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terça-feira, 20 agosto 2019 08:50

Passo as noites nua... sem vestimenta

 

Agora percebo que toda esta imaginação que hoje vivo é uma realidade. Uma tormentosa realidade. Diferentemente do tempo em que eu era a rainha desta terra,  vivendo por cima de todo o chão. Desprezando as minhocas, pisando-as sem misericórdia, dizendo sem reservas que nada de mal me aconteceria. Mas no fundo eu era a Dambóia, irmã do Ngungunhana, semeando espinhos em todo o lado.

 

Estou abraçada, por não ter abrigo,  a uma rocha que me rasga as mãos até ao sangramento. Porém, paradoxalmente, tenho empregados e mordomos que se revezam diariamente neste palácio onde moro cercada de ouro e diamantes, sem falta de nada. Mesmo assim os temporais incessantes não me poupam. Varrem-me em cada passo que tento dar na fuga de mim mesmo. Sou um lagarto desesperado, na luta inglória pela escalada das lindas paredes da minha casa, debroadas de rubis.

 

Mas isto já não é casa. É uma clausura, onde passo as noites sem sentir o cheiro aspergido pelas alfazemas trazidas da Etiópia. Perdi o olfacto. Estou nua por dentro da alma, sem vestimenta, apesar das roupas confortáveis que agora não valem nada depois de tudo isto. Desdenho-me em todo o ser. Repugno-me. E pior do que isso, as cobras enchem-me o quarto em substituição do tapete de veludo que adquiri sem o merecer. O medo ri-se de mim, enquanto de longe, como cavaleiros do Faraó, desembucham sobre mim as gargalhadas dos mochos.

 

Estas noites não podem ser uma alucinação. Na verdade sou eu, sentindo a penetração das esporas nas minhas vísceras, obrigando-me a trotear em rodopio no seio da própria tormenta. Já não sou a raínha. Sou uma mulher estranha perante os empregadose mordomos que sempre me temeram. O meu palácio é sombrio. Assombrado. Meu corpo e minha alma não estão quentes nem frios. Estão mornos. É por isso que se aproxima de mim toda esta bicharada. Fui vomitada pela vida.

 

Pena que eu não tenha copiado da sabedoria da formiga, e hoje estou aqui sem provento. Vazia. Abandonada. Tenho comida para mim e para os cães, e sobras para o Lázaro, mas a minha fome não passa. No fundo estou morta. Sinto que meu nome descerá para sempre com a minha carcaça. Não restarão lembranças de mim para as crianças. Muitos aspirrarão de alívio ao receberem a notícia da minha morte. Beberão o champanhe que nunca me faltou. E muito mais para festejar aquilo que eles agora desejam ardentemente: que eu sucumba. Isso é que me fulmina o ser todos o dias, nesta vida em que já não olho para o relógio, cujos ponteiros morreram como eu.

 

 

terça-feira, 20 agosto 2019 06:00

Deixem o Nyusi preparar a sua vitória!

Nyongo & companhia é um problema de Ossufo Momade. Junta Militar da RENAMO é um problema da RENAMO. Não são assuntos da nação. São assuntos caseiros da RENAMO. São assuntos de indisciplina. São assuntos de falta de respeito entre generais do mesmo exercíto. São assuntos de hierarquia. 

 

Nyongo é um assunto intestinal característico da RENAMO. Não é um assunto para Nyusi viajar às matas da Gorongosa, procurar um tronco seco para sentar e tirar foto e negociar um novo Dê-Dê-Ere e um acordo de paz paralelo. Nyusi tem muita coisa para fazer, uma delas é preparar a sua campanha. 

 

Nyongo é um teste à diplomacia de Ossufo Momade. É um teste à capacidade de diálogo da RENAMO. É agora que Ossufo Momade deve mostrar o que aprendeu com Afonso Dhlakama. É agora que vamos saber quantos sapos Ossufo Momade consegue engolir.

 

Trabalho de Nyusi não é mediar traições nos casamentos, falta de pagamento de dízimos na igreja ou excesso de auto-golos no Moçambola. Nyusi não está disponível para qualquer vertebrado paulado. Este país não é só RENAMO e suas pancadas. Existem outros assuntos também pertinentes. Temos os insurgentes que precisam de mais atenção e análise. Temos a reconstrução pós-Idai que clama por mais sinergias. Temos uma parte do país a viver em 2040 que urge devolver. Temos leões virando veganos que precisam de um estudo sério. Temos o Chang que precisa de embarcar. Temos as eleições já à porta que necessitam de preparo. É tanta coisa urgente que deviamos deixar o Nyongo com o seu Momade.

 

Um coisa é certa: o slogan "com a FRELIMO e Nyusi Moçambique avança" nunca fez tanto sentido quanto está fazendo agora. O nível de desorganização da RENAMO é impressionante. A falta de agenda, então nem se fala. Quando a RENAMO não tem inimigos externos trata de arranjar internamente. Quando não tem pessoa para morder por perto, a RENAMO morde-se sozinha como um cão raivoso. 

 

Por incrível que pareça, a RENAMO não consegue aproveitar os piores momentos do seu adversário. Nem consegue aproveitar os excelentes quadros de que dispõe. Quanto mais bons quadros ganha, mais maluco fica. É pior que os Mambas. Pelo menos Mambas perdem no minuto 92. Esses perdem antes mesmo do jogo iniciar. Quando o adversário está a aquecer, eles já marcaram uma dúzia de auto-golos bonitos de calcanhar, de cabeça, de biscicleta, de ancas. Nunca vi gajos que não mudam. 

 

A RENAMO acredita que as dívidas ocultas vão votar a seu favor. A RENAMO pensa que decepcionar-se com a FRELIMO significa automaticamente voto para si. Puro engano! Procurem voto! Parem de atrapalhar e de se atrapalhar! Parem de fumar suruma molhada!

 

Entretenham-se com os Nyongos da vida, mas, faxavor, deixem o Nyusi preparar a sua vitória retumbante, asfixiante, qualquerizante, abusante e envergonhante!

 

- Co'licença!

Tenho a viva recordação de um empresário da praça a defender que a escolha de Armando Emílio Guebuza (AEG) para ser o Presidente da República foi acertada e mais ainda: AEG era da área ou tinha interesses empresariais que lhe conferia credenciais para catapultar a actividade económica do país, apostando nas reformas necessárias que AEG muito bem conhecia e que a CTA (Associação das Confederações Económicas de Moçambique) na altura reivindicava. Era "o homem certo para o lugar certo e no tempo certo" conforme dito pelo referido empresário. 
 
Corria o ano de 2003 e de tantos ouvi a mesma e efusiva opinião e acredito que muitos outros concordavam com o empresário que o país tomaria outros e melhores rumos. Que eu saiba a única voz que alinhou contra e deu a conhecer publicamente (anos antes) foi o Jornalista Carlos Cardoso. À favor ou não, a verdade é que AEG ficou dois mandatos na presidência e o balanço cabe a cada um fazer. 
 
Na altura que o empresário da praça falou da sua aposta em AEG dei por mim a pensar sobre o que eu conhecia de AEG. Lembro que me veio à cabeça várias coisas sobre ele fora a vertente empresarial e os cargos ministeriais. Recordara o facto de AEG ser considerado um político nato (talvez por conta de ter sido o comissário político-mor), o "Enfant terrible" de Samora Machel (que o nomeou Ministro Sem Pasta), o "24/20" (suposta medida tomada por ele contra os portugueses e estes tinham 24 horas e direito a 20 quilos de bagagem para abandonarem o país), um grande negociador (incluindo a negociação da Paz) e um "investigador", atendendo que chefiou a comissão de inquérito para apurar as causas do acidente de Mbuzini que vitimou Samora Machel e outros membros da sua comitiva. 
 
Neste texto vou debruçar sobre um percurso imaginário de AEG no caminho da presidência e quiçá ao encontro das expectativas do empresário da praça que apostou em AEG para a Ponta Vermelha, o palácio presidencial. A imaginação parte do princípio que AEG tem faro empresarial e que quis sempre ser Presidente (ninguém foi ter com ele a sugerir essa possibilidade). Acredito que para tal e no momento em que saiu do Parlamento (2000) iniciou a sua preparação efectiva e quando assumiu o cargo de Secretário-geral da Frelimo (2002) a preparação definitiva. (Temos que actualizar a linguagem que o vocabulário do processo de paz proporciona). 
 
Na minha imaginação ele iniciou tarde e pela via errada. No sonho que tive foi mais ou menos assim: AEG inicia a sua preparação efectiva para a Ponta Vermelha no dia 04 de Outubro de 1992 quando o Governo e a RENAMO assinaram o Acordo Geral de Paz, uma obra que teve a sua assinatura como chefe da equipe de negociação governamental. No intervalo entre o AGP e as primeiras eleições (1994) AEG escreveu e lançou dois livros: um sobre a arte de negociar a paz e como o fez até ao dia da assinatura em Roma. E o outro sobre a sua visão do que o país devia fazer para ser pujante e relevante no concerto das nações, em particular a nível regional. Ter sido Ministro dos Transportes e Comunicações constituía uma mais-valia.
 
Em Janeiro de 1995, na data (20) do seu aniversário, AEG convocou uma conferência de imprensa para anunciar que abandonava a política e que passava a dedicar 100% do seu tempo ao mundo empresarial. Na conferência anuncia também que se candidataria para presidir a CTA. No mesmo ano assume os destinos da CTA (início da preparação definitiva a caminho da presidência), deixando o cargo quando assume o de Presidente da República de Moçambique em Fevereiro de 2005. O mesmo ano e real em que assumiu o cargo. 
 
Nos dez anos em que esteve ao leme da CTA, AEG granjeou simpatia e respeito da classe empresarial nacional e internacional e dos moçambicanos, em geral, por conta dos resultados do seu trabalho quer a nível da CTA quer das suas empresas que se distribuíam por todo o território nacional, empregando milhares de moçambicanos. Em pouco tempo e para um país que acabava de sair de uma guerra o nível da actividade económica era mais do que satisfatório. Nem o Banco Mundial (BM) conseguiu na altura desregulamentar o sector do caju por conta da defesa enérgica de AEG, salvando milhares de empregos e das vilas/cidades que dependiam totalmente (ou quase) da indústria do caju. 
 
Por ter livrado a indústria nacional do caju das garras neoliberais do BM e o precedente criado tornaram AEG numa referência e premiado a nível internacional em reconhecimento da sua luta e defesa pelos interesses económicos dos países considerados pobres e em desenvolvimento. Na altura e a nível nacional os níveis de popularidade de AEG superavam aos de Samora Machel e aos da voz de João de Sousa (jornalista e relator desportivo, sobretudo futebol, da Rádio Moçambique). Foi mais ou menos neste quadro que AEG, em Janeiro de 2004, volta à vida política para concorrer ao cargo de Presidente da República pelo seu partido. Em Dezembro de 2004 AEG ganha as eleições e foi felicitado e desejado boa sorte pelo Presidente da RENAMO que até reconheceu que as eleições foram credíveis, justas e transparentes. 
 
A bagagem dos dez anos fora da vida activa partidária, parlamentar e governamental trouxeram reformas e inovadoras abordagens para esses espaços. O símbolo das mudanças foi a composição do novo Conselho de Ministros (CM): estava no CM a nata do que o país tinha do melhor e o critério partidário e das quotas não foi tido e nem achado. Ficou célebre uma frase dele numa sessão do Comité Central quando foram questionadas as suas escolhas para o governo: " Não se fazem omeletes sem ovos e os melhores ovos são sempre os do vizinho". 
 
Para AEG os objectivos do manifesto do seu partido ultrapassavam a dimensão partidária e persegui-los só com os melhores do país, incluindo os melhores do seu partido. Nos dois mandatos de AEG o país passou para o nível de desenvolvimento médio. Por isto e justamente Moçambique foi considerado a Pérola do Índico.  
 
Tempos depois de passar o testemunho ao novo presidente, AEG anunciou - numa conferência de imprensa convocada a propósito - a sua saída irrevogável da vida política. Nessa ocasião lançou um outro livro com o título "Pensei, fiz e não sei se consegui" que era praticamente uma resposta ao seu livro anterior sobre a sua visão do que o país devia fazer depois do alcance da paz em 1992 e da realização das primeiras eleições em 1994. 
 
AEG ainda aproveitou a conferência de imprensa para anunciar a criação de uma fundação com o seu nome cujo core-business era a descoberta e apoio de jovens "Enfant terrible", pois ele acreditava que são estes que mudam e dão rumo digno ao país. E assim foi o fim de um outro e imaginário percurso de AEG no caminho da presidência.
 
PS: para quem estiver a questionar o que foi feito do empresário da praça que falei no início do texto segue a resposta: ele foi quem substituiu AEG nos destinos da CTA e também na Presidência da República, concorrendo como independente e com o apoio declarado do seu antecessor. Eram novos e democráticos tempos por obra do percurso imaginário de AEG. E como sabemos não foi o percurso seguido por AEG para chegar ao cargo mais alto do país. Por ventura o resultado da sua presidência, incluindo o seu sucessor e a proliferação de lobistas no lugar de empresários responde aos meandros do percurso real por ele seguido.

Matematicamente falando, todos nós contribuímos para o bem-estar emocional dos nossos gatunos. Graças às dívidas ocultas, os nossos gatunos de estimação conseguiram boas mulheres. Boas damas. Muitos até casaram. Para ser mais franco, todos nós financiamos a felicidade destes compatriotas. 

 

Financiamos, com dois bilhões e meio de "galinhas", a compra de Bi-Eme-Dablius, Mercedezes, Rolls Royces, Maserates, Ferraris, etecetera, para as "beibis" dos nossos estimados gatunos. Isso sem contar com aluguer de jactos e mansões para "férias" e lobolos. É bem possível que sem aqueles dólares o "love" não acontecesse. 

 

Então, é bom que vocês, nossas cunhadas de estimação, nunca se esqueçam de nós. A malta também é da família. A malta é a peça fundamental das vossas paixões milionárias. Esses "Bi-Eme-Dablius" modelo "Eksi-six", essas mansões, essas roupas, aquelas viagens, aqueles lobolos cheios de cerejas que vos deram de presente saíram dos nossos bolsos. Aliás, ainda estão a sair dos nossos bolsos... à força. Não estamos a conseguir pagar, mas, pelo bem-estar emocional dos nossos gatunos, estamos a pagar assim mesmo à rasca. 

 

Por isso, exigimos mais respeito de vocês nossas cunhadas. Quando encontrarem a vovó Aissa no mercado do Fajardo, com sacos de alface e couve na cabeça, parem e deem-lhe uma boleia nesse Bi-Eme. É uma das contribuintes da vossa felicidade. Está a rochar para pagar essa viatura aí. Não se façam tipo não sabem! 

 

Os filhos que nasceram e os que vão nascer desse namoro financiado pelo povo são nossos sobrinhos também. Ensinem-lhes a nos respeitarem também. Somos todos primos, titios e avôs deles. Estamos todos a pagar as mensalidades dos colégios deles. Tivemos que deixar os nossos filhos em baixo das árvores para pagarmos os ar-condicionados desses nossos sobrinhos de estimação. Somos muito generosos. 

 

O povo merece uma tatuagem nas vossas coxas. Compramos ambientes climatizados e jantares afrodisíacos. Compramos colchões medicinais e cobertores macios. Compramos enzoys e gonazololos. Compramos de tudo para proporcionarmos noites mágicas. Podemos dizer com firmeza que somos os donos dos vossos orgasmos. 

 

A factura é altíssima. Uma factura de umas dívidas ocultas sexualmente transmissíveis. Dói. Dói, mas vale a pena. A felicidade destes gatunos é um imperativo nacional, e nós fizemos a nossa parte.

 

- Co’licença!

quarta-feira, 14 agosto 2019 06:23

Coisas que só os amigos de Ndambi podem explicar

Juro! Eu gostaria de saber qual é a sensação de receber de presente um Ferrari, um Rolls Royce, um Range Rover, um Maserati, por exemplo. Juro que eu dava tudo para ter ideia dessa sensação. Meninas! Ndambi ofereceu à sua companheira um "Bi-Emi-Dabliu" modelo "Eksi-seis" que custa nem-vale-a-pena-falar-disso. Aposto que agora chamei a vossa atenção... agora vocês também estão curiosas em saber como é que uma mulher se sente quando recebe esse feitio de presentes. Mas, feliz ou infelizmente, são daquelas sensações impares que só os presenteados podem descrever. Garanto, desde já, que não é a mesma sensação de receber um crédito de 20 da Tê-Eme-Cel. 
 
 
Na verdade, a minha curiosidade não é a simples sensação de receber um carrão de presente, mas - sim - a de saber que o carrão está sendo ofertado por um vivente que eu próprio sei que não tem rendimentos que justifiquem tal ostentação. Quer dizer, qual é o sentimento de receber um presente que custa uma dinheirama de um amigo que eu próprio sei que o gajo respira, come e caga à custa da sorte de ser filho de um presidente de um país pobre? Assim do nada um gajo acorda e começa a doar máquinas que custam cerca de 20 milhões de Changs cada aos seus amigos. Um gajo que eu sei que não é nem Baloteli, nem Neymar, nem Floyd e nem ganhou nenhum "jackpot". Nada contra os que aceitaram, talvez eu fosse receber também, mas eu apenas quero ter uma ideia do que vem na alma nesse momento.
 
 
Diz-se "obrigado" a esse tipo de ofertas? E quando se chega à casa o que se diz aos pais? "Pai, vem cá ver este 'Bi-Emi-Dabliu' que Ndambi me ofereceu hoje. Ele também disse que vai me oferecer um Rolls Royce amanhã". E o cota todo contente: "hiii, awena, filha, esse Ndambi é um bom menino... saiu ao pai!". 
 
 
Só estou a tentar entender as coisas. Talvez a minha pobrice me impede de ter uma mente mais aberta. Gostaria de ser amigo de Ndambi para poder sentir aquilo que os amigos dele sentiram ao receberem um presente caro de um gajo improdutivo.
 
 
Tia Biatriz, podia ajudar nisso. Chamar esses bradas para nos contarem, na primeira pessoa, o arrepio que sentiram.
 
 
- Co'licença!
terça-feira, 13 agosto 2019 13:25

O silêncio também é um sismo

Queria escrever-te uma carta de amor, daqui onde me encontro contemplando o mar da minha imaginação, mas estou  vazio por dentro, encharcado pela demora do teu beijo. Estou por de cima da calçada. Desesperado. Ardem-me por dentro as palavras sufocadas neste caminho que já não sei para onde vai. Quero gritar e sinto medo do desiquilíbrio. Faltam os carrimões,  e não tenho nada nas mãos senão o formigueiro criado pelas incertezas. Se eu cair para este lado, serei devorado pelas chamas. Se cair para aquele lado, a almofada do meu corpo serão os corpos frios das serpentes. E agora, meu amor!

 

Este silêncio está-se tornando um sismo. Cada vez que tento a repetição das canções buriladas pela solidão, para ver se espanto  a ansiedade que me caustica, a minha voz vacila mais profundamente. Não oiço nada. Nem o murmúrio do mar. Nem o vacalizar inaudível do meu próprio coração. Nem nada. O que sinto são as espigas de aço. Perfurando-me. Danificando-me a alma ardente do teu amor. Acho que tudo isto é a chegada do fim.

 

Não saio da calçada. Não consigo sair. Cada vez que tento, aumentam as labaredas do silêncio que me lavra. Sem misericórdia. Vejo os corvos rindo-se de mim neste momento em que desejo escrever-te a carta que pode ser a derradeira. Não oiço nada, meu amor. Nem o cantar sinistro do vento que muda o rumo das gaivotas. Mas eu mantenho nas mãos o papel e a caneta, sem a certeza de nada. Aliás a única certeza que tenho é de que vou ruir. Essa é a única certeza que eu tenho.

 

Meu amor! Até o blues, que sempre me fortificou em noites de medo, silenciou-se. Era o blues que me inspirava, e agora não consigo escrever nada. Nem uma carta para ti. Estou aqui de cócoras, como um guarda-redes de hóquei em patins, e o meu stick é a caneta que trago numa mão,  entretanto sem conseguir riscar o papel que seguro noutra mão. Tremo nos fundamentos do meu ser. O vento está quase a derrubar-me. Sibila as estrofes do inferno, com garrafas explodindo sangue no lugar de champanhe.

 

E agora, meu amor! Agora que o silêncio se transformou em sismo! E agora! Resta-me esperar pelo destino que o vento vai-me dar. Se me empurrar para este lado, serei devorado pelo fogo. Se me empurrar para aquele lado, também serei devorado pelo fogo. O pior é que nem posso fugir.

 

Meu amor!