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segunda-feira, 20 dezembro 2021 14:12

Natal do Índico – O meu pedido para Cabo Delgado!!!

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Olá Pai Natal. Espero que estejas bem; espero igualmente que o peso da idade não te tire a boa disposição que lhe é característica. Nunca te vi pessoalmente, mas cresci a acreditar que existias e que eras um velho porreiro, de massa corporal robusta, barba branca e cumprida, e de vestes vermelho e branco. Reza a história que tradicionalmente andas na neve à trenó puxado por renas. Sei que vais premiando às meninas e meninos bem-comportados ao longo do ano.


Bom, Pai Natal, não quero me focar nas tuas características físicas, com tua nacionalidade, gostos clubísticos nem com as tuas preferências gastronómicas. Sei que no Natal és a figura que reúne consenso e que faz as maravilhas de muitas crianças pelo mundo.

 

Escrever-te esta cartinha foi um exercício que julguei acima de tudo de exercício de cidadania e, se for a anexar o meu Bilhete de Identidade irá notar que estou fora do grupo de eleição e não tenho idade para fazer parte da tua lista enorme de pedidos da mais diversa linha (desde playstations, bicicletas, brinquedos diversos, roupas e muito mais), mas mesmo assim escrevo na esperança de que a carta chegue a ti. E se não puder satisfazer aos pedidos, não se coiba de fazer chegar a mais pessoas que detenham poder de influenciar e quiça tenham vontade e bom coração porque escrevo com o coração em lágrimas.

 

Sou de Moçambique, um país localizado na zona sul do continente africano. Um país bonito, de gente muito hospitaleira e alegre, embora ultimamente a tristeza grassa grande parte dessa gente alegre. Um país substancialmente rico, mas praticamente empobrecido. Na sua vastidão costeira é banhado pelo Oceano Índico e tem ocorrência de acidentes geográficos esplendidos; tem praias paradisíacas, reservas e parques naturais de dar inveja a qualquer um que visitar – cá entre nós acho que o Pai Natal irá trocar a neve pelo calor tropical e passar uma temporada aqui quando nos visitar. Mas não me quero alongar a caracterizar o nosso país para não tornar a minha carta ainda mais longa. Se tiveres alguma dúvida podes consultar na internet porque sei que usas um telefone moderno com acesso a internet de última geração. E se persistirem as dúvidas ainda, veja no mapa mundo e notará que fazemos fronteira com a África do Sul – este país sobejamente conhecido pelo mundo, pelo melhor e pelo pior.

 

Pai Natal!!!

 

Decidi vestir a capa de mensageiro das crianças do meu país porque, infelizmente grande parte delas não sabe ler nem escrever e não pode expressar seus sentimentos, desejos e anseios; tampouco ouviram alguma vez falar desse velho barbudo que espalha presentes pelas crianças bem-comportadas. Aqui, a luta diária é pela sobrevivência numa autêntica e desenfreada maratona por água, comida e, se possível um pouco de paz. A necessidade primaria aqui no nosso país não são brinquedos, porque ninguém brinca tendo estomago vazio, com instabilidade e com incertezas quanto ao amanhã. Neste momento que escrevo esta carta, milhões de crianças em todo o país passam por privações das mais básicas. A única coisa que me apraz partilhar é que são crianças que transmitem muita paz mesmo vivendo na guerra; nutrem bastante amor mesmo que o ódio seja uma nuvem perene, e transpiram esperança mesmo que as os sonhos de um futuro risonho sejam de certo modo ofuscados pela incerteza do presente nublado.

 

A zona norte do país, concretamente na província de Cabo Delgado (por sinal a mais bafejadas pela descoberta de enormes quantidades de recursos minerais), a situação não é boa. Na verdade, é péssima pois a insurgência armada criou uma onda tremenda de deslocados e nessa onda temos milhares de crianças que correm risco de vida, risco de virarem crianças soldado e não viverem a sua infância na plenitude – infância esta que já era penosa antes deste horrível conflito. A insurgência Pai Natal, semeou luto, sofrimento, dor e muita tristeza nas famílias moçambicanas e deixou um rasto de destruição e devastação tremendo.

 

O nosso saudoso Presidente – O Marechal Samora Machel, dizia que “as crianças são as flores que nunca murcham”. Mas nesta carta carrego o pesar da dor e desespero do dia-a-dia vivido por estas crianças – sem comida, sem água, sem abrigo seguro e digno e ainda por cima longe dos seus familiares que sucumbiram ao sabor das malditas armas. 

 

A insurgência mata um pouco de cada moçambicano a cada vida que se esfuma. Cada vida que se vai é menos um sonho, menos um sorriso e menos uma certeza. Por isso não peço nesta carta brinquedos; não peço fartura na mesa; não peço donativos nem ajuda externa disfarçada de eterna bondade. Peço que o Pai Natal coloque mais responsabilidade naqueles que governam e dirigem os destinos do país; Peço mais respeito pela dignidade humana e mais amor por estas flores para que efectivamente não murchem nunca. Mais saúde, mais educação, mais segurança e melhores condições de nutrição para todos do Ruvuma ao Maputo e do Zumbo ao Índico.

 

É meu, e nosso sonho ver o país livre da insurgência e trilhar por caminhos de paz, prosperidade, progresso e desenvolvimento e sei que estas crianças de hoje serão o futuro e a certeza do amanhã. Pai Natal, o meu pedido não precisa de embrulho e muito menos de meias na janela para fazer chegar. O meu pedido é o pedido de milhões de crianças, jovens, adultos e velhos de Quissanga, Nangade, Mecufi, Moeda, Palma, Macomia, Mocímboa da Praia, e muitos outros distritos.

 

A carta é para ti, mas tornarei a mesma pública para que mais pessoas possam ler e se vestir de Pai Natal não apenas na época Natalina, mas em todas a épocas do ano, porque Natal é todos os dias e acredito que todos podemos fazer o bem a todo instante e tornar a vida menos pesada.

 

Feliz Natal a todos!!!

 

Hélio Guiliche (Filósofo)

Sir Motors

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