No balanço do seu consulado de 10 anos, Filipe Nyusi vai debitar uma narrativa de sucesso de governação, tal como ele pontuou seus discursos de Estado da Nação ao longo destes anos segurando a batuta da Ponta Vermelha.
Mas ele vai dizer que não fez muito porque encontrou o país já de tangas e um Tesouro de cofres vazios, herdados do calote guebuzista. Seu governo fez muito para reverter o cenário sombrio das finanças públicas - negociando com os credores e litigando contra a Privinvest e companhia (cujo desfecho foi conhecido na semana passada) - mas nenhum esforço serviu para recuperar a confiança dos mercados externos, resultando num endividamento interno quase insustentável, estimado agora em 14 mil milhões de USD.
Ou seja, Nyusi vai também deixar um legado perverso, uma espiral de endividamento que manterá o país na cauda da pobreza. A questão central então é: ele não podia ter feito melhor? Talvez sim!
Mas sua governação foi um recorte de remendos mal urdidos, um despesismo ocioso e corruptivo e uma contradição insana entre princípios de políticas públicas e a prática no terreno (discurso e prática), como no caso da conservação ambiental, onde ninguém percebeu como é que o Governo aprovou a invasão da mineração de areias pesadas na costa sul de Moçambique em detrimento do turismo; muito menos a ressurreição do monstro obsoleto de Techobanine no meio de um santuário de preservação ecológica no sul de Maputo.
Filipe Nyusi vai certamente engasgar-se no seu discurso. Na verdade, ele não tem nada para celebrar. A Educação está uma lástima e a Saúde pior. As crianças moçambicanas continuam sentadas no chão e a madeira nacional é exportada para o benefício de uma elite rendeira. Os hospitais não têm compressas. Médicos, enfermeiros e professores estão em constantes reivindicações, a começar pelas condições de trabalho.
Nyusi vai citar o Sustenta, mas o desafio a longo prazo da agricultura e da segurança alimentar continuam intactos. Nyusi vai citar seu programa Um Tribunal Um Distrito, mas há cada vez mais moçambicanos detidos em cadeias precárias, com fome e doenças. Esse programa foi mais uma justificativa para a drenagem de fundos do Tesouro e nada que tivesse a ver com a humanização da Justiça em Moçambique.
O mesmo se pode dizer do programa Um Hospital Um Distrito, que essencialmente visava expandir os negócios do seu amigo da Moçambique Holdings, José Parayukem, na sua relação com o Estado.
O que mais dizer?
Ah, Cabo Delgado. Nyusi vai deixar as armas da guerra troando. Seu governo foi uma lástima neste quesito. Andou de negação em negação ao longo dos anos, depois instrumentalizou o conflito para criar oportunidades de renda através do procurement militar e no fim foi se ajoelhar no espertalhão do Kagame, que abraçou a protecção da TotalEnergies como bandeira da sua relevância na geopolítica da segurança a sul do mundo.
Mas onde está o gás? Nada!
“Carta” sabe que o projecto controlado pela TotalEnergies está retomando gradualmente suas operações, agora com uma componente humanitária mais consistente, mas nada indica que Nyusi assistirá ao levantamento da “força maior”. Um grande fracasso político, também neste sentido.
O país de Nyusi é um país de desesperança. A pobreza urbana é tremenda. A qualidade dos serviços públicos vem se degradando velozmente. O nepotismo impera. E o propalado combate à corrupção continua ainda nas boas intenções, tal como mostrou ontem o GCCC, que se agarra em estatística processual de casos ainda não transitados nem julgados para querer mostrar trabalho e sucesso.
Nyusi vai cantar hosanas à recente avalanche da PGR contra o branqueamento de dinheiro, mas esta reação penal decorre da demanda externa e não tem nada a ver com vontade endógena. De resto, como noutros casos, a PGR montou uma máquina de comunicação para mostrar o impacto da ofensiva, mas ninguém ainda foi julgado nem condenado. E a presunção da inocência é uma instância a considerar antes de qualquer vitória.
Combate à corrupção? Não, ninguém está interessado. O Governo de Nyusi foi claro nisso, quando recusou ostensivamente a distinção operacional entre pequena e grande corrupção, dizendo que essa distinção não fazia sentido. Só não faz sentido para quem não pretende reformas. Não se combate a corrupção de enfermeiro com a mesma pílula destinada ao lobista de colarinho branco, que controla toda a traficância do colarinho branco.
O próximo incumbente tem muito a fazer neste campo, mas ainda não vimos ideias sólidas sobre como reverter o problema. Mas este é tema para outro debate. Os dez anos de Filipe Nyusi foram um fracasso. Ele fracassou!
Simplesmente isso! Para sustentar nosso argumento do fracasso nyusista podemos elencar vários indicadores. Aliás, já o fizemos nas linhas traseiras. Faltou mencionar a evidência mais pungente: os raptos. Aqui você foi uma desilusão total, Senhor Presidente, um autêntico logro!
Bernardino Rafael, o Comandante Geral da Polícia nos governos de Filipe Nyusi, chegou ao fim da linha. No passado dia 9 de Maio, ele assumiu aquilo que todo o mundo sabe: a polícia moçambicana, que ele dirige, está infestada de criminosos.
Eis as suas palavras, vertidas na INSTRUÇÃO N° 05 /CGPRM/GCG/100/2024:
“Nos últimos dias, o Comando-Geral da PRM tem constatado, com maior preocupação, a ocorrência de crimes envolvendo membros da PRM, praticados com recurso a armas de fogo, com destaque para assaltos e raptos”.
Finalmente, um alto dirigente castrense coloca o dedo na ferida, mas, como vão notar, ele não procura um curativo por intrusão, optando apenas por cobri-la com paninhos mornos.
Em face da situação, eis o que Bernardino Rafael recomendou, ipsis verbis:
“Assim sendo, com vista a assegurar uma análise aprofundada e abrangente sobre este fenómeno, INSTRUO os Ramos, Direcções do Comando-Geral da PRM, Comandos Provinciais da PRM, Estabelecimentos de Ensino Policiais e Unidades das Forças Especiais e de Reserva a realizar uma reflexão sobre as causas do envolvimento dos membros da PRM em actos criminais e apresentar recomendações para a solução do problema.
Prazo: 30 dias a contar a partir da data da recepção da presente”.
Trivial. Bizarro. Inenarrável!
Bernardino no seu pior.
Bom, antes de mais vale a pena elogiá-lo pela coragem. Ele admitiu finalmente o que a sociedade sabe. Que muitos relatórios comprovam: sua polícia não tem brio, é corrupta e assaltante à mão armada, e são operativos.
De resto, o problema tem barba branca (no caso dos raptos, a PGR Beatriz Buchile não se cansa de apontar o envolvimento de membros do SERNIC) e acentuou-se no seu consulado, sobretudo no caso dos raptos.
E o que Bernardino fez para contê-los? Fugas para frente com ladainhas ocas. Aliás, ele é um dos responsáveis da inacção, por omissão, nomeadamente quanto à aceitação por Moçambique de assistência técnica estrangeira de “polícia científica” para combater os raptos, adensando a percepção de que a “indústria” tem beneficiários dentro da classe política.
E agora, em função do seu descobrimento, a reacção de Bernardino é surreal. Ele não menciona a necessidade de reforço das unidades de inteligência e vigilância interna e a facilitação da reacção penal por parte da Justiça contra os “polícias criminosos”.
Mesmo com evidências cada vez mais graves, ele faz uma instrução que é um convite à ociosidade dos seus comandantes e prova cabal do desnorte vigente. Durante um mês, os comandantes vão recostar-se nas suas poltronas de cabedal, fingindo que estão a elaborar a reflexão solicitada.
Só o desnorte pode levar um alto quadro policial moçambicano a ignorar a ACIPOL (ele menciona vagamente os estabelecimentos de ensino tutelados) e as universidades deste país quando se tratar de avaliar um comportamento que também pode ser consequência da inexistência de controlo e vigilância interna e falta de autoridade de quem está a ser convidado para fazer a avaliação.
Esta instrução demonstra autoritarismo e preconceito de um dirigente que já devia estar em casa, tanto mais não seja pelo falhanço total em Cabo Delgado. O que Bernardino Rafael devia ter feito é convidar uma avaliação externa e independente, anunciar o reforço da vigilância interna e manifestar disponibilidade para aceitar a cooperação internacional. Enquanto isto não for feito, nada feito!(Marcelo Mosse)
Eleito no conclave da “capela sinistra” da Frelimo na Matola na semana passada para candidato presidencial do partido no poder, Daniel Chapo diz-se predisposto. “Irrumele Irrumele, ita Famba”, entoa ele o refrão em xitsua, uma das línguas mais faladas em Inhambane, onde ele é Governador.
Veja o vídeo https://fb.watch/rZBVqKTW-_/
Chapo se mostra igual a si mesmo. Quando foi eleito no passado domingo, ele trajava jeans com sapatilhas, uma indumentária que parecia mostrar que ele não estava à espera da preferência.
Ontem, também, quando subiu a um palanque na cidade de Inhambane, para sua primeira aparição publica após a eleição, o traje respirava simplicidade.
Sua mensagem no vídeo é clara. Ele representa todos os moçambicanos. Contudo, Chapo desconstrói a percepção de que ele representa “a vez do centro”, como a turma de Filipe Nyusi no Comitê Centrar tentou fazer crer.
Ele nasceu em Inhaminha, em Sofala. Seu pai saiu de Inhambane para Sofala para trabalhar TransZambezia Railway, uma companha ferroviária extinta em 1988, que servia nas regiões interiores no eixo Beira, Marromeu e Inhaminga. Consta que sua mãe é da etnia cisena.
Sua ligação com Sofala é biográfica. Mas no vídeo, Chapo assume-me como filho de Inhambabe, uma terra abençoada, que já produziu ministros, incluindo o actual Primeiro Ministro, Adriano Maleiane, frisou ele.
Sua aparição ontem em Inhambane em jeito de agradecimento provincial insere-se também na pré-campanha eleitoral.
As eleições presidenciais estão marcadas para Outubro e o calendário aperta. A Frelimo ainda precisa de afinar sua máquina eleitoral. A renúncia de Roque Silva deixou um lugar crucial em aberto e que deve ser preenchido rapidamente, através de um Secretário Geral interino forte que também coordene a campanha.
Na quarta-feira, a Comissão Política da Frelimo esteve reunida mas foi inconclusiva quanto a esse assunto. Alguns nomes perfilam, mas nos bastidores avulta a ideia de que encontrar uma figura consensual será difícil.
Nas vésperas da campanha eleitoral, Daniel Chapo tem agora, também. um dos maiores desafios da sua vida: Recusar ofertas envenenadas, nomeadamente dinheiros provenientes do narcotráfico e do tráfico de influências, evitando condicionar a sua presidência à corrupção, como tem vigorado ultimamente em Moçambique.
Uma hipótese parece indesmentivel: a tentativa da sua cooptação por nyusistas e anti-nyusistas. Ele deve ter capacidade suficiente para fazer as pontes entre as correntes internas desavindas.
Quando a chuvada arrasadora do fim de semana desabou sobre o Grande Maputo, eu apostei que ela arrastaria consigo o habitual apagão de eletricidade.
Foi sempre assim. Ao mínimo ruidoso trovejar, o mundo ficava às escuras, um barulhão entre trevas.
Chuva e escuridão, tanta maldade junta, uma natural e outra decorrente da incompetência ou desleixo humano (chamem-lhe o que quiserem, rede de distribuição precária, etc).
No meio do desconforto, o habitual desfile das nossas lamúrias, vituperando contra o Governo e o bando de incompententes que gerem a EDM.
Minha aposta caiu no fundo do vaso sanitário. A chuvada trouxe à tona a habitual pobreza das nossas infraestruturas, tanta incúria acumulada na área do saneamento e ordenamento urbano.
Minha aposta foi qualquerizada. A EDM derrotou-me de forma retumbante.
Durante a chuvada fui paulatinamente desgrudando a vista de um apagão relampejando lá nos confins de um horizonte imaginário, O apagão, que já era uma obsessão, um desejo reprimível, não chegou.
Pela primeira vez na minha memória, Maputo enfrentou o caos da chuva longe da escuridão.
Para mim, isso é obra. No meio de muita ineficiência e inconsistência na gestão do sector empresarial do Estado, a EDM mostrou que é possível fazer o mínimo: cumprir sua missão sem as recorrentes trevas. Valeu. Serviço público deve ser assim.
Há quem reclame quando se pinta de horror a postura dos moçambicanos lá fora. Quando seus defeitos são extrapolados e suas qualidades espezinhada.
Mas há defeitos de incompetência e laxismo que vale a pena denunciar.
Como esta dos cartões de pagamento.
Você vai à África do Sul, seja por razões médicas ou simples compras, faz o booking do hotel, ou obras na viatura, e, quando chega o momento de pagar, a POS rejeita o cartão: declined.
Ontem foi assim em toda a África do Sul. Ainda pensei que a experiência fosse particular.
Mas hoje na fronteira a partilha da zanga e da frustração era maior. Ontem o meu banco dizia-me que o cartão não tinha qualquer problema, vai tentando, experimenta uma ATM, mas, afinal, era todo um sistema financeiro sul africano rejeitando nossos cartões Visa.
O vexame é terrível. Olham-nos com desdém, desconfiados, crápula de moçambicano, acha que me vai burlar?
E se a obra é da viatura ao sábado, lixa-te: as 15 horas estão fechando, como no liquor shop.
E somos empurrados para custos adicionais. Atrasos de agenda médica.
Mas e depois: quem é o responsável por esse recorrente “bug”.
Ninguém aparece dando a cara, ninguém diz nada, e os sumptuosos administradores do Banco de Moçambique assobiando para o ar em seu novo-riquismo torpe.
Pois é: este é um defeito que deve ser combatido por todos. Este não deve passar sem menção, pelas piores razões.
CO problema é que a incompetência está carcomendo as instituições públicas e privadas como uma metástase. Por amor de Deus! Quo vadis Moçambique?
O processo político moçambicano pode estar à beira de um grande impasse. O título deste texto encerra, aliás, a grande questão política do momento. As eleições de Outubro de 2023 foram consensualmente fraudulentas. Comprovadamente. Relatórios da observação eleitoral independentes deram disso conta, incluindo a monitoria da Comunidade Internacional, mostrando que o calcanhar de Aquiles residia no trabalho e competências dos principais órgãos eleitorais, nomeadamente a Comissão Nacional de Eleições (incluindo o STAE, Secretariado Técnico de Administração Eleitoral), o Conselho Constitucional e, pela primeira vez tidos e achados no processo, os Tribunais Distritais.
Como saída para essa crise, gerou-se tacitamente na sociedade uma espécie de urgência no sentido de reforma do aparato de gestão eleitoral em Moçambique, com a Frelimo a não se opor.
Os mais interessados no processo de reforma eleitoral em Moçambique são os principais partidos da oposição, Renamo e MDM, que prontamente tomaram a dianteira de submeter junto da Assembleia da República suas propostas de reforma.
Visando a sessão da Assembleia da República que iniciou no passado dia 22 de Fevereiro, a Renamo submeteu junto das bancadas da Frelimo e do MDM um projecto de Lei visando a alteração da Lei de Eleição do Presidente da República e dos deputados da Assembleia da República.
O Movimento Democrático de Moçambique (MDM) não ficou atrás, tendo também submetido na AR suas propostas visando a prevenção da fraude, centrando-se não apenas na eleição presidencial e legislativa, mas também na eleição dos membros das assembleias provinciais e governador provincial. Não são conhecidas as propostas da Frelimo.
Na semana passada, a Assembleia da República, através de uma Comissão criada para o efeito, começou a trabalhar, num retiro na Ponta do Ouro, no sentido de dar corpo às reformas eleitorais. Na quinta e sexta-feira, a Comissão (chefiada pela deputada Ana Rita Sithole) recebeu formalmente as propostas das três bancadas e elaborou uma matriz comparativa. Nesta semana, está a ser feita a análise das propostas por parte das bancadas (Frelimo a analisar as propostas da Renamo e MDM e vice-versa), o que deverá culminar com a elaboração de um anteprojecto a ser entregue à Comissão Permanente.
Mas a questão central que se coloca é que parte considerável das propostas submetidas pela oposição tem implicações sobre a Constituição da República, como por exemplo a transferência de poderes do Conselho Constitucional para os tribunais distritais, como propõe a Renamo, que apresentou uma proposta controversa para lidar com os papéis dos tribunais distritais e do Conselho Constitucional.
Este é apenas um exemplo. Há muito mais propostas de reforma que implicam mudanças na Lei Fundamental. A questão que se coloca é se há condições para uma revisão da Constituição antes de Outubro, ou seja, em menos de seis meses.
Nenhum partido transmitiu sua posição sobre se, no intuito da reforma da legislação eleitoral, o adiamento das eleições para o próximo ano pode ser uma opção a tomar. Ou se se avança para as eleições com um aparato legal vigente. Nos próximos dias, este assunto vai virar polémica. Certamente que um grande impasse no processo político em curso. (Marcelo Mosse)
Lembram-se da ladainha oficial que menosprezou os sinais do terrorismo quando ele dava seus passos iniciais : é assunto de Polícia.
Hoje temos guerra fraticida.
A ladainha deve ter servido para qualquer coisa, como o endinheiramento centrado na logística castrense.
Hoje Cabo Delgado está um caos e a TotalEnergies hesitando.
Lembrei-me desta saga interminável quando ouvia este podcast com Stefan Dercon, professor de Política Econômica na Universidade de Oxford.(em anexo e recomendo vivamente).
Ele diz uma coisa simples: sem que as elites concordem que o caminho é o desenvolvimento, o contrário vai vigorar, a trapaça da pobreza.
Esta é uma hipótese para Moçambique: nossas elites políticas e econômicas ainda concordaram numa visão de progresso colectivo. Cada um olha para si, empobrecendo o Estado.
Cabo Delgado foi (é) palco de experiências terríveis de enriquecimento e acumulação, e quando se conjecturava o fim do terrorismos que Nyusi bem amplificou com hosanas para si mesmo, ei-lo dando sinais vitais, marchando para o sul.
E o gás está lá, vendo navios no Rovuma.
Mas lembram-se também dos primórdios do gás do Rovuma,, entre 2005/7? Ainda pensava-se num gasoduto para a África do Sul, país então visto como potencial mercado… bom esta África do Sul está já exultar com a descoberta de petróleo lá.
Os analistas dizem que a descoberta é como que um “game changer”. Ou seja, tem o pontecial para uma mudança estrutural da economia sul africana. E parece que a TotalEnergies tem espaço para avançar lá. sem um cordão de segurança ruandês, como em Afungi, e a escassos km terrorristas mostrando toda a sua malvadez.
Vejam o vídeo sobre a descoberta do petróleo na sul africano. Eles vão monetiza-lo rapidamente. Com a transição energética, só pode. Mas e nós? Qual é a responsabilidade das elites no atraso do gás do Rovuma?
Marcelo Mosse
Video 1: https://www.youtube.com/watch?
Nesta semana, a Comissão Política da Frelimo deverá reunir-se para, entre outras coisas, escolher três nomes entre os seus membros (ou apenas um), os quais serão propostos para a reunião ordinária do Comitê Central, em Março, onde deverão ser sufragados na contenda interna para a escolha do candidato presidencial da Frelimo para as eleições de Outubro deste ano.
Mas, diferentemente do processo de sucessão do antigo Presidente Armando Guebuza, iniciado em Novembro de 2013 e culminado com uma disputa a cinco, é muito provável que os procedimentos venham a ser alterados.
Em Novembro de 2013, quando Alberto Vaquina, José Pacheco e Filipe Nyusi foram chancelados pela Comissão Política de Guebuza, que se reunira na Namaacha (e o antigo SG da Frelimo, Filipe Paúnde, surgiu, manhoso, garantindo que aqueles eram os únicos candidatos), o trio ainda teve tempo de percorrer país, nas semanas subsequentes, disseminando suas propostas entre os membros do partidão. Na altura, havia três meses pela frente, antes de Março e o processo se desenrolou num ambiente de quase serenidade.
Mais tarde em Março, já em pleno Comité Central, a ACLIN (Associação dos Combatentes da Luta de Libertação Nacional) forçou a entrada de Luísa Diogo e Aires Aly, a contragosto do guebuzismo. Nyusi ganhou no despique final contra Luísa Diogo.
Agora, diferentemente do de Guebuza, o processo de sucessão de Nyusi está envolto num grande tabu. À prontidão da escolha dos três nomes pela Comissão Política de Guebuza vigora hoje omissão e ambiguidade. Fora de um círculo muito restrito na Frelimo, que alegadamente controla agora a narrativa sucessória, ninguém sabe o que está a acontecer nos bastidores e a especulação avulta.
Objectivamente, o calendário eleitoral não pára. Já estamos em Fevereiro e Março está ao virar de esquina. Isto significa que, definitivamente, o momento da “campanha primária” que Guebuza proporcionou aos três propostos da altura vai ser posto de lado. Não apenas pela proximidade da reunião do Comitê Central, mas também por causa do calendário de submissão das candidaturas presidenciais ao Conselho Constitucional, que devem ser apresentadas ao CC até ao próximo dia 10 de Junho.
É muito provável que a tão esperada reunião da Comissão Política possa vir a ter lugar nesta segunda-feira, depois de um mês no silêncio. Estatutariamente, a Comissão Política reúne, ordinariamente, uma vez por mês, por convocação do Presidente, no calendário de eventos do Estado na semana que hoje começa não há nada de extraordinário que possa impedir que esse conclave aconteça.
A grande questão que se coloca é mesmo essa: qual é a razão suficiente para o tabu!
Há duas interpretações conflituantes. A primeira é a de que Filipe Nyusi já não controla a narrativa da sua própria sucessão. Alega-se que um grupo restrito de veteranos fundadores do partido, ainda com uma dose de poder simbólico, terá assumido a batuta do processo.
A veterania, reza a teoria, estará a influenciar o atraso da derradeira sessão da Comissão Política, de modo que, quando ela acontecer, a perspectiva da indicação de uma lista curta de três nomes por parte da CP deixe de fazer sentido.
O resultado previsto desta alegada pressão da veterania é a CP ser empurrada para fazer das duas uma: i) ao invés de três nomes, a CP propõe apenas um nome (com um perfil já desenhado em segredo) e esse iria solitariamente ao crivo do Comitê Central em Março; ii) a Comissão Política é ser forçada a não tirar agora sua lista curta para fora do baralho e, ao invés, uns Termos de Referência orientariam a escolha do candidato pelo CC.
O denominador comum desta proposição é a veterania frelimista pretender evitar que o mercado de compra e venda de votos saia para a rua mesmo antes do anúncio da data da realização do CC.
A segunda interpretação conflituante é a de que o atraso da realização da derradeira sessão da CP se deve a uma estratégia de Nyusi e sua “entourage”: revelar as três propostas muito antes do CC seria expor os nomes a um previsível e esperado vexame, ao insulto das “fake news” com algumas meias verdades de permeio, a exposição maliciosa que, aliás, já foi ensaiada logo após a “rentrée” política na terceira semana de Janeiro, depois das férias da quadra festiva do Natal e Ano Novo.
Em 2013, ainda não havia, nas bases e nos grupos de WhatsApp de militantes, esse ambiente de cortar à faca, extravasando para as redes sociais a penosa realidade de seus grupos patrimonialistas digladiando-se em torno do controlo do “rent seeking” e dos canais de acumulação primária de capital junto do Estado.
Mas a nomeação de Nyusi para candidato em 2014 inaugurou o mercado interno de compra de votos para a ascensão a lugares de relevo e isso foi se sedimentando ao mesmo tempo que a opção pelo autoritário tornou-se marca d'água do regime.
Hoje, Filipe Nyusi tem a consciência de que todos os três nomes, logo que forem lançados, vão ser alvo das atoardas anónimas, de um julgamento público desonesto, aliás, como nunca se viu em Moçambique, ficando, apesar de tudo, com sua imagem de integridade beliscada no seio da opinião pública – e aqui, os candidatos que vierem a ser propostos em pleno CC levando alguma vantagem.
Um dos grandes objectivos da alegada intervenção da veterania da Frelimo neste processo é tentar evitar a todo o custo a mercantilização do voto na escolha do candidato pelo Comitê Central. Foi por isso que, logo após as eleições autárquicas de Outubro, vozes de peso na Frelimo vieram sugerir a realização de uma Reunião Nacional de Quadro, justificando a necessidade com a “crise” dos resultados eleitorais.
Agora, sabemo-lo, o objectivo central era evitar que a escolha do sucessor de Nyusi fosse feita apenas dentro dos critérios mercantilizados do actual CC. A ideia é a de que, se isso não for revertido, Nyusi ganhará na escolha do seu sucessor, numa altura em que todo o mundo quer um virar de página.
Nesse quesito da mercantilização, Nyusi tem mesmo vantagem. Parte-se do princípio que ele já “colocou no bolso” todos os 11 secretariados provinciais mais o secretário nacional (lembram-se da oferta de viaturas após a reunião do Comitê Central no passado), perfazendo cerca de 90 votos e quem tem isso tem um caminho para a vitória.
Então, a questão que prevalece é: será que os grupos anti-Nyusi irão conseguir combater a mercantilização do voto ou não? Por outras palavras: a sucessão de Nyusi vai obedecer ao critério da alternância regional (que parece já não fazer sentido, embora José Pacheco insista nesse diapasão); ao critério de eventuais de novos Termos de Referência numa perspectiva de remoralização dos procedimentos electivos; ou ao critério das guerras fratricidas entre os grupos patrimoniais que almejam controlar os negócios do Estado e não necessariamente conduzir o país a bom porto? Com o calendário da sucessão atrasado, estas questões parecem fazer sentido.(Carta)