Eu acho que, em condições normais, cada actor do processo eleitoral tem as suas tarefas e, por isso, as suas responsabilidades. As tarefas são tão distintas que não se misturam e nem se confundem.
Aos órgãos de gestão eleitoral - no nosso caso, a Cê-Ene-É e o STAE - por exemplo, cabe-lhes a tarefa de gerir todo o processo. São eles que organizam e monitoram as eleições. São eles que devem garantir a qualidade e a ética no processo. Dito mais barato, é dever deles evitarem fraudes.
Os candidatos e os partidos políticos são simples concorrentes. A sua responsabilidade no processo é de legalizar a sua candidatura, como manda a lei, promover o seu manifesto eleitoral e mobilizar simpatizantes. Ou seja, vender o seu peixe para conquistar votos.
A tarefa dos eleitores é legalizarem o seu direito de votar junto dos órgãos de gestão eleitoral, ouvirem os manifestos eleitorais dos partidos políticos, ajudarem - de livre e espontânea vontade - os seus partidos a promoverem os seus manifestos eleitorais e, no dia da votação, escolherem o candidato e/ou o partido que quiserem.
A Polícia tem o dever de garantir a ordem e tranquilidade ao processo. Quando a segurança está em causa, a Polícia é accionada pelos órgãos de gestão eleitoral locais no sentido de normalizar a situação.
Quando os candidatos ou partidos políticos notarem uma violação ou ilícito eleitoral grave, levam o caso aos tribunais locais existentes. Os tribunais julgam o caso - sem pressão interna ou externa - segundo a lei.
O Conselho Constitucional tem a última palavra sobre o processo. Dependendo da informação factual que tem, o Cê-Cê pode validar ou não os resultados apurados pelos órgãos de gestão eleitoral.
E os observadores eleitorais, qual é o seu papel? Resposta: observar, e ponto final. Observação eleitoral é observação mesmo, no verdadeiro sentido da palavra. O trabalho de um observador eleitoral (a sociedade civil) é como o de uma câmera de vigilância que se coloca no portão de uma residência. Cabe a câmera observar e gravar tudo o que acontece dentro do ângulo e direcção em que ela foi montada. Querendo, o proprietário pode ver o vídeo do que aconteceu no seu portão nas últimas 24 horas. E a câmera vai mostrar quem entrou e quem saiu, com "quem" ou "o quê" entrou e saiu e a que horas. O vídeo vai mostrar um ladrão a envadir o portão e a tirar televisores de dentro, mas não vai pegar o ladrão porque não é sua responsabilidade. Se o proprietário quiser pegar ladrões, compra um bulldog ou contrata malta Dgi-Fô-Esse.
Então, não é responsabilidade do observador eleitoral pegar e algemar pessoas que cometem crimes ou ilícitos eleitorais. Cabe-lhe relatar o que viu ou ouviu com factos. Querendo ou dependendo da gravidade e veracidade dos factos, os órgãos de gestão eleitoral ou o Conselho Constitucional pode usar essa informação para sustentar as suas decisões.
O jornalista reporta os acontecimentos que estão a acontecer durante o processo mediante as evidências que tem. O jornalista fala dos factos ao público. Se vir alguém a cometer um ilícito eleitoral, ele pode filmar ou fotografar ou sei-lá para em seguida reportar ao seu público como tudo aconteceu. Também não cabe ao jornalista algemar ladrões de voto. Quem faz isso é a Polícia.
Se for a reparar com alguma atenção, vai notar que em Moçambique tudo e todos se misturam. Em nome da DESCONFIANÇA - sublinhe-se "desconfiança" - está tudo um caos. Todos querem gerir o processo, todos querem fazer campanha, todos querem julgar, todos querem algemar, todos querem observar e todos querem reportar. Ou seja, todos estão em todo o lado. Todos querem fazer tudo.
A FRELIMO, a RENAMO, o Eme-Dê-Eme, a Pê-Ere-Eme, a sociedade civil, os jornalistas, os juízes, os padres, os pastores, os sheiks, os bispos, etecetera, etecetera, estão todos na Cê-Ene-É a gerirem os processos eleitorais. Em nome da DESCONFIANÇA, todas as equipas enviaram alguém à FIFA para ver as coisas de perto e evitar batotas. Em nome da DESCONFIANÇA, as duas equipas em campo têm seus homens na equipa de arbitragem em campo e na equipa do vídeo árbitro.
Hoje em dia já não se entende quando se diz Comissão Nacional de Eleições. Já não se sabe a quem se refere. É que a Cê-Ene-É são todos. Dizer que a Cê-Ene-É orquestrou a fraude é dar um tiro no próprio pé. Culpar a Cê-Ene-É é culpar-se a si mesmo.
A culpa é do sistema eleitoral que é obsoleto. Este sistema eleitoral não serve para nada. Um sistema eleitoral onde todos os concorrentes gerem não é sustentável. Um sistema eleitoral assim torna-se cada dia mais suspeito. Um sistema eleitoral assim é uma autêntica farsa. Ela própria é uma fraude. Ninguém pode alegar falta de transparência nas decisões da Cê-Ene-É ou do Cê-Cê porque todos estão lá.
A cada pleito temos uma nova lei eleitoral que só serve para enfiar mais membros ou na Cê-Ene-É ou no Cê-Cê e etecetera. Ninguém tem a coragem de debater o sistema eleitoral em si. O nosso sistema eleitoral é uma vaca leiteira. É uma estrutura montada para acalentar estômagos partidários. Uma geringonça criada pela FRELIMO e alimentada pela RENAMO para acomodar as suas panças e fazerem das eleições um teatro mal ensaiado.
Não me espantarei, se na próxima lei eleitoral a RENAMO proponha a colocação dos seus membros na Rádio Moçambique, na Televisão de Moçambique e no jornal Notícias.
Mesmo que os resultados sejam invalidados pelo Cê-Cê e a eleição seja repetida, não vai mudar nada. O problema não é o Abdul Carimo, não é Nyusi, não é Ossufo, não é a Polícia, não são os Eme-Eme-Vês, não são os observadores nem jornalistas. O problema é o sistema eleitoral no seu todo. Não é funcional. É um sistema de tacho.
Para a credibilização do processo eleitoral é imperioso que o sistema seja profissionalizado. É claro que a FRELIMO não está "bizi" com isso, mas também a RENAMO não quer discutir o assunto. Neste quinquénio a RENAMO se preocupou em discutir apenas a descentralização, ou seja, a eleição de governadores, e nos próximos 5 anos estará entretida com a eleição de administradores distritais. Com este sistema eleitoral obsoleto isso não vai mudar nada. A FRELIMO continuará com as suas retumbâncias eleitorais. É ela que tem mais padrinhos na cozinha.
Espero ter sido entendido.
- Co'licença!