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sexta-feira, 04 março 2022 03:27

O significado da remodelação governamental

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O Presidente Filipe Nyusi engendrou esta remodelação para fazer uma nova arrumação das suas peças no xadrez. Mas qual é o seu objectivo central?

 

Ela tem como pano de fundo o Congresso da Frelimo, que terá lugar algures neste ano. Nyusi está a lançar aos militantes da Frelimo (e à Sociedade) a ideia do inconformismo, que ele também partilha da crise que o país vive. A economia tarda em relançar-se, depois da Covid 19, e vem aí mais choques externos, provavelmente nos combustíveis e pão, por causa do ataque russo à Ukrania.

 

Então, a ideia de um novo governo mostra um cometimento para a mudança, representa a imagem de um novo arregaçar de mangas. De resto, a nova disposição das pedras no tabuleiro é mais forte. Há poucos meses do Congresso, Nyusi não pode ser acusado de ter ficado de braços cruzados; até trocou um Primeiro-ministro, colocando Adriano Maleiane, uma figura mais afável embora acusado de nunca impor sua autoridade.

 

Esta remodelação faz também uma coisa: deixar cair o voluntarioso Ministro das Obras Públicas e Habitação, de uma forma suave, aliviando o peso de uma demissão por eventual mau desempenho. A forma como Machatine sai do Governo, ele que era uma das principais pedras do Presidente, foi muito bem estudada. Machatine não foi afastado como um inútil. Com ele, Nyusi demitiu quase que solidariamente o PM Carlos Agostinho do Rosário, numa perspectiva de controle de danos. Se Machatine tivesse saído sozinho, todo mundo estaria hoje concentrando seu debate nas Revimos e estradas deficientes, mas o mal foi distribuído pelas aldeias.

 

João Machatine é um homem que arregaçou as mangas e fez os trabalhos que lhe competia. Mas caiu na armadilha de uma conjuntura hostil, uma economia política das obras públicas marcada pela corrupção e compadrio, empreiteiros piratas, engenheiros falsários, concursos manipulados, onde pastas de dinheiro são distribuídas pelas escadas de serviço, ditando a adjudicação de obras. Nos últimos dias, João Machatine denunciou alguns desses males mas, em véspera de Congresso, Nyusi preferiu fazer as vontades das correntes internas que lhe arrastaram para a mudança.

 

Mais uma vez, o Congresso como ponto de chegada – e quem sabe de partida para o PR se propor para um terceiro mandato – foi um factor determinante para a mudança.

 

O homem escolhido para as Obras Públicas e Habitação, Carlos Mesquita, é uma figura de respeito e com uma folha limpa. Um empreendedor que conhece muito bem as artimanhas de quem está no sector privado e que vai ter que dar tudo para defender seu prestígio. Seus maiores desafios são a reabilitação da EN1, com 600 milhões de USD já assegurados pelo Banco Mundial, a retenção e provisão de água e a reconstrução de Cabo Delgado,

 

A demissão de Augusta Maíta decorre do mesmo objectivo de Nyusi se pacificar com algumas correntes internas descontentes. Maíta, mal assessorada, entrou em guerra com os generais das pescas, retirando-lhes, sem justificação plausível, suas quotas de pescaria para a presente época. Isso aconteceu em Dezembro de 2021. Nas últimas semanas, Maita foi inundada de cartas de armadores reclamando contra suas decisões. É muito bem provável que o generalato tenha ido bater à porta de Filipe Nyusi.

 

De resto, Augusta Maíta já estava em guerra contra tudo e todos. Contra os armadores de pesca industrial e contra os kapenteiros (pescadores do peixe kapenta) da Albufeira de Cahora Barra. Todos eles disputam a aplicação retroactiva no novo regulamento de pescas, que institui os novos Direitos de Pescas. É uma espécie de DUAT das pescas, que não reconhece os direitos adquiridos de quem está operando há mais de 30 anos. O Conselho Constitucional já deu seu parecer desfavorável contra essa aplicação retroativa, mas Maíta fez vista grossa. Sua saída do Governo é completamente inglória.

 

A nova titular do Mar e Águas Interiores e Pescas, Lídia de Fátima da Graça Cardoso, tem um ar de senioridade (e serenidade) suficientes para marcar sua governação com um estilo de diálogo e mais conciliatória com os principais “stakeholders” do sector. Mas, para isso, ela deve se precaver com a assessoria que vai lá a encontrar. Seu desafio maior é a pesca furtiva, nunca atacada de forma incisiva.

 

Já Carlos Zacarias é o “faxineiro do gás” que chega ao topo a carreira no MIREME (eles conhece os cantos da casa) e que, no leme do Instituto Nacional de Petróleos, esteve a frente dos mais recentes concursos de prospeção de petroleio e das intricadas negociações com os operadores do gás do Rovuma. Ele conhece toda a cadeia de valor da indústria. Sua escolha só poder ser por sugestão de Max Tonela. Isto significa que Tonela pode continuar a ter algum espaço de opinião sobre o sector, dentro do Conselho de Ministro, alargando sua margem de influência no processo decisório governamental, sobretudo em relação ao gás do Rovuma.

 

Em suma, esta remodelação veio em bom momento. O governo arregaça as mangas e recupera alguma adrenalina para os últimos dois anos do mandato de Nyusi, que sai reforçado. Fica um senão: ele não tocou nalguns ministros com demonstrada incompetência, como nos Turismo e Cultura, Transportes e Comunicações e Terra e Ambiente. Uma pena! (Marcelo Mosse)

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