A natureza, principalmente na época mais quente do ano, no Verão, gera ciclones que afectam Moçambique, países vizinhos e, sobretudo, as ilhas que se encontram no Oceano Índico. Um fenómeno natural, e que está dependente das condições climatéricas para evoluir e se tornar mais ou menos agressivo.
Hoje, em particular, me recordei daquela mãe e concidadã, da província de Sofala, que perguntava num vídeo, muito divulgado pelas redes sociais, “afinal por onde andou o vento ao longo de todos estes anos”? Indagava ainda se o vento não tinha outro caminho por onde passar que não fosse a Beira: “- Beira é o caminho do vento?”
Estas são questões legítimas, justas e apropriadas. Cada um de nós deve parar para questionar e entender que mudanças foram operadas no clima nos últimos anos. Uma reflexão que nos induz a aceitar que o planeta terra e, particularmente Moçambique, já não são os mesmos. Estão muito diferentes. Os padrões climáticos apresentam alterações radicais a cada dia que passa. Umas vezes demasiado quentes e outras, muito mais frias que o normal. Temos agora chuvas mais intensas ou, muitas vezes, nem sequer temos chuva. A estiagem se tornou mais prolongada e mortífera. Tudo como parte dos fenómenos El Niño e La Niña. Também temos as tempestades que aumentaram, quer na regularidade, como na intensidade. São as mudanças climáticas que o próprio ser humano tem ajudado e influenciado.
No grupo de países mais expostos aos efeitos das mudanças climáticas, que incluem as ilhas do Índico e outros países litorâneos, Moçambique faz parte e, infelizmente, tem sofrido bastante. As nossas províncias costeiras, em particular, são afectadas, tornando a vida das populações ainda mais complicada, difícil e desesperante. Este é o preço da nossa localização geográfica. Sempre nos beneficiamos, ao longo da história, desta localização. Ter o mar próximo foi sempre um grande privilégio. Todavia, em alguns momentos, sofremos com os ciclones e com a subida das águas do mar, nas cidades costeiras e situadas abaixo do nível das águas do mar. Esta localização transformou-nos no “caminho do vento” e em vítimas do seu poder de destruição.
As mudanças climáticas significam e representam o pouco cuidado que temos com a natureza. Ao longo dos anos, o processo de industrialização consumiu recursos naturais, de forma indiscriminada. Foram destruídos ecossistemas inteiros, florestas e diferentes espécies de árvores. Foram poluídos os rios e os oceanos. Quando o ser humano tomou consciência, começou a limitar o uso dos recursos do planeta. Assim, foram criados os diferentes acordos, sendo o acordo do clima o mais importante. Também nós, como país, temos, por vezes, algumas obrigações e, nem sempre as respeitamos. Continuamos a destruir e a cortar a nossa floresta, fazemos queimadas descontroladas, destruímos os habitats e os ecossistemas. Não respeitamos, nunca, a voz da natureza. Esquecemos que a natureza tem o seu tempo próprio e aprendermos, ao longo de várias gerações, a valorizar esse tempo.
Quando os seres humanos deixam de respeitar a natureza e seus ecossistemas, quando a poluição ocorre em grande escala, quando emitimos dióxido de carbono (CO2) em quantidades insustentáveis, quando o uso de combustíveis fósseis ultrapassa os níveis do aceitável e quando aumentamos a geração de resíduos domésticos e hospitalares, a terra, também, encontra as suas formas para responder e dizer que ultrapassamos os limites e ela não se consegue reciclar. Assim, ela se manifesta de forma destruidora. Este desrespeito tem acontecido com as actividades económicas e industriais, realizadas em muitos países, sobretudo, nos mais desenvolvidos. Temos culpa, todos nós, como humanidade.
As alteraçãoes climáticas serão, por conseguinte, uma realidade incontornável, se o comportamento humano não for alterado. Teremos, como seres humanos, de reaprender a conviver com a natureza. Saber escutar, muito bem, aquilo que ela nos pretende revelar.
As mudanças climáticas têm um impacto, ainda mais trágico, junto das mulheres, que são responsáveis pela gestão das respectivas famílias, da terra arável e dos outros recursos existentes à volta de suas residências. Sempre que ocorrem cheias ou secas, nós testemunhamos imagens das televisões, reportando o drama de centenas e milhares de mulheres, mães, fugindo e procurando abrigos seguros, transportando suas crianças e seus parcos haveres. Estas imagens são dolorosas, desumanas e violentam-nos. Esta instabilidade tem degradado, ainda mais, o já frágil tecido social moçambicano. Testemunhamos esse drama e a consequente desestruturação dos agregados familiares e, igualmente, instabilidade social nessas regiões.
No ano passado, avaliei o impacto das mudanças climáticas na vida das mulheres moçambicanas. Fi-lo de forma consciente, como mulher, mãe, avô, e como cidadã que tem trabalhado e apoiado algumas famílias no campo, nos últimos anos. Quis dar a entender que estas mudanças climáticas têm empobrecido e ampliado o nível de carência, desigualdade social e indigência de muitas famílias. Mais importante ainda, quis ajudar a explicar o fenómeno das mudanças climáticas e instruir essas mulheres e irmãs sobre como se protegerem e assumirem atitudes de menor risco. A intenção era a de auxiliar estas mulheres a terem uma atitude positiva em relação a sua própria vida, aos locais onde residem e onde trabalham a terra para sustentar as suas famílias.
Portanto, temos de aceitar que a questão das mudanças climáticas exigirá novas estratégias e abordagens. Neste momento, temos sido reactivos. Quer dizer, temos a capacidade de prever e identificar a chegada das tempestades e ciclones. Isso, permite que nos abriguemos, com alguma segurança. Porém, isso não basta. Teremos de ser proactivos. Por outras palavras, encontrar formas correctas de explicar, educar e transmitir conhecimento às crianças, aos jovens, mulheres e à sociedade, sobre o significado destas mudanças climáticas.
Todos os pesquisadores, estudiosos e professores que estudam e investigam estes fenómenos precisam de ajudar a sociedade a adoptar modelos e estilos de vida diferentes e mais resilientes. Sobre este grupo, recai essa responsabilidade de educar, formar e informar. Educar, passando uma informação esmiuçada e fácil de ser entendida e interpretada. Formar, passa por criar grupos pequenos que, de forma permanente, junto das áreas de risco, ajudam as lideranças locais a tomar as decisões mais correctas, junto das suas comunidades. Informar as comunidades sobre novas formas e modelos de convivência, escolha de locais mais seguros, com actividades agrícolas certas, para não perderem todos os haveres a cada ano que passa. Portanto, este é um tempo especial para a nossa comunidade académica, para os membros do governo, que fazem as estratégias e desenham os planos de contingência. Não podendo fugir das mudanças climáticas, teremos, com certa urgência, de evitar que as comunidades percam os seus poucos haveres, o seu gado caprino, bovino e etc., que amealham com esforço, mas que desaparece a cada chuvada e ciclone. Já somos demasiado pobres para não valorizarmos cada um dos nossos sacrifícios consentidos. É tempo de conceber e implementar estratégias de mitigação mais abrangentes e mais vigorosas.
Será importante, também, que continuemos atentos ao novo coronavírus, também conhecido como Covid-19. A Covid-19 é uma doença causada por um vírus muito pequeno e simples, que se reproduz de forma parasitária. Apesar da Covid-19 já ser melhor conhecido, tendo, inclusivamente, uma vacina, o certo é que continua matando e de forma indiscriminada. As infecções do coronavírus causam doenças respiratórias leves ou moderadas, mas, em muitos casos, começam a ser mortais para os pacientes acometidos por outras patologias. Alguns cientistas também acreditam que o novo coronavírus se disseminou pelo mundo em virtude da acção destrutiva e invasora do ser humano contra a natureza.
Os possíveis impactos do coronavírus estão longe de ser determinados e conhecidos. Para além das mortes em massa, em quase todos os países, sabemos que o coronavírus reduziu os impactos ambientais, provocados pelas indústrias, sobretudo, pela redução e restrição das viagens aéreas e marítimas, que resultaram na redução do uso de combustíveis fósseis e, consequentemente, na emissão de dióxido de carbono.
Porém, nesta altura em que olhamos para a natureza e tentamos compreender os efeitos das mudanças climáticas, teremos de continuar firmes, seguindo as orientações das autoridades de saúde para não sermos infectados pelo covid-19.
Estou muito solidária com o sofrimento de todos afectados por este ciclone Eloise e, tal como no passado, a nossa organização, a FDC, continuará dando seu apoio, dentro das nossas capacidades e escassos recursos disponíveis. Às mulheres, em particular, enfrentaremos juntas esta situação e as dificuldades pelas quais vocês têm passado. Muita força para todos!
Graça Machel
Presidente da Fundação para o Desenvolvimento da Comunidade (FDC)