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Renato Caldeira

Renato Caldeira

terça-feira, 19 dezembro 2023 13:54

Para grandes males...pequenos remédios!

O desporto, cuja história apontava para ser um dos maiores patrimónios históricos do país, vem sofrendo face ao estatuto de menoridade a que foi relegado. Da Independência para os tempos em que vivemos, cometeram-se grandes males. Hoje, com o realismo e empenho de alguns, estamos numa fase dos pequenos remédios.

 

As leituras dos “rankings” internacionais, não mentem. Mas vive-se agora na tentativa de “acertar o passo” com África e o Mundo, o que poderá ser um tónico para encorajar a juventude a tirar proveito do “tónico” ímpar para a saúde, que é a prática desportiva!

 

NÚMEROS NÃO MENTEM

 

A invasão do cimento e dos “dumba-nengues”, à vista de todos, foram os primeiros “culpados” do abulicismo da juventude. O cimento tomou conta dos espaços onde se improvisavam os campos e o mercado informal fez o resto. Nem as varandas escaparam à voracidade de construir em tudo quanto é sítio, nas zonas urbanas.

 

Exemplificando: no Maputo, havia o Clube Central, movimentando o futebol na II Divisão. Dele já não reza a história. O mesmo com o Alto Maé, que possuía uma sede no bairro que lhe deu o nome.

 

E o que é feito do Atlético Nacional, Ferroviário das Mahotas, Belenenses, Beira-Mar, Rodoviário, Vasco da Gama, Aeroporto, Caju Industrial, Metal Box, Alumínios, Atlético Mahometano, S. José, Nova Aliança, Gazense, Águia D´Ouro, Inhambanense, Nacional Africano, João Albasini, IMA, Texlom, Zixaxa e tantos outros, dependentes das quotas e empenho dos sócios? Resiste ainda o Munhuanense Azar, autêntico “avis-rara”! 

 

E se tivermos em conta que estes clubes movimentavam juvenis, juniores e reservas, facilmente se pode calcular as razões pelas quais o campo de recrutamento se reduziu drasticamente, obrigando a recorrer-se aos países vizinhos, de onde vêm, muitas vezes, jogadores caros e de qualidade duvidosa.

 

Outro “pecado”: no pós-Independência, o Estado decretou um “não” às transferências dos nossos atletas para outras latitudes. Craques de craveira passaram ao lado de grandes carreiras, deixando de motivar as novas gerações. Mais um erro histórico que acabou por ser corrigido, depois de (re)conhecido.

 

E AGORA?

 

Para quem como eu viveu, sentiu e sente, de alma e coração um tempo em que os “Geny(os) Catamos apareciam todas as épocas, custa engolir e acreditar que do reduzidíssimo parque desportivo que nos restou, o do Desportivo de Maputo, venha a ser mais um em vias de desaparecimento, para aumentar o sufoco que o cimento provoca na capital do país!

 

Repare-se que o Governo foi o líder da invasão dos terrenos dos desportistas, com o impensável exemplo de construir até a Secretaria do Desporto, num espaço que anteriormente era o Ginásio de Maputo! Ao lado, metro a metro, o circuito António Repinga vai reduzindo, reduzindo, reduzindo!

 

E já que estamos a falar de prioridades, não podemos deixar de referir que nos poucos campos e recintos desportivos que sobraram, por questões financeiras ou orientações políticas, as prioridades apontam para a ocupação em cerimónias religiosas e políticas, ou espectáculos desportivos.

 

Foram grandes males!

 

Os pequenos e curtos remédios?

 

Os recintos modernos, apenas dirigidos ao desporto do Black Bulls, ENH e União Desportiva do Songo, mais o programa do elenco de Feizal Sidat em investir na formação, bloqueando e recuperando os espaços destinados ao futebol.

 

Pessoalmente, gostaria de apresentar uma proposta: “qui-tal” (como dizia o SE), destruirmos os prédios que “roubaram” espaços ao desporto, para os devolver aos legítimos donos?

O VAR, a segurança nos campos e fora deles, os salários cada vez mais “chorudos” das estrelas, são realidades do futebol internacional, que internamente temos cada vez mais dificuldade em acompanhar.
 
Os números envolvidos na contratação dos jogadores, as tentativas de suborno, o espaço como factor de descarga emocional dos cidadãos, aumentam a responsabilidade dos homens (e mulheres) que com a amostragem de um simples cartão vermelho, podem “despedir” do emprego – mesmo que temporariamente – profissionais que ganham por dia, aquilo que muitos de nós gostaríamos de auferir por ano.
 
Por isso...
 
Ser “senhor do apito” não é para qualquer um!
 
MUDAM-SE OS TEMPOS
E AS REALIDADES
 
Uma pergunta: entre nós, a algum futebolista, nos anos 70 ou 80, passaria pela cabeça correr, em pleno jogo, atrás de um Freitas Branco, Gil Milando, Issufo Costa ou Arnaldo Salvado, para o agredir”? Quem viveu e acompanhou esses tempos, sabe que isso nunca passaria pela cabeça”.
 
Porquê?
 
1. As mentalidades que gravitavam em torno dos jogadores, treinadores e dirigentes, eram outras;
 
2. O estatuto e os critérios na selecção do cidadão/árbitro, eram de rigor e paixão e não uma forma de sobrevivência, como acontece, em muitos casos, nos dias de hoje.
 
3. O comportamento social dos homens do apito, eram respeitados na sociedade, logo o espaço para os subornos, bem menores.
 
É verdade que é na imprevisibilidade onde reside o sortilégio do desporto-rei. Mas, a par das novas tecnologias para a aproximação do rigor, aumenta a sofisticação do acto ignóbil, baixo e indigno da compra/venda de resultados.
 
Hoje, com alguma mágoa, analiso as decisões dos juízes, tendo como pano de fundo factores cada vez mais negativos, pois vivemos tempos envenenados e em que não se consegue aplicar devidamente os contra-venenos.
 
Por isso, não deveria ser árbitro quem quer. Há que ter um CV limpo e um estatuto (e não “chitutu”) digno na sociedade. Além disso, um porte físico e psicológico que lhe granjeie respeito na sociedade, para se impôr junto dos jogadores. Efectivamente, a boa presença e garbo, também fazem a diferença.
 
No fundo, a postura dos árbitros deve ser idêntica à dos juízes dos tribunais, tendo em conta que os valores e interesses no desporto, crescem mais depressa nos homens do apito.
Assim sendo, para intervir com rigôr e isenção em algo que “mexe” com um país ou uma sociedade, não basta ser... é preciso também parecer!
No nosso desporto, muitos erros, quais “grãozinhos de areia”, foram sendo cometidos e que, somados, acabaram não “parindo” a montanha que o talento desde sempre demonstrado, justificaria.
 
Falemos do futebol, onde o nosso produto não se compara ao dos tempos de Eusébio, Coluna e outros, em quantidade e qualidade. Um ou outro triunfo, porque esporádico, não nos deve adormecer. Daí que, ao contrário do que nos é proporcionado a partir de outros quadrantes, teremos mesmo que nos (re)descobrir.
 
PESADELO DE GANHAR UM CAMPEONATO
 
Ganhar um Campenato Nacional ou a Taça, entre nós, ao contrário do que acontece na maioria dos países, traz consigo um verdadeiro pesadelo: o da participação nas provas africanas. Enquanto os adeptos da equipa festejam, o presidente e o tesoureiro desdobram-se em contactos para conseguir apoios e vão rezando para que lhes saia no sorteio um adversário aqui à mão, de preferência Eswatine, África do Sul ou Zimbabwe, para realizarem a deslocação de automóvel. Mas mesmo assim, o pesadelo é sempre grande, pois as receitas são ínfimas comparadas com as despesas, em moeda externa, para pagar a árbitros e comissários, depauperando as magras economias do clube. Ao contrário do que acontece na Europa, em que a passagem de duas eliminatórias nas provas internacionais pode render mais do que a receita de um campeonato, por cá é exactamente o inverso.
 
Pode pensar-se em progresso, perante este quadro?
 
Longe da vista, perto do coração. É a verdade. Em dia de jogo/grande do Campeonato português, os moçambicanos vibram. A “química” da colonização não passou, particularmente no futebol e, ao que tudo indica, tende a aumentar. Estamos a falar da paixão, numa auto-estrada que só tem um sentido.
 
E é assim que nossos Ministros, Directores nacionais, juristas e até jornalistas - desportivos ou não – param tudo em dia de ‘derby-tuga” para vibrar. Muitos deles, nas deslocações a Portugal, é vê-los a exibirem as camisolas nos Estádios da Luz ou Alvalade, sem nunca conhecerem ou terem pisado os recintos locais do Costa do Sol ou Black Bulls. Nas prendas para os aniversários de familiares ou amigos, é impensável oferecer a camisola de um clube nacional, ao invés de a de um grande europeu.
Assim sendo, teremos moral para culpar as nossas instituições desportivas de não funcionarem, as empresas por não patrocinarem – porque dificilmente terão retorno - quando o “produto” não é por nós próprios consumido e estimulado, pelo estatuto de “matrequice” que lhe atribuímos? Vivi, vi e agora sinto-me mal, quando vejo, por exemplo, o futebol tanzaniano, com os campos a abarrotar de assistentes, sem que isso represente que as suas estrelas estão muito longe do nível das nossas...
 
A quem devemos culpar?
 
Citando Mia Couto: “nós, moçambicanos, conseguimos encontrar culpados em todos... menos em nós próprios”.

Numa altura em que se anunciam excelentes perspectivas de desenvolvimento a partir do gás de Cabo Delgado e a criação de um fundo soberano, os moçambicanos deveriam viver um tempo de união de esforços para sairmos do marasmo da política de “país sentado”, de reunião pós-reunião.
 
A dura vivência no pós-Independência, até poderia actuar como um “calmante” para contrariar a ideia de que, “em casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão”, pois quando na nossa terra nos alimentávamos apenas de xima e carapau, a racionalidade, relacionamento e moçambicanidade eram outros. Independentemente da política e das “politiquices”!
 
Mas agora...
 
Disse uma vez o Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres: “quando há um problema, muitos querem ser parte dele. Eu prefiro fazer parte da solução desse problema”! Eu subscrevo.
 
Mas, infelizmente, face às problemáticas eleições municipais, muitos moçambicanos não demonstram estar de acordo com esse posicionamento.
 
Os factos e factores da modernidade, independentemente das filiações e preferências políticas, que deveriam apontar para o entendimento e avanço desta Pérola do Índico, infelizmente estão a actuar no sentido inverso.
 
Porque é, então, que este balão de desentendimento político está a crescer, não se vislumbrando como e quem poderá (re)estabelecer a normalidade, numa altura em que, ao que tudo indica, apenas os Mambas que se qualificaram pela quinta vez a um CAN e as meninas do boxe nos trazem motivos de alegria?
 
Estaremos a ser justos para com nós próprios, não subalternizando o facto de, para lá diferenças partidárias, o país reunir bases para ser cada vez melhor? Não há segredos nem ciências ocultas para reverter esta situação. Somente aquele que se ama a si próprio é capaz de amar o próximo, sobretudo tratando-se de um compatriota.

 

 

sexta-feira, 03 novembro 2023 06:09

Viver o passado mas não do passado

Orgulha-nos e deve-nos inspirar na construção de um futuro mais risonho, o tempo de Eusébio, Coluna e Matateu, os atletas mais visíveis de um “iceberg” que produzia que se fartava e não se fartava de produzir. A “Universidade” dessas estrelas, foram as areias quentes da Mafalala, terrenos baldios que hoje viraram “dumba-nengues”.
 
Nos dias de hoje, o jovem chega a um clube para se integrar nos iniciados, juvenis ou juniores, sem nunca ter jogado futebol de bairro. O técnico tem que lhe ensinar os fundamentos básicos, numa idade pouco propensa à iniciação. O candidato a craque apresenta-se trazendo na sua folha de serviços desafios esporádicos nos intervalos das aulas ou “uma perninha” nos Jogos Escolares. Se a lógica do ditado “de pequenino se torce o pepino” fosse para aqui chamada, então o pepino não poderia nunca ser torcido, porque uma vez “madala” não se torce: parte-se!
 
NOVOS TEMPOS... NOVOS VENTOS!
 
A “abertura das fronteiras”, integrando os Mambas noutros patamares, foi um passo positivo, com Geny Catamo e Reinildo Mandava como nomes mais sonantes. Mas há que (re)pensar outros pontos, neste “edifício em construção”, infelizmente de cima para baixo. Estamos numa situação em que na Selecção Nacional, mais de dois terços dos jogadores actuam no estrangeiro e uma boa percentagem dos craques do Moçambola vêm de fora. Porém, ao que tudo indica, vivem-se tempos e ventos promissores, sobretudo fora da capital do país, onde o futebol é uma festa.
 
Mas é de Maputo que vem o bom exemplo do Black-Bulls, através da construção de um vasto parque desportivo, com a prioridade a apontar para a formação, em contra-ponto, por exemplo, com os espaços dos campos do Desportivo e Maxaquene semi-abandonados, “ressuscitando” de quando em vez para espectáculos musicais.
 
Ai, Torneio BEBEC: quanta saudade!!!
segunda-feira, 30 outubro 2023 13:38

Cadê o busto e/ou a estátua?

Hoje, a nossa campeoníssima faz anos. A Lurdes Mutola é uma das grandes personalidades ímpares da Pérola do Indico. O seu trabalho fê-la conquistar um lugar na história do desporto do planeta terra. Ela tem um lugar na glória. Em condições normais, numa sociedade sedenta de referências e verdadeiros símbolos, ela merece uma estátua similar a de Eusébio da Silva Ferreira. Já é tempo de se colocar, pelo menos, um busto dela (pode ser de gesso, o mais barato) no Parque dos Continuadores na Cidade de Maputo. Com esse mínimo gesto de reconhecimento público ganharia a capital, o País e o mundo.

domingo, 22 outubro 2023 13:11

Saudades... sem saudosismos!

Renato Caldeira
 
No pós-Independência, em dia de jogo-grande de futebol, era comum os nossos dirigentes disputarem os lugares na tribuna dos Estádios. Para o público, os bilhetes ficavam esgotados 3-4 dias antes. As populações cantavam e dançavam ao som dos batuques. O chamado mercado negro, funcionava para os assistentes de última hora.
 
Lindo, lindo, lindo, é que, ao contrário do que hoje abunda, a maioria dos adeptos fazia questão de se equipar com as cores dos seus clubes... nacionais!
 
Duas estórias ilustrativas:
 
-    O Presidente Samora Machel, chegou a encurtar o seu discurso no Parlamento, quando se apercebeu da inquietação dos dirigentes, à medida que a hora do jogo Moçambique-Zaire se aproximava.
 
-    Num jogo-grande, o juiz indigitado, vindo das Ilhas Comores, ao fazer a inspecção às 10 da manhã ao Estádio da Machava, acabou apanhando uma diarreia, impressionado com a multidão e as batucadas, cerca de 6 horas antes da responsabilidade que tinha em fazer soar o apito. Se àquela hora era assim...
 
MUDARAM-SE OS TEMPOS...
 
De lá para cá, muita coisa mudou, infelizmente para pior. Vivem-se tempos de facilitismos, apontando-se a fraca qualidade do nosso futebol, como a causa principal do abulicismo.
 
Será? Angola, Tanzania e África do Sul, com um futebol não muito longe do nosso, não vive esse drama, pelo menos nos "derbys"!
 
Diz Mia Couto, de quem sou fã: Nós, moçambicanos, em regra buscamos culpados em todos... menos em nós próprios!
 
Um dos factores principais é o seguidismo. Vejamos: nos Ministérios, e empresas estatais, quando os “chefões” iam aos campos, havia razões para lhes seguir os passos. Se mais não seja, para ver e ser visto. Quando os Presidentes da República iam, mais os seus Ministros, Vices e por aí abaixo, seria uma vergonha não poder partilhar algo que os chefes viram.
 
E como o Estatuto do nosso desporto – com o futebol na “cripta” - funciona em contra-mão ao que se vai passando no planeta, alguns dos Ministros dos Desportos, que interiormente viviam “alheios” ao fenómeno, após o fim do mandato, fizeram com que a “correia de transmissão” se fosse quebrando.
 
E a pergunta é: alguém terá visto a sombra de Mateus Khatupa, Pedrito Caetano ou Janete Mondlane, na Machava ou no Pavilhão do Maxaquene, desde o dia que cessaram funções?
 
Mas porque o seguidismo é contagiante, poucos dos antigos futebolistas e/ou desportistas de outras modalidades, agora apoiam os novos craques, apelidando-os de “matrecos”.
 
Pessoalmente, com alguma mágua mas com realismo, ao contrário dos tempos em que vivi o desporto no sangue, nos nervos e na pele, vejo que hoje, a maioria dos colegas no jornalismo desportivo, só se deslocam quando têm que reportar. Até já aconteceu um repórter fazer-se ao campo após um jogo de basquetebol ter terminado, só para saber o desfecho. Forneceram-lhe um resultado errado, que fez parangonas no jornal!
 
Felizmente, os novos tempos - com o boxe e o futebol na liderança - estão a fornecer indicadores muito positivos para a (re)edificação do “edifício” desportivo que a todos beneficia! 
 
quarta-feira, 20 setembro 2023 06:39

Em casa onde há pouco pão...

Os Estados Unidos da América investem forte no basquetebol. O bio-tipo dos seus cidadãos, a tradição da bola-ao-cesto, enraizada nos bairros e escolas, garantem-lhes superioridade no Mundo da modalidade. Em África, um bom exemplo é o da Etiópia, que graças à altitude, clima e hábitos centenários, domina as provas de meio-fundo e fundo. Situações análogas permitem ao Japão brilhar no ténis de mesa, Austrália no râguebi, Rússia nos saltos e lançamentos.

 

O futebol, actualmente, não entra na lista das opções, uma vez que o pontapé-na-bola já “contagiou” o mundo inteiro. Por exemplo: a qualificação a um CAN, mexe mais com os moçambicanos, do que um quarto lugar no Mundial de hóquei em patins!

 

Estamos a falar de competição, pois desporto de lazer para distrair e melhorar a saúde, está inteiramente ao critério de cada grupo ou cidadão.

 

Refira-se que o talento dos moçambicanos no desporto, não veio com a declaração da Independência. Antes, éramos o primeiro mercado dos grandes clubes da então metrópole, em várias modalidades. Nomes como Eusébio, Coluna, Matateu, Hilário e muitos outros, figuram nos anais da FIFA, como dos melhores futebolistas mundiais de sempre. Mas não nos ficávamos por aí. No atletismo, tínhamos José Magalhães, que chegou a ser o maior velocista hibérico (Portugal e Espanha), mais os campeões mundiais de hóquei em patins, estrelas lusas em basquetebol e noutras modalidades.

 

TALENTOS DIVINOS

NÃO NOS DEVEM DISTRAIR

 

Dos principais erros no pós-Independência, claramente se destacam três: venda da maioria dos recintos desportivos, ocupação dos espaços livres pelos “dumba-nengues” e proibição dos craques poderem demonstrar as suas qualidades além-fronteiras.

 

Importa salientar que o surgimento de “talentos-divinos”, de geração espontânea como Mutola, Reinildo ou as meninas do boxe, devem ser acarinhados. Porém, isso não nos deve distrair daquele que deverá ser o foco principal: a definição das apostas pelo Estado, no que toca ao investimento nas modalidades prioritárias.

 

Pois a realidade é esta: se os mais ricos definem apostas e prioridades, após estudos científicos e concretos de algumas realidades atrás citadas, porque é que nós não apontamos – após estudos realistas – em desportos e actividades que nos permitam ser campeões regularmente, ao invés de estarmos à espera dos “talentos-divinos”, que aparecem por geração espontânea?

domingo, 20 agosto 2023 18:49

Feiras de Saúde ou de Tira-Babalaza?

-    Onde entra o desporto, sai a doença – Samora Machel
 
-    O desporto pode criar esperança onde outrora só havia desespero. É mais poderoso que os governos na destruição de barreiras raciais. O desporto ri na cara de todos os tipos de discriminação - Nelson Mandela
 
-    No desporto, quem mais perde é quem não o pratica - Harold Falcão
 
Um qualquer PCA orienta as comemorações do aniversário da empresa. Para dar nas vistas, tenta unir o inútil (exercícios de tira-babalaza) ao agradável, um banquete que tem que acontecer.
 
Assim sendo, lá teremos uma mini-maratona com distribuição de camisetes e bonés, para serem ostentados e filmados e uma feira de saúde. Tudo isso, claro, irá culminar no aguardado jantar de gala, em que a babalaza ficará para ser tirada na corrida do ano seguinte.
 
Quem ficará a ganhar com estes tipo de programas, que primam pela “macaquice de imitação”?
 
O desporto, em nada se beneficia. A saúde dos cidadãos – salvo os que praticam regularmente exercícios físicos – muito menos. E nem as crianças usufruem dessas oportunidades para uma olimpíada juvenil que poderia representar uma ´injecção´ desse vício saudável que é o desporto.
 
E SE RECORDAR É (RE)VIVER...
 
As Léguas 24 de Julho e do Natal; os Torneios da LAM; as grandes festas dos 25 de Junho e de Setembro, mais as datas comemorativas da OMM e OJM, eram algumas das datas em que se juntavam sinergias e, obrigatoriamente, se realizavam mesclas de provas recreativas e competitivas – até internacionais – com o apoio das grandes empresas nacionais!
 
Unia-se o útil ao agradável. Cultivava-se um “vício” competitivo, nos agradáveis momentos de confraternização, com as empresas a darem visibilidade às suas marcas. Paralelamente, movimentavam-se e uniam-se trabalhadores e familiares.
 
Em Angola há a São Silvestre; em Portugal a Corrida na Ponte do Rio Tejo; e e Boston a tradicional Maratona mundial, só para referenciar um pouco do que acontece por todo o Mundo. São provas tradicionais, para as quais jovens e velhos se preparam física e psicologicamente o ano inteiro.
 
Estamos a falar de atletismo, mas poderíamos referir modalidades em que a mescla competitiva e recreativa, projecta o país, criando ao mesmo tempo, hábitos salutares da prática do desporto.
 
Nós, se retomássemos esses hábitos salutares, não estaríamos a inventar nada. Talvez a inventariar uma prática que já foi regular entre nós, também registando datas-mãe e momentos épicos da nossa querida República.
segunda-feira, 14 agosto 2023 14:41

Sinóia: um super-pugilista por trás das socadoras

LucasSinoia
Jogos Africanos do Cairo, 1991. Frente ao campeão africano do seu escalão, um ganês, Sinóia protagonizou o KO mais rápido da competição. O jogo começou. Lucas entrou decidido a não dar qualquer hipótese, partindo de imediato para o corpo-a-corpo. De repente...
 
passavam apenas 30 segundos do primeiro assalto e o ganês já havia sido enviado ao tapete. Uma sucessão de socos cruzados dirigidos à zona do estômago e um murro contundente ao queixo, lançaram-no ao tapete.
 
Lucas Sinóia, exímio no jogo à meia-distância, nem por isso se furtava ao corpo-a-corpo. Do seu registo de combates, ressalta o facto de raramente ter colocado pugilistas nacionais KO, em claro contraste com o que acontecia frente aos estrangeiros.
 
Interrogado sobre esse facto, respondeu: “nestas competições, tenho que demonstrar o que é a verdadeira auto-estima”, pois trago o país no coração.
 
 
CONTRASTE
 
 
Lucas Sinóia, natural de Tete, estatura sobre o baixo, é a “calmaria” em pessoa. Pouco falador, sempre pronto a fazer amigos, trata-se de um cidadão avesso a zaragatas e protagonismos.
 
Porém...
 
No ringue e após soar o “gong”, era um verdadeiro leão. Frequentou as escolas de boxe soviética, cubana e norte-americana, tendo sido, seguramente, dos melhores pugilistas moçambicanos de todos os tempos.
 
Deixou de ser praticante nos ringues, mas a modalidade nunca lhe saíu do coração, passando a ensiná-la aos mais novos.
 
Viu e trouxe ao país, algo impensável: o boxe feminino. Foi a partir dele, que nasceu por cá a “normalização” desta modalidade entre mulheres. O trabalho para (des)convencer paradigmas enraizados e que não constavam no “cardápio” da emancipação da mulher, seguramente que contou com o empenho do ex-pugilista.
 
Se há três/quatro décadas, era corrente a frase “o futebol não é para meninas”... imagine-se o pugilismo!
 
Dar força e expressão ao boxe no geral, foi a resposta de Sinóia, para se manter útil à modalidade e bem servir a terra que sempre amou. Foi ele quem motivou e clarificou as diferenças entre pugilismo e “mabanditismo”.
A tudo isto, é visível,  juntou-se um conjunto de condições, como a dedicada Federação, liderada por Gabriel Júnior, mais o “boom” do surgimento de meninas corajosas e capazes de convencer amigos e familiares a apoiá-las numa modalidade antes subalternizada.
 
MULHER: MOSTRAR
 
E... DEMONSTRAR
 
Através de Rady Gramane e Alcinda Panguana, ficou demonstrado, na prática, que não faz sentido o “slogan” sexo fraco.  As meninas deram e levaram murros, a pensarem no país. Não choraram pela dureza dos golpes.
 
E se no alto nível competitivo nos apresentávamos como uns coitadinhos, o que dizer agora em que as senhoras foram as principais responsáveis pelo nosso sucesso? E se equacionarmos, com realismo, o número de combates, alimentação, apoios e incentivos relativamente aos nossos opositores, veremos que face às condições investidas nas nossas medalhadas, poderíamos considerar que foram anões a derrotarem gigantes. Mas a falta de condições não ditou leis. 
 
E por fim, também graças a Sinóia, fica demonstrado que atrás de lindas e corajosas mulheres... há sempre um homem forte!
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