preservar, teremos as nossas florestas cada vez mais despidas de verdes e beleza natural e assistiremos, sempre, contentores carregados da nossa madeira a atravessarem o vasto Oceano Índico. Enfim, vamos aguardar para ver, tio. Porém, confesso que a minha reserva de esperanças está quase a esgotar-se.

 

Não é de se admirar! Casos de exploração ilegal de árvores e contrabando de madeira continuam a afectar a nossa biodiversidade e a acarretar, em grande medida, os cofres do Estado. Em Setembro de 2020, em Cabo Delgado, Província com uma das maiores densidades florestais do País, foram confiscados 102 contentores de madeira, que seguiam à China. Em Julho deste ano, na Província de Sofala, somas de dinheiro foram perdidas devido ao contrabando de madeira.

 

Apesar de existir mecanismos nacionais e internacionais que trabalham para melhorar a governação do sector florestal, a sustentabilidade das florestas, através da aplicação das leis e administração deste sector, não há muita esperança para ver as nossas florestas beneficiarem a população local e engrossar os cofres do Estado para o bem de todos os moçambicanos.

 

Não obstante, será impossível alcançar a Agenda 2030, principalmente os Objectivos e Metas relativos à protecção, restauração e promoção do uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gestão sustentável das florestas, combate da desertificação, degradação dos solos e travar a perda de biodiversidade nacional e mundial, bem como os seus efeitos no cumprimento de outros Objectivos e Metas, se mais Chineses continuarem, livremente, a fotografar as nossas florestas!

 

quarta-feira, 21 julho 2021 08:46

Nada te direi...

Se me perguntares sobre a crise económica

Que a tantas entranhas macabramente carcoma

Mesmo depois dos famigerados acertos da Kroll

Associada às ameaças de malandros doadores

Aprumada de reclamações de gente faminta

Protestos desencantados de um cúmulo de teóricos

E canções malnutridas que de pálidos lábios ecoam

NADA TE DIREI!

 

Se me perguntares sobre o ignorado esconderijo

Onde astuta e em tendenciosas propagandas

As moedas que dos nossos bolsos desapareceram

E hodierno nossos filhos lamentam esfomeados e imóveis

NADA TE DIREI!

 

Se me insistires e perguntares

Sobre as esquinas das ocultas negociações

Os conflitos armados ao relento travados

A crónica da cruel e aplaudida pobreza absoluta

E abismo mal-acostumado de paulados analistas

NADA TE DIREI!

 

Se me perguntares sobre o paradeiro da boa educação

Onlinamente desnutrida pela falta de qualidade e dispositivos

Em somatório pálido à ineficaz rede de acesso móvel

E os meninos que há tempo sonham com salas de aulas dignas

NADA TE DIREI!

 

Se insistentemente me perguntares

Sobre consultas médicas monetariamente apadrinhadas

Médicos abandonados aos desvarios da pandemia em laboratórios forjada

E o reajuste salarial que há tempos os nossos pais reclamam

NADA TE DIREI!

 

Se quiseres teimosamente saber

Sobre o plano agrícola carinhosamente desnutrido

Alegando suportar famílias nos campos malnutridas

Sabotadas pela desnutrição crónica do exaltado sustenta

NADA TE DIREI!

 

Se continuares e me perguntares

Sobre a apreciação da nossa pálida moeda

Que nos bolsos do pacato cidadão escasseia

E nas contas de decisores de políticas público-monetárias abunda

E em bolsas de nossas mamanas nos dumbanengues desaparece

NADA TE DIREI!

 

Se me perguntares sobre nossas mães, irmãs e filhas

Matalanizadas entre ramos secos naquela floresta governamental

E em escritórios de Supervisores de turnos e tarefas

Que defendem tutu mafia e pura obra de ficção ser

NADA TE DIREI!

 

Se quiseres saber sobre o relatório da Comissão de Inquérito

Para aferir os relatos do CIP e de mulheres ndlavelizadas

Por supostos agentes de disciplina e boa conduta

Indiciados de estabelecer negociações público-privadas

Para suas vontades e prazeres perante todas satisfazerem

E em suas contas, em comissão, de moedas encherem

NADA TE DIREI!

 

Se me perguntares sobre a consumista mambas desvenenada

Que cuspe derrotas a cada vez que na floresta desfila

E a juventude planificadamente amamentada com leite carmesim

Filhos e netos das mamanas que coloridas capulanas adoram

Mas nada fazem pelas mártires de Ndlavela e Matalane

NADA TE DIREI!

 

Se insistentemente me questionares

Sobre os jovens que esforços de meninos primários banalizam

Enquanto eles confiantes incalculáveis memes produzem

E socialmente, em suas redes, fotos sem conteúdos disseminam

NADA TE DIREI!

 

Se me perguntares sobre nossa vontade de alguma coisa querer ser

Mesmo sem prévia consulta e indicação de chefaturas monopolistas

Em meio à decadência e extinção de fortes candidatos que no povo pensam

NADA TE DIREI!

 

Se me perguntares sobre a nossa desviada madeira

E luxuosas máquinas que pelas fronteiras atravessam

Em boladas coadjuvadas por agentes e filhos da pátria amada

E dos cofres do Estado avultadas quantias para bolsos particulares encaminha

NADA TE DIREI!

 

Se me pedires para continuar a descrever

A frustração que hoje em nosso pátio sem máscaras se vive

Meu punho de escrivão encravarei

Meus pergaminhos distantes guardarei

Meus desnutridos lábios em defesa cerrarei

E NADA TE DIREI!

 

Por conseguinte, hoje, acanhados

Pelo sucesso do NADA TE DIREI

Os corolários desta atitude bebemos nós

E para Michafutene caminhamos, silenciosamente!

Mesmo assim, NADA TE DIREI!

sexta-feira, 16 julho 2021 08:03

Contratado para ser presidente do município

Após a apresentação de um importantíssimo evento, um par de senhores de muita classe, ambos cobertos de fatos pesados e de marca clássica, interpelaram o jovem Mestre de Cerimónias:

 

— Jovem, tudo bem? Quanto talento, ein!? O teu futuro é muito promissor, sabias? — Questionou um dos senhores, cuja aparência, autoridade e presença denotavam ser o líder da dupla.

 

Manuelinho, comovido pelo reconhecimento, respondeu, sem travões:

 

— Ora viva, meus ilustres senhores! Não é possível que eu esteja mal e demonstrar tanta energia. Aliás, estou muito bem e firme. Obrigado! Eu sou Manuelinho, natural de Quelimane.

 

— O teu carisma, a tua postura, firmeza e eloquência fazem de ti um candidato perfeito a grande líder. Podes ser o próximo Presidente do Município de Quelimane — Retorquiu aquele nobre senhor, enquanto o seu parceiro soltava olhares, como um sniper bem treinado, para todos os cantos daquele local. Tudo indicava que eles estavam ali com uma agenda bem estabelecida!

 

Manuelinho, espantado por aquela abordagem, reagiu, inocentemente, quase atrapalhado:

 

— Eu faço isso por amor. É algo que me apraz. Na verdade, é uma das coisas que gosto de fazer, além de cantar, compor e produzir músicas clássicas. Já produzi muitos cantores da praça!

 

Após trocar palavras, em silêncio, com o seu parceiro, o senhor reagiu planificadamente:

 

— Olha, jovem, aproxima. Temos uma proposta que vai mudar a tua vida e de toda a tua família.

 

Aproxima-te! O teu talento não pode ser desperdiçado. Não podes desperdiçar a tua influência.

 

Manuelinho era o filho mais velho do casal José e Marta. Pesava sobre os seus ombros, o cuidado dos seus seis irmãos mais novos. Todos homens. O seu pai era um pacato vendedor de produtos alimentícios no mercado Aquima, em Quelimane. A sua mãe era doméstica. Por isso, desde pequeno, ele teve que se abdicar dos prazeres e encantos de adolescente e jovem. Aos vinte anos, carregava a responsabilidade de um pai de família, o que se reflectia na sua forma de viver e estar, principalmente, pelos conselhos que espalhava com quem conversava.

 

Quis o destino que ele fosse Produtor Musical. Aliás, ele também é um excelente cantor e compositor de várias melodias e miscelâneas musicais ouvidas por milhares de gente em todo o País e no mundo. Tudo começou por causa do seu gosto pela dança, na altura influenciada por angolanos, que o conduziu aos estúdios da cidade de Quelimane, nos primórdios do seculo vinte e um. Enquanto assistia as gravações de hits, aprendeu a produzir músicas.

 

O seu gosto pela música, a responsabilidade e os cuidados pela sua família, maioritariamente sem condições, fizeram dele um leitor voraz. Manuelinho lia de tudo. Livros sobre música, história, filosofia, antropologia, sociologia, línguas, Sagradas Escrituras e vários livros de sabedoria ancestral que espalham o conhecimento de bem viver e estar na sociedade. Por isso, ainda cedo, Manuelinho carregava palavras distintas de sabedoria de um admirado ancião.

 

Ora, o calendário gregoriano marcava, nas suas páginas já cansadas de contagem rotineira, meados do nono mês do calendário de Rómulo, o mês de Novembro. Passava apenas um mês após a eclosão dos ataques extremistas e violentos no Cabo do norte de Moçambique que se tornou palco de danças sangrentas, dormitório recheado de insónia para milhares de mulheres, jovens e crianças, incluindo homens, e asilo repentino de Tutsis e Hutus, num claro jogo de batota à distraída SADC. Aliás, naquele Cabo, como jogo de Xadrez, polícias lideravam soldados!

 

Tratava-se, além disso, de um momento difícil para a família Sumila. A neta, que em vida respondia pelo nome da esposa do avô Sumila, Marciana, acabara de render o seu espírito para a eternidade, aonde seguem os fiéis que depositam a sua fé no Criador dos céus e da terra.

 

O Jota, que na altura era jornalista-estagiário na capital do País, no único centro de formação de jovens jornalistas, que hoje brilham em diversas telas televisivas, jornais e organizações nacionais e internacionais, como sobrinho mais velho, havia recebido a trágica notícia da partida da única tia com quem conviveu os seus dias de meninice. Tinha, entretanto, viagem marcada à África do Sul, terra queimada pela ignorância de gente que não sabe o que realmente quer, para participar da Conferência Internacional de Jornalismo Investigativo, onde Cardoso é uma marca!

 

Como de costume, o Jota teve de solicitar uma isenção para cumprir com as cerimónias fúnebres.

 

Assim, ele teve que partir para a capital do centro do País, terra conhecida por gerar um povo ‘rebelde’, que não se conforma com as malandrices e planos de líderes sanguinários, cujos cidadãos fazem justiça com as próprias mãos. Além disso, nela não se contratam Presidentes!

 

Em conversa, nas cadeiras de passageiro da Entre Rios, Manuelinho disse ao seu sobrinho:

 

— Jota, sabias que, por pouco, eu seria contratado para Presidente do Município de Quelimane? — Como assim? Afinal, os candidatos a Presidente dos Municípios não são eleitos nas autarquias para as quais concorrem? — Questionou, estarrecido, o jovem sobrinho.

 

— Jota, Jota… Abra os teus olhos! Isso de concorrer às eleições é apenas o resultado de um contrato com gente que nunca aparece nos holofotes. É um emprego e não resultado de uma agenda política do candidato para a autarquia onde concorre. É um jogo político, meu filho.

 

O sobrinho, possuído de um espírito jornalístico, replicou, sem noção da profundeza dos factos:

 

— Tio, não é assim como as coisas acontecem. O candidato é eleito no seu partido e organiza seu programa eleitoral, que se transforma, quando eleito, na agenda da sua governação. Outros, entretanto, concorrem de forma independente, como fez Daviz Simango. Não é isso que está previsto no pacote legislativo para eleições autárquicas ou mesmo presidenciais?

 

— Jota, Jota. Deixa-me revelar-te algo. Como eu disse, queriam contratar-me para ser Presidente do Município de Quelimane.

 

— Como assim, tio?

 

— Eu estava a coordenar a organização de um evento importantíssimo. Era o Mestre de Cerimónias. Espalhei muita alegria, sobretudo, palavras ditas com sabedoria e confiança, como sempre tenho feito. No final, dois senhores aproximaram-se de mim e apresentaram a proposta.

 

— Sério? Que proposta, tio?

 

— Era um contrato para ser Presidente do Município de Quelimane. Simples quanto isso!

 

— Ahhh, tio, isso não é possível — Interpelou Jota, tentando buscar mais factos sobre o assunto.

 

— Eles disseram que me podiam lapidar e treinar, caso eu estivesse interessado. Afirmaram que poderiam mudar a minha vida e da nossa família. Construiriam uma casa para os vovós e alugariam, para mim, um apartamento na cidade para começar a acostumar-me com a vida de luxo que, caso eu aceitasse, seria a minha próxima companheira pelos cinco anos seguintes.

 

Enquanto o Manuelinho falava, um Chinês atravessou a nossa frente. Era o único passageiro curioso, que fotografava todas as passagens verdes que via ao longo da Estrada Nacional Número Um. Eu até desconfiei, porque já tinha perdido a conta das vezes que ele se havia levantado para registar, com imagens, a nossa floresta verdejante. Pensei nos variadíssimos, alguns não registados, abates de árvores e exportações ilegais de madeiras no País praticados pelos seus compatriotas. Enfim, dirigi o meu olhar ao meu tio, para continuar com a conversa:

 

— O que mais disseram, tio?

 

— Aqueles senhores tiraram um calhamaço de papéis com artigos bem organizados. Era o Estatuto do Partido Político que eu deveria representar e o esquema da minha candidatura. Tinham, também, o contrato de admissão como candidato a Presidente do Município. Possuíam um plano de mobilização de massas. Eu apenas seria a imagem que queriam, por ser natural de Quelimane e possuir qualidades que julgaram haver em mim. Era um esquema de tirar o chapéu. — E qual foi a tua reacção, tio? O que disseste?

 

Manuelinho fez uma pausa. Notei que se tratava de uma decisão difícil que ele deveria tomar, visto que o seu efeito seria de enormes proporcionalidades. Poderia até custar a sua vida.

 

— É verdade que precisamos de mudar de vida, mas não aceitei a proposta. Eu simplesmente recusei-me, Jota. Eu disse-lhes que não queria entrar naquele esquema. Não nasci para isso!

 

— E qual foi a resposta que teve deles, tio? — Questionou o jovem jornalista-estagiário.

 

— Eles disseram: “Infelizmente, acabaste de perder um jackpot, jovem.” E continuaram: “Mas se mudares de ideia, aqui está o nosso contacto. Podes ligar e vamos trabalhar juntos! Lembra-te que podes ser o próximo Presidente do Município de Quelimane.” E depois se foram! Enquanto se retiravam, olhavam para trás, para mim, e faziam dançar as suas cabeças da esquerda para direita e vice-versa. Era um sinal de que eu havia desperdiçado toda a minha vida e futuro!

 

Naquele instante de conversa, interpelada de vez em quando pelo Chinês que fotograva as zonas verdes, espalhadas pelo nosso vasto e belo território nacional, ao longo da deslembrada Ene Um, quase esquecíamos a triste notícia do falecimento da tia Marciana. Mas não era possível!

 

Por um instante, fui pensando no facto de os vários partidos políticos, que inundam os boletins de votos durante as épocas das eleições autárquicas e presidenciais, desaparecem logo após as eleições. Eu não sabia que muitas daquelas fotos são de candidatos contratados para concorrem tanto às autarquias, ao Parlamento e à Presidência. Grande parte deles não tem um plano a longo prazo, por isso, quando perdem, o contrato é exterminado e eles continuam no silêncio e a viverem as suas verdadeiras vidas anteriores ao contrato.

 

No entanto, alguns chegam até a desenhar planos de governação e projectos claros de liderança e transformação das suas autarquias, organização, bem como do País. Porém, as suas vontades voluntárias são substituídas por esquemas políticos que se voluntariam e definem quem deve ser candidato a Presidente de um Município ou País, ou mesmo líder de qualquer Organização!

quarta-feira, 23 junho 2021 09:34

Ilha dos sonhos confiscados...

Quero compartilhar consigo, neste texto, parte de um diálogo que rabisquei enquanto pensava na actual situação da nossa Pérola do Índico, Moçambique. Espero que este curto texto o ajude a lembrar-se de algo, senão de muitas coisas, que ocorre no solo pátrio. Trata-se de uma conversa entre uma mãe e um filho a respeito do que acontecia em sua casa, aliás, no seu País.

 

FILHO: Mãe, eu tenho uma pergunta. Posso fazer?

 

A mãe, ansiosa, e com um olhar transparecendo cansaço, cautelosamente, interpelou a voz do filho, a qual cortava o seu sossego.

 

MÃE: Fala, meu herdeiro de qualidade. O que se passa?

 

FILHO: Mamã, será que o nosso Pai nos ama de verdade? Será que ele mesmo pensa em nós, nas nossas irmãs que choram pelos castigos dos guardas deformadores, pelas chamas e agressões de todos os lados, pelas dificuldades que enfrentamos para construir o nosso humilde lar, e por tantas outras coisas que acontecem aqui em casa?

 

A mãe, entusiasta, como de costume, suspirou bem fundo e retornou ao filho, soltando palavras escoltadas de atenção e cautela, interrogou:

 

MÃE: Porquê, meu filho? O que se passa de verdade?

 

E o filho, acumulando uma média de coragem nos seus pulmões, fez atravessar, passando pela laringe e faringe, dos seus largos pulmões livres do fumo das drogas palavras, numa mistura das cordas vocais, palavras compostas de sons vozeados e silábicos, fonética e fonologicamente organizados, e asseverou:

 

FILHO: Mamã, mamã… Porque o Pai é Bombeiro, e a nossa casa está em chamas, ardendo de todos os lados, porém, parece que ele nem sequer nos que socorrer... Isto é normal, mamã?

 

MÃE: Eish, mwananga, mathala (ou seja – Eish, meu filho, cala-te – traduzido da língua Sena, falada no Centro de Moçambique). Sempre que falas, só abalas! Evite, meu filho!

 

Ora, a mãe, como quem tivesse entendido a plenitude da mensagem por detrás da pergunta do filho, continuou, efusiva:

 

MÃE: Mwanawe, una passiwa xikonde iwe! (Meu filho, vais receber um golpe na cabeça, em Sena). O teu Pai está sempre atento a estes tipos de comentários. Ele tem muitos ouvidos... Até parece um Superman! Ele sempre ouve comentários de todos sobre a nossa casa, principalmente quando não são a favor da sua liderança. Ele ainda não quer aceitar que isso é para o bem de todos nós. Pensa que lhes queremos mal. Talvez sejam os seus muitos ouvidos que mal transmitem estas mensagens… Talvez sejam eles que distorcem os comentários para ganhar mais confiança e credibilidade, bem como mostrar que estão a trabalhar. Isso já se normalizou em nossa casa, infelizmente.

 

Ora, o filho, logo em seguida, alinhou as suas palavras ao discurso que a sua já cansada mãe acabara de tecer. Quase desesperado, sem saber onde recorrer por ajuda, expôs:

 

FILHO: Ahhh, yá! Só posso sair desta casa... Não quero morrer afogado, muito menos ter o meu corpo totalmente incinerado, mamã. Se eu continuar aqui, com estes meus comentários, todos os meus sonhos se tornarão em cinzas. Vão incendiá-lo como tentaram fazê-lo ao Canal de Moçambique. Há muitas coisas que não posso suportar. Não posso ver, em silêncio, as minhas irmãs vendidas na cadeia, a nossa casa a queimar no telhado, onde lutamos pela nossa libertação, e a família toda impedida de construir porque alguns senhores decidiram e não querem que nós, os mais desfavorecidos, tenhamos onde reclinar a cabeça. Até denunciaram um animal em extinção, o Dugongo.

 

Vendo que o seu filho até tremia as bochechas quando falava, transparecendo o temor que ecoava do fundo das suas entranhas, e o medo de ver o seu futuro abortado antes do raiar do astro solar, a mãe atravessou a comunicação do filho, e afirmou:

 

MÃE: Filho, fica comigo. Vamos suportar as chamas até que um dos vizinhos nos venha ajudar... Tenha Paciência, Mwananga (Meu filho, em língua Sena)! Não se precipite!

 

Após este intercalar da sua mãe, uma medida de poucas palavras, carregadas de conteúdo semântico exibido pela sensibilidade da sua voz, associadas às gotas salgadas que espreitavam pela janela do seu rosto cheios de experiências tristes, colocando a mão sobre a cabeça, procurando palavras para melhor se expressar, o filho contestou:

 

FILHO: Shiii, mamã… Já não te reconheço mais. É tudo o que me tens a dizer? Queres mesmo que vendamos o nosso carácter a preço de banana por temer a quem nos deveria proteger e lutar pelo nosso bem-estar? É isso mesmo, mamã? Sério?

 

MÃE: Tens alguma ideia melhor, meu filho? – Questionou a mãe, toda preocupada. Ela tremia tanto que abanava a única capulana que a concedia a dignidade de uma mulher emancipada. A penúria, ao de longe, denunciava-se na sua aparência.

 

FILHO: Um momento, mamã. Deixa-me consultar aos meus irmãos, amigos, colegas e vizinhos. Talvez alguém tenha alguma solução que seja melhor para nós. Talvez, mamã!

 

Após ter pronunciado estas palavras, o filho deu algumas voltas no pátio da casa, que há tempo solicitava por Primeiros Socorros. Os Bombeiros viram o incêndio, mas, quando chegaram, não tinham água para apagar as chamas. Até tentaram! Também, os guardas sabiam das suas responsabilidades, porém, a sua ganância tinha mais autoridade sobre as suas consciências. Além disso, os políticos têm a noção da nossa pobreza, contudo, preferiam defender as suas causas a lutar pelo bem comum e por aqueles que os elegeram. Os líderes, por sua vez, sabem o que é necessário fazer para resolver os vários problemas do povo, no entanto, confiaram esta responsabilidade aos Parceiros de Cooperação e organizações externas. A Sociedade Civil, por seu turno, grande parte dela, é apática ao que realmente acontece. Ela luta com vigor por sonhos e necessidades particulares. Enfim, é muito ingrediente para uma única refeição!

 

Passados alguns minutos, o filho bradou altíssimo:

 

FILHO: Por favor, alguém me ajuda… Alguém aí nos pode ajuda, please? Está a ser difícil continuar nesta ilha. Os nossos sonhos estão a ser, aos poucos, confiscados!

 

De repente, um par de silêncio invadiu o cenário onde ambos conversavam. Era visível aquela presença friorenta que alcançou toda a vizinhança, incluindo àqueles que moravam em lugares mais distantes daquela velha casa de alvenaria amarfanhada.

 

Surpreendentemente, ninguém ousou em responder ao pedido de ajuda, que ecoava dos quintais de quase todos os bairros, apesar de, literalmente, todos conseguirem ouvir. No entanto, algum tempo depois, as chamas invadiram outros pátios, os danos alastraram-se e afectaram a muitos bolsos.

 

Em seguida, algo incrível aconteceu. Agora, quase TODOS julgavam ter respostas ao pedido de socorro. Ou melhor, quase todos tinham algo por dizer sobre o assunto, pelo que vozes emanavam de todos os pontos cardeais da crosta terreste, de latitudes, altitudes e longitudes diversas.

 

Posto isso, o filho, ao deparar-se com esta realidade, soltou, espantado:

 

FILHO: Yá! Rendi... Agora somos TODOS génios! Só porque as chamas também lhes afectaram... Será que precisava mesmo de chegarmos a este ponto?... Haja MUDANÇA!

 

A mãe, tentando socorrer-se da fala do filho, asseverou:

 

MÃE: Mwananga, mwananga (meu filho, meu filho). É melhor cooperares com o silêncio. Caluda. Eu já sepultei a muitos filhos que tentaram agir como tu. Seja apenas um mero espectador, telespectador, ou ouvinte… Nada de fazer perguntas. Até porque não fizeste jornalismo, e ninguém da nossa família fez este curso. Aliás, até os jornalistas formados, renomados e outros mais novos na área, já se cansaram de perguntar e receber cheques em branco como respostas. Não te quero perder antes da lua nova!!!

 

O filho, boquiaberto pela reacção da sua mãe, com todas as suas forças, retorquiu:

 

FILHO: Mamã… Se assim for, já me perdeste há muito tempo. Acorda, mamã. Acorda, senão vamos todos perecer aqui… Nesta casa, aliás, ilha, há vendedores de sonhos!

 

Tendo terminado de dizer estas palavras, alguém gritou: – “Você aí, muito cuidado!” Assustado, de repente, o filho abriu os seus olhos. Afinal, tratava-se de um sonho. Despertou, sem saber o que fazer em seguida… Assim, ele está à procura de alguém que possa ajudá-lo a desvendar o seu sonho.

 

Alguém aí pode ajudar?

quinta-feira, 08 abril 2021 13:17

A Josina que suas irmãs fingem conhecer

As irmãs da Josina fingem conhecê-la e reclamam por capulanas para celebrar!

 

Afinal, o que realmente as irmãs da Josina celebram no dia 7 de Abril?

 

A Josina Machel que hoje celebram, aos 7 anos iniciou os seus estudos, a 1ª classe, em Mocímboa da Praia, o local do primeiro tiro dos insurgentes, a 5 de Outubro de 2017, onde ainda hoje clama pelo socorro das mulheres e homens moçambicanos.

 

A Josina que hoje celebram juntou-se ao Núcleo dos Estudantes Africanos Secundários de Moçambique (NESAM), onde desenvolveu a sua consciência político-cultural para lutar por Moçambique e libertar o País do jugo colonial português.

 

Aos 18 anos, Josina abandou o solo pátrio para Tanzânia e Zâmbia. Pelo caminho, foi presa, e em seguida, malandramente deportada; ainda jovem, era espionada por Polícias coloniais por causa das suas aventuras político-culturais movidas pela então Frelimo (de todos) contra a opressão portuguesa.

 

Aos 19 anos, Josina abandona o Moçambique para Suazilândia, onde foi acantonada num centro de refugiados; pouco tempo depois, com ajuda de um Pastor Presbiteriano, ela refugiou-se para África do Sul, e depois para Botswana, onde foi considerada ‘visitante indesejada’ e pelo governo Britânico, deportada.

 

Graças a Eduardo Mondlane, que convenceu aos Britânicos, Josina é enviada a Zâmbia e, depois, para Tanzânia, seu Centro de Formação político-militar, onde se tornou mulher Moçambicana, mesmo fora de Moçambique, tudo por conta da libertação do seu povo.

 

Aos 20 anos, Josina assiste Janet Mondlane, esposa de Eduardo Mondlane, no Instituto de Moçambique, para treinar seus irmãos e irmãs para o alcance da independência nacional.

 

Aos 21 anos, Josina abandona uma Bolsa de Estudos para Suíça e junta-se ao Destacamento Feminino, onde teve formação político-militar para melhor enquadramento na luta de libertação nacional.

 

Em tempos de guerra, Josina cuidava dos feridos, órfãos e de crianças abandonadas; fazia de tudo para lhes fornecer apoio médico, moral, educacional, social.

 

Aos 23 anos, Josina advocava pela inclusão de raparigas e mulheres em todos aspectos da luta de libertação. Nesta altura, ela torna-se Representante das Relações Internacionais do Destacamento feminino na então Frelimo (de todos).

 

Aos 24 anos, Josina viajava para fóruns internacionais, onde partilhava a sua experiência e de outras jovens e mulheres como advocacia pela igualdade de participação em todos aspectos de desenvolvimento ao nível local, regional e internacional.

 

Ainda aos 24 anos, Josina lidera o Departamento de Assuntos Sociais e trabalha extensivamente para prover cuidados de saúde e educacional para crianças no norte de Moçambique e, naquela altura, instava pela necessidade de formação de raparigas e mulheres.

 

Em meio à guerra, Josina lutou por Moçambique. Após a morte de Mondlane, ela juntou-se à Janet para consolá-la por aquele ataque que, também, era um golpe para Moçambique e todos Moçambicanos.

 

Aos 25 anos, Josina é diagnosticada cancro do fígado. Mesmo assim, ela continua a lutar por Moçambique exercendo, incansavelmente, as suas funções na então Frelimo (de todos).

 

Nesta época, Josina deixa seu filho Samito, de apenas 1 ano de idade, em Tanzânia, e viaja à Niassa para tratar de assuntos sociais e ajudar raparigas e mulheres naquele período de guerra que matava o sonho de muitas mulheres e homens Moçambicanos.

 

Ainda aos 25 anos, Josina viaja à Cabo Delgado, onde começou sua trajectória educacional, para verificar o progresso de programas sociais naquela província. Nesta altura, ela sofria de graves problemas de saúde, e o cansaço e a perda de peso, gradualmente, tiravam a vida desta mulher lutadora pela causa nacional Moçambicana.

 

Já com saúde totalmente debilitada, e de regresso à Tanzânia, Josina é internada e no dia 7 de Abril de 1971, deixando para trás o seu sonho de ver Moçambique liberto da opressão crónica, ela morre e os seus restos mortais foram entornados no subsolo.

 

Contudo, o seu sonho continua sendo: “Camaradas, já não posso mais continuar a lutar, levem a minha arma e entregam-na ao Comandante Militar para contribuir para a salvação do povo Moçambicano”.

 

Um ano após a sua morte, a então Frelimo (de todos) declarou 7 de Abril como Dia Nacional das Mulheres, e em Março de 1973 estabeleceu-se a Organização da Mulher Moçambicana (OMM), enquanto movimento social e político inspirado pelos ideais de emancipação defendidos por Josina, hoje quase todos simbolicamente trocados por simples capulanas enroladas em corpos que também clamam por libertação.

 

Hoje, a Mocímboa que ensinou Josina a ler está em chamas. As suas irmãs Palma, Macomia, Muidumbe, Mueda, também choram lágrimas amargas de guerra e assalto à soberania nacional. Mesmo assim, as irmãs da Josina fingem conhecê-la e reclamam por capulanas para celebrar.

 

Os grandes problemas crónicos da pobreza generalizada, as dívidas ocultas, os conflitos armados e a crise humanitária, os casamentos prematuros, violações de direitos humanos, abuso de menores e violência doméstica, as grávidas de Matalane, os assaltos aos produtos das mães nos mercados, a inexistente assistência social em meio à Covod-19, entre tantos outros problemas, as irmãs da Josina fingem conhecê-la, e os problemas desconhecê-los, e reclamam por capulanas para celebrar.

 

Afinal, o que realmente as irmãs da Josina celebram no dia 7 de Abril?

 

Jota de JESUS - Janato

quinta-feira, 25 fevereiro 2021 09:48

CO’LICENÇA!

Já nos tinhas acostumado
Co’licença quase todos dias ouvir e ler!

 

Eram teus talentosos dedos de Escriba de qualidade
Que rápidas e acertadas ejaculações pensantes desenhavam
E à Carta de Moçambique profundas análises encaminhava
As quais em nossos smartphones desembarcavam.

 

Já sabíamos que quando ecoasse o Co’licença
Os factos e eventos seriam, ainda que de humor misturados,
Sem subornos, repletos de mais nobres verdades
E de sabor literário escasso na Pérola do Índico, temperados.

 

Ó nobre Escriba,
Aos seus atenciosos ouvidos
Nada se passava despercebido:
Desde esquemas das batatas descartadas no mercado Zimpeto
Aos malabarismos dos repolhos que cabeceiam os tomates do corajoso médico
Tudo merecia sua cautelosa e atenção minuciosamente dobrada!

 

Ó nobre Escriba,
Seus dedos ousadamente descreviam
Aquilo que os tubarões a todo custo tentavam esconder
Debaixo do tapete das águas que escorrem dos seus escritórios

 

Confesso que a gente não estava preparado
Como se nunca esteve diante deste substantivo detestado
Ó morte, até quando serás a resposta por todos indesejada?

 

Quando nos chegou o som do bater das portas
Ouviu-se um Co’licença que não teve resposta imediata
E nesse intervalo de vai e vem, de buscas e consultas
Abrandava aos poucos, silenciosamente
Uma voz que ao mundo bramava audaciosamente
Fazendo jus à liberdade de manifestação e de expressão literária
Em beneplácito da racionalização e da prevalência da justa verdade!

 

Co’licença!
Foi a última vez que a porta soou...
Não a de uma entrada terrena feita de portas de madeira
Eram, na verdade, comportas do além que lentamente se abriam
Para receber um dos mais exímios Escribas de uma terra abandonada e em chamas
Cujo incêndio e desleixo, o Escriba, diariamente arrostava para seus corolários reduzir!

 

Co’licença!
Desta vez, quando a voz soou
Carregava consigo um adeus tristonho
Pois, certamente, muitos dos seus sonhos
Seus esperançosos olhos não puderam contemplar

 

Ademais,
O nobre Escriba parte na certeza de que a juventude,
Aquela que caminha entorpecida e txilladamente adormecida,
Fará o transplante da chama da sua vigorosa veia pensante
Definindo caminhos e alternativas de resposta acertadas
Para travar desafios que aos seus pares atormentam
E conduzir a Pérola do Índico ao porto desejado
Onde prevaleçam o mérito, a verdade, a coesão e justiça social!

 

Ó nobre Escriba,
Co’licença!

 

Jota de JESUS - Janato

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