Ontem, para lograr entrar em Palma, os “insurgentes” usaram uma tática. Bloquearam o cruzamento de Pundanhar para impedir que as FDS se reforçassem com tropa instalada em Mueda e atacaram a aldeia de Manguna. Porquê Manguna? Porque daqui o único sentido de refúgio da população seria correr em debandada para Palma. Desde há uns meses que Palma é quase que uma vila e sitiada – e só entra lá quem tenha consigo uma espécie de “guia de marcha”. Com tiros no ar e gente em fuga, esses procedimentos são letra morta.
Foi justamente isso que aconteceu. Por volta das 16 horas, os atacados de Manguna estavam a chegar a Palma com suas trouxas. Era uma situação de emergência...Devido ao ataque, as FSD foram mobilizadas para Manguna, deixando Palma de portas abertas e com proteção diminuída. Os terroristas tinham-se infiltrado no seio dos fugitivos de Manguna, entrando também em Palma com suas mochilas armadas. Dentro de Palma, abriram as mochilas, sacaram das armas e desataram a atacar alvos militares e civis.
O centro dos combates localizou-se na zona da Igreja Católica. Desconhece-se ainda a magnitude dos danos e perdas humanas e de um propalado ataque ao balcão do BCI. Ontem, por volta das 16 horas, a rede da Vodacom foi cortada. Tudo feito milimetricamente. Houve disparos contra a uma avioneta que descia para o aeródromo local.
Hoje, por volta das 10 horas da manhã, quem estivesse refugiado no principal hotel da cidade (que possui um heliporto) podia ouvir tiros dispersos. Estima-se que pouco mais de 100 terroristas estiveram envolvidos neste ataque, cujas características mostram que foi planeado com muita antecedência e... inteligência militar.
Os mercenários da DAG foram envolvidos nos combates, lançando bombas contra os terroristas. Hoje, um helicóptero da DAG, de 6 lugares, começou a evacuar as cerca de 200 pessoas que receberam a guarda do referido hotel para o acampamento da Total em Afungi. São os expatriados quem tem acesso aos voos, mas também moçambicanos funcionários da banca. Esta tarde, o exército mandou reforços de Maputo para Palma, incluindo fuzileiros navais. Carta obteve estes detalhes de várias fontes. (M. Mosse)
É do conhecimento de que “tempo é dinheiro” e por isso é também sabido de que é necessário “correr para ganhar tempo”. Neste entendimento, aposto que quem tenha ganho mais tempo terá tirado mais vantagens para lograr os seus objectivos pessoais e até corporativos. Concorda? Eu concordo e faz muito sentido. Aliás, e para citar um exemplo corriqueiro, a ambulância quanto menos tempo perde no trânsito, mais tempo sobra para salvar o doente. Contudo, e como não há bela sem senão, também discordo e acho que o princípio não faz nenhum sentido quando o assunto são os governantes da Pérola do Índico. Já explico e vou ser breve porque preciso de ganhar tempo antes das 13 horas.
Desde que me conheço noto que os nossos governantes ganham muito tempo, tanto em afazeres do serviço como nos da vida privada. Por exemplo, e é só um cheirinho: eles não esperam; não ficam na fila; não “respeitam” os sinais de trânsito; nada começa sem a presença deles ( os outros que se atrasem ou gastem o tempo); e também nada acaba sem a saída deles. Alguém pode justificar de que este comportamento não é dos dirigentes, mas uma exigência do Protocolo do Estado. Tudo bem e acredito que o Protocolo do Estado tenha sido concebido no espírito de que “tempo é dinheiro” e de que os nossos dirigentes precisam de “correr para ganhar tempo” e assim poderem resolverem os problemas que apoquentam o povo que são muito e corpulentos. .
Dito isto, reitero que o princípio faz muito sentido, sobretudo em países subdesenvolvidos como o caso de Moçambique, justificando assim que os seus dirigentes precisem de mais tempo face aos problemas dos respectivos países. No entanto, infelizmente, e para fechar, também reitero que discordo e que o princípio não faz nenhum sentido, pois o tempo que é ganho (e que não é pouco) pelos dirigentes da Pérola do Índico não tem surtido o efeito (de desenvolvimento) desejado para o país. E isto, é caso para dizer: tempo ganho em vão!
PS: Aproveito a deixa do texto e partilho em seguida uma preocupação de uma amiga ocidental: ela não compreende como a África (Moçambique) é atrasada se no compasso da dança, o africano (moçambicano) acompanha sempre os passos no tempo certo da música. Talvez esteja aqui uma saída para o problema do “tempo ganho em vão”, pois não são mais ou menos minutos da música que são determinantes para o passo certo, mas sim que o passo seja (e bem) feito no tempo certo.
"Antes de ser um excelente profissional seja um bom ser humano" – Andreia Lecathy
Escrevo esta missiva numa altura em que a humanidade está diante de mais uma guerra mundial. Uma guerra bacteriana que está atacando a todas e a todos. Que mata sem piedade. Explode com a insanidade e alimenta a desumanidade. A Covid-19! Está a despir todos os sistemas de saúde.
As camas hospitalares já não chegam para os pacientes que a cada minuto e dia tendem aumentar e alguns morrem nas filas de hospitais ou à procura de oxigênio. Todos os dias famílias conhecidas e anónimas choram por um ou mais entes queridos "assassinados pelos canhões da Covid-19"… Precisamos ser conscientes para combater este inimigo comum.
Os médicos, os nossos anjos fiéis, soldados valentes. Com parcos recursos combatem dia e noite na linha do tiro. Travam batalhas épicas contra o maior aliado do anjo da morte da actualidade – a Covid-19. A grande esperança é salvar vidas, mas algumas se vão pela escassez de medicamentos, intensidade de actuação do vírus no organismo ou mesmo por chegada tardia nos locais de internamento e automedicação!
Os dias são difíceis. A incerteza de viver mais um dia agudiza-se. As condições de trabalho são milandrosas. A busca pela salvação de vidas, acaba terminando na contaminação de quem procura arduamente tirar os estilhaços do vírus do corpo dos infectados. Cuja algumas infecções ocorreram devido a estupidez humana, em não acreditar que a Covid-19 existe e mata.
Numa guerra como esta e sem fronteiras, os nossos maiores protectores são os médicos e outros trabalhadores do sector de saúde que dia e noite arriscam suas vidas para salvar as outras. Vê colegas tombarem nas matas hospitalares, mas mesmo assim não desistem. O "direito à vida" é o primeiro e universal, salvar vidas a cada dia é uma missão divina e da humanidade irreversível, irrecusável e filantrópica.
Os profissionais de saúde são na sua maioria, os mais altruístas, filantrópicos e empáticos do mundo, porque ajudam todos sem olhar a sua proveniência, cor da pele, partidária ou condição financeira – o importante é salvar vidas! Embora em certos momentos, a missão acaba sendo confundida por alguns com outros papéis nocivos a sociedade, como a corrupção, nepotismo e ligações com redes suciosas que alimentam o mercado negro do sector de saúde.
A Covid-19 despiu o sistema de saúde e as políticas de um sector que carece de reformas e investimentos em todos os países em que os dirigentes passaram anos renegado o seu papel na sociedade porque viajavam para outros países, onde gastavam para seu o plano de saúde e da família, o valor de um Posto de saúde organizado, condigno e em óptimas condições para servir uma comunidade.
"Depois" que a Covid-19 abrandar ou ser derrotada, o prémio nobel da paz deverá ser atribuído a Organização Mundial da Saúde (OMS) ou para alguém da classe, em representação de todos aqueles que sem provas de balas combateram abnegadamente nesta guerra mundial que eclodiu em Wuhan, na China em 2019 e infelizmente acabou se espalhando pelo mundo inteiro.
Os médicos derrotaram os profetas e negacionistas que nos últimos tempos alimentavam suas contas com promessas de curas de tudo até de resistir a morte. A pandemia demonstrou que os profissionais de saúde devem ser equipados como um exército devidamente treinado. Devem ser reconhecidos em todos aspectos sociais, culturais e económicos.
A Covid-19 provou que não existe uma vida mais valiosa que a outra. Que a maior conquista de um governo é a protecção da vida dos seus concidadãos perante uma invasão de um inimigo letal como a Covid-19.
As lutas travadas pelos médicos do meu país e do mundo merecem ser exaltadas e reconhecidas. Os médicos, enfermeiros, serventes e outros trabalhadores do sector da saúde são os nossos anjos fiéis e verdadeiros cultores da paz, não é por acaso que as cores de uniformes usadas por eles sejam brancas, azuis e verdes.
Ode aos nossos anjos fiéis!
Imperium magistratus valorem sanitas operarios samariam et obsidebat eam[2].
Sempre que venho cá fora, nos últimos dias, a sensação de que vivo no paraíso avoluma-se. Cada um tem o seu paraíso, ou o seu inferno, e eu moro nesta pequena casa sem muro de vedação, onde as plantas silvestres, por aqui chamadas de espinhosa, sempre bem podadas, é que me proporcionam a privacidade, cercando os meus aposentos. Sinto-me livre aqui, como estes pássaros que chegam e cantam todos os dias sem excepção, na copa das minhas árvores de fruta, canções indescritíveis e profundas.
Já abdiquei da televisão no período entre as cinco da madrugada e às oito. Gosto de ouvir rádio como o Fernando Manuel que agora vive de sons, mas nas manhãs desligo-o e nem escuto o Jornal da Manhã da Rádio Moçambique porque quero desfrutar da música dos pássaros que acordam em simultâneo com o raiar do sol. São eles que me trazem as lembranças do passado, as imagens de um tempo que não volta mais. Mas é este silêncio que me faz feliz, que me permite ouvir cada detalhe do crepitar dos cristais invisíveis da vida.
Marcelo Panguana tem participado, sem ele saber, na fortificação dos fundamentos da minha solidão. Quer dizer, o cântico das rolas que chegam a poisar no chão do meu quintal sem receio de mim ao entardecer, lembram-me o livro cujo título é “Como um louco ao fim da tarde”, do Panguana. E eu sempre repito sem me cansar esse verso para dentro de mim quando vejo aquelas aves tímidas no último voo para o repouso dos ninhos, “como é belo o cantar das rolas ao fim da tarde”! São estas imagens que dão sentido à minha vida, incluindo a luz intermitente dos pirilampos que inundam o meu espaço nas noites.
Houve tempos em que eu acordava e logo a seguir queria sair, entregar-me às ruas e às pessoas, andar por aí sem destino, sem me importar com o relógio, adorava a pândega. Porém, agora sou a antítese desse homem, quero estar apenas comigo e as minhas lucubrações sem fim. É verdade que cortaram-me as asas como ao belo “mugubani” de Salimo Mohamed, e eles pensavam que assim, sem as asas, desceria ao precipício das dores, metira! Eu tenho as asas por dentro. Tenazes. A solidão tornou-se para mim um importante trapézio, eleva-me ao infinito.
Ainda há dias chegou aqui a minha filha e disse, papá sempre sozinho! E eu respondi, não estou sozinha, minha filha! Não vês estes pássaros todos? Não ouves essas músicas maravilhosas que cantam para mim?
Estávamos na varanda, o melhor lugar da minha casa, assistindo às aves que saltitam de ramo em ramo, outras descendo para tomarem banho de areia num espectáculo que se renova todos os dias para gaúdio de mim. Outros pássaros beijam-se em celebração ao amor e eu digo para dentro de mim, como é lindo!
E eu nem dou pelo tempo a passar, estes momentos são tão envolventes e tão absorventes e tão inexplicáveis que não me oferecem outro caminho que não seja o de agradecer a dádiva de estar aqui, o resto não me interessa, nem a televisão, nem a rádio, nem os jornais, nem os smartfones. Basta-me este zoo!
No mês da poesia, ainda atónitos com a pandemia, com o flagelo e com a extinção de uma geração, duas referências culturais moçambicanas vão aniversariar. Mas isso, todos nós fazemos. Não seria novidade para ninguém. O detalhe está no percurso que palmilham, embalado pela poesia de 70 canções e 70 livros. Abraçar a longevidade, com a jovialidade e elegância aprimorada, a frescura mental intocada, com a cor da sombra da vida, com o talento que supera a pintura na representação das palavras e significados.
Do Hortêncio Langa tivemos, sempre, o consolo e o apego que vivem entre os acordes e a concórdia dos tons de um violão. Do Marcelo Panguana colheita de palavras reveladoras do mais nobre dos sentimentos, prazer da leitura e o rescrever da história contemporânea. Semear palavras para colher harmonia e tranquilidade de alma.
No sorteio de quem começa primeiro, meu instinto primitivo recorre ao Hortêncio Langa, o legendário músico e compositor, que surgiu para o mundo, uma semana antes do Marcelo Panguana. Na vida, por vezes, isso faz alguma diferença. Na arte, nem por isso. Marcelo Panguana, o cronista e escritor de tantas obras e revelações, encerra o mês da poesia. Estas idiossincrasias repercutem as obras da natureza, do artífice e da própria humanidade.
Cada um, a seu tempo e espaço, com a arte que lhes é peculiar, aprendeu a olhar para os céus, no despertar da alvorada e no raiar do entardecer, com a magia que captura nossas emoções e impulsiona nossos espíritos. Com eles, a nossa cultura ganhou e continua a ganhar outras tonalidades e argumentos. Se nunca tivessem existido, não seríamos tão gratos à fantasia dos sons e ao prazer de uma leitura fervorosa e empolgante.
Hortêncio chega aos 51 anos de carreira. Marcelo Panguana roça os 32 de estrada. Não são procedentes das mesmas fontes. Todavia, tiveram o amparo e respaldo familiar para se socorrerem da sua arte e talento.
Hortêncio Langa é originário de uma família de músicos natos. Seu irmão, Pedro Langa, mentor dos Ghorwane (juntamente com Zeca Lage e Roberto Chitsondzo), nome de um lago na sua terra natal, também me confidenciou, no ido ano de 1978, sobre como a família encontrou na música uma forma de expressar o que não conseguiria fazer de outra forma. Milagre, Hortêncio e Pedro são senhores de inegável percurso em bandas musicais. Hortêncio, em particular, palmilhou algumas tantas. O destaque deve ir para os Rebeldes do ritmo, Monomotapa, Alambique, entre muitas, das quais o próprio Hortêncio tem alguma dificuldade em identificar.
Ele iniciou com uma gaita-de-beiços. Gentilmente, oferecida por um auxiliar da sua mãe, ainda nos seus tenros cinco anos. Imagino que ele deve ter soprado, até à exaustão de seus diminutos pulmões, aquelas canções mais populares canções de Mandlakaze. Ou não fosse essa a mística da terra e do berço da intelectualidade e cultura. Porém, foi no Chibuto que ele se juntou à Wazimbo e Miguel Matsinhe, para fazerem os Rebeldes do Ritmo. Era a fase do aprendizado e não se coibiu de usar a viola de lata. Pelas mãos de José Mucavele, outro amigo de adolescência, a sua “Xighoghogwani” ganhou outra sonoridade nesse dedilhar quase erudito.
Na família e na sociedade eles beberam do melhor que a transição cultural e política poderia conferir. Filhos de enfermeiros que tiveram a perspicácia e a força telúrica de moldar seus talentos. Hortêncio se transferiu para o Maputo, ainda na juventude, para prosseguir seus estudos. No inevitável Chamanculo, eles reeditaram o trio de Chibuto. Recriaram os rebeldes com a capa de Geyser. Mas, este trio evolui e integrou um dos melhores solistas que este país alguma vez criou. Jaime Machatine, Jaiminho, do Monomotapa, começou como baterista e depois se converteu em viola solo, já noutras latitudes e ambientes. Deixou este mundo sem honra e nem glória.
Hortêncio Langa continua detentor de uma magnífica voz e de canções com invulgar simplicidade. Nessa imaculada carreira musical, Hortêncio fez ainda parte da tuna académica da Associação Académica de Lourenço Marques, tocando viola e bandolim. Esteve na tropa colonial, cidade de Nampula, no começo dos anos 70, e integrou o Grupo 2, tocando de forma esporádica com a banda Alta Dimensão, que integrava o mítico João Paulo. Ele virou e honrou Moçambique, dedilhou sua guitarra em palcos de Cuba, Jamaica, e Guiana, para além das Europas. Com João Cabaço, esse monstro musical, Hortêncio atingiu o apogeu da carreira. Necessário fazer referência à Arão Litsure, pois, existiu um Trio Hortêncio-Arão-João. Antes Arão e Hortêncio foram um Duo.
O Marcelo Panguana tem outros atributos. Cronista, poeta, autor de contos e jornalista. Não é originário de Mandlakaze, mas de Lourenço Marques. Marcelo tem uma lista longa de publicações. Isso lhe valeu prémios de reconhecimento na Itália e no Brasil, com destaque para a medalha de ouro da Fundação Roberto Marinho. Foi, igualmente, prémio literário Rui de Noronha, e menção honrosa no prémio Sonangol de literatura, em 2011, com a obra “O filho do planalto”.
Quem olha para aquele corpo franzino e a irreverência de um arrojado escritor, jamais poderá acreditar que ele transporta tamanha longevidade. 70 caminhadas por tantos livros e textos avulsos. Diz-se que Marcelo escreve desde que conheceu as primeiras letras do alfabeto. Não sei quais devem ter sido seus escritos originais, mas, a página literária “Diálogo” do Diário de Moçambique, foi onde começou a amadurecer a sua escrita e ousadia para se afirmar. O primo Marçal achava que a tropa o assustou e lá fez seus primeiros textos mais conseguidos. No Maputo, integra a “Charrua” e esse homogéneo grupo de jovens que assegurou a continuidade da literatura Moçambicana.
Mas o Marcelo Panguana deveria ser um alquimista. Estudou química no longínquo 1971, tendo interrompido para integrar o serviço militar. Este alquimismo não o abandonou e, uma vez mais, em 1976, volta a matricular-se num curso de refinação de petróleos. Sonhava já com o gás de Panda e de Palma.
Mas, Marcelo Panguana, também, se assumiu como crítico literário. Aquilo que mais e melhor ajudaria a literatura deste país. Não imagino que o faça por força de vontade, mas, esta crítica fica implícita nos seus livros. Aí, ele faz questão de criticar as obras, e de valorizar cada um dos escritores moçambicanos. Parece, e bem, que, como São Tomas de Aquino, se imagine que todos ainda seremos muito poucos, para levar para a frente esta tarefa de escrever e recriar a história e a fantasia de Moçambique.
Nessa longa lista de livros quis saber qual era o seu livro preferido. Gentilmente, diz que os filhos são todos iguais e merecem, dos pais, o mesmo tratamento. Mas, são os leitores que o devem fazer. “As Vozes que Falam de Verdade”, contos editados pela Associação de Escritores Moçambicanos, em 1987, simbolizam a sua aparição em livro e, talvez por isso, Marcelo fale sempre deste livro com um carinho especial. Na analogia de pais e filhos, este foi o seu primeiro filho. Mas, as opções terão de navegar entre a “Balada dos Deuses”, “Estórias de Reconciliação”, “Fazedores da Alma”, “O Chão das Coisas”, “Os Ossos do Ngungunhana”, “Como um Louco no fim da Tarde”, “Leona, a Filha do Silêncio”, “O Filho do Planalto”, “Conversas do Fim do Mundo”, “O Vagabundo da Pátria” e “Escrever a Terra”, seu último livro publicado. Contudo, diz ter um carinho especial por “Leona, a Filha do Silêncio” e por “O Chão das Coisas”.
Marcelo Panguana escreve com a regularidade de um tempo que foi nosso. Esse tempo único e inquestionável. Entende a exiguidade e as carências, a ausência de estímulos, os egoísmos e as artimanhas do mercado livreiro, ainda assim, ele coloca o seu humanismo e solidariedade, para partilhar tudo o que tem para ajudar o próximo. Para celebrar o 70º aniversário, ainda nos poderá surpreender com mais alguma obra. A literatura agradece e os leitores terão a oportunidade de o felicitar de forma dupla. (Jorge Ferrão)
No dia 11 de Março de 2021 passou precisamente um ano desde que a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou o novo surto de coronavírus (COVID-19) como uma pandemia. Há um ano, o mundo tal como o conhecemos e as nossas rotinas diárias foram perturbadas de um dia para o outro numa escala sem precedentes. Num esforço para travar a propagação, os governos de todo o mundo puseram em prática confinamentos, encerramento de locais de trabalho e de instituições de ensino, entre outras medidas de distanciamento social. Quase imediatamente, por um lado, se tornou muito claro que ninguém era imune ao vírus, e por outro, o mesmo virus era também um grande desestabilizador de muitas trajetórias socioeconómicas, de desenvolvimento e da agenda de justiça social, e mais letal para a nossa missão de promoção de igualdade de género. Em muitos aspectos, a pandemia expôs as nossas deficiências na busca de um mundo mais justo e equitativo.
Para muitas de nós no movimento feminino, 2020 era suposto ser um ano de celebração e comemoração, uma vez que se assinalaram marcos significativos de lutas duramente conquistadas: o 25º aniversário da Declaração e Plataforma de Acção de Pequim e o 20º aniversário da Resolução 1325 do Conselho de Segurança das Nações Unidas (UNSCR 1325) sobre Mulheres, Paz e Segurança (WPS – na sigla em inglês, Women, Peace and Security). Em África, 2020 marcou também o início da nova Década da Inclusão Financeira e Económica das Mulheres. Apesar de, na maioria das vezes, não termos estado fisicamente juntos, não permitimos que esta oportunidade fosse perdida. Durante o ano passado, realizaram-se inúmeras reuniões e consultas on-line e varias publicações. Alguns podem mesmo afirmar que a mudança para o espaço virtual permitiu a realização de ainda mais actividades, uma vez que já não precisávamos de passar tempo a obter vistos, a embarcar em voos, e a correr fisicamente de e para reuniões. Ao mesmo tempo, estas actividades constituíram uma oportunidade de inclusão de participantes de todo o continente.
No entanto, ao reflectirmos e comemorarmos as diferentes realizações e os contínuos bloqueios, tornou-se evidente que ainda não estamos onde queremos estar em termos de igualdade de género. Pelo contrário, a pandemia obrigou-nos a retroceder ainda mais nos nossos esforços para alcançar a igualdade de género. Foi amplamente documentado como a pandemia teve impacto acentuado e desproporcional nas mulheres e raparigas/meninas; aumento dos incidentes de violência contra mulheres e raparigas (VAWG - na sigla em inglês, Violence against Women and Girls) e violência baseada no género (VBG); aumento no encargo de cuidados; aumento do risco de contrair o Covid-19 em virtude de a maioria dos profissionais da saúde serem mulheres; incapacidade de aceder a serviços de saúde sexual e reprodutiva; colapso de empresas de mulheres e elevadas taxas de desemprego. Esta realidade é ainda pior para as mulheres e raparigas migrantes, as que vivem em zonas afectadas por conflitos e as que vivem em situação de extrema pobreza.
Ao celebrarmos o Dia Internacional da Mulher na segunda-feira, 8 de Março, no contexto da segunda (ou mesmo terceira) onda da pandemia, temos de estar conscientes desta realidade muito dramática e intensificarmos o nosso foco na defesa da igualdade de género.
Desde o dia 22 de Fevereiro de 2021, a OMS informou que 47 dos 54 países africanos foram afectados pela pandemia; 2 775 625 casos foram registados; e 70 595 mortes foram reportadas. Isto significa que ainda não estamos fora do perigo e que ainda somos confrontados com muitos desafios, nomeadamente:
Embora o quadro que acaba de ser delineado seja sombrio, não devemos perder de vista as oportunidades:
Não devemos permitir que a pandemia desenraíze e remova todos os ganhos de igualdade de género conquistados verdadeiramente com trabalho árduo ao longo das últimas duas décadas e mais. Temos de aproveitar estas oportunidades para assegurar que, daqui a uma década, não estejamos a reflectir sobre mais 10 anos de não cumprimento dos nossos compromissos.
Em conclusão, um mundo pós-pandemia em que as mulheres, crianças e adolescentes sobrevivem e prosperam exige compromissos ousados. Temos de trabalhar no sentido de construir ligações inteligentes entre as nossas várias agendas, concentrarmo-nos na justiça social e igualdade em tudo o que fazemos, e lutar por um mundo mais pacífico e igualitário. É para o benefício de todas as pessoas. E, francamente, não temos mais tempo a perder. A este respeito, continuo a reiterar o apelo que fizemos em 2020: (i) atribuição de recursos de resposta deve ser duplamente centrada nas necessidades imediatas da gestão da Covid-19 e, simultaneamente, no futuro, para (ii) desmantelar as barreiras estruturais e sistémicas que reforçam a desigualdade e a privação de direitos. Foi-nos apresentada a oportunidade de reimaginar e redesenhar a nossa sociedade numa sociedade que seja vibrante e equitativa. Devemos colocar as mulheres no centro da resposta.
Graça Machel