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quarta-feira, 28 abril 2021 06:49

Querem esconder mais o quê?

Emanuel Macron convidou Nyusi para uma conversa em Paris à margem da Cimeira França/Africa. O assunto é Cabo Delgado. Encurralado num colete de forças, Nyusi uma opção: aceitar a intervenção da força da SADC já, antecipando-se a qualquer oferta francesa de intervenção militar. Trata-se de uma força regional e não do exército de um único país metendo suas patas cá dentro. Neste momento, argumentos tipo protecção da soberania ja não servem. Essa toda "soberania" ja foi oferecida de bandeja ao senhor Dyck, o velho mercenário a quem confiaram a defesa dessa soberania. Depois do ataque a Palma, ele se pôs a vender para o mundo toda a informação sobre nosso miserável exército e sua cúpula.

O argumento de uma  possível corrosão da soberania (e de implicações nefastas)   caso Moçambique aceite o apoio militar estrangeiro (presença física no teatro de operações em Cabo Delgado) não me entra. Falta gelo e limão. Aliás, foi/é por conta da defesa da integridade da soberania nacional que os países recorrem a este tipo de ajuda. Quem assim age, certamente que não o faz de ânimo leve ou por mera imposição de terceiros, mas sim decorrente do reconhececimento da própria incapacidade de per si  poder lidar com o problema, no caso (Moçambique), a insurgência terrorista em Cabo Delgado.

 

Todavia, é compreensivel os receios de uma presença física militar estrangeira, em particular o receio de que uma vez no terreno, a dita força  estrangeira   não saia mais e nem o problema é resolvido e até é agravado. Em alguns países africanos, também flagelados com o terrorismo, a presença militar da França é um exemplo, e muito citado, disso. Contudo, em contra-mão, embora em contextos diferentes, cito a presença militar do Zimbabwe em Moçambique e até a de Cuba em Angola que estiveram no terreno e sairam. A menos que o receio seja o da presença física de grandes potências (França e EUA), mas, no final do dia, mesmo a presença militar de países com menor poderio militar não retira o ónus de uma presença militar estrangeira. Ademais, e ainda  a propósito da corrosão da soberania, correm décadas que o país corrói deliberadamente a sua soberania por coisas (aparentemente) menores, comparadas com a guerra, quando solicita e recebe, sob certos condicionalismos (alguns arrepiantes), a ajuda externa de quem quer que seja.

 

Dito isto, e face a uma possível presença militar estrangeira, o problema que se coloca não é o da corrosão da soberania nacional, mas sim o da exposição da corrosão da nossa responsabilidade (política) por permitir que os problemas (graves)  que apoquentam  o país,  atinjam  níveis  cujas soluções requeiram a nossa sujeição a interesses de terceirios. Neste contexto, e para fechar, referir que a corrosão da soberania nacional é um problema instalado, antigo (e estrutural) e bem anterior ao terrorismo, ditando assim que uma provável  presença militar estrangeira em Moçambique (Cabo Delgado) seja apenas uma pura e natural consequência.  Aliás, foi notícia, na última semana de Março, a presença de mercenários estrangeiros (de uma empresa privada sul-africana) no rechaço do ataque  terrorista à vila de Palma.

Relaxa, camarada João Lourenço! Aqui relaxa-se. O melhor lugar do mundo para curtir umas férias é aqui. Aliás, aqui todo santo dia é dia de férias, feriado ou tolerância de ponto. Aqui trabalhar é pecado. Não entre na onda desses moçambicanos agitadores que dizem que o camarada devia ensinar alguma coisa ao nosso Presidente da República Filipe Nyusi. Não tente ensinar a trabalhar aqui. Não entre nessa. Vá por mim. 

 

Não tente ensinar como se caçam marimbondos daqui. Se tentar, não será bem-vindo. Marimbondos daqui não se caçam. Não são para matar. Aqui caça-se a quem trabalha. Se tiver que caçar, que sejam vendedores, operários e camponeses. 

 

Samora tentou caçar esses facínoras e pagou com a própria vida. Siba-Siba, Cardoso, Cistac (a lista é longa) também viraram de caçadores a presas de marimbondos. 

 

A Kroll chegou aqui tipo James Bond e voltou depenada no dia seguinte. O seu relatório de mais de uma centena de páginas foi revisado, corrigido e editado que sobraram apenas cinco faces de folha de papel onde a primeira página é capa; a segunda, acrónimos; a terceira, índice; a quarta, agradecimentos e; a quinta, ficha técnica. Um todo trabalho de uma equipa forense internacional renomada virou lixo.  Relaxa, senhor presidente, pois aqui a vida é essa mesmo: descansar. Aqui descansa-se. 

 

Quando se cansa de descansar, volta-se a descansar. É assim que se ganha dinheiro por aqui. Veja que aqueles nossos deputados que só sabem elogiar a gravata e o penteado dos seus chefes são muito bem pagos. Aqueles Juízes sem juízo estão a pedir aumento das suas mordomias. Veja que até os trabalhadores da EMATUM, aquela empresa que comprou pranchas de surf pensando que eram barcos, têm feito greve por falta de salários (numa situação normal, a greve seria por falta de trabalho). Dizia, não tente ensinar a eliminar os nossos marimbondos, por favor! Esses são de estimação escolhidos a dedo num "pet-shop" de luxo para fazerem "marimbondagem" nas nossas vidas. São muito nossos. 

 

Boas férias, camarada presidente!

 

Publicado em 13-12-2018

 

*Desde a primeira edição de Carta, em 22 de Novembro de 2018, o cronista Juma Aiuba impregnava nestas páginas o doce sabor da sua escrita. Sua morte abrupta foi um tremendo golpe. Para tentar manter sua voz viva, Carta decidiu reeditar semanalmente uma das suas crónicas. Seu perfume permanecerá vivo!

 

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quinta-feira, 22 abril 2021 06:33

Os bidões da morte e a milagrosa fuga do Abdala

 

"A coragem cresce com a ocasião" – William Shakespeare

 

Os terroristas de Cabo Delgado são impiedosos. Matam tudo que tem vida. Cair nas emboscadas deles é dizer adeus ao mundo dos vivos, mesmo quando nas bases deles a pessoa estiver na fila do interrogatório. Foi o que aconteceu com Abdala, um herói vivo que hoje vive atormentado na sua terra natal – Quelimane, depois de ter escapado das garras dos terroristas em finais de Fevereiro de 2021.

 

Abdala era motorista de uma companhia de transporte contratada pelas autoridades nacionais para distribuir produtos alimentares para diferentes regiões deste vasto e belo país – chamado Moçambique. Com o advento da guerra e a escassez de empresas que fornecessem serviços em distritos circunvizinhos dos assolados pela onda de terror que desde 2017 instalou-se em Cabo Delgado. A empresa teve um jackpot comercial – passou a transportar produtos alimentares para Mueda, Montepuez, Palma e arredores. Distritos que antes do ataque de 24 de Março a vila de Palma, acolhiam deslocados que fugiam dos outros pontos da província de Cabo Delgado.

 

Sucede que o patronato de Abdala fez-lhe uma proposta tentadora. Passar a transportar os produtos alimentares para os locais acima mencionados e que teria o dobro do salário. Abdala aceitou. Realizou a primeira, a segunda e a terceira viagem – todas elas com sucesso. O patronato estava satisfeito. Mais divisas engordavam as contas da empresa – afinal não era tarefa fácil – circular na zona de guerra com camiões transportando diversos produtos alimentares necessários e procurados por todos no planalto dos Macondes – onde devido a guerra e a desordem – a fome se instalou!

 

Com três viagens realizadas com sucesso. Abdala e os seus colegas não tiveram a mesma sorte na quarta viagem. Tudo começou na Cidade de Pemba, onde Abdala pretendiam levar alguns passageiros para seguir consigo o trajecto, nesta procura aparece uma mulher com quatro filhos menores pretendendo viajar para Palma, onde segundo ela, iria participar num funeral – Abdala não aceitou que a mesma seguisse viagem no camião, dirigido por si, alegadamente por que a estrada era perigosa (que tristemente, voltaram a cruzar-se no cativeiro, porque a mulher seguiu viagem num outro veículo que seria também emboscado e as pessoas raptadas. No cativeiro, a mulher viu os seus filhos serem esquartejados pelos terroristas por estarem a chorar sem parar logo que foram raptados por estes e levados para base – o responsável da base dos terroristas não teve piedade para aquelas crianças inocentes que estavam assustadas).

 

No dia do sequestro, Abdala seguia viagem no entroncamento da Estrada Nacional (EN 380) quando um homem armado e encapuzado parou no meio da via com uma bazuca (lança foguetes) nas costas apontando para a viatura – diante da ameaça, Abdala tentou fazer uma retaguarda para fugir da acção do terrorista, mas no mesmo instante surgiu um outro terrorista por detrás, apontando uma outra bazuca – mas o corajoso Abdala pisou no acelerador e entrou pelo interior da mata até embater numa árvore frondosa – já sem alternativas, mas tentando ligar o motor para zarpar do local, alguns ocupantes abandonaram o camião e fugiram do local sem olhar para trás – Abdala permaneceu no local e foi capturado pelos terroristas que no mesmo local emboscaram três camiões e incendiaram um que transportava pessoas e bens.

 

Capturado e levado para uma base provisória nas matas de Mocímboa da Praia, Abdala e mais de vinte civis foram amarrados dos pés ao pescoço e deixados dias sem comer naquele cativeiro. Uma semana depois começou o interrogatório. Os terroristas levavam um por um e perguntavam donde vinha e para onde ia, independentemente das explicações que o civil desse, o mesmo era desamarrado e forçado a carregar na cabeça um bidão de 20 litros com água para detrás de um murmuche, onde o civil era esquartejado e a água servia para lavar a espada e o banho do decapitador.

 

Dias passaram. Todos que eram interrogados e forçados a carregar o bidão para trás do murmuche não voltavam até que ficaram seis civis capturados. Chamado ao interrogatório, Abdala explicou que era um simples ajudante do camião – mas os terroristas disseram não, que ele era membro da Frelimo e que o seu porte físico demonstrava que estava bem de vida como os membros da Frelimo – Aflito e a beira de ser esquartejado pelos terroristas – Abdala implorou pela vida e disse que não era. Repentinamente, o responsável da base perguntou-lhe se era muçulmano ou não, tendo respondido prontamente que sim, era! De imediato, os terroristas disseram-lhe para recitar alguns versículos do sagrado Alcorão, kalimas e que demonstrasse como um muçulmano reza, o que foi prontamente feito por Abdala.

 

Perante a situação, parte dos terroristas ficou comovida com Abdala e a execução foi abortada – mesmo assim, haviam alguns que insistiam que ele deveria ser decapitado – mas o responsável da base disse que não! Que Abdala estaria vivo e que passaria a andar com ele para tudo que fosse lugar. Abdala virou o confidente do responsável daquela base, até que o líder principal do grupo soube do homem e decidiu visitar a base e conhecer o "famoso Abdala" que havia amolecido os corações malignos dos terroristas.

 

Durante aqueles dias Abdala foi convencido a fazer parte do grupo dos terroristas e como temia pela vida, o homem disse sim! Esta situação, acompanhada pelo porte físico de Abdala, precipitou a vinda do líder do grupo. Um homem barbudo, trajado a rigor como um verdadeiro muçulmano e que nas conversas que foram tendo durante aqueles dias, ficou a saber foi o mesmo que liderou os mais de 30 homens armados que atacou Mocímboa da Praia entre 4 e 5 de Outubro de 2017. O tal homem sempre que fosse aquela base vinha com maletas transbordando de maços de dinheiro para pagar e premiar os terroristas mais destacados.

 

Naquela visita, o líder do grupo conversou com Abdala que lhe fez o convite formal e lhe disse que primeiro seria enviado para madrassa do grupo para ser formatado e depois seria enquadrado nas fileiras dos terroristas – Abdala concordou! Mas primeiro fez um pedido "especial" e o tal dirigente respondeu – peça: Abdala disse – estou com muita fome e desde que chegamos ainda não comemos nada, já se passam dias que não vimos nenhuma refeição.

 

Atendendo o pedido de Abdala – o líder do grupo ordenou que os capturados e Abdala que já tinha um outro tratamento fossem levados para base principal onde poderiam tomar alguma refeição e assim foi. Chegando lá foram servidos um prato de comida para cada um – na ocasião, os outros capturados queriam recusar a refeição, mas Abdala os convenceu que depois daquele dia não sabia quando teriam uma outra refeição igual – eis que todos aceitaram e assim foi. Após a refeição, Abdala junto com outros capturados foram levados de volta ao local de origem.

 

Dias passaram. Os terroristas perguntaram se Abdala, o "novo aliado" sabia reparar camiões, uma vez que na base haviam veículos avariados e Abdala disse que sabia. Durante aqueles dias, os terroristas deram um intervalo as decapitações, é quando dois dos raptados tiveram a ideia de fugir, uma vez que preferiam morrer tentando do que serem degolados como "galinhas". Tristemente no grupo dos capturados havia uma mulher que mantinha relações sexuais com um dos terroristas. A mulher que participava nas concertações no cativeiro com outros raptados correu e foi contar ao terrorista que alguns pretendem fugir – alertados e chateados, reuniram todos os sequestrados e pediram para que ela apontasse qual dos civis estava a desenhar o plano de fuga – eis que ela prontamente apontou os dois coitados que foram degolados em frente dos outros.

 

Durante a concentração, alguns terroristas que ainda desejavam decapitar o sortudo do Abdala protegido pelos chefes, questionaram a mulher se ele teria feito parte daquele arriscado plano, tendo ela respondido que NÃO! Abdala estava salvo da crueldade dos terroristas naquele momento. Abdala que calmamente reparava a viatura por ordem dos terroristas tinha um plano de fuga devidamente arquitetado e que manteve apenas para si durante dias. A sorte estava do seu lado. Levou dias reparando o camião.

 

Finalmente, chegou o dia da entrega do camião! Mesmo depois de estar pronto, Abdala ficou calado esperando que começasse a escurecer. Já no final da tarde, Abdala comunicou que o camião já estava reparado e os terroristas disseram que ele poderia experimentar a mesma, algo que prontamente foi recusado por ele, tendo sugerido que o motorista dos terroristas conduzisse o camião – proposta que foi acatada e seguiu-se.

 

No entanto, na hora de ligar a viatura, a mesma não arrancou, o que levou os terroristas a empurrarem a mesma e foi exatamente neste momento que Abdala recuou os passos e com a velocidade de uma chita  colocou-se em fuga. Tendo sido visto pelos terroristas fugindo, os mesmos que estavam sem as suas armas no momento, deixaram o camião e começaram a persegui-lo. Esperto e com um plano devidamente pensado. Abdala apenas deu a volta a base e escondeu-se no "murmuche das decapitações". Já escondido num local em que os terroristas nem esperavam, Abdala se manteve no local por nove horas de tempo, ao lado dos restos mortais dos seus ex-companheiros do cativeiro.

 

Revoltados e com ordens para o aniquilar, os terroristas saíram com tudo atrás de Abdala. Das 18 horas até duas horas de madrugada, os terroristas transportando-se em motorizadas procuraram Abdala por quilómetros, mas não o acharam – afinal ele ainda estava na base – a ordem era que fosse encontrado porque ele havia visto muita coisa e conversado com as lideranças superiores do grupo. Duas horas da madrugada, os terroristas já cansados regressaram à base e quando chegaram todos foram se deitar e foi neste momento que Abdala saiu silenciosamente e começou a longa maratona em busca da salvação.

 

Abdala caminhou e correu pela mata durante sete dias. Viu vários corpos espalhados pela mata. O corpo já não aguentava, mas a busca pela salvação era maior (…) Abdala rezou! Implorou ao Senhor que lhe mostrasse uma luz no fundo do túnel. O que veio a acontecer quando de repente começou a ouvir o roncar de carros numa certa direcção, afinal estava perto. Abdala conseguiu chegar a estrada, onde durante horas pediu ajuda, mas todos os carros que passavam andavam a velocidade de 120 à 180 quilómetros por hora pensando que ele era terrorista, até que um grupo de funcionários de uma organização viu-lhe implorando por socorro e banhado de lágrimas, tendo parado a viatura e questionado quem ele era e donde vinha.

 

Sem papas na língua, cansado e banhado de lágrimas, Abdala disse que havia escapulido das mãos dos terroristas – o que os ocupantes do carro se espantaram – como? Fugiste do cativeiro dos terroristas, tu? Questionaram os ocupantes em coro – Abdala respondeu sim! Decidiram levar-lhe e a viagem continuou até a vila de Palma, onde foi levado ao quartel e entregue às Forças de Defesa e Segurança (FDS) que primeiramente o interrogaram e não aceitaram a história que ele contava.

 

Os elementos das FDS delegados para o interrogatório ordenaram que Abdala fosse tomar um banho, comesse algo e tentasse dormir um pouco porque alegadamente o que estava a falar não fazia sentido, uma vez que os terroristas não deixam que nenhum homem escape!

 

No dia seguinte, o interrogatório continuou e Abdala contou o que viveu naqueles dias e como conseguiu fugir até que as FDS aceitaram na sua história e pediram que ele os ajudasse a localizar onde estava esta base, o que foi prontamente feito por ele – na operação conduzida pelas FDS quinze terroristas foram mortos e os restantes escapuliram-se.

 

Abdala foi levado para Pemba, onde foi agradecido pela cooperação e deixado voltar para casa. Mas infelizmente o homem viu tanta coisa que o cérebro não consegue processar e nem contemplar a nova realidade – vive em constantes delírios – quando dorme só a carnificina protagonizada pelos terroristas. Abdala até hoje vive atormentado, com medo e certas vezes acorda assustado e a falar sózinho como se estivesse em contacto telepático com os terroristas – a quem diga que o problema é ter comido a refeição dos terroristas, onde podem ter colocado alguns produtos supersticiosos que lhes mantém conectados e caso a pessoa fuja ainda pensa em voltar ou a mente fica alterada para sempre!!!

 

Esta é a história de um sobrevivente da guerra em Cabo Delgado que fez de tudo para salvar-se e vive atormentado e em constante medo! 

terça-feira, 20 abril 2021 08:07

Juma Aiuba reloaded*: Haja juízo nos Juízes

O país está de tanga. Estamos a travar com jantes. Não temos dinheiro para financiar o nosso próprio orçamento do próximo ano. Não temos dinheiro para financiar eleições gerais do próximo ano.

 

Não temos remédios nos hospitais. Não temos carteiras nas escolas. Paramos de contratar professores e enfermeiros por falta de verba. As progressões também pararam.

 

Para piorar: ninguém quer arriscar em dar-nos crédito. Somos caloteiros porque não estamos a conseguir pagar a meia-parte-da-metade da primeira tranche do fiado que contraímos fora. Estamos sujos na praça. Perdemos credibilidade.

 

Enquanto isso:

 

Aparece um punhado de indivíduos de toga e sotaina que exige ampliação das suas mordomias e dos seus parentes. Até passaporte diplomático exigem.

 

Pede-se uma vida condigna a um povo que vive uma vida indigna. Pede-se uma vida justa a um povo que vive uma vida injusta injustamente. Um povo injustiçado, para ser mais claro.

 

Era suposto que num Estado de Direito, qual o moçambicano(?), o Conselho Constitucional fosse um fórum instrutor e orientador do Estado. Que os Juízes deste fórum fossem indivíduos cuja idoneidade ética, moral e profissional não levantasse quaisquer tipos de discussões. Que fossem togados que dominam não só as leis, mas também os contextos e os circunstancialismos das circunstâncias que tais leis são aplicadas. Que fossem guias do Estado e do povo.

 

Juízes costumam ter juízo. Mas os daqui, não.

 

Publicado em 11-12-2018

 

*Desde a primeira edição de Carta, em 22 de Novembro de 2018, o cronista Juma Aiuba impregnava nestas páginas o doce sabor da sua escrita. Sua morte abrupta foi um tremendo golpe. Para tentar manter sua voz viva, Carta decidiu reeditar semanalmente uma das suas crónicas. Seu perfume permanecerá vivo!

 

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segunda-feira, 19 abril 2021 06:46

Nos anos da fome!

Nos anos da fome!

Tudo era escasso

As machambas estavam desertas

Os celeiros vazios

As populações aflitas

Os ratos sem nada para roer!

 

A dor era intensa

Faltava tudo

Até de sexo completo

As sementes não germinavam

Os campos estavam improdutivos

Todos choravam!

Ninguém mais aguentava

 

Nos anos da fome!

A seca havia assassinado tudo

As cheias haviam levado tudo

As balas mutilando e matando inocentes

Em casa tínhamos apenas água e sal, mas sem produtos alimentares por confeccionar.

Os deuses estavam a castigar-nos,

talvez pelo facto do povo tanto pecar nas suas escolhas;

 

Nos anos da fome!

Abolimos a religião e reeducamos os pastores e seguidores;

Assaltou-se o dinheiro dos pobres em nome da liberdade;

Cultuamos mares de inverdades

numa terra em que tudo os ratos roeram!

 

Nos anos da fome!

Irmãos e pais lutaram mortalmente por 16 anos em nome da democracia e hoje enganados pela riqueza do gás, crianças, jovens e adultos instalaram a desordem,

aliada da fome!

 

Omardine Omar, Maputo- Moçambique - Abril de 2021